O
Falador:
O
ensino do rádio-jornalismo nas emissoras
comunitárias
Por
Luciano
Victor Barros Maluly*
Resumo
Eles
precisam avisar a comunidade. Ligam para
o Falador. O microfone já está
aberto. As ligações permanecem.
A equipe de jornalismo da emissora está
a caminho. O relato continua. A equipe chega.
A notícia é reestruturada.
Os eventuais repórteres, agora, são
as fontes. A transmissão está
completa. No final do dia, o Rádio-jornal;
amanhã, o Ouvidor.
Palavras-chave
[Rádio-jornalismo
/ Emissoras comunitárias / Repórter]
Introdução
A
posição de ouvinte e falante
é redirecionada, constantemente,
diante da emissão de notícias
nas emissoras comunitárias brasileiras.
A rotatividade é o elemento que vai
definir os construtores e transmissores
da informação. A equipe interna
até conduz o processo, mas a intenção
depende da necessidade e da oportunidade
de quem deseja ser ouvido. Um rádio-jornalismo
aberto (24 horas), mas sem a necessidade
do predomínio, da segmentação,
do jornalismo em tempo integral.
A
emissora tem a sua programação
(que também é aberta), com
outros tipos de produção,
mas a qualquer momento uma pessoa da comunidade
pode entrar, enviando algum tipo de informação.
Em certos instantes, a estrutura pode ser
quebrada, porque alguém precisa falar
sobre algo que interessa aos integrantes
da comunidade. Todos são repórteres,
locutores, colaboradores e ouvintes. Não
importa quem ouve ou quem fala, porque todos
ouvem e falam. Numa comunidade, o grupo
detém o poder diante da notícia.
A
equipe interna da emissora é quem
conduz o processo, de modo que todos tenham
direito ao Falador. A primeira voz é
deles, daqueles jornalistas que estão
diretamente ligados à rádio.
Eles selecionam o que desejam falar.
Eles
escolhem as notícias que os outros
vão ouvir. São servidores
comunitários, na difícil tarefa
de escolher as pautas do dia. Muitas vezes
são conduzidos pelas notícias
emitidas pelos grandes meios de comunicação,
mas isso faz parte do processo, talvez pelo
predomínio, pela facilidade ou mesmo
pela invasão. Se a comunidade concedeu
a esse grupo o direito de falar (e de ser
ouvido), em troca, ela precisa de meios
para ser ouvida (e de falar). Enfim, a emissora
é a boca do ouvinte.
Estimular
a participação da comunidade
é o desafio para os jornalistas que
trabalham internamente nas emissoras. Chamadas
durante a programação.
"O
rádio-jornalismo da nossa emissora
está aberto para você, ouvinte.
Ligue agora". Pelo telefone, pela Internet,
tanto faz. Se alguém deseja falar
é só colocar no ar. Caso contrário,
reproduzir a informação é
uma alternativa simples e usual. Um convite
para visitar a emissora também é
válido. Talvez as pessoas não
queiram (possam) gastar; então, é
só ir até a sede da rádio.
Também é importante conversar
diariamente com os vizinhos, informando
sobre os processos de interação,
além de ouvir as sugestões
sobre outros modelos de participação.
Com o tempo, a presença da equipe
da rádio nas ruas começa a
fazer parte da rotina do local. O hábito
diminui a inibição e aproxima
o público, facilitando o trabalho
do repórter.
Movimentos
como o cochicho, a palavrinha ao pé
do ouvido, não podem ser descartados
pelo pessoal da emissora. Desde que confirmadas,
antes de divulgadas, muitas dessas informações
servem para complementar a grade da programação
rádio-jornalística. O mesmo
acontece numa denúncia anônima.
Algumas pessoas sabem das coisas, mas não
gostam de se comprometer. Quem foi? O que
aconteceu? Dúvidas que o jornalista
pode investigar e descobrir, sem prejudicar
as fontes.
Já
participar de eventos públicos ou
mesmo particulares (desde que convidado)
é imprescindível para a credibilidade
da emissora. O fato de estar presente revela
o interesse pelos problemas e costumes do
local, como também demonstra a consideração
pelos envolvidos. Nesse ambiente é
que o repórter vai descobrir os assuntos
em comum, ou seja, quais os fatos que incomodam
a comunidade. Talvez sejam temas banais,
mas se são coletivos, então
incomodam. Nos encontros, reuniões,
festas, homenagens, competições,
entre outros, o repórter está
lá presente, para falar, ouvir e
deixar falar.
O
descomprometimento é essencial para
a sobrevivência do jornalismo nas
emissoras comunitárias. Qualquer
ligação, principalmente política,
desfavorece a rádio em determinadas
coberturas. O boato corre. Quando algo assim
acontece, nada melhor do que o recurso do
editorial, emitindo a opinião da
emissora sobre o fato, ou do debate, chamando
os opostos para o esclarecimento, permitindo
aos contrários um espaço de
discussão. É que, muitas vezes,
um mal-entendido gera uma pauta, o que possibilita
a comunidade (incluindo a equipe da rádio)
de se expressar ou esclarecer certas situações.
Programação
flexível
O
ilustre visitante chega à comunidade
para compromissos familiares. É médico,
especializado em pneumologia infantil. Veio
visitar os avós, para matar as saudades.
Vai ficar alguns dias, já que estão
em férias. Dona Maria liga para avisar
sobre a chegada do neto. Contato feito,
convite aceito. O locutor informa que amanhã,
ás três da tarde, durante o
Programa Vespertino, a rádio transmite
"ao vivo" um especial de uma hora
de duração sobre saúde
da criança. É claro, com o
neto da Dona Maria e do Seu José.
O
prefeito da cidade chegou nesta manhã
na comunidade. Ele veio para vistoriar obras
de manutenção do centro comunitário,
do posto de saúde, da escola municipal,
do asfalto e de saneamento básico.
Seu Jerônimo do Bar Central liga para
a rádio. O prefeito está ali,
tomando cafezinho. A emissora está
transmitindo o programa diário de
música regional. O locutor é
avisado. Programação interrompida,
o locutor espera acabar a música
e informa sobre a chegada do ilustre visitante.
Enquanto o repórter corre para o
local, Seu Jerônimo, ainda na linha,
dá detalhes sobre o fato. Uma surpresa!
O prefeito tem pouco tempo, mas deseja falar,
pela rádio, com a comunidade. Ele
já está no ar.
O
fornecimento de energia está interrompido
na Rua 4. Seu Francisco liga para a rádio.
Está furioso. Quer falar de qualquer
jeito. A emissora está transmitindo
o Noticiário Esportivo. O locutor
é informado, chama a vinheta do Falador.
Seu Francisco já está no ar,
enquanto os repórteres internos já
estão em contato com a companhia
responsável. Após três
minutos, o Noticiário Esportivo está
de volta. Quinze minutos depois, o locutor
avisa que uma equipe de manutenção
já está se deslocando para
solucionar o problema. Seu Francisco liga,
dizendo que a situação já
está normalizada, fato retransmitido
pelo locutor.
Situações
opostas, de várias que podem ocorrer
no cotidiano de uma comunidade. Dinâmica
proporcionada pela flexibilidade na programação
da emissora. Processo marcado pela ruptura
da grade, pela democratização
do Falador e por utilizar o rádio
como meio integrador. O jornalismo atuante,
aberto e independente, enfim, que produz
o que transmite.
O
Ouvidor
As
interrupções são coordenadas
pela equipe interna de jornalismo, que situa
o falante sobre o momento de entrada, sendo
o tempo decorrente da situação
ou mesmo por critérios estabelecidos
pela própria comunidade, que discute
o processo de emissão em reuniões
com datas pré-estabelecidas. É
o momento do Ouvidor, de alertar sobre as
dificuldades internas e externas, de quem
recebe e de quem emite. Também é
aqui que os responsáveis pela emissora
debatem o conteúdo jornalístico
que está sendo transmitido.
A
primeira posição é
a de situar a cobertura jornalística.
Informar as pessoas sobre o potencial da
equipe. Os problemas da comunidade são
da rádio, e os da rádio (entre
eles, o rádio-jornalismo) também
são os da comunidade. Colocar que
os jornalistas estão prontos para
buscar a informação, sendo
os próprios moradores importantes
fontes, que alimentam o conteúdo
jornalístico. Que não é
só ficar esperando a notícia
pronta, mas também auxiliar na seleção
das notícias. Se precisar, os repórteres
buscam as respostas onde elas estão,
não importa o local ou meio, seja
pelo deslocamento da equipe (quando possível),
pelo telefone, Internet etc.
Caso
ninguém ligue, a equipe será
a única responsável. Estará
fechada no seu próprio universo,
sem contato com a comunidade, sem saber
o que esta pensa ou vive. O conteúdo
ficará limitado. Então, quem
poderá reclamar? A participação
é compromisso para com os jornalistas
da rádio.
São
vozes amplificadas.
Revela-se
a disposição e os limites
diante da captação, emissão
e transmissão de notícias.
Problemas técnicos (equipamentos),
estruturais (planejamento e recursos) e
de conteúdo (capacitação
dos jornalistas), entre tantos outros que
desequilibram e prejudicam o fazer
jornalístico. A cobrança é
pelo possível, diante de quem produz
a notícia.
O
que desejam ouvir e como querem participar
são as principais perguntas à
comunidade. Tarefa difícil para os
jornalistas ligados à emissora, porque
também vão conversar com jornalistas
eventuais, que participam e informam. De
um lado, a pauta é da e para a comunidade,
do que acontece ali, no alcance da emissora.
Assuntos que fazem parte do cotidiano das
pessoas, que interferem na rotina do grupo.
Notícias que fogem da agenda das
emissoras comerciais e educativas, ou seja,
o outro lado da pauta.
Essas
serão rediscutidas, conforme o interesse
do grupo.
A
primeira pergunta interfere diretamente
naquilo que as pessoas estão acostumadas
a encontrar nas rádios, televisões,
jornais e Internet.
Situação
complicada porque a agenda domina o pensamento
sobre o jornalismo, principalmente diante
da forma e do conteúdo. Se se pensar
na audiência, então a proposta
sobre um rádio-jornalismo nas emissoras
comunitárias estará completamente
descartada. Sempre aparecem fórmulas
prontas, exemplificadas por quem já
teve contato, profissional ou não,
com os modelos de outras emissoras.
Contribuições
bem vindas, que não devem ser descartadas,
porque todos estão ali para acrescentar,
inclusive colaboradores de fora, que são
convidados para auxiliar na busca de um
rádio-jornalismo que se conduz pelo
desenvolvimento do que acontece ou interfere
no local. São assuntos de interesse
da comunidade, desde serviços até
fatos de interesses globais. Nada que limite
o conhecimento.
Se
algum fato acontece pelo Brasil ou pelo
mundo e a comunidade deseja se aprofundar,
nada melhor do que convidar especialistas
(não esquecendo as fontes do local,
por exemplo, os professores da rede pública,
que são sempre ótimas fontes)
ou mesmo curiosos, que estão por
dentro do assunto e desejam falar, para
um bate-papo na emissora, sempre com a participação
da comunidade, contribuindo com perguntas,
sugestões e informações
adicionais.
A
aproximação é uma das
características do conteúdo
rádio-jornalístico nas emissoras
comunitárias. As matérias
transmitidas conduzem ao convívio
com o universo do Nós (do
que acontece na comunidade) e do Eles
(do que acontece fora da comunidade). O
público tem opinião sobre
a notícia, torna-se atuante, cidadão
do mundo. Agora, o indivíduo participa,
conduz e interfere na mensagem. O desafio
é eliminar os filtros de notícia
pronta, da quem vem de fora, que ninguém
conhece. Fica difícil adotar certa
postura diante da informação
que está na mão do outro.
A lógica é apenas a interpretação.
Já o fato vivido, aquele que está
ao lado da porta de casa, adquire também
o papel da investigação. Todos
são repórteres e personagens.
O relato é elaborado e transmitido
por quem se conhece.
Quando
os erros acontecem, um corrige o outro,
como um todo integrado pela busca da verdade.
Então, o que vocês desejam
ouvir? De tudo um pouco talvez seria
a reposta mais equilibrada, mas é
o grupo que vai definir o destino do conteúdo
rádio-jornalístico.
Como
querem participar? A pergunta é conduzida
pelo cotidiano da comunicação.
A vontade de falar e de ser ouvido, de passar
um recado para o outro, de ajudar a comunidade
a diminuir seus problemas. A emissora está
pronta para receber e transferir a mensagem.
Importante é desmistificar a estrutura
da informação radiofônica,
observando que o formato utilizado é
como a rotina do contato humano.
O
ensino do rádio-jornalismo
Se
alguém necessita emitir uma informação,
vários meios são encontrados
e executados. Fala-se ao pé do ouvido,
no encontro causal ou premeditado, pelo
telefone, e seja como for, o boca-a-boca
acontece e a notícia se espalha rapidamente.
São detalhes sobre empregos, cursos,
doações, endereços,
acidentes, entre outras, passadas para a
família, o colega, o patrão,
o amigo, o empregado, na troca realizada
no trabalho, na sala de aula, na rua, na
casa, em qualquer local.
O
processo é o mesmo quando se precisa
transmitir uma notícia. A informação,
muitas vezes, é curta, podendo ser
emitida rapidamente. E de qualquer local
ou meio, o cidadão está ali,
pronto para emitir o boletim, que retrata,
em poucos segundos, um resumo do assunto
que é de interesse público.
Mesmo quando não deseja falar, o
repórter está pronto para
retransmitir o fato.
O
mesmo acontece quando, na redação,
a equipe também recebe diversas informações
que precisam também ser retransmitidas.
São notícias de interesse
da comunidade e que precisam ser repassadas.
Chegam pelo telefone, pelo fax, pela Internet,
por carta ou por meio de uma visita. São
as informações, muitas vezes
distorcidas, que chegam a nós. A
equipe está atenta e verifica a informação
e a fonte. O correto seria a fonte entrar
no ar, mas o momento é inoportuno.
Uma nota é produzida e repassada
para a comunidade pelo locutor.
Os
encontros também identificam os modelos
utilizados nas rádios. Ao precisar
de algum esclarecimento sobre algo que desconhece,
o indivíduo vai logo perguntar para
quem, de uma forma ou de outra, já
teve contato com o assunto. A conversa é
premeditada quando se marca a hora, ou ocasional,
durante encontros, como em determinada festa,
bares e aniversários. Conversa-se
sobre receitas culinárias, consertos
de objetos quebrados, doenças, e
tudo que necessita de um reforço.
É como participar ou organizar entrevistas
na rádio sobre assuntos que precisam
de aprofundamento.
Os
encontros coletivos também são
exemplos para a montagem de programas radiofônicos.
As mesas-redondas são formadas como
no café da manhã, no almoço,
no jantar, na reunião de trabalho,
na comemoração com os amigos,
em festas ou qualquer local em que um grupo
se reúna. São as conversas
diárias. Opiniões semelhantes
ou opostas são colocadas para o tratamento
de certos assuntos, sendo que alguns predominam
durante as reuniões. Mesmo com alguns
enfrentamentos e descontentamentos, a tônica
que prevalece é a do consenso.
As
pessoas se deparam com conflitos a todo
o momento, sejam familiares, trabalhistas
ou mesmo em ocasiões onde são
chamadas para expor suas opiniões.
Existem também os conflitos mais
graves, como os que vão parar na
justiça, como as separações
de casais, a partilha de uma herança
e muitas outras. A alternativa é
encontrar um mediador que possibilite um
acordo ou consenso entre as partes. O debate
é colocado como opção.
O mesmo acontece no programa radiofônico.
Buscam-se pensamentos opostos diante de
uma decisão. O enfrentamento torna-se
inevitável. Surge a figura do jornalista
que controla os ânimos e as falas,
o que equilibra a conversa, sem o predomínio
de uma posição.
A
população também é
convidada para participar de eventos como,
por exemplo, as palestras e conferências
que têm a intenção de
esclarecer sobre um determinado assunto.
Após a exposição, geralmente,
ocorre um debate com a platéia. Dúvidas
e sugestões são colocadas
diante da informação. O mesmo
acontece quando certas notícias são
apenas retransmitidas pela equipe de jornalismo.
Os
ouvintes até têm uma noção
do que está sendo passado, mas algumas
lacunas permanecem após a emissão.
Enquanto os locutores transmitem as notas,
nada melhor do que convidar alguns colaboradores
para integrarem a mesa. Se as matérias
já tiverem sido produzidas, uma alternativa
é introduzi-las aos convidados que
podem preparar os comentários e artigos.
São os representantes dos ouvintes
dividindo a responsabilidade da notícia
com os jornalistas.
As
pessoas gostam de contar histórias
sobre o que passaram, ouviram ou estão
vivenciando. São relatos do cotidiano
contados pelos narradores, exemplificados
inclusive, em certas ocasiões, com
depoimentos dos envolvidos no fato. Quando
a equipe de jornalismo da emissora está
ausente, cabe ao cidadão conduzir
a reportagem. Ele constrói a matéria
com as próprias impressões,
completadas com os depoimentos de quem está
ali, ao lado, vivendo aquele momento.
O
mais fácil é transmitir a
matéria "ao vivo", entrando
várias vezes na programação,
com detalhes diferenciados sobre o acontecimento.
Também é possível gravar
o material para ser exibido posteriormente,
mas a captação e a edição
do áudio podem prejudicar a matéria.
Além do mais, o improviso e o imediatismo
marcam a atualidade da reportagem.
Também
é possível exibir depoimentos
de pessoas sobre eventos culturais (cinema,
teatro, circo, literatura, televisão,
entre outros). A resenha radiofônica
auxilia na compreensão daquilo que
está sendo apresentado. O público
possui uma referência ao chegar ao
local ou quando assiste, lê ou ouve
certo produto cultural, sentindo-se integrante
do processo. Qualquer um pode contar o que
sabe ou que aconteceu. Ao falar sobre um
filme, uma peça ou livro, coloque
detalhes e exemplifique. O gosto depende
de cada um. Também é possível
recitar uma poesia ou ler um conto. Formas
simples de reprodução do conhecimento.
Ao
situar o pessoal sobre as possibilidades
rádio-jornalísticas, a equipe
repassa os conceitos que são aprendidos
nas emissoras e nas faculdades.
Trabalha-se
a formação do jornalista eventual,
compromissado e conhecedor de suas funções.
É importante observar que para quem
vai transmitir alguma informação,
naquele momento, incorpora-se o papel de
repórter. Não é mais
o Seu João ou a Dona Maria que vai
falar, mas o repórter João
e a repórter Maria.
Após
os ensinamentos, a palavra é da comunidade.
Invertem-se as posições. Hora
de ouvir sobre a pauta e até de conseguir
determinadas fontes que estão dispostas
a colaborar. Momento de acertar os detalhes
daquilo que vai ser transmitido.
O
rádio-jornal
A
primeira decisão a ser tomada pela
equipe de jornalismo é definir o
horário de transmissão do
rádio-jornal. A questão também
é discutida no Ouvidor, mas é
importante sugerir alguns horários
que se adaptem ao processo de seleção
e produção do programa. Seguir
o padrão tradicional, com emissões
no horário do café da manhã
(entre seis e oito horas), durante o almoço
(meio-dia) ou próximo do jantar (das
dezoito às dezenove horas), é
uma opção, mas esse modelo
depende de uma estrutura que envolve pessoal
e despesas.
A
emissão de vários radiojornais
também pode prejudicar a posição
do Falador. As informações
ficam concentradas em horários, descaracterizando
a necessidade de entradas durante o dia.
Uma sugestão é transmitir
o rádio-jornal apenas no final da
tarde. A equipe de jornalismo seleciona,
com tranqüilidade e tempo, as principais
matérias que foram emitidas durante
a programação. Além
disso, é possível acrescentar
notícias que chegam de última
hora ou mesmo as que ainda não foram
transmitidas.
A
duração do rádio-jornal
também é discutida no Ouvidor.
O padrão tradicional também
é colocado, com programas de quinze
minutos, meia-hora ou uma hora. A referência
é importante para situar a equipe
e os ouvintes, mas o tempo pode se estender
conforme a necessidade e a quantidade de
matérias que a equipe precisa transmitir.
Torna-se desnecessário seguir o padrão.
Numa rádio comunitária, a
flexibilidade de tempo funciona independente
do relógio. O rádio-jornal
só termina quando os assuntos se
esgotam.
O
trabalho da equipe de jornalismo da rádio
comunitária é constante.
Durante
o dia, a preocupação é
com o acesso da população
local ao Falador, além das produções
internas, o que requer um equilíbrio
editorial, justamente para evitar excessos,
equilibrar o conteúdo e manter a
credibilidade. A prioridade é com
os assuntos que atingem o local. O jornalismo
está aberto para quem deseja falar
o que é de interesse do grupo. Se
a definição da linha editorial
prioriza a comunidade, então é
essencial condicionar o trabalho da equipe
conforme essa posição. Definir
as necessidades do grupo, sem se apoiar
apenas no jornalismo de serviços.
A
luta por uma melhor condição
de vida é que vai determinar o conteúdo
jornalístico da rádio. Habitação,
saúde, educação, segurança
pública, emprego, são temas
inesgotáveis que equilibram a agenda
diária de uma emissora comunitária.
A disposição das matérias
está condicionada à pauta
pré-estabelecida pela equipe e sancionada
pelo Ouvidor.
No
conjunto das matérias exibidas durante
a programação da rádio,
as externas trabalham com fatos do cotidiano,
com as pessoas (entre elas, os repórteres)
espalhados pelas ruas da comunidade. O tempo
do fato é determinado conforme a
ocorrência. Já o tempo do repórter
é marcado tanto pelos acontecimentos
quanto pela linha editorial. Ele precisa
de um direcionamento que o auxilie no fazer
jornalístico. O repórter segue
o comando dos vários assuntos do
dia, como o cotidiano de uma pessoa comum,
que não fala somente de um determinado
assunto, mas de vários.
Independente
da função (redator, repórter,
radioescuta, editor, entre outros), o jornalista
perpassa os diversos temas da atualidade.
A abordagem do trabalho jornalístico,
interno ou externo, segue um planejamento
prévio, independente dos fatos casuais,
definido nas reuniões de pauta, conforme
as conversas no Ouvidor.
O
planejamento da equipe depende da mão-de-obra
disponível. Tarefa difícil
para as emissoras comunitárias, que
possuem poucos jornalistas e dependem de
colaboradores. Mesmo com poucos profissionais,
é possível produzir o rádio-jornal,
desde que o jornalista seja eclético
diante da atividade, exercendo diversas
funções, conforme a necessidade
durante o dia. A organização
depende do tempo e da disponibilidade. Como
repórter, o imprevisto é uma
constante, mas é possível
determinar o horário para o deslocamento
diário.
Também pelo Ouvidor é possível
discutir e determinar o momento em que vai
estar na rua, ouvindo e conversando com
as pessoas. Já como radioescuta,
adquire aqui a responsabilidade de separar
apenas as intervenções de
caráter jornalístico, enquanto
como redator, checa as matérias que
recebe e que precisam ir ao ar. E como editor,
seleciona e reorganiza o conjunto das matérias
que serão exibidas. A responsabilidade
e a coordenação do projeto
é de toda a equipe, sendo as funções
determinadas conforme a potencialidade e
a habilidade de cada um. A decisão
final é da maioria.
O
rádio-jornal funciona como uma seleção
dos diversos assuntos em destaque, como
um passar de um dia, no encontro com a família,
com os amigos ou conhecidos, seja em casa,
no bar, na igreja ou em espaços de
congraçamento. Todos falam do que
passaram durante o dia, seja em assuntos
públicos ou particulares, sobre o
trabalho, a escola, a família, o
futebol, a doença, a segurança,
o saneamento básico, enfim, os problemas
e alegrias que traduzem a vida de cada um,
mas que precisam ser repartidos com o próximo.
O rádio-jornal é a síntese
do Falador.
A
seqüência da vida cotidiana determina
a montagem do rádio-jornal. As pessoas
passam por várias situações
durante o dia, como as matérias exibidas
durante a programação. É
importante manter essa ordem, inclusive
determinando o horário e o local
do fato, justamente para situar o público
daquilo que aconteceu. As matérias
são gravadas e, se necessário,
já editadas pela equipe. O rádio-jornal
começa a ser elaborado desde a emissão
da primeira notícia do dia. Cabe
à equipe de jornalismo selecionar
as principais matérias que foram
divulgadas. O programa é construído
durante a programação por
todos que se dispuseram a emitir uma informação
ou opinião.
Faz
parte do cotidiano jornalístico elaborar
matérias que revelem ou esclareçam
determinado fato. Inclusive, outras produções
servem para quebrar o ritmo do rádio-jornal,
como aquele descanso após uma refeição
ou depois de certas atribuições.
As informações podem também
ser agrupadas em blocos, inclusive com vinhetas
indicando a temática, sempre voltada
à comunidade. As matérias
sobre segurança pública, por
exemplo, são concentradas no mesmo
espaço. Algo semelhante acontece
com as matérias especiais, que são
elaboradas pela equipe ou por colaboradores.
A diferença é que, além
das vinhetas, os locutores as diferenciam
das demais produções, destacando
o conteúdo a ser exibido.
Considerações
Finais
A
apresentação de um programa
jornalístico que reflita o cotidiano
é apenas uma proposta para as emissoras
comunitárias. Nada que impeça
a liberdade de escolha do modelo para a
programação jornalística.
Nada que iniba a criatividade ou mesmo a
proliferação do padrão
já estabelecido, mas algo que reflita
sobre a prática da simples reprodução
de matérias já transmitidas
pelas outras emissoras de rádio que,
além de defasadas, são simplesmente
lidas pelos locutores e repórteres.
Rádio-jornalismo
é feito externamente. Como dizem:
"lugar de repórter é
na rua". A proposta é para a
transmissão contínua de mensagens
de qualquer local, pelo indivíduo
que esteja lá, desde que seja responsável
pela emissão (não esquecer
que numa comunidade as pessoas se conhecem).
Notícias atuais, quentes, sem a frieza
de quem fica na redação copiando
matérias, como se elas já
viessem prontas, servindo ao rádio
apenas como um retransmissor.
As
emissoras comunitárias já
são uma realidade. Não precisam
plagiar o modelo das demais emissoras, principalmente,
as comerciais. Com a tecnologia, necessitam
apenas abrir o microfone para a população,
fazendo do ouvinte o repórter em
algumas determinadas ocasiões. "A
revolução das fontes",
como anuncia o professor e jornalista Manuel
Carlos Chaparro, em suas aulas e conversas
no Departamento de Jornalismo e Editoração
(CJE) da Escola de Comunicações
e Artes (ECA) da Universidade de São
Paulo (USP).
O
momento é para refletir a prática
jornalística no rádio, sendo
o jornalista o emissor e o mediador da notícia.
O homem que abre o espaço para quem
possui a informação. Liberdade
para quem precisa falar. Numa emissora comunitária,
o jornalista não precisa ficar com
medo da fonte, porque convive com ela. Por
isso, o rádio-jornalismo está
pronto para convidar e receber os emissores
da notícia, de qualquer local e o
mais rápido possível.
Já
ao profissional responsável pelo
jornalismo da emissora cabe o papel mais
importante - o de mediador, que evita os
abusos e as mentiras, enfim os trotes de
quem é descompromissado com a informação.
Alguns
cuidados podem ser tomados, como identificador
de chamadas ou o credenciamento do falante.
São formas de precaução,
mas é no fato de conhecer e acreditar
na palavra do outro que se mantém
o rádio-jornalismo nas emissoras
comunitárias. Atitude que fortalece
as relações com a emissora,
a mesma de quando pedimos conselho ou ouvimos
o ensinamento de quem está ali apenas
para contribuir.
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*Luciano
Victor Barros Maluly é graduado em
jornalismo pela Universidade Estadual de
Londrina (Uel), mestre em Comunicação
Social pela Umesp, doutor em Ciências
da Comunicação e professor
de rádio-jornalismo na ECA/USP.
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