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Resenhas


Uma viagem pela história do pensamento comunicacional

Por
Marcia Furtado Avanza

O subtítulo do livro resume bem a trajetória que o autor quer imprimir: "cenários e personagens". História do Pensamento Comunicacional, a mais recente obra de José Marques de Melo, editado este ano pela Paulus, abre o leque dos estudos de comunicação desde o primeiro capítulo, "Da Ágora ao Ciberespaço", por meio do pensamento aristotélico que representa o primeiro paradigma comunicacional.

Discorrendo sobre o surgimento do campo Ciências da Comunicação, o autor descreve os pensamentos europeus e americanos, resgatando os autores latino-americanos. Dessa forma, chega ao desenvolvimento do estudo em terras brasileiras, questionando o papel das universidades latino-americanas, que valorizam mais os conceitos americanos e europeus. Na primeira parte, mostra, enfim, todo o cenário de desenvolvimento da comunicação enquanto ciência nos mais importantes pólos geradores de conhecimento.

A segunda parte do livro é dedicada aos personagens que ilustraram esses cenários. Grupos brasileiros, o pioneirismo de Frei Caneca - precursor do estudo das comunicações no Brasil, Costa Rego - o primeiro catedrático em jornalismo, e outros pioneiros que têm indiscutível papel nos estudos brasileiros, como Carlos Rizzini e Luiz Beltrão.

Da mesma forma, Marques de Melo destaca a importância da contribuição de Raymond Nixon, americano considerado um dos artífices da comunidade internacional de midiólogos, que se dedicou ao estudo da liberdade de imprensa no mundo contemporâneo; passa por Elihu Katz, que inovou as pesquisas norte-americanas; e termina tratando de dois dos mais importantes personagens na história da comunicação latino-americana: Luiz Ramiro Beltrán, pioneiro no estudo na América Latina, e Jesús Martín Barbero, espanhol de nascimento, mas que se dedicou às pesquisas de comunicação de massa e cultura popular da América Latina.

Resgatando os cenários

O autor resgata os textos de Aristóteles sobre a Política e a Retórica, visitando o panorama do desenvolvimento comunicacional desde a Antigüidade, passando pelas revoluções burguesas na Inglaterra, França e Estados Unidos, e chegando aos estudos do pós-guerra do século XX, nos quais o cientista político Harold Lasswell adequou os estudos greco-romanos a uma nova realidade social, tratando a comunicação política com a dimensão de políticas públicas e privadas. Marques de Melo termina o primeiro capítulo nos remetendo às atuais pesquisas sobre Comunicação Institucional, Informação Estratégica e Marketing Político. Ele demonstra que esses estudos já tinham seu esboço no período aristotélico, embora estivessem centrados no processo interior do discurso, interlocutor e ouvinte, enquanto o paradigma lasswelliano definisse como elementos básicos os canais, os comunicadores, os conteúdos e os efeitos. Mas mais do que isso, o autor discute sobre o impasse ainda presente de que, se no período grego a Política tinha prevalência sobre a Comunicação, atualmente os papéis se invertem, gerando uma "crise de identidade que a fragiliza, provocando fissuras nas relações entre as duas atividades públicas". Como exemplo, o autor utiliza o atentado ao World Trade Center, em setembro de 2001, engendrado, segundo ele, "em padrões destinados a provocar impacto midiático internacional".

O campo da Comunicação Social já foi investigado pelo autor no seu primeiro livro. Marques de Melo retoma o tema quando trabalha "A natureza do conhecimento midiológico". Ele dá uma visão geral do surgimento do "campo científico" que acredita estar "plenamente enquadrado na noção de 'campo social' definido por Bordieu" em Le champ scientific - Actes de la Recherche em Sciencis Sociales, lembrando, entretanto, que esse campo emerge no bloco das chamadas ciências aplicadas, associando o conhecimento acadêmico de uma série de outras disciplinas da atividade intelectual com do conhecimento adquirido por meio dos saberes acumulados na prática cotidiana das organizações midiáticas.

Voltando-se para o campo comunicacional na América Latina, o autor faz uma ampla defesa dos estudos desenvolvidos mais profundamente a partir dos anos 70 - embora um grupo pioneiro já atuasse desde as décadas de 50/70. O fortalecimento dessas pesquisas deu-se na busca de soluções decorrentes dos problemas gerados pelo crescimento da indústria midiática regional, que acabou determinando a criação de uma comunidade acadêmica autônoma, inovadora, inserida e reconhecida pela comunidade internacional.

Marques de Melo enfatiza as iniciativas editoriais impressas ou de produtos digitalizados que têm um papel predominante na difusão das idéias que proliferam na América Latina, com ofensivas que mostram o diferencial na produção de conhecimento sobre comunicação e fogem dos modelos europeus e norte-americanos, mais preocupados em dar respostas às demandas industriais locais, mais voltadas para intervir e contribuir com o panorama comunicacional de seus países e mais comprometidos com o interesse público.

O autor defende que esse tipo de postura acadêmica foi o que levou os pesquisadores latino-americanos a conseguirem a legitimidade internacional, embora tenham sido combatidos no interior de seus próprios países. A contribuição desses autores à área e questionamento ao papel das universidades - que se estruturaram em modelos norte-americanos e/ou europeus, nos quais os pesquisadores utilizam referências de teóricos distantes de nossa realidade - é levantada através da lembrança da distorção que Paulo Freire chama de "aderência ao opressor". Dessa forma, Marques de Melo defende acirradamente a necessidade de se privilegiar as idéias dos integrantes da Escola Latino-Americana de Comunicação, compreendendo-as dentro de nossa realidade cotidiana. Critica no plano das relações intelectuais o que chama de "complexo do colonizado" típico das sociedades periféricas.

Embora os cursos pioneiros na área tenham sido instalados em universidades européias e norte-americanas se pautando na formação profissional nos moldes do que era feito nas indústrias, não houve um distanciamento das ciências sociais básicas nem da área de humanidades. Esse intercâmbio existia no ambiente universitário, o que favoreceu o aperfeiçoamento do estudo da comunicação. Na América Latina, no entanto, a falta da tradição de estudos interdisciplinares inviabilizou essa troca de conhecimento e moldou os estudantes aos modelos exteriores, inibindo o perfil profissional. Só a partir dos anos 70 é que as universidades adotaram um modelo de comunicador polivalente. O Brasil sofreu menos interferência, muito em razão da influência das corporações midiáticas e da resistência da comunidade acadêmica.

Com relação às estratégias pedagógicas no campo da comunicação, o autor defende que a formação do profissional da comunicação social seja estruturada a partir de um diálogo constante entre a universidade, as indústrias/serviços midiáticos e as corporações profissionais. Sugere uma grade curricular que se paute por três blocos de conhecimento articulados: o primeiro formado pelos "conceitos comunicacionais que demarcam a identidade do campo acadêmico (...) e dos respectivos segmentos ocupacionais(...)"; o segundo pelos "processos midiáticos que configuram a produção, difusão e avaliação dos bens culturais correspondentes a cada segmento ocupacional (...), bem como instrumentos de retroalimentação (...)"; e, finalmente, o terceiro embasado pelos "conteúdos culturais que dão sentido às mensagens implícitas nos bens simbólicos construídos e/ou difundidos pelas indústrias/serviços midiáticos".

Mas o autor lembra, com muita propriedade, que "vivemos uma conjuntura marcada pela ascensão da 'sociedade de informação', como decorrência da expansão de novas tecnologias de reprodução simbólica". Dessa forma, considera que diversas profissões não estão adequadamente configuradas e é preciso analisar as mudanças resultantes dessas novas e imediatas demandas que podem ensejar mudanças curriculares dinâmicas.

Tratando do pensamento comunicacional latino-americano, Marques de Melo faz um detalhado levantamento bibliográfico das pesquisas realizadas no nosso subcontinente. Por meio de um panorama histórico e, a partir de conferências pronunciadas em universidades estrangeiras, o autor discorre sobre o ambiente em que se desenvolveram as primeiras pesquisas na América Latina. Traça também um cenário do ingresso da universidade na área de comunicação, embora destacando que tivesse, inicialmente, um papel mais voltado à formação e não à pesquisa.

Mas o autor detalha as iniciativas de criação de centros de pesquisa científica na área, que tiveram o papel de estimular e difundir as Ciências da Comunicação, com a participação de personalidades paradigmáticas de diferentes países agregados ao trabalho de pioneiros pesquisadores latino-americanos. Em um período de busca de alternativas comunicacionais, os trabalhos desenvolvidos nesses centros tiveram repercussão em comunidades acadêmicas de todo o continente.

A circulação das pesquisas e teorias desenvolvidas pelos pensadores latino-americanos foi facilitada a partir da década de 70, com o surgimento dos cursos de pós-graduação nas universidades. Também se agregaram a elas as inovações de uma nova geração de pesquisadores, marcadas pelo "hibridismo teórico e a superposição metodológica", representando uma mescla da cultura do subcontinente, já mestiço pelas suas diferentes raízes.

A Escola Latino-Americana se desenvolveu de forma significativa nas últimas décadas, mas ainda "não conquistou a hegemonia". O autor levanta argumentos que justificam a valorização de modelos externos em nossa comunidade. Mas lembra a fundamental contribuição das universidades norte-americanas na formação de nossas pioneiras escolas de jornalismo, além da importância que tiveram os estudos europeus na nossa formação intelectual. Para ele, essa mescla associada às diferentes culturas latino-americanas foram decisivas para o estudo e a interpretação dos processos comunicacionais.

O controle e a proximidade entre a Política e a Comunicação de Massa na América Latina também é discutida pelo autor, desde a nossa colonização até o início do século XX, quando surge, então, uma linha divisória entre os dois campos. Isso se dá a partir do surgimento da mídia eletrônica, e em razão da "fisionomia aparentemente despolitizada do rádio, do cinema e da televisão, encaradas pelas elites como fontes despretensiosas de entretenimento para as massas" e também fonte de lucros fáceis. Mas voltam a se confundir quando os regimes democráticos instituídos mostram a comunicação de massa como um "espaço privilegiado para manter ou conquistar o poder". Dessa forma, a pesquisa da comunicação também privilegia o campo político, embora outras vertentes tenham surgido mais recentemente.

Comentando as "contribuições brasileiras", o autor volta a mostrar que a interferência dos regimes autoritários inviabilizou a estruturação acadêmica na América Latina durante as décadas de 60, 70 e 90, embora seus pesquisadores mantivessem um diálogo constante. Os representantes das correntes pioneira, inovadora ou renovadora reuniram-se pela primeira vez com os expoentes da nova geração apenas no I Congresso Latino-Americano de Ciências da Comunicação, promovido pela Alaic em São Paulo, no ano de 1992.

Embora os pesquisadores brasileiros tenham se integrado às pesquisas e idéias que deram configuração à Elacom e o conhecimento comunicacional produzido no Brasil tenha se caracterizado pela grande diversidade temática, o bloqueio lingüístico contribuiu para que o país não conseguisse uma maior influência nos demais países latino-americanos, principalmente na circulação dos textos impressos. Distinguiram-se mais os que tinham fluência na língua castelhana. Mas a criação da Intercom - Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação fez com que a comunidade acadêmica tivesse maior visibilidade e participação na Elacom e que o pensamento brasileiro ganhasse legitimidade e se fizesse presente em outras universidades latino-americanas.

A Intercom merece destaque no livro de Marques de Melo porque abre um capítulo especial na história da comunicação brasileira. Criada em 1977, vem reunindo anualmente pesquisadores da área desde 1978, com forte participação também de alunos de graduação de todos os cantos do país. O crescimento da importância do evento reflete-se também no relacionamento internacional, já que em conjunto com o encontro têm sido realizados colóquios binacionais.

A Intercom também influiu decisivamente na recente cooperação luso-brasileira. A partir de uma proposta para a realização do Colóquio Luso-Brasileiro de Ciências da Comunicação, como evento prévio ao III Congresso Internacional de Jornalismo de Língua Portuguesa, foram criadas a Sopcom - Sociedade Portuguesa dos Investigadores da Comunicação - e a Lusocom - Federação Lusófona das Ciências da Comunicação. Isso porque, só após a Revolução dos Cravos, Portugal começou a formar especialistas em comunicação. Foi o último país europeu a criar escolas de jornalismo. O primeiro curso só foi instalado em 1979 na Universidade Nova Lisboa.

Sobre os cenários brasileiros, o autor descreve com clareza o ambiente e a fisionomia dos primeiros cursos superiores de Jornalismo e dos primeiros institutos de pesquisa e audiência de mídia, a partir de conhecimentos e necessidades do mundo profissional. A ampliação que incorporou os novos segmentos comunicacionais como cinema, rádio e TV, relações públicas, entre outros, mostrou o desenvolvimento de escolas que iniciavam suas atividades de pesquisas, dando forma a uma comunidade acadêmica que formava e absorvia os primeiros doutores diplomados.

Marques de Melo faz uma cronologia do campo, organizando as cinco fases que fazem parte da história das ciências da comunicação no Brasil e destacando os principais nomes desses períodos.

Da fase do Desbravamento (1873-1922) destaca a tese levantada pelo Cônego Fernandes Pinheiro em artigo para uma revista cultural que defendia que os holandeses implantaram a imprensa no Brasil durante a colonização de parte do Nordeste brasileiro. Historiadores pernambucanos passaram a pesquisar os arquivos holandeses buscando dados que refutassem a tese. José Higino Duarte Pereira, em 1886, Pereira da Costa, em 1891, e Alfredo de Carvalho, em 1899, publicaram resultados de suas pesquisas mostrando a inconsistência do artigo.

Alfredo de Carvalho também fez parte do significativo inventário da imprensa brasileira, sendo o responsável pelo primeiro projeto de pesquisa integrada no país. O autor acredita que "esse ambiente legitimador do papel social da mídia impressa" influenciou o jornalista Gustavo de Lacerda a fundar, em 1908, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), que lutava pela institucionalização de cursos que formassem jornalistas.

O período do Pioneirismo (1923-1946) mostrou uma tendência de mudança do estilo ensaístico para o empirismo. O marco foi o estudo de Barbosa Lima Sobrinho sobre a liberdade de imprensa, seguindo-se de significativas pesquisas, como a de Gilberto Freyre a partir de anúncios publicados em jornais.

Essa fase também marcou a implantação da primeira Cátedra de Jornalismo na Universidade do Distrito Federal, no Rio de Janeiro, criada por Anísio Teixeira, em 1935, e que tinha como titular o jornalista Costa Rego. Embora tenha durado pouco, o projeto, associado à demanda de mão-de-obra especializada pela multiplicação e modernização das empresas de comunicação, abriu as portas para as primeiras escolas na área. Em 1943, o então Ministro da Educação, Gustavo Capanema, regulamentou o ensino do jornalismo no país, oficializado por decreto do presidente Getúlio Vargas desde 1938.

A fase de Fortalecimento (1947-1963) foi marcada pela participação das universidades no cenário dos primeiros cursos de Jornalismo: o da Faculdade de Jornalismo Cásper Líbero, em São Paulo (1947), e da Universidade do Brasil, atual UFRJ, no Rio de Janeiro (1948), numa resposta aos esforços da ABI junto ao Governo Federal.

Nesse período destacaram-se, entre outros, Carlos Rizzini, com a idéia dos cursos laboratoriais trazidos do modelo norte-americano e um dos mais importantes pesquisadores do período, que publicou o primeiro tratado de história da mídia impressa a partir de procedimentos rigorosamente jornalísticos; Danton Jobim, responsável pela disseminação da perspectiva brasileira de análise do jornalismo em países da Europa e América do Norte; Pompeu de Souza, com a criação da primeira Faculdade de Comunicação de Massa na Universidade de Brasília (UnB), que articulava os estudos de Jornalismo, Publicidade, Cinema e Rádio e TV; e Luiz Beltrão, com a criação do primeiro centro de pesquisa no país, inspirado no modelo do CIESPAL, o Instituto de Ciências da Informação (Icinform), em Recife. Esse Instituto foi responsável pela publicação da primeira revista científica no campo da comunicação, a Comunicações & Problemas.

A Consolidação (1964-1977) deu-se num cenário de desenvolvimento da indústria cultural no país, com as empresas buscando cada vez mais a qualificação profissional. No campo do ensino e, apesar do regime autoritário no país que comprometeu o desenvolvimento acadêmico, a UnB, reformulada por Luiz Beltrão em 1966, criou programas de pós-graduação que foram responsáveis pela titulação dos primeiros mestres e doutores do país. A principal universidade brasileira, a Universidade de São Paulo (USP), fundou uma unidade voltada para a área da comunicação. Inicialmente denominada Escola de Comunicações Culturais, a atual Escola de Comunicações e Artes (ECA), lançou novos paradigmas pedagógicos e científicos, instituiu o Programa de Doutorado dentro de padrões europeus, e passou a desempenhar um papel de liderança em todos os aspectos da pesquisa no campo: informação, persuasão, documentação e difusão cultural.

A organização da comunidade acadêmica sofreu fortes restrições no período da ditadura militar, mantendo-se, com raras exceções, fragmentada e conflituosa. Só em 1972 foi criada a primeira associação acadêmica da área, a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa da Comunicação (Abepec). A entidade voltou-se mais para as questões curriculares e foi perdendo força até auto-dissolver-se. Em 1977, foi substituída pela Intercom.

A Institucionalização ocorreu no período entre 1978 e 1997. Em 1984, criou-se a Abecom - Associação Brasileira de Escolas de Comunicação e, em 1990, a Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação - Compós. A primeira metade da década de 90 foi extremamente rica em produção científica na área. Com o fim da ditadura militar, os pesquisadores nacionais passaram a marcar presença nos congressos da principal associação internacional, a IAMCR - International Association for Media and Communication Research, com expressiva participação.

Para o autor, o dilema atual da comunidade é a busca de uma identidade própria, embora a produção de pesquisadores brasileiros alcance cada dia mais projeção. Que o diga o professor Marques de Melo. Toda essa história já foi escrita e analisada em seus artigos, livros e conferências anteriores. Sua contribuição no cenário nacional e internacional da comunicação é mais do que expressiva.

História do Pensamento Comunicacional
José Marques de Melo
Ed. Paulus
São Paulo, 2003.
374 págs.


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