Nº 8 - Julho 2007 Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO V
 
 

Expediente

Vinculada
à Universidade
de São Paulo

 

 

 


 

 

 

 

 

 


DOSSIÊ: COMUNITÁRIO & POPULAR
   

O Falador:
O ensino do rádio-jornalismo nas emissoras comunitárias

Por Luciano Victor Barros Maluly*

Resumo
Eles precisam avisar a comunidade. Ligam para o Falador. O microfone já está aberto. As ligações permanecem. A equipe de jornalismo da emissora está a caminho. O relato continua. A equipe chega. A notícia é reestruturada. Os eventuais repórteres, agora, são as fontes. A transmissão está completa. No final do dia, o Rádio-jornal; amanhã, o Ouvidor.

Palavras-chave
[Rádio-jornalismo / Emissoras comunitárias / Repórter]


Introdução

A posição de ouvinte e falante é redirecionada, constantemente, diante da emissão de notícias nas emissoras comunitárias brasileiras. A rotatividade é o elemento que vai definir os construtores e transmissores da informação. A equipe interna até conduz o processo, mas a intenção depende da necessidade e da oportunidade de quem deseja ser ouvido. Um rádio-jornalismo aberto (24 horas), mas sem a necessidade do predomínio, da segmentação, do jornalismo em tempo integral.

A emissora tem a sua programação (que também é aberta), com outros tipos de produção, mas a qualquer momento uma pessoa da comunidade pode entrar, enviando algum tipo de informação. Em certos instantes, a estrutura pode ser quebrada, porque alguém precisa falar sobre algo que interessa aos integrantes da comunidade. Todos são repórteres, locutores, colaboradores e ouvintes. Não importa quem ouve ou quem fala, porque todos ouvem e falam. Numa comunidade, o grupo detém o poder diante da notícia.

A equipe interna da emissora é quem conduz o processo, de modo que todos tenham direito ao Falador. A primeira voz é deles, daqueles jornalistas que estão diretamente ligados à rádio. Eles selecionam o que desejam falar.

Eles escolhem as notícias que os outros vão ouvir. São servidores comunitários, na difícil tarefa de escolher as pautas do dia. Muitas vezes são conduzidos pelas notícias emitidas pelos grandes meios de comunicação, mas isso faz parte do processo, talvez pelo predomínio, pela facilidade ou mesmo pela invasão. Se a comunidade concedeu a esse grupo o direito de falar (e de ser ouvido), em troca, ela precisa de meios para ser ouvida (e de falar). Enfim, a emissora é a boca do ouvinte.

Estimular a participação da comunidade é o desafio para os jornalistas que trabalham internamente nas emissoras. Chamadas durante a programação.

"O rádio-jornalismo da nossa emissora está aberto para você, ouvinte. Ligue agora". Pelo telefone, pela Internet, tanto faz. Se alguém deseja falar é só colocar no ar. Caso contrário, reproduzir a informação é uma alternativa simples e usual. Um convite para visitar a emissora também é válido. Talvez as pessoas não queiram (possam) gastar; então, é só ir até a sede da rádio. Também é importante conversar diariamente com os vizinhos, informando sobre os processos de interação, além de ouvir as sugestões sobre outros modelos de participação. Com o tempo, a presença da equipe da rádio nas ruas começa a fazer parte da rotina do local. O hábito diminui a inibição e aproxima o público, facilitando o trabalho do repórter.

Movimentos como o cochicho, a palavrinha ao pé do ouvido, não podem ser descartados pelo pessoal da emissora. Desde que confirmadas, antes de divulgadas, muitas dessas informações servem para complementar a grade da programação rádio-jornalística. O mesmo acontece numa denúncia anônima. Algumas pessoas sabem das coisas, mas não gostam de se comprometer. Quem foi? O que aconteceu? Dúvidas que o jornalista pode investigar e descobrir, sem prejudicar as fontes.

Já participar de eventos públicos ou mesmo particulares (desde que convidado) é imprescindível para a credibilidade da emissora. O fato de estar presente revela o interesse pelos problemas e costumes do local, como também demonstra a consideração pelos envolvidos. Nesse ambiente é que o repórter vai descobrir os assuntos em comum, ou seja, quais os fatos que incomodam a comunidade. Talvez sejam temas banais, mas se são coletivos, então incomodam. Nos encontros, reuniões, festas, homenagens, competições, entre outros, o repórter está lá presente, para falar, ouvir e deixar falar.

O descomprometimento é essencial para a sobrevivência do jornalismo nas emissoras comunitárias. Qualquer ligação, principalmente política, desfavorece a rádio em determinadas coberturas. O boato corre. Quando algo assim acontece, nada melhor do que o recurso do editorial, emitindo a opinião da emissora sobre o fato, ou do debate, chamando os opostos para o esclarecimento, permitindo aos contrários um espaço de discussão. É que, muitas vezes, um mal-entendido gera uma pauta, o que possibilita a comunidade (incluindo a equipe da rádio) de se expressar ou esclarecer certas situações.

Programação flexível

O ilustre visitante chega à comunidade para compromissos familiares. É médico, especializado em pneumologia infantil. Veio visitar os avós, para matar as saudades. Vai ficar alguns dias, já que estão em férias. Dona Maria liga para avisar sobre a chegada do neto. Contato feito, convite aceito. O locutor informa que amanhã, ás três da tarde, durante o Programa Vespertino, a rádio transmite "ao vivo" um especial de uma hora de duração sobre saúde da criança. É claro, com o neto da Dona Maria e do Seu José.

O prefeito da cidade chegou nesta manhã na comunidade. Ele veio para vistoriar obras de manutenção do centro comunitário, do posto de saúde, da escola municipal, do asfalto e de saneamento básico. Seu Jerônimo do Bar Central liga para a rádio. O prefeito está ali, tomando cafezinho. A emissora está transmitindo o programa diário de música regional. O locutor é avisado. Programação interrompida, o locutor espera acabar a música e informa sobre a chegada do ilustre visitante. Enquanto o repórter corre para o local, Seu Jerônimo, ainda na linha, dá detalhes sobre o fato. Uma surpresa! O prefeito tem pouco tempo, mas deseja falar, pela rádio, com a comunidade. Ele já está no ar.

O fornecimento de energia está interrompido na Rua 4. Seu Francisco liga para a rádio. Está furioso. Quer falar de qualquer jeito. A emissora está transmitindo o Noticiário Esportivo. O locutor é informado, chama a vinheta do Falador. Seu Francisco já está no ar, enquanto os repórteres internos já estão em contato com a companhia responsável. Após três minutos, o Noticiário Esportivo está de volta. Quinze minutos depois, o locutor avisa que uma equipe de manutenção já está se deslocando para solucionar o problema. Seu Francisco liga, dizendo que a situação já está normalizada, fato retransmitido pelo locutor.

Situações opostas, de várias que podem ocorrer no cotidiano de uma comunidade. Dinâmica proporcionada pela flexibilidade na programação da emissora. Processo marcado pela ruptura da grade, pela democratização do Falador e por utilizar o rádio como meio integrador. O jornalismo atuante, aberto e independente, enfim, que produz o que transmite.

O Ouvidor

As interrupções são coordenadas pela equipe interna de jornalismo, que situa o falante sobre o momento de entrada, sendo o tempo decorrente da situação ou mesmo por critérios estabelecidos pela própria comunidade, que discute o processo de emissão em reuniões com datas pré-estabelecidas. É o momento do Ouvidor, de alertar sobre as dificuldades internas e externas, de quem recebe e de quem emite. Também é aqui que os responsáveis pela emissora debatem o conteúdo jornalístico que está sendo transmitido.

A primeira posição é a de situar a cobertura jornalística. Informar as pessoas sobre o potencial da equipe. Os problemas da comunidade são da rádio, e os da rádio (entre eles, o rádio-jornalismo) também são os da comunidade. Colocar que os jornalistas estão prontos para buscar a informação, sendo os próprios moradores importantes fontes, que alimentam o conteúdo jornalístico. Que não é só ficar esperando a notícia pronta, mas também auxiliar na seleção das notícias. Se precisar, os repórteres buscam as respostas onde elas estão, não importa o local ou meio, seja pelo deslocamento da equipe (quando possível), pelo telefone, Internet etc.

Caso ninguém ligue, a equipe será a única responsável. Estará fechada no seu próprio universo, sem contato com a comunidade, sem saber o que esta pensa ou vive. O conteúdo ficará limitado. Então, quem poderá reclamar? A participação é compromisso para com os jornalistas da rádio.

São vozes amplificadas.

Revela-se a disposição e os limites diante da captação, emissão e transmissão de notícias. Problemas técnicos (equipamentos), estruturais (planejamento e recursos) e de conteúdo (capacitação dos jornalistas), entre tantos outros que desequilibram e prejudicam o fazer jornalístico. A cobrança é pelo possível, diante de quem produz a notícia.

O que desejam ouvir e como querem participar são as principais perguntas à comunidade. Tarefa difícil para os jornalistas ligados à emissora, porque também vão conversar com jornalistas eventuais, que participam e informam. De um lado, a pauta é da e para a comunidade, do que acontece ali, no alcance da emissora. Assuntos que fazem parte do cotidiano das pessoas, que interferem na rotina do grupo. Notícias que fogem da agenda das emissoras comerciais e educativas, ou seja, o outro lado da pauta.

Essas serão rediscutidas, conforme o interesse do grupo.

A primeira pergunta interfere diretamente naquilo que as pessoas estão acostumadas a encontrar nas rádios, televisões, jornais e Internet.

Situação complicada porque a agenda domina o pensamento sobre o jornalismo, principalmente diante da forma e do conteúdo. Se se pensar na audiência, então a proposta sobre um rádio-jornalismo nas emissoras comunitárias estará completamente descartada. Sempre aparecem fórmulas prontas, exemplificadas por quem já teve contato, profissional ou não, com os modelos de outras emissoras.

Contribuições bem vindas, que não devem ser descartadas, porque todos estão ali para acrescentar, inclusive colaboradores de fora, que são convidados para auxiliar na busca de um rádio-jornalismo que se conduz pelo desenvolvimento do que acontece ou interfere no local. São assuntos de interesse da comunidade, desde serviços até fatos de interesses globais. Nada que limite o conhecimento.

Se algum fato acontece pelo Brasil ou pelo mundo e a comunidade deseja se aprofundar, nada melhor do que convidar especialistas (não esquecendo as fontes do local, por exemplo, os professores da rede pública, que são sempre ótimas fontes) ou mesmo curiosos, que estão por dentro do assunto e desejam falar, para um bate-papo na emissora, sempre com a participação da comunidade, contribuindo com perguntas, sugestões e informações adicionais.

A aproximação é uma das características do conteúdo rádio-jornalístico nas emissoras comunitárias. As matérias transmitidas conduzem ao convívio com o universo do Nós (do que acontece na comunidade) e do Eles (do que acontece fora da comunidade). O público tem opinião sobre a notícia, torna-se atuante, cidadão do mundo. Agora, o indivíduo participa, conduz e interfere na mensagem. O desafio é eliminar os filtros de notícia pronta, da quem vem de fora, que ninguém conhece. Fica difícil adotar certa postura diante da informação que está na mão do outro. A lógica é apenas a interpretação. Já o fato vivido, aquele que está ao lado da porta de casa, adquire também o papel da investigação. Todos são repórteres e personagens. O relato é elaborado e transmitido por quem se conhece.

Quando os erros acontecem, um corrige o outro, como um todo integrado pela busca da verdade. Então, o que vocês desejam ouvir? De tudo um pouco talvez seria a reposta mais equilibrada, mas é o grupo que vai definir o destino do conteúdo rádio-jornalístico.

Como querem participar? A pergunta é conduzida pelo cotidiano da comunicação. A vontade de falar e de ser ouvido, de passar um recado para o outro, de ajudar a comunidade a diminuir seus problemas. A emissora está pronta para receber e transferir a mensagem. Importante é desmistificar a estrutura da informação radiofônica, observando que o formato utilizado é como a rotina do contato humano.

O ensino do rádio-jornalismo

Se alguém necessita emitir uma informação, vários meios são encontrados e executados. Fala-se ao pé do ouvido, no encontro causal ou premeditado, pelo telefone, e seja como for, o boca-a-boca acontece e a notícia se espalha rapidamente. São detalhes sobre empregos, cursos, doações, endereços, acidentes, entre outras, passadas para a família, o colega, o patrão, o amigo, o empregado, na troca realizada no trabalho, na sala de aula, na rua, na casa, em qualquer local.

O processo é o mesmo quando se precisa transmitir uma notícia. A informação, muitas vezes, é curta, podendo ser emitida rapidamente. E de qualquer local ou meio, o cidadão está ali, pronto para emitir o boletim, que retrata, em poucos segundos, um resumo do assunto que é de interesse público. Mesmo quando não deseja falar, o repórter está pronto para retransmitir o fato.

O mesmo acontece quando, na redação, a equipe também recebe diversas informações que precisam também ser retransmitidas. São notícias de interesse da comunidade e que precisam ser repassadas. Chegam pelo telefone, pelo fax, pela Internet, por carta ou por meio de uma visita. São as informações, muitas vezes distorcidas, que chegam a nós. A equipe está atenta e verifica a informação e a fonte. O correto seria a fonte entrar no ar, mas o momento é inoportuno. Uma nota é produzida e repassada para a comunidade pelo locutor.

Os encontros também identificam os modelos utilizados nas rádios. Ao precisar de algum esclarecimento sobre algo que desconhece, o indivíduo vai logo perguntar para quem, de uma forma ou de outra, já teve contato com o assunto. A conversa é premeditada quando se marca a hora, ou ocasional, durante encontros, como em determinada festa, bares e aniversários. Conversa-se sobre receitas culinárias, consertos de objetos quebrados, doenças, e tudo que necessita de um reforço. É como participar ou organizar entrevistas na rádio sobre assuntos que precisam de aprofundamento.

Os encontros coletivos também são exemplos para a montagem de programas radiofônicos. As mesas-redondas são formadas como no café da manhã, no almoço, no jantar, na reunião de trabalho, na comemoração com os amigos, em festas ou qualquer local em que um grupo se reúna. São as conversas diárias. Opiniões semelhantes ou opostas são colocadas para o tratamento de certos assuntos, sendo que alguns predominam durante as reuniões. Mesmo com alguns enfrentamentos e descontentamentos, a tônica que prevalece é a do consenso.

As pessoas se deparam com conflitos a todo o momento, sejam familiares, trabalhistas ou mesmo em ocasiões onde são chamadas para expor suas opiniões. Existem também os conflitos mais graves, como os que vão parar na justiça, como as separações de casais, a partilha de uma herança e muitas outras. A alternativa é encontrar um mediador que possibilite um acordo ou consenso entre as partes. O debate é colocado como opção. O mesmo acontece no programa radiofônico. Buscam-se pensamentos opostos diante de uma decisão. O enfrentamento torna-se inevitável. Surge a figura do jornalista que controla os ânimos e as falas, o que equilibra a conversa, sem o predomínio de uma posição.

A população também é convidada para participar de eventos como, por exemplo, as palestras e conferências que têm a intenção de esclarecer sobre um determinado assunto. Após a exposição, geralmente, ocorre um debate com a platéia. Dúvidas e sugestões são colocadas diante da informação. O mesmo acontece quando certas notícias são apenas retransmitidas pela equipe de jornalismo.

Os ouvintes até têm uma noção do que está sendo passado, mas algumas lacunas permanecem após a emissão. Enquanto os locutores transmitem as notas, nada melhor do que convidar alguns colaboradores para integrarem a mesa. Se as matérias já tiverem sido produzidas, uma alternativa é introduzi-las aos convidados que podem preparar os comentários e artigos. São os representantes dos ouvintes dividindo a responsabilidade da notícia com os jornalistas.

As pessoas gostam de contar histórias sobre o que passaram, ouviram ou estão vivenciando. São relatos do cotidiano contados pelos narradores, exemplificados inclusive, em certas ocasiões, com depoimentos dos envolvidos no fato. Quando a equipe de jornalismo da emissora está ausente, cabe ao cidadão conduzir a reportagem. Ele constrói a matéria com as próprias impressões, completadas com os depoimentos de quem está ali, ao lado, vivendo aquele momento.

O mais fácil é transmitir a matéria "ao vivo", entrando várias vezes na programação, com detalhes diferenciados sobre o acontecimento. Também é possível gravar o material para ser exibido posteriormente, mas a captação e a edição do áudio podem prejudicar a matéria. Além do mais, o improviso e o imediatismo marcam a atualidade da reportagem.

Também é possível exibir depoimentos de pessoas sobre eventos culturais (cinema, teatro, circo, literatura, televisão, entre outros). A resenha radiofônica auxilia na compreensão daquilo que está sendo apresentado. O público possui uma referência ao chegar ao local ou quando assiste, lê ou ouve certo produto cultural, sentindo-se integrante do processo. Qualquer um pode contar o que sabe ou que aconteceu. Ao falar sobre um filme, uma peça ou livro, coloque detalhes e exemplifique. O gosto depende de cada um. Também é possível recitar uma poesia ou ler um conto. Formas simples de reprodução do conhecimento.

Ao situar o pessoal sobre as possibilidades rádio-jornalísticas, a equipe repassa os conceitos que são aprendidos nas emissoras e nas faculdades.

Trabalha-se a formação do jornalista eventual, compromissado e conhecedor de suas funções. É importante observar que para quem vai transmitir alguma informação, naquele momento, incorpora-se o papel de repórter. Não é mais o Seu João ou a Dona Maria que vai falar, mas o repórter João e a repórter Maria.

Após os ensinamentos, a palavra é da comunidade. Invertem-se as posições. Hora de ouvir sobre a pauta e até de conseguir determinadas fontes que estão dispostas a colaborar. Momento de acertar os detalhes daquilo que vai ser transmitido.

O rádio-jornal

A primeira decisão a ser tomada pela equipe de jornalismo é definir o horário de transmissão do rádio-jornal. A questão também é discutida no Ouvidor, mas é importante sugerir alguns horários que se adaptem ao processo de seleção e produção do programa. Seguir o padrão tradicional, com emissões no horário do café da manhã (entre seis e oito horas), durante o almoço (meio-dia) ou próximo do jantar (das dezoito às dezenove horas), é uma opção, mas esse modelo depende de uma estrutura que envolve pessoal e despesas.

A emissão de vários radiojornais também pode prejudicar a posição do Falador. As informações ficam concentradas em horários, descaracterizando a necessidade de entradas durante o dia. Uma sugestão é transmitir o rádio-jornal apenas no final da tarde. A equipe de jornalismo seleciona, com tranqüilidade e tempo, as principais matérias que foram emitidas durante a programação. Além disso, é possível acrescentar notícias que chegam de última hora ou mesmo as que ainda não foram transmitidas.

A duração do rádio-jornal também é discutida no Ouvidor. O padrão tradicional também é colocado, com programas de quinze minutos, meia-hora ou uma hora. A referência é importante para situar a equipe e os ouvintes, mas o tempo pode se estender conforme a necessidade e a quantidade de matérias que a equipe precisa transmitir. Torna-se desnecessário seguir o padrão. Numa rádio comunitária, a flexibilidade de tempo funciona independente do relógio. O rádio-jornal só termina quando os assuntos se esgotam.

O trabalho da equipe de jornalismo da rádio comunitária é constante.

Durante o dia, a preocupação é com o acesso da população local ao Falador, além das produções internas, o que requer um equilíbrio editorial, justamente para evitar excessos, equilibrar o conteúdo e manter a credibilidade. A prioridade é com os assuntos que atingem o local. O jornalismo está aberto para quem deseja falar o que é de interesse do grupo. Se a definição da linha editorial prioriza a comunidade, então é essencial condicionar o trabalho da equipe conforme essa posição. Definir as necessidades do grupo, sem se apoiar apenas no jornalismo de serviços.

A luta por uma melhor condição de vida é que vai determinar o conteúdo jornalístico da rádio. Habitação, saúde, educação, segurança pública, emprego, são temas inesgotáveis que equilibram a agenda diária de uma emissora comunitária. A disposição das matérias está condicionada à pauta pré-estabelecida pela equipe e sancionada pelo Ouvidor.

No conjunto das matérias exibidas durante a programação da rádio, as externas trabalham com fatos do cotidiano, com as pessoas (entre elas, os repórteres) espalhados pelas ruas da comunidade. O tempo do fato é determinado conforme a ocorrência. Já o tempo do repórter é marcado tanto pelos acontecimentos quanto pela linha editorial. Ele precisa de um direcionamento que o auxilie no fazer jornalístico. O repórter segue o comando dos vários assuntos do dia, como o cotidiano de uma pessoa comum, que não fala somente de um determinado assunto, mas de vários.

Independente da função (redator, repórter, radioescuta, editor, entre outros), o jornalista perpassa os diversos temas da atualidade. A abordagem do trabalho jornalístico, interno ou externo, segue um planejamento prévio, independente dos fatos casuais, definido nas reuniões de pauta, conforme as conversas no Ouvidor.

O planejamento da equipe depende da mão-de-obra disponível. Tarefa difícil para as emissoras comunitárias, que possuem poucos jornalistas e dependem de colaboradores. Mesmo com poucos profissionais, é possível produzir o rádio-jornal, desde que o jornalista seja eclético diante da atividade, exercendo diversas funções, conforme a necessidade durante o dia. A organização depende do tempo e da disponibilidade. Como repórter, o imprevisto é uma constante, mas é possível determinar o horário para o deslocamento diário.

Também pelo Ouvidor é possível discutir e determinar o momento em que vai estar na rua, ouvindo e conversando com as pessoas. Já como radioescuta, adquire aqui a responsabilidade de separar apenas as intervenções de caráter jornalístico, enquanto como redator, checa as matérias que recebe e que precisam ir ao ar. E como editor, seleciona e reorganiza o conjunto das matérias que serão exibidas. A responsabilidade e a coordenação do projeto é de toda a equipe, sendo as funções determinadas conforme a potencialidade e a habilidade de cada um. A decisão final é da maioria.

O rádio-jornal funciona como uma seleção dos diversos assuntos em destaque, como um passar de um dia, no encontro com a família, com os amigos ou conhecidos, seja em casa, no bar, na igreja ou em espaços de congraçamento. Todos falam do que passaram durante o dia, seja em assuntos públicos ou particulares, sobre o trabalho, a escola, a família, o futebol, a doença, a segurança, o saneamento básico, enfim, os problemas e alegrias que traduzem a vida de cada um, mas que precisam ser repartidos com o próximo. O rádio-jornal é a síntese do Falador.

A seqüência da vida cotidiana determina a montagem do rádio-jornal. As pessoas passam por várias situações durante o dia, como as matérias exibidas durante a programação. É importante manter essa ordem, inclusive determinando o horário e o local do fato, justamente para situar o público daquilo que aconteceu. As matérias são gravadas e, se necessário, já editadas pela equipe. O rádio-jornal começa a ser elaborado desde a emissão da primeira notícia do dia. Cabe à equipe de jornalismo selecionar as principais matérias que foram divulgadas. O programa é construído durante a programação por todos que se dispuseram a emitir uma informação ou opinião.

Faz parte do cotidiano jornalístico elaborar matérias que revelem ou esclareçam determinado fato. Inclusive, outras produções servem para quebrar o ritmo do rádio-jornal, como aquele descanso após uma refeição ou depois de certas atribuições. As informações podem também ser agrupadas em blocos, inclusive com vinhetas indicando a temática, sempre voltada à comunidade. As matérias sobre segurança pública, por exemplo, são concentradas no mesmo espaço. Algo semelhante acontece com as matérias especiais, que são elaboradas pela equipe ou por colaboradores. A diferença é que, além das vinhetas, os locutores as diferenciam das demais produções, destacando o conteúdo a ser exibido.

Considerações Finais

A apresentação de um programa jornalístico que reflita o cotidiano é apenas uma proposta para as emissoras comunitárias. Nada que impeça a liberdade de escolha do modelo para a programação jornalística. Nada que iniba a criatividade ou mesmo a proliferação do padrão já estabelecido, mas algo que reflita sobre a prática da simples reprodução de matérias já transmitidas pelas outras emissoras de rádio que, além de defasadas, são simplesmente lidas pelos locutores e repórteres.

Rádio-jornalismo é feito externamente. Como dizem: "lugar de repórter é na rua". A proposta é para a transmissão contínua de mensagens de qualquer local, pelo indivíduo que esteja lá, desde que seja responsável pela emissão (não esquecer que numa comunidade as pessoas se conhecem). Notícias atuais, quentes, sem a frieza de quem fica na redação copiando matérias, como se elas já viessem prontas, servindo ao rádio apenas como um retransmissor.

As emissoras comunitárias já são uma realidade. Não precisam plagiar o modelo das demais emissoras, principalmente, as comerciais. Com a tecnologia, necessitam apenas abrir o microfone para a população, fazendo do ouvinte o repórter em algumas determinadas ocasiões. "A revolução das fontes", como anuncia o professor e jornalista Manuel Carlos Chaparro, em suas aulas e conversas no Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE) da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP).

O momento é para refletir a prática jornalística no rádio, sendo o jornalista o emissor e o mediador da notícia. O homem que abre o espaço para quem possui a informação. Liberdade para quem precisa falar. Numa emissora comunitária, o jornalista não precisa ficar com medo da fonte, porque convive com ela. Por isso, o rádio-jornalismo está pronto para convidar e receber os emissores da notícia, de qualquer local e o mais rápido possível.

Já ao profissional responsável pelo jornalismo da emissora cabe o papel mais importante - o de mediador, que evita os abusos e as mentiras, enfim os trotes de quem é descompromissado com a informação.

Alguns cuidados podem ser tomados, como identificador de chamadas ou o credenciamento do falante. São formas de precaução, mas é no fato de conhecer e acreditar na palavra do outro que se mantém o rádio-jornalismo nas emissoras comunitárias. Atitude que fortalece as relações com a emissora, a mesma de quando pedimos conselho ou ouvimos o ensinamento de quem está ali apenas para contribuir.

Referências bibliográficas

BARBOSA FILHO, A. Gêneros radiofônicos: os formatos e os programas em áudio. São Paulo: Paulinas, 2003.

BOHM, D. Diálogo: comunicação e redes de convivência. São Paulo: Palas Athena, 2005.

BRECHT, B. "Cinco maneiras de dizer a verdade". In: Revista Civilização Brasiliense, Rio de Janeiro, 1966, nº 5. p. 259-273

CANCLINI, N. G. Culturas Populares no capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1983.

FERREIRA, G. S. N. "Rádios comunitárias e poder local: estudo de caso de emissoras legalizadas da Região Noroeste do Estado de São Paulo". Dissertação de mestrado. São Paulo: ECA/USP, 2006.

FREIRE, P. & GUIMARÃES, S. Sobre a educação (diálogos). São Paulo: Paz e Terra, 2003. Vol. 2.

GAIARSA, J. A. O espelho mágico - um fenômeno social chamado corpo e alma. São Paulo: Summus, 1984.

MACHADO, A.; MAGRI, C. & MASAGÃO, M. Rádios livres: a reforma agrária no ar. São Paulo: Brasiliense, 1986.

MACLUHAN, M. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo: Cultrix, 1964.

ORTRIWANO, G. A informação no rádio - os grupos de poder e a determinação dos conteúdos. São Paulo: Summus, 1985.

PARK, R. E. "A notícia como forma de conhecimento". In: STEINBERG, C. S. (Org.). Meios de Comunicação de Massa. São Paulo: Cultrix, 1972.

ERUZZO, C. Comunicação nos movimentos populares: a participação na construção da cidadania. São Paulo: Vozes, 1998.

POPPER, K. O racionalismo crítico na política. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981.

SILVEIRA, P. F. Rádios Comunitárias. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

SHAFFER, M. R. "Rádio radical". In: BENTES, I. & ZAREMBA, L. (Org.). Rádio Nova: constelações da radiofonia contemporânea. Rio de Janeiro: UFRJ; ECO, Publique, 1997.

TUBAU, I. Periodismo oral. Barcelona: Paidós, 1993.

*Luciano Victor Barros Maluly é graduado em jornalismo pela Universidade Estadual de Londrina (Uel), mestre em Comunicação Social pela Umesp, doutor em Ciências da Comunicação e professor de rádio-jornalismo na ECA/USP.

Voltar.


®Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]