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Resenhas


À memória dos pensadores da Comunicação

Por Suzi Garcia Hantke

A própria natureza da atividade comunicacional dá a seu campo de estudos uma sistematização diferenciada de outras áreas do conhecimento humano. Seus pensadores travam um desafio adicional ao tentar conferir uma unidade a suas pesquisas dispersas, ora nascidas do pensamento acadêmico das universidades, ora originadas empiricamente da experiência profissional. Para recuperar parte da memória dos estudos da Comunicação no Brasil e no mundo, o jornalista e professor José Marques de Melo reuniu no livro História do Pensamento Comunicacional, lançado em 2003 pela Editora Paulus, 23 textos, entre aberturas de conferências, artigos para revistas científicas e prefácios de livros.

A obra é uma oportuna revisão, também, do frutífero trabalho de pesquisador de Marques de Melo. Os textos compilados refletem a intensa participação do autor em simpósios sobre Comunicação organizados dentro e fora do Brasil. É por meio desse mosaico de reflexões que o livro recupera a história dos pensadores da Comunicação.

Apesar de fragmentados, já que produzidos em diferentes épocas e para distintos públicos, os textos foram organizados seguindo uma lógica temática. A primeira parte do livro - Cenários - aborda a ligação entre Comunicação e Política e retoma as raízes brasileiras do estudo das comunicações, enfatizando a herança do pensamento luso-brasileiro e latino-americano.

Na segunda parte - Personagens -, estão os textos sobre os grupos comunicacionais brasileiros do Sul, Centro-Oeste e de São Bernardo do Campo, e também sobre alguns nomes fundamentais no estudo da comunicação: Frei Caneca, Costa Rego, Carlos Rizzini, Luiz Beltrão, Raymond Nixon, Elihu Katz, Luiz Beltrán e Jesús Martín-Barbero.

Ao colocar lado a lado contribuições tão variadas, o autor tem um objetivo claro, anunciado por suas palavras no prefácio: "Este livro tem, portanto, dupla motivação. Em primeiro lugar, pretende fortalecer a auto-estima daquela corrente que não se sente inferiorizada pelas tradições intelectuais forâneas, irrigando e cultivando as raízes mestiças que sustentam nosso pensamento comunicacional (...). Em segundo lugar, deseja oferecer aos estudantes e professores das nossas universidades evidências historicamente codificadas, suscetíveis de fazê-los superar os impasses teóricos com que se defrontam (...)".

Em busca dos pesquisadores brasileiros

Dar aos estudantes de comunicação, especialmente os graduandos, uma obra que destaca o pensamento nacional sobre Comunicação é uma contribuição relevante e expressa a preocupação do autor em ampliar o espaço aos estudiosos brasileiros do assunto.

Mesmo com a crescente produção acadêmica no Brasil e o reconhecimento internacional, consolidado sobretudo nos anos 1990, o pensamento comunicacional brasileiro parece ainda ter como entrave um certo "complexo do colonizado", o que explicaria, segundo Marques de Melo, a eterna predominância dos pensadores estrangeiros nos currículos das faculdades de Comunicação.

Para ilustrar o que o autor vê como sinal do fortalecimento do campo acadêmico da Comunicação no país há números significativos. O artigo "Maturidade da Comunidade Acadêmica Brasileira: O Papel da INTERCOM na Legitimação do Campo Comunicacional", produzido para a Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, em 2001, traz um apanhado da participação de estudiosos e estudantes de Comunicação nas edições de 1999, 2000 e 2001 do Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, promovido pela INTERCOM - Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação.

O congresso de 2001, realizado em Campo Grande (MS), é destacado como um marco para a pesquisa brasileira. Foi durante o evento que se implantou a nova estrutura acadêmica da INTERCOM, com a criação de Núcleos de Pesquisa de caráter permanente. O que poderia parecer uma mera mudança burocrática deu resultados concretos. Os Núcleos de Pesquisa possibilitaram um aprofundamento nas discussões e melhor seletividade dos trabalhos inscritos no congresso.

Um dos méritos do livro de Marques de Melo é mostrar que a produção comunicacional brasileira é viva e intensa, ainda que careça de divulgação mais atenta até por parte das universidades. A INTERCOM desponta como uma peça indispensável para ajudar a preencher essa lacuna. Criada em 1977, a entidade é citação recorrente nos textos do autor mostrando sua atuação para aglutinar as pesquisas brasileiras.

A formação do ensino de Comunicação

A história do pensamento comunicacional converge, em determinado momento, para a gênese dos cursos de Comunicação. É interessante rever como se deu a motivação para a inclusão desse novo campo acadêmico, que coincide com a massificação da atividade jornalística.

Diante da multiplicação das empresas de comunicação e sua conseqüente demanda por profissionais, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) levanta a bandeira da necessidade de uma escola profissional de Jornalismo, reivindicada junto ao Ministério da Educação. Lembra Marques de Melo: "As circunstâncias favoreciam os centros de formação para jornalistas. A modernização e a multiplicação das empresas do ramo apontavam em direção ao esgotamento do modelo caracterizado pelo treinamento de recursos humanos dentro das próprias redações".

Em 1943, o Ministério da Educação vincula o ensino do Jornalismo ao ensino superior. A partir daí, instalam-se seus primeiros cursos universitários. A Escola de Jornalismo Cásper Líbero, criada em 1947 a partir de um convênio com a Fundação Cásper Líbero e a PUC-SP, é a pioneira. No ano seguinte surge no Rio de Janeiro o curso de Jornalismo da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro. À frente das aulas, profissionais recrutados pelas universidades para transmitir seus conhecimentos empíricos à nova geração de jornalistas.

O Jornalismo permaneceu como a única área comunicacional legitimada pela universidade brasileira até o início da década de 1960. Apenas em 1963 os estudos de Publicidade, Cinema e Rádio-Televisão vieram se juntar à academia, com a criação da primeira Faculdade de Comunicação de Massa na Universidade de Brasília.

Coube à USP dar uma nova dimensão aos estudos da Comunicação ao reunir em uma faculdade todos os aspectos desse campo de conhecimento. Criada em 1966, a Escola de Comunicações Culturais, que passou a se denominar posteriormente Escola de Comunicações e Artes, foi um marco na sedimentação desse campo acadêmico, contando com docentes em regime de dedicação integral e uma sólida infra-estrutura laboratorial.

O caminho trilhado pelo ensino da Comunicação no país está resumido no texto "Constituição da Comunidade Acadêmica Brasileira: Roteiro para uma História das Ciências da Comunicação no Brasil", produzido para a comemoração dos 20 anos da INTERCOM e reproduzido no livro.

História retomada

História do Pensamento Comunicacional traz ainda, em sua segunda parte, considerações resumidas de acadêmicos da Comunicação, retomando o trabalho de nomes cuja importância histórica vem sendo esquecida, como Carlos Rizzini, apontado como pioneira da pesquisa midiática no Brasil. "Sua trajetória intelectual é hoje quase desconhecida entre as novas gerações de comunicólogos", comenta Marque de Melo no artigo "Carlos Rizzini, Pioneiro dos Estudos Midiáticos".

Além de Rizzini, o livro recupera a atuação de outros pioneiros das pesquisas comunicacionais, como Costa Rego, o primeiro catedrático do Jornalismo, e Frei Caneca. Ainda que sintéticos, os textos são uma boa iniciação à recuperação da memória de personagens que desbravaram o campo da Comunicação.

Para estudantes e novos pesquisadores, o livro de Marques de Melo é um estímulo à iniciação em um campo do conhecimento que as universidades vêm negligenciando e cuja retomada é uma forma de ajudar a fortalecer o pensamento acadêmico sobre a Comunicação.

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