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Resenhas


Ultrapassar a visão clássica da história e
colocar luzes sobre o poder dos acontecimentos


Por
Enio Moraes Júnior

O autor

Nascido em Palmeira dos Índios, Alagoas, José Marques de Melo estudou em Santana do Ipanema (AL), Maceió e, mais tarde, no Recife. Hoje é uma das figuras de maior renome no cenário mundial e, especialmente, latino-americano e brasileiro, no ensino, nos estudos e nas pesquisas na área de Comunicação Social.

Jornalista, bacharel em ciências jurídicas e sociais, Marques de Melo é autor de mais de 30 livros nos quais apresenta resultados de pesquisas ou coletâneas de textos que discutem a Comunicação Social e o Jornalismo. Em 2003 comemora os trinta anos de seu doutoramento e, num excelente momento de sua maturidade intelectual, recebe o reconhecimento de quem já orientou 72 Mestres e 28 Doutores, colaborou na fundação da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo - hoje uma referência na área no Brasil - e atuou em ensino, pesquisas e conferências em renomadas universidades e centros nacionais e estrangeiros.

Atualmente Marques de Melo é docente dos programas em pós-graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo (onde dirige a Cátedra Unesco de Comunicação para o Desenvolvimento Regional) e da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Além disso, é membro de diversas entidades de estudos e pesquisas em Comunicação e também diretor e colaborador de revistas da área.

Resenha

O livro constitui, na verdade, uma reunião de textos do Professor José Marques de Melo nos quais ele apresenta o atual estágio das pesquisas às quais tem estado à frente nos últimos anos. "História do Pensamento Comunicacional: cenários e personagens" apresenta um quadro histórico e as principais personagens das reflexões sobre a Comunicação no mundo ocidental, embora enfatize os estudos na América Latina e, especialmente, no Brasil.

O texto encontra-se dividido em duas partes, como indica o próprio título - (I) Cenários e (II) Personagens - e por isto, para melhor explicitar seus principais aspectos, vamos nos valer deste mesmo expediente neste resenha.

(I) Cenários

A primeira parte do livro encontra-se subdividida em três capítulos. No primeiro, "O Campo da comunicação", em sua primeira parte "Da agora ao ciberespaço", Marques de Melo, identificando Comunicação e Política como "faces de uma mesmo moeda", traça, nesta perspectiva, uma análise do pensamento comunicacional desde Aristóteles (384-322 a.C.) até os pensadores do século XX, como Lasswell.

Na segunda parte do texto - "A Natureza do Conhecimento Midiológico: Para entender o estudo das relações entre mídia, linguagem, tecnologia e cultura na América Latina" - Marques de Melo busca traçar um perfil dos estudos comunicacionais latino-americanos e observa que não só a relação Comunicação e Política, mas também a análise de formas de intervir na realidade social do continente plasmaram os estudos na região, onde se destaca o papel do CIESPAL.

Finalmente, no terceiro item - "Identidades brasileiras: Estratégias para sair do gueto acadêmico" - o autor apresenta brevemente o panorama internacional e latino-americano de estudos da Comunicação e enfatizando o panorama nacional, especialmente as estratégias pedagógicas da formação dos profissionais de Comunicação Social. "A rapidez com que se processam hoje as mudanças no âmbito da mídia e das tecnologias que lhe dão suporte exige constante atualização dos currículos, das estratégias de ensino / aprendizagem e naturalmente da reciclagem do corpo docente", observa Marques de Melo (64).

No segundo capítulo da primeira parte - "Pensamento Comunicacional Latino-Americano" - o autor traça um panorama dos estudos comunicacionais no continente. No primeiro texto, "Gênese e Desenvolvimento: Passado, presente e futuro da Escola Latino-Americana de Comunicação", destacando-se o papel da Escola, é enfatizado o cinqüentenário das pesquisas em Comunicação no continente. Neste cenário, mais uma vez é evidenciada a função do CIESPAL, ao qual se agregam entidades como a ALAIC, a INTERCOM e, mais recentemente, a FELAFACS, a ABECOM e a COMPÓS.

No item dois - "Política, dimensão hegemônica: Das políticas de comunicação à comunicação política" - o autor recorre à síndrome do espelho para apontar que, na América Latina, esta síndrome estimula o comportamento de "atores que transitam entre os mundos da Política e da Comunicação" (94).

Na terceira parte - "Contribuições Brasileiras: A presença do Brasil no cenário da Escola Latino-Americana de Comunicação" - Marques de Melo apresenta quatro principais correntes de pensadores que se sucedem cronologicamente nos estudos latino-americanos: pioneiros, inovadores, renovadores e a nova geração. No cenário brasileiro, são destacados os autores Décio Pignatari, Muniz Sodré e Sérgio Camparelli.

O terceiro e último capítulo da primeira parte do livro discute o "Pensamento Comunicacional Luso-Brasileiro". Na primeira parte do trabalho, "Constituição da Comunidade Acadêmica: Roteiro para uma História das Ciências da Comunicação no Brasil", Marques de Melo aponta que em território nacional, assim como na Europa e América do Norte, o pano de fundo do campo de saber científico foram "convergências e tensões entre saberes profissionais, pragmatismo empresarial, estratégias governamentais e investigação acadêmica" (141).

Ainda que antecedidos por alguns desbravadores, a Barbosa Lima Sobrinho e a Carlos Rizzini, no início do século passado, cabe o pioneirismo nos estudos da Comunicação. No entanto, estes estudos só serão consolidados e institucionalizados na segunda metade do século XX com o desenvolvimento da indústria cultural brasileira e das escolas de comunicação.

Em "Formação da Comunidade Acadêmica Portuguesa: Memória do primeiro Congresso Português de Ciências da Comunicação", Marques de Melo resgata um pouco da história desta comunidade. Como pouco mais de 20 anos de existência, este grupo de pesquisadores avança sistematicamente nas pesquisas comunicacionais e estreita seus laços com as comunidades internacionais, especialmente a brasileira.

Certamente a INTERCOM tem papel preponderante nas pesquisas comunicacionais no Brasil, e isto fica claro nos argumentos desenvolvidos no texto "Maturidade da Comunidade Acadêmica Brasileira: o papel da INTERCOM na legitimação do campo comunicacional". Fundada em 1977 e realizando congressos anuais desde 1978, a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação - é, hoje, para o autor, uma expressão de que as pesquisas brasileiras na área chegam à sua maturidade.

No item quatro - "Cooperação Acadêmica Luso-Brasileira: Lusofonia midiática" - Marques de Melo observa que, ainda que a ralação Brasil-Portugal de estudos da Comunicação seja recente, estes laços são certamente o embrião de uma união (ao lado dos PALOPs - Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa) de sucesso.

Ao introduzir "Conhecimento Midiático Brasileiro; Estudos de mídia - identidades e fronteiras", Marques de Melo observa que os estudos midiáticos no país tiveram início com as pesquisas em comunicação impressa e, a partir do final do século XX, começa a englobar toda a comunicação massiva. Menções especiais merecem as pesquisas que têm encabeçado no sentido de traçar a história e colaborações neste processo.

No sexto e último item - "Pensamento Comunicacional Brasileiro: O desafio da renovação" - Marques de Melo destaca mais uma vez o papel da INTERCOM e de seus sócios nas pesquisas comunicacionais no Brasil e coloca: "No alvorecer do século XXI, o campo brasileiro das ciências da comunicação precisa globalizar-se altaneiramente, proclamando aquela atitude de autonomia regional - nacional peculiar aos levantes emblemáticos do século XX: o Movimento Regionalista, inspirado no Recife por Gilberto Freire, e a Semana de Arte Moderna, liderada em São Paulo por Mário e Oswald de Andrade" (243).

(II) Personagens

A segunda parte do livro, o autor subdivide também em três capítulos. No capítulo quatro, são apresentados três textos sobre três grupos de estudiosos da comunicação geograficamente distribuídos em "O Grupo Gaúcho: Na fronteira da América Latina" (1); "Os Grupos do Centro-Oeste: Os grupos comunicacionais do Centro-Oeste brasileiro - ousadia e pioneirismo" (2) e "O Grupo de São Bernardo: Atualização histórica e estratégia de sobrevivência" (3). Em cada item o autor apresenta um breve perfil de cada um dos grupos de atuação no Brasil.

No capítulo cinco - "Pioneirismo Comunicacional Brasileiro" - o autor busca perfazer, ainda que brevemente, a trajetória biográfica e a atuação comunicacional de quatro homens que, segundo seus estudos, podem ser apontados como precursores das reflexões sobre a comunicação no Brasil. Em "Frei Caneca: Precursora da Teoria da Comunicação - Herói mestiço, também artífice da comunicologia brasileira", o autor leva-nos a ultrapassar a visão clássica da história sobre o Frei e o coloca luzas sobre o poder e os conhecimentos comunicacionais deste pernambucano de autor de uma obra didática produzida no Recife entre 1803 e 1822.

No segundo item do capítulo - "Costa Rego, Pioneiro do Ensino da Comunicação: O primeiro catedrático de Jornalismo", Marques de Melo faz-nos abandonar a imagem do político alagoano para conhecermos o jornalista e catedrático.

Em "Carlos Rizzini, pioneiro nos estudos midiáticos - Da profissão à universidade: trajetória bem-sucedida", Marques de Melo aponta o autor de "O livro, o jornal e a tipografia no Brasil" (obra de 1946) como o pioneiro nos estudos midiáticos no país.

No quarto e último item do capítulo - "Luiz Beltrão, pioneiro das Ciências da Comunicação: Folkcomunicação, contribuição à Teoria da Comunicação" - Marques de Melo faz referência àquele que talvez tenha sido o seu grande guru acadêmico e ao conceito da "comunicação em nível popular", que legara para as Ciências da Comunicação, e aponta: "Ao iniciar-se o novo milênio, verificamos que a Folkcomunicação concebida como disciplina científica por Luiz Beltrão deixou de ser uma mera 'picada' para se converter em 'estrada larga' que ele preconizara. Quem o atesta é seu principal discípulo e sucessor, Roberto Benjamin, que inventariou recentemente os avanços dessas investigações em todo o território nacional" (342).

No capítulo final do livro - "Pioneirismo Comunicacional Americano" - Marques de Melo faz um apanhado daqueles que considera os precursores e inovadores dos estudos e elaborações sobre a Comunicação na Escola Norte e Latino-Americana. Em "Raymond Nixon, artífice da comunidade mundial: O liberal hostilizado pelos militantes do antiamericanismo", o autor destaca o papel precursor deste pesquisador e jornalista americano. "Dedicou-se ao estudo dos problemas de liberdade de imprensa no mundo contemporâneo, ultrapassando os paradigmas dominantes, que enraizavam o controle da informação pública exclusivamente nas malhas da ideologia e dos regimes políticos" (347).

No segundo item - "Elihu Katz, inovador da Escola Norte-Americana" - Marques destaca o papel de Katz, aluno de Lazarsfeld e um dos formuladores da teoria dos usos e gratificações no cenário internacional da Comunicação.

Se a ELACOM, junto aos seus os estudos e as iniciativas, pode ser "tragada pelo espiral do esquecimento em seu próprio território", o texto "Luiz Ramiro Beltrán, pioneiro da Escola Latino-Americana: As idéias de um visionário", ao apresentar as colaborações do pensador boliviano, constitui alento otimista e um ensinamento aos jovens pesquisadores da América Latina.

No quarto e último item do capítulo - "Jesus Martín Barbero, inovador da escola Latino-Americana" - Marques de Melo sintetiza o papel deste espanhol "latino-americanizado": "Seu pensamento crítico desperta polêmicas nos fóruns internacionais. Sua personalidade marcante canaliza os jovens pesquisadores da comunicação, que o escutam de modo reverencial nos congressos regionais de que participa regularmente" (365).

A obra, embora não tenha a pretensão de estabelecer uma cronologia fechada dos estudos de Comunicação na América Latina ou no Brasil, como o próprio autor faz questão de deixar claro em diversos momentos do texto, constitui, certamente, um estímulo para os antigos e os jovens pesquisadores da área.

Ao resgatar a história dos nossos homens e mulheres e de suas pesquisas, Marques de Melo, assessorado por seus pesquisadores e alunos, colabora para a construção de uma memória e de um acervo que passa a cumprir duas funções primordiais.

Em primeiro lugar, com base em pesquisas e análises, atribui, a cada "personagem" e em cada "cenário", o papel que lhe é devido, impedindo que o tempo faça com que nos fujam a nossa história de os nossos atores.

Em segundo lugar, ao reconstituir a história, com seus "personagens" e "cenários", o autor desobstrui canais e ajuda no entendimento do funcionamento e das práticas comunicacionais hoje vigentes na América Latina e, mais especialmente, no Brasil.

Neste sentido, não é difícil entender os méritos de José Marque de Melo e de seu trabalho que, em parte, se confunde com sua história que, em parte, aparece nesta "História do Pensamento Comunicacional: cenários e personagens".

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