Práxis
jornalística em
contextos de cultura popular:
A
experiência do jornal Notícias
do Jardim São Remo
Por
Dennis
de Oliveira*
Resumo
Este
trabalho é uma reflexão da
experiência do jornal popular Notícias
do Jardim São Remo produzido
pelos alunos do primeiro ano do curso de
Jornalismo da ECA/USP e destinado aos moradores
do Jardim São Remo, bairro originado
de uma favela urbanizada vizinha ao campus
da USP. Utilizou-se nesta reflexão
os dados empíricos de uma pesquisa
realizada junto aos moradores sobre mídia,
relação com a universidade
e visões sobre o bairro e os conceitos
teóricos de compreensão, vínculo
e comunicação de Muniz Sodré
e fragmentação dos espaços
de sociabilidade de Zygmunt Bauman. Propõe-se
uma revisão dos conceitos da relação
comunicação e grupos sociais
subalternizados como ponto de partida para
edificar uma proposta diferenciada de jornalismo
popular.
Palavras-chave
[Processos
midiáticos e culturais / Comunicação
e cultura popular / Comunicação
e cidadania]
Introdução
O
Jardim São Remo é um bairro
formado pela urbanização de
uma favela localizada atrás do campus
Butantã da Universidade de São
Paulo. Boa parte dos seus moradores trabalha
na universidade tanto como funcionários
públicos efetivos como empregados
de empresas terceirizadas que realizam os
serviços operacionais ou ainda nas
lanchonetes particulares que funcionam no
campus. Desde meados dos anos 90, a universidade
desenvolve vários projetos de atendimento
à comunidade.
Historicamente,
há uma situação de
proximidade e conflito dos moradores deste
bairro, com todas as suas carências
sociais, com a vizinha universidade, tida
como a maior do país e que concentra
pessoas de segmentos sociais privilegiados.
Segundo levantamento ainda em conclusão
feito pelo Projeto Alavanca (uma das ONGs
que atuam no bairro) existem no Jardim São
Remo cerca de 2.300 moradias e uma população
estimada em 6.000 habitantes.
O
Jardim São Remo insere-se teoricamente
no conceito proposto por Zygmunt Bauman
de espaço vazio. Bauman afirma
que a liquidez da modernidade - termo que
ele utiliza ao invés de pós-modernidade
pois considera que o que houve no final
do século XX foi uma aceleração
de processos formais da modernidade porém
sem a solidez dos seus valores éticos
- fragmentou o espaço público
em quatro lugares: lugares êmicos,
lugares fágicos, não lugares
e espaços vazios.
Por
lugares êmicos, Bauman define os espaços
constituídos como meras passagens,
onde não há elementos culturais
que apontam para uma fixação
do sujeito. O êmico significa aqui
expulsar, regurgitar o indivíduo.
Por lugares fágicos, Bauman considera
aqueles que se constituem de tal forma que
engolem o sujeito, impedindo-o de expressar
particularidades, como exemplo ele cita
os shoppings centers, locais onde
todos se deixam engolir pela cultura do
consumo.
Já
os não lugares são aqueles
em que não se percebe elementos identitários
que o caracterizam, pasteurizando-os de
tal forma que se assemelham uns com outros.
[1] Marc Augé cita como exemplo destes
não lugares as alas internacionais
dos aeroportos - todas se parecem tanto
que na hipótese de uma pessoa viajar
pelo mundo inteiro sem sair das alas internacionais
terá a impressão de estar
sempre no mesmo lugar. [2]
Estes
três lugares produtos da fragmentação
do espaço público são
produto da crise do modelo de agir político
do projeto da modernidade. É esta
crise do chamado espaço público
e da sociedade civil que caracterizam
uma tendência a uma postura anódina
do sujeito que se vê sem valores sólidos
para sustentar sua construção
de subjetividade. É uma crise do
indivíduo renascentista, base para
a edificação da sociedade
liberal nos séculos XVIII e XIX e
que se apresenta como uma crise da racionalidade
ocidental. [3]
Porém,
os espaços vazios expressam
uma ambivalência neste momento de
crise. Bauman define como os locais onde
se concentra a grande massa de excluídos.
Por esta razão, são lugares
que não tem sentido na lógica
liberal e se apresentam como "perigosos"
para a ordem hegemônica. Porém,
além disto, tais espaços são
vazios porque suas lógicas não
são compreendidas pelos valores estabelecidos
na lógica hegemônica e, mais
que isto, expressam, de diversas formas,
maneiras de construção de
subjetividades distintas da concepção
renascentista de ser humano.
Esta
outra lógica coloca um desafio para
o discurso midiático-jornalístico,
uma vez que este foi concebido tendo como
pressuposto o atendimento de demandas desta
subjetividade renascentista. As relações
estabelecidas nestes universos têm
outros valores distintos gerando relações
diferenciadas com a mídia que ora
podem ser aproveitadas pela indústria
dos meios de comunicação de
massa para ampliar seu alcance no sentido
comercial, mas também que podem criar
outros elementos não necessariamente
controlados por estes grandes meios.
Assim,
consideramos vazios tais espaços
dentro da perspectiva liberal clássica,
porém cheios de conteúdo
a partir de uma ótica distinta.
O
projeto do jornal Notícias
do Jardim São Remo
O
jornal laboratório Notícias
do Jardim São Remo (NJSR)
iniciou-se em 1994, no formato de jornal
mural, idealizado pelo professor Manuel
Carlos Chaparro na USP. A tiragem do mural
era de 300 exemplares e afixado em locais
públicos dentro da comunidade do
bairro Jardim São Remo, na zona oeste
da cidade de São Paulo. Este periódico
é uma atividade desenvolvida com
os alunos do primeiro ano do curso de Jornalismo
da Escola de Comunicações
e Artes da USP e se insere na série
de projetos de extensão desenvolvidos
pela USP neste bairro.
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1. Notícias do Jardim São
Remo, ano 14, nº
4, jun2007. [capa]. |
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Desde
2000, o jornal deixou o formato mural e
passou a ser um standard de oito
páginas, de periodicidade quinzenal,
com 1.500 exemplares distribuídos
gratuitamente na comunidade pessoalmente
pelos alunos. Já em 2006, o formato
do jornal foi alterado para tablóide,
16 páginas com a mesma tiragem e
forma de distribuição.
O
grande dilema deste projeto é a sua
caracterização. Inicialmente,
o periódico guardava traços
de um jornal de bairro, limitando seus valores-notícia
à proximidade geográfica com
o público leitor. O próprio
formato inicial, as pautas, a forte presença
da prestação de serviços
no conteúdo do jornal demonstrava
esta característica.
Este
formato apontou alguns problemas. O primeiro
deles é que a mídia jornal
impresso não é a principal
pautadora dos debates públicos no
Brasil, particularmente, nos segmentos populares.
Venício Lima [4] já aponta
em vários estudos que o grande produto
midiático que pauta as discussões
públicas no Brasil é a telenovela.
O jornal impresso aparece muito mais como
uma complementação de discussões
e, no caso de jornais destinados a públicos
populares, como instrumento de sedimentação
de costumes já estabelecidos em outras
mídias.
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Imagem
2. Notícias do Jardim São
Remo, ano 14, nº
3, mai2007. [capa]. |
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Diante
disto, um jornal popular se consolida a
medida que ele está articulado com
outras dimensões comunicativas típicas
de contextos populares. Para tanto, entendemos
ser importante os conceitos de vínculo,
comum e compreensão proposto
por Muniz Sodré.
Só
se compreende no comum.Compreender significa
agarrar a coisa com as mãos, abarcar
com os braços (do latim cum-prehendere),
isto é, dela não se separar
como acontece no puro entendimento (do
latim in-tendere, penetrar) intelectivo,
em que a razão penetra o objeto,
mantendo-se à distância para
explicá-lo. No entendimento explicativo,
um fenômeno particular fica subsumido
a uma lei geral, enquanto na compreensão
o fenômeno guarda a sua singularidade,
isto é, sua unicidade incomparável
e irrepetível. [5]
Quanto
ao comum (instaurador de vínculo)
é precisamente esse plural manifestado
na totalidade das vinculações
humanas que não se deixa definir
nem como uma unidade universal abstrata,
nem como uma centrifugação
de diferenças. Não se trata,
portanto, de um mero estar-juntos entendido
como aglomerado físico de individualidades
(por exemplo, a comunidade enquanto massa
gregária substancializada) e sim
da condição de possibilidade
de uma vinculação compreensiva.
O comum é a sintonia sensível
das singularidades, capaz de produzir
uma similitude harmonizadora do diverso.
[6]
Quando
se pensa em comunicação, o
sentido etimológico do termo articula
as dimensões de ação/agir
e tornar comum. Vattimo [7] defende a idéia
de que comunicação pressupõe
uma comunidade afetiva mantida por um acordo
de gostos em torno do problema da partilha
coletiva de vozes e sensações.
A
comunicação está vinculada
a um processo de compreensão
da realidade e a contradição
da comunicação jornalística
reside no fato desta se originar em um contexto
da emergência do ser humano renascentista
que se centra na busca pelo entendimento
racional. Daí que surge o entendimento
de que os produtos midiáticos preferidos
pelas classes populares são de "pior"
qualidade porque não se centram nesta
busca do entendimento racional e sua preferência
dá-se por uma suposta ausência
de instrução desta população.
Perde-se,
com esta visão elitista, um universo
de construção de sentidos
importante que se centra na dimensão
vinculativa e não relacional/contratual
e que aponta para perspectivas diferentes
do que a tão falada crise do projeto
da modernidade.
Sentidos
construídos no contexto do Jardim
São Remo
Em
março de 2007, alunos do curso de
Jornalismo da USP realizaram uma pesquisa
de campo com os moradores do Jardim São
Remo visando coletar elementos que apontassem
para este universo de construção
de sentidos.
O
momento de realização da pesquisa
foi importante - cerca de 30 dias antes,
na terça-feira de carnaval, uma moradora
muito querida no bairro foi assassinada
por um policial que disparou a esmo quando
se viu envolto em uma "guerra de ovos"
entre moradores, uma tradição
que moradores do bairro praticam sempre
no último dia de carnaval.
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Imagem
3. Notícias do Jardim São
Remo, ano 14, nº
3, mai2007. [p. 2]. |
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Este
fato levou o bairro para a grande mídia
- houve cobertura da Folha de S.Paulo,
Jornal da Tarde, Agora SP entre os jornais
impressos e os telejornais Brasil Urgente
e SPTV. No sábado, logo
após o carnaval, os moradores organizaram
uma passeata pelo bairro e com direção
até o quartel da PM do bairro para
protestar e exigir justiça. A passeata
teve um outro sentido, além do protesto
- demonstrar a solidariedade à tia
da moça assassinada e que a mesma
fazia parte da comunidade. Sentimentos de
revolta afloraram, expressando a compreensão
da situação de exclusão
social, de injustiça e do preconceito
operado pelos aparelhos policiais e pela
mídia.
Alguns
dados da pesquisa:
- 50,27%
declararam que vieram morar no Jardim
São Remo porque a família
já morava no local e 69,72% declararam
morar no bairro mais de 10 anos.
- Estes
dados mostram dois tipos de vínculo:
o primeiro familiar, a escolha
do local se deu por laços familiares
o que torna o bairro uma extensão
das relações familiares
e o segundo de tempo/espaço,
que, agregada ao vínculo familiar,
coloca em planos semelhantes a história
pessoal de vida (e seus vínculos
mais primários) com o próprio
bairro. Disto resulta que mais de 85%
dos entrevistados declararam "gostar
de morar no Jardim São Remo".
A extensão da própria casa/lar
ao bairro é também percebida
na resposta à questão "o
que faz nas horas vagas": a maioria
(31,3%) afirmou que fica em casa, cuida
dos filhos, da casa e 28,75% pratica atividades
esportivas e lúdicas no próprio
bairro. Percebemos um vínculo territorial
com o bairro por parte dos moradores -
o território do bairro é
o local dos familiares, do lazer, da história
de vida.
- 30,81%
declararam que "não existem
problemas no bairro". Dentro dos
que citaram algum problema, 14,05% citaram
o lixo e o saneamento básico e
10,27% a falta de segurança.
Apesar
de ser um bairro com muitas carências,
a percepção dele ser a casa
ou o lar muitas vezes intimida o
respondente a citar problemas a um estranho
- é como falar mal de sua própria
casa. Percebe-se que este vínculo
estabelecido cria uma apropriação
do território público.
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Imagem
4. Notícias do Jardim São
Remo, ano 14, nº
3, mai2007. [p. 3]. |
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Esta
apropriação cria, por outro
lado, um estranhamento com outros
territórios, ainda que vizinhos.
Por exemplo, na pergunta "o que é
a USP para você", 40,74% afirmaram
ser um "hospital" (referência
ao Hospital Universitário que atende
os moradores deste bairro e está
próximo geograficamente), 33,74%
um lugar para a prática de esportes
e atividades de lazer, 12,34% não
sabem dizer o que é a USP e apenas
8,6% que é uma universidade e 4,32%
o local de trabalho. O Hospital entra aqui
como uma parte da USP que é apropriada
pelo morador da São Remo tanto no
sentido do seu aspecto utilitário
como no geográfico - do bairro se
avista o prédio do Hospital.
A
satisfação aparente com o
bairro não significa um comodismo
por parte dos moradores. Na questão
"qual é o seu maior sonho",
22,7% dos moradores responderam "mudar
de localidade"; 14,5% melhorar o trabalho
(entrando aqui também os sonhos de
atividades glamourosas, como ser jogador
de futebol ou artista), 14,05% ter a casa
própria. Há aqui uma busca
por melhorias no padrão de vida,
ainda que o caminho é o de caráter
individual - mudar de localidade ou conseguir
um trabalho melhor remunerado.
Moradores
do Jardim São Remo e a mídia
Os
moradores do Jardim São Remo consideram
que a cobertura dos meios de comunicação
ao bairro é distorcida, razão
pela qual 42,18% afirmaram não confiar
nas notícias difundidas pela grande
mídia (a maioria relativa, 46,8%
diz confiar); 78,16% afirmaram que as notícias
passam uma imagem negativa do bairro, apesar
de 38,66% concordarem com os conteúdos
contra 33,33% que discordam. Porém,
mais que os números, os moradores
destacaram as críticas aos programas
de apelo policial, como Cidade Alerta
e Brasil Urgente, que mostram
que o bairro é um local de extrema
violência.
Temos
diante disto, as seguintes perspectivas:
a)
que a mídia passa uma imagem negativa
sobre o bairro e que esta imagem é
real mas prejudicial à imagem
do local, gerando uma insatisfação
muito mais no sentido de alguém
falando de um defeito da minha "casa"
(lembrando aqui o fenômeno da apropriação);
b)
que a mídia passa uma imagem negativa
sobre o bairro e que esta imagem não
é real e prejudica a imagem
do local, gerando uma insatisfação
muito grande por uma inverdade passada
sobre a minha casa.
A
grande crítica à mídia
é a superexposição
do problema da violência, não
que ela não exista, mas que ela é
gerada por fatores externos. Uma
parcela amplamente majoritária (72,8%)
afirma que se sente seguro no bairro e que
a insegurança é gerada pela
ação da polícia. Como
os programas jornalísticos tratam,
em geral, a polícia como a garantidora
da segurança, os moradores percebem
aí uma inversão de valores.
Estas críticas foram construídas
ainda sob o impacto do assassinato da moradora
pelo policial que foi amplamente coberto
pela grande mídia.
Esta
apropriação do local de moradia
como um lugar seu e as conseqüentes
valorizações manifestadas
pelos índices de satisfação
reverbera quando os moradores foram questionados
se já sofreram algum tipo de discriminação:
a maioria (68,10%) afirmou não, mas
entre os 27% que responderam afirmativamente,
74% disseram que o motivo foi por morar
na periferia (índice bem superior
à orientação sexual
- 4% - e racial - 1,4%).
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Imagem
5. Notícias do Jardim São
Remo, ano 14, nº
3, mai2007. [p. 7]. |
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Desta
forma, há uma postura de percepção
de sentimento de exclusão do discurso
midiático e de outros discursos oficiais
por pertencerem a um lugar não hegemônico
- um espaço vazio, apesar
da apropriação deste local
e da tentativa de construir valores positivos
neste local de construção
de subjetividades.
O
Jardim São Remo e o jornal Notícias
do Jardim São Remo
A
cobertura do assassinato da moradora pelo
jornal Notícias do Jardim São
Remo teve como gancho a mobilização
da comunidade para exigir justiça.
A linha da cobertura adotada foi:
- uma
rediscussão do papel da polícia,
expressa na opinião dos moradores
sobre esta instituição e
o artigo assinado por uma liderança
comunitária que afirma que a polícia
é "desnecessária"
e a "segurança é resolvida
pelos próprios moradores";
- uma
ampla cobertura da passeata com destaque
as homenagens rendidas à tia que
criava a moça assassinada (o jornal
NJSR foi o único periódico
a cobrir e noticiar este evento);
- uma
ampliação da discussão
do fato com entrevistas com o ouvidor
da Polícia e o jurista Hélio
Bicudo, abordando a temática dos
Direitos Humanos.
O
gancho a partir da mobilização
e o destaque dado ao olhar dos moradores
e não dando ênfase ao aspecto
institucional, embora este não tenha
sido desprezado, recolocou o território
ou o espaço vazio na centralidade
desta discussão.Todos os demais atores
convidados para este debate público
foram para dentro da territorialidade do
São Remo, o que os fez recolocar
temáticas mais amplas, como a dos
direitos humanos, dentro destas perspectivas.
Na
pesquisa realizada, o jornal é ainda
visto como um "jornal da USP"
mas há uma paulatina incorporação
dentro do universo dos moradores do veículo.
82,70% afirmaram conhecer o jornal e 74,05%
têm impressões positivas dele
(as negativas não saíram do
0%), índice bem superior ao da grande
mídia. A seção preferida
dos moradores é a infantil (São
Reminho) com 17,04% seguida de esportes
com 10%, mas a grande maioria (65%) não
apontou uma preferência.
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Imagem
6. Notícias do Jardim São
Remo, ano 14, nº
2, abr2007. [p. 10]. |
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Infere-se
que esta avaliação positiva
foi muito motivada pela edição
especial lançada do caso do assassinato
da moradora pois apontou uma outra perspectiva
de cobertura jornalística, fortalecendo
a apropriação territorial
e gerando vínculos de compreensão.
Considerações
finais
Os
vínculos de compreensão que
fala Sodré são um importante
conceito para entender como os processos
midiáticos geram sentidos complexos
particularmente em comunidades situadas
nos chamados espaços vazios.
Tais
vínculos estabelecem zonas de construção
de sentidos para além dos entendimentos
racionais ou de relações formalizadas
ou contratuais, mas articuladas com perspectivas
de vivência e transcendência
nos territórios.
Disto
resulta em processos de apropriação
territorial e incorporação
de elementos externos a estes territórios
desde que tenham utilidade (não no
sentido utilitarista, mas da apropriação
crítica) na compreensão da
realidade.
É
assim que um jornal tido como "um jornal
da USP" à medida que consegue
trazer elementos informacionais externos
a esta localidade para dentro desta territorialidade
contribuindo para o fortalecimento destes
vínculos de compreensão consegue
legitimidade que outras mídias, apesar
do alcance, qualidade técnica e estrutura
não conseguem. Esta construção
de laços mais sólidos deu-se,
inclusive, pelos procedimentos de produção
da matéria que não seguiram
os cânones do jornalismo: mais que
cobrir a passeata, o repórter participou
dela, inclusive dos atos de demonstração
de solidariedade a parente homenageada.
A
partir deste ato, todas as demais edições
do jornal foram interpenetrando na esfera
territorial do bairro e se consolidaram
como uma estrutura institucional que, embora
não controlada pelos moradores, é
apropriada e incorporada como parte do seu
território.
Em
outras palavras, os critérios de
pertencimento vinculativo não se
dão apenas por conteúdos ou
aspectos formais (como, por exemplo, organizações
clássicas de representação
ou formas tradicionais de fazer política),
mas por uma cumplicidade estabelecida
em determinados momentos-chave da história
do território.
A
motivação para a cobertura
especial do caso do assassinato da moradora
não é explicável por
nenhum dos manuais clássicos do jornalismo
(o impacto já havia se perdido, a
comunidade já estava suficientemente
informada do episódio e haveria ainda
o risco de uma exploração
sensacionalista), mas por uma cumplicidade
afetiva que é uma das principais
armas para derrubar os muros dos espaços
vazios.
Notas
[1]
Cf. BAUMAN, Zygmunt.
[2]
Cf. AUGÉ, Marc.
[3]
Cf. SODRÉ, Muniz. p. 125-199.
[4]
Cf. LIMA, Venício Artur.
[5]
Cf. SODRÉ, Muniz, Op Cit, p. 68.
[6]
Idem, p. 69.
[7]
Cf. VATTIMO, Gianni, p. 39.
Referências
bibliográficas
AUGÉ,
M. Não lugares. São
Paulo: Papirus, 2005.
BAUMAN,
Z. Modernidade líquida. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
LIMA,
V. A. Mídia - teoria e política.
São Paulo: Perseu Abramo, 2003.
OLIVEIRA,
D.; RODELLI, P. "Jornal laboratório:
prática extensionista articulada
com a dimensão ética do jornalismo".
In: Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo,
Brasília, Vol. 1. nº 1, abr/jul
2007. p. 106-125.
SODRÉ,
M. Estratégias sensíveis:
mídia, afeto e política.
Petrópolis: Vozes, 2005.
VATTIMO,
G. Introdução a Heidegger.
Lisboa: Edições 70, 1971.
*Dennis
de Oliveira é professor do curso
de Jornalismo da Escola de Comunicações
e Artes da USP, doutor em Ciências
da Comunicação pela ECA-USP
e coordenador do Centro de Estudos Latino-Americanos
de Cultura e Comunicação (Celacc/USP).
E-mail: dennisol@usp.br.
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