Resenhas
Um
mergulho na história dos pensares em Comunicação
Por Mônica Kimura
Muito
do que hoje se entende por comunicação no Brasil
é fruto do incansável pensar de José Marques
de Melo. Dezenas de gerações de profissionais
de Comunicação puderam usufruir deste laborioso
e imprescindível pensar... E o presente trabalho é
um resgate de diversos destes pensares cuidadosamente elaborados
e devidamente apresentados ao longo de sua vida acadêmica
em forma de conferências, artigos, ensaios, palestras
em que o mestre, alinhava fatos, histórias, idéias,
projetos, teses, de forma magistral, com objetivo de nutrir
de saberes platéias de ávidos estudantes e pensadores
da Comunicação. Cada linha deste trabalho remete
ao objetivo didático-pedagógico, que Marques de
Melo tem imprimido a todas as suas obras: a busca incessante
pela documentação e registro de todos os pensares
comunicacionais, nacionais e mundiais.
Dividido em duas partes a primeira, "Cenários",
é uma grande seara de textos que abordam desde os primeiros
estudos sobre a Comunicação - inicia com Aristóteles,
passa por Quintiliano, Peucer, Schramm - para se ater com mais
vagar e detalhamento nos últimos 50 anos, período
em que a Ciência se aprofundou e fincou raízes
sólidas, embora encontre-se ainda claramente em formação.
Porque trata-se de uma das características das Ciências
Humanas: a constante atualização à medida
em que evolui a capacidade humana de renovar-se e aprimorar-se.
Na segunda parte, "Personagens", Marques de Melo apresenta
os protagonistas destes tantos enredos. São os grupos
comunicacionais que ajudaram a compor a história e as
histórias da Comunicação, em particular,
da última metade do século XX até este
início de século XXI.
"Cenários", por sua vez, divide-se em outros
três temas. O campo da comunicação é
o tema inicial, composto por três textos que delineiam
marcos dentro do estudo histórico. Da Ágora
ao Ciberspaço é um momento de reflexão
sobre a abordagem das as relações da mídia
com a política na pesquisa comunicacional.
"..os cultores da Retórica do tempo de Aristóteles
são os precursores remotos dos profissionais midiáticos
da sociedadee pós-industrial, sobretudo aqueles contingentes
que hoje se dedicam à Comunicação Institucional,
à Informação Estratégica e ao Marketing
Político." (pág.18)
"A natureza do conhecimento midiológico" é
o segundo texto. A pergunta que abre o texto: Como se desenvolve
um novo campo do saber? Aguça os sentidos do leitor desavisado
e convida para uma leitura atenta.
"Qualquer campo do conhecimento humano surge como conseqüência
das demandas coletivas. (..) Começa na base da sociedade,
robustecido pelo senso comum. Amplia-se e desenvolve-se no interior
das organizações profissionais, culminando com
sua legitimação cognitiva por parte da academia."
(pág. 33)
Marques de Melo revisita todas as conhecidas teses acerca dos
campos comunicacionais entrelaçando-as de forma a conceituar
os principais paradigmas latino-americanos.
Em Identidades brasileiras ao abordar as singularidades
na nossa maneira de pensar e ensinar a Comunicação,
o pesquisador elabora as estratégias para que deixemos
o gueto acadêmico. Sem qualquer ranço ideológico
ele aponta as falhas e os acertos e mostra onde cada ponto pode
e deve ser reelaborado para a construção de uma
corrente ordenada em Comunicação.
Pensamento comunicacional Latino-Americano, é o segundo
tema de "Cenários" e inicia apresentando o
texto Gênese e desenvolvimento. É um
passeio pelas origens das nossas escolas, suas dificuldades
e acertos.
"Uma das dificuldades para a rápida legitimação
da Escola Latino-Americana é também sua falta
de agilidade para respondeer prontamente às questões
postas pelos centros contemporâneos de decisão,
localizados nas empresas e no setor público."
(..)
"Torna-se crescente o número de pesquisadores juniores
que, sem perdedr o rigor científico, mantém o
compromisso ético de transformar a sociedade para atender
o interesse público."
"Política, dimensão hegemônica",
trata desde as políticas de comunicação
até a comunicação política. Logicamente
aborda a questão da nossa Comunicação Latino-Americana
moldada a duras penas sob a égide de regimes totalitários
que acabaram por imprimir um tom ideológico a muitas
das nossas mais representativas expressões comunicacionais.
"Contribuições Brasileiras" é
um importante registro da nossa presença nos anais da
Escola Latino-Americana de Comunicação. O resgate
inicia em fins do século XIX, quando se iniciam as produções
eminentemente nacionais, em detrimento às produções
marcadas pelos padrões hegemônicos das antigas
metrópoles. Coloca o ponto nevrálgico de nossa
principal dificuldade de expansão na Escola: o desconforto
de sermos a única nação a falar e escrever
o português e as dificuldades de integração
que advém de tal obstáculo. Apesar disso, muitos
de nossos autores superaram o obstáculo e vêm difundindo
suas idéias além das fronteiras luso-brasileiras.
O terceiro tema de "Cenários", Pensamento comunicacional
Luso-Brasileiro, divide-se em seis textos, cada qual busca demarcar
um importante ponto que influenciou a formação
dos pensares da Escola Luso-Brasileira de Comunicação.
Constituição da comunidade acadêmica
brasileira é um delicioso tour por uma História
das Ciências da Comunicação no Brasil. O
que significa dizer que é um texto obrigatório
em qualquer curso de Comunicação do País.
São apresentados os principais personagens, suas colaborações
e as origens das escolas que fizeram a história comunicacional
brasileira.
"Formação da comunidade acadêmica portuguesa",
é um tributo às nossas raízes lusitanas
e que devem ser lembradas como patriarcas dos nossos pensares,
nem melhores, nem piores, mas contribuintes de sua formação.
Inicia com um panorama do período pós-salazarista
e apresenta os protagonistas desta história.
"Maturidade da comunidade acadêmica brasileira"
é um artigo que apresenta a grande contribuição
que a INTERCOM trouxe para a legitimação do campo
comunicacional Latino-Americano. A INTERCOM - Sociedade Brasileira
de Estudos Interdisciplinares de Comunicação -,
desde 1979, reúne-se anualmente com o intuito de apresentar
à comunidade acadêmica do continente as mais relevantes
experiências, pesquisas e estudos com o objetivo de promover
o intercâmbio de informações. O artigo resgata
as origens dos encontros e demarca novos desafios para os próximos.
"Cooperação acadêmica Luso-Brasileira"
é um artigo que destaca as ações conjuntas
com os patrícios portugueses.
"A televisão, o cinema e o vídeo refazem,
no alvorecer do novo milênio, através das ondas
eletromagnéticas, o caminho em direção
ao novo mundo, dando continuidade a um processo que os navegantes
portugueses iniciaram há cinco séculos, quando
venceram as ondas marítimas, ao fazer a travessia do
Cabo da Boa Esperança." (pág. 199)
O artigo Conhecimento midiático brasileiro
conta como foram desenvolvidos os estudos de mídia desde
a década de 70 - século XX! - até a atual
moderna sociedade midiática com seus intelectuais de
renome internacional, sendo o autor um dos maiores expoentes.
Nesse estudo ele posiciona o cenário atual e lança
estratégias para preencher lacunas importantes que comprometem
o desenvolvimento de nossa cultura midiática.
E, finalmente, em Pensamento comunicacional brasileiro
- último texto de "Cenários" - Marques
de Melo apresenta o desafio de renovar-se, jogar fora todos
os velhos e ultrapassados paradigmas e lançar-se a uma
nova empreitada: globalizar-se sem perder suas características,
de forma altaneira e proclamando sua autonomia. Eis o desfecho
desafiados que "Cenários" evoca.
A segunda parte "Personagens" subdivide-se em três
temas: Grupos comunicacionais brasileiros; Pioneirismo comunicacional
brasileiro; e, Pioneirismo comunicacional americano. Marques
de Melo faz aqui um tributo aos grandes artífices do
pensamento comunicacional Latino-Americano.
Grupos comunicacionais brasileiros conta a história dos
grupos: gaúcho, do centro-oeste e de São Bernardo.
São, segundo o autor, os três grupos que talvez
mais tenham acrescido subsídios à formação
do pensar comunicacional nacional.
"Na medida em que se institucionaliza um novo campo do
saber torna-se imprescindível oferecer às novas
gerações um quadro histórico que estimule
a acumulação orgânica de experiências,
evitando-se a repetição de etapas já percorridas
mas que escapam muitas vezes à percepção
de pesquisadores neófitos." (pág. 250)
Pioneirismo comunicacional brasileiro pontua as contribuições
de quatro grandes personagens, seguindo as denominações
do autor: Frei Caneca, o precursor da teoria da comunicação;
Costa Rego, pioneiro do ensino comunicacional; Carlos Rizzini,
pioneiro dos estudos midiáticos e Luiz Beltrão,
pioneiro das ciências da comunicação. Cada
qual em seu tempo e em suas condições, buscou
desenvolver uma área do saber além das dimensões
empíricas, não se limitando em deixar que as angústias
do meio interferissem em suas conclusões à luz
da ciência.
E, igualmente, e conforme registra Marques de Melo, Pioneirismo
comunicacional americano, registra as importante ações
de outros quatro pensadores históricos: Raymond Nixon,
Elihu Katz, Luiz Ramiro Beltrán e Jesus Martin Barbero.
O autor coloca Nixon como o artífice da comunidade mundial;
conhecido pelos estudos sobre a questão da liberdade
de imprensa. Katz como o inovador da escola americana; um pesquisador
que dedicou-se a estudar os espetáculos midiáticos,
ou seja, como a história contemporânea se confunde
com a transmissão televisiva dos acontecimentos. Beltrán
é o pioneiro da Escola Latino-Americana; um visionário
que sempre enxergou a Comunicação como uma importante
ponte para o desenvolvimento científico do continente.
E Barbero foi quem inovou a Escola que Beltrán ajudou
a fundar. Graças à INTERCOM suas idéias
inovadoras chegaram até nós e difundiram-se.
Ou seja, tudo o que está contido em História do
Pensamento Comunicacional é essencial. Por se tratar
de uma coletânea de textos multifacetados as informações
não são uniformes, porém foram agrupadas
de forma a se interligarem para formar um impressionante mosaico
sobre a história dos pensares em Comunicação.
Conforme o autor coloca no último parágrafo do
prefácio, trata-se de uma necessária preservação
da soberania da identidade cultural nacional, por meio do desenvolvimento
de ousadias que garantam nossa inserção altaneira
na aldeia global e ao resgate crítico das tradições
nacionais-regionais que forjaram nossa marcha civilizatória.
O objetivo é claro: a formação dos novos
contingentes de pesquisadores midiáticos que não
abdiquem da ousadia e da intrepidez, características
essenciais de um pensador comunicacional.
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