ENTREVISTAS
"O
texto era muito importante"
Depoimento
de Gregório Bacic a Valquíria Kneipp*
Na entrevista a seguir, o jornalista, cineasta e diretor
de televisão paulista Gregório Bacic - idealizador
e diretor do Programa "Provocações",
da TV Cultura - fala sobre sua trajetória profissional
no telejornalismo brasileiro.
Valquíria
Kneipp: Desde quando você trabalha em televisão?
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Reprodução
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Gregório
Bacic: Comecei a trabalhar em televisão em março
de 1967, quando a TV Bandeirantes estava se preparando
para entrar no ar. Eu fiz parte da primeira equipe de jornalismo
da TV Bandeirantes, chamada de titulares da notícia,
que inaugurou a tevê Bandeirantes no dia treze
de maio daquele mesmo ano. Eu trabalhava antes na Rádio
Bandeirantes.
VK:
Em quais emissoras você já trabalhou, além
da Bandeirantes?
GB:
Eu trabalhei como jornalista na Bandeirantes, fazendo
o telejornal. Trabalhei na Tevê Globo em 1968,
num jornal que era uma espécie de antecessor do espírito
atual do Jornal Nacional, que surgiu em 1969.
Ele
era feito ao meio-dia, em São Paulo e no Rio de Janeiro,
com trocas de matérias em vídeotape do
Rio, que vinham pra cá de avião, e daqui, que
iam de avião para o Rio de janeiro no dia anterior.
Trabalhei
depois na TV Cultura, não como jornalista, mas
como diretor de programa; mas em alguns casos eu fiz alguma
coisa jornalística. Por exemplo, eu participei extra-oficialmente,
fiz algumas matérias mesmo, para o telejornal, o primeiro
telejornal da TV Cultura - que era o Hora da Notícia.
que era uma vez por semana quando foi criado. Algumas vezes
me pediam, e eu era muito amigo das pessoas que faziam jornalismo.
Cheguei
a fazer algumas matérias, mas nada oficialmente. Depois,
jornalisticamente falando, eu vim a trabalhar na TV Globo,
no Globo Repórter, em São Paulo, que era
situado na área do jornalismo, apesar de eu achar que
o que eu fazia lá, o que nós fazíamos lá,
não era necessariamente jornalismo.
Nós
fazíamos documentários. Em 1979 eu fui chefe de
jornalismo da Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
Ah, eu acho que em termos de jornalismo é isso. Atualmente
estou no programa Provocações, que não
é um programa jornalístico, se bem que muita gente
insista que é.
VK:
Quais foram as funções que já exerceu
em todas essas emissoras?
GB:
Sempre no jornalismo... As funçãos eram um pouco
diferenciadas naquele tempo, a gente tá falando de em
período há quarenta anos. Eu fui redator. Eu fui
editor. Fui repórter algumas vezes. Fui chefe de jornalismo
da Rádio Nacional do Rio, como eu já disse.
Basicamente
isso: também fui diretor de programas na TV Globo.
VK:
Quais eram as características necessárias para
se trabalhar na tevê nos anos 60? O que eles exigiam?
GB:
Em termos de jornalismo, uma coisa que era muito importante
naquele tempo era o texto. Porque era uma época em que
o maior número de figuras que trabalhavam no jornalismo
eram redatores. No rádio, na televisão.
Na
televisão começou a haver um número maior
de repórteres, mas eram repórteres que trabalhavam
basicamente com o texto e também gravavam o texto no
local do acontecimento, eles diante do local do acontecimento.
Seria
uma espécie de transmissão externa, filmada, é
claro filmada, revelada e posta no ar. Então, era um
texto fluente, bom, um texto compreensível, um texto
enxuto.
VK:
Então, no começo tinha que ser bom redator
e depois, quando a televisão foi evoluindo, mudaram as
exigências ou continuou existindo aquela coisa de ser
bom redator para trabalhar na TV?
GB:
Olha é difícil te dizer isso... Eu fui como redator,
eu fui editor desse jornal da Globo que eu te falei.
Eu fui para o Globo Repórter, que foi a minha
experiência posterior, alguns anos depois, já nos
anos 70, mas com a cabeça completamente em outra, que
era de fazer documentário, que eu não considero
um trabalho jornalístico. Apesar de ele estar sitiado
numa área de jornalismo, no Globo Repórter.
Certo. Mas era outra coisa lá.
Éramos
os cineastas que faziam TV lá; cineastas como Eduardo
Coutinho, João Batista de Andrade, eu, no caso mais uns
três ou quatro que apareciam lá, que faziam documentário
no Rio e em São Paulo. Na Rádio Bandeirantes,
na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, quando eu
era chefe do jornalismo era outra história, mas ali existia
ainda uma concepção, um desenho muito fundamentado
no redator de rádio e não no repórter,
era no redator no caso.
Mais
para frente escassearam as minhas atividades jornalísticas.
Então, eu não posso te dizer exatamente o que
mudou, o que houve; o que eu percebo pela minha vivência
muito próxima dentro das emissoras de televisãoé
que houve uma valorização, um crescimento da equipe
de repórteres. Houve de lá para cá que
um empobrecimento, vamos dizer assim, da necessidade de redatores.
Certo,
porque, mesmo porque as coisas já vêm prontas,
nós estamos assim numa espécie de fast food
jornalístico, em que as assessorias de imprensa, as agências
noticiosas, esses serviços todos já mandam textos
que muitas vezes são colados e colocados no ar.
VK:
Naquela época como que era a hierarquia da redação?
GB:
Nos anos 60, no telejornal da TV Bandeirantes existia
um chefe de jornalismo. Eu me lembro que o diretor de jornalismo
era Alexandre Kadum.
Existia
um chefe de reportagens, que era geralmente um repórter,
mas os repórteres não tinham uma formação
jornalística diferenciada para televisão, porque
essa ida para fora era feita com câmeras filmográficas,
famosas câmera Auricom, eram coisas pesadas etc.
Eram muito limitado o trânsito do jornalista, seja por
questões de equipamento e de tempo, porque ele tinha
que voltar logo para a emissora para revelar o filme e para
que ele seja secado e montado até a noite. Além
do mais, estávamos sob a ditadura militar.
Então
acontecia exatamente essa coisa. A gente não metia no
nariz em tudo quanto é lugar, certo. Tinha que se comportar
e muito bem, dentro da cartilha das emissoras do governo, da
censura etc... essa coisa toda.
Por
isso que eu disse o repórter era geralmente uma pessoa
que fazia uma transmissão externa do local onde aconteceu
alguma coisa, falava um texto bem comportado, voltava e revelava
aquilo certo.
O
chefe de reportagem, a chefia de reportagem era quase que a
mesma coisa que o diretor de jornalismo, que supervisionava
um pouco, e às vezes que o secretário de redação.
Existia a figura do secretário de redação,
que era o editor do telejornal. No caso, existiam aí
os redatores: o redator do internacional, o redator do nacional
e o redator do local.
Éramos
três redatores no caso.
Existia
a pessoa que dava o suporte de imagem, porque naquela época
existia um arquivo de slides para - toda vez que se citava alguém
que era recorrente nos jornais - se colocar a fotografia da
pessoa no ar. Então, as imagens colhidas eram em pequeno
volume e eram limitadas por essa questão telecinematográfica
que eu disse a você.
VK:
A influência maior desta época era do cinema?
GB:
Não é uma questão de ser uma influência
maior, mas era cinema. Ou seja, existia um departamento de jornalismo
na Globo, que tinha uma área que se chamava Globo
Repórter, que tinha os seus editores no Rio de Janeiro
e em São Paulo e que eram ligados e administrados pelo
jornalismo; mas eram departamentos à parte e com autonomia.
Esse
departamento no Rio de Janeiro e nacionalmente era comandado
pelo Paulo Gil Soares, que era um cara de cinema, que trabalhou
inclusive com Glauber Rocha etc..., trabalhou em cinema baiano,
ele era baiano inclusive. No primeiro momento, o Globo Repórter
era feito pela Blimp Filmes, que pertencia ao Guga, que
era irmão do Boni, que sempre trabalhou com cinema e
televisão; as coisas mais elaboradas para televisão
eram em linguagem de cinema, isso dentro ou fora do jornalismo.
No
jornalismo, na época em que eu estive lá a área
era comandada por Fernando Pacheco Jordão, que era um
jornalista, mas que eu considero uma pessoa acima das denominações
e das categorias de todas essas caixinhas, de todas essas políticas,
era uma questão de cabeça. Ou seja, ele entendeu
claramente que os grandes trabalhos que se poderia fazer eram
trabalhos de documentário e documentário da maneira
como ele via em Londres, onde ele trabalhou antes, como ele
via na Europa, onde ele trabalhou antes, que eram feitos, na
verdade, com uma cabeça cinematográfica.
Então
ele fazia o Globo Repórter, era departamento de
jornalismo etc.
Mas
o que você pega daquela ocasião é uma linguagem
elaborada de grande reportagem, no caso. Tem algumas preocupações
artesanais de cinema, no fazer na carpintaria do trabalho, vamos
dizer assim. Então, eu fazia documentários...
Você vê que as pessoas que faziam documentário
naquela ocasião ainda estão por aí hoje,
além de mim, por exemplo, que passei a fazer documentário.
Você
tem o Eduardo Coutinho, que é cineasta, você tem
o Hermano Pena, que é um cineasta, você tem João
Batista de Andrade, que também é cineasta.
Praticamente
todos esses eram cineastas, eram muito poucos aqueles que poderíamos
chamar de jornalistas, que fizeram algum trabalho que
tenha ficado, que tenha tido uma vida mais longa.
*Valquíria
Aparecida Passos Kneipp
é jornalista.
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