Resenhas
Profundo
mergulho nas águas
do pensamento comunicacional
Por Osmar Mendes Júnior
Aqueles
que costumam afirmar que das grandes falhas da sociedade brasileira
a maior é justamente aquela de não preservar
a memória do Brasil precisam rever urgentemente este
conceito agora antiquado e ultrapassado. Pelo menos no que
diz respeito ao campo do pensamento comunicacional já
não há mais como lamentar a ausência de
bons e eficientes documentos, pensados e dimensionados para
registrar a trajetória dos processos comunicacionais
ao longo do tempo, não apenas no âmbito do território
brasileiro, como também no além-fronteiras próximas
e distantes.
O
marco divisor passa a ser o livro "História do
Pensamento Comunicacional", do Professor Doutor José
Marques de Melo, publicado em 2003 pela Editorial Paulus,
de São Paulo.
Utilizando os mais recentes e aperfeiçoados recursos
da indústria gráfica contemporânea, como
o papel Chamois Fine Dunas de 70 gramas, amarelado, que pode
ser facilmente lido sob luz natural ou artificial, e diagramado
na bela fonte AGaramond corpo 11, a obra de Marques de Melo
é de fácil manuseio e impressiona não
só pela beleza da capa como também pelo eficiente
projeto gráfico de Valter Rodrigues.
Mas
é no conteúdo que o livro se destaca e seduz
de vez o leitor, seja ele um iniciante no estudo das comunicações
ou um expert no assunto. Sem medo de exagerar, pode-se dizer
que essa é uma obra fundamental para jornalistas e
estudantes de jornalismo. E essencial para os apreciadores
da história da imprensa mundial, especialmente nos
fatos ocorridos na América Latina.
Já no prefácio de "História do Pensamento
Comunicacional" o professor Marques de Melo mostra a
que veio e revela o imenso alcance dimensional de sua obra,
ao citar pensadores do quilate de Aristóteles, Quintiliano,
Peucer e Schramm. Ao viajar no tempo, colhendo informações
no século III a.C., passando pelo século I d.C.
e desembocando na metade do século XX, o mestre exercita
o seu brilhante didatismo.
Diz
Marques de Melo: "o Brasil defronta-se, neste limiar
do século XXI, com a necessidade de preservar soberanamente
sua identidade cultural, desenvolvendo lances ousados que
garantam a um só tempo a inserção altaneira
na aldeia global e o resgate crítico daquelas tradições
nacionais-regionais que forjaram nossa marcha civilizatória.
Tal é o marco inspirador do conjunto de idéias
aqui reunidas. Elas ambicionam contribuir para a formação
de novos contingentes de midiastas, suscitando perspectivas
democráticas de cordialidade, tolerância e intrepidez".
O
conteúdo do livro está dividido em duas partes
distintas, "Cenários" e "Personagens",
o que, além de organizar o amplo conteúdo, facilita
a compreensão das importantes informações
reunidas nas 373 páginas do livro. A leitura é
fácil e agradável, já que o texto foi
escrito na norma culta da língua portuguesa, como convém
às obras brasileiras que chegam para pertencer eternamente
ao mais alto patamar da cultura nacional.
"Cenários", está subdivida em três
partes: 1. O campo da comunicação; 2. Pensamento
comunicacional latino-americano e 3. Pensamento comunicacional
luso-brasileiro. No item 1, que aborda o campo da comunicação,
o autor se utiliza do material oriundo de uma conferência
realizada em 2002 na sessão plenária "Contextos
Culturais e Políticos da Comunicação",
do VII Congresso Ibero-Americano de Comunicação,
realizado pela Faculdade de Ciências da Informação,
da Universidade Complutense, de Madrid, Espanha, para traçar
um panorama que vai da ágora ao ciberespaço.
No texto o autor aborda as relações entre e
mídia e política na pesquisa comunicacional.
O
leitor então mergulha profundamente nas águas
do tempo e vai analisar o passado distante, quando o ser humano
ainda engatinhava nas questões do registro de suas
idéias e pensamentos. Marques de Melo trafega nas idéias
de Aristóteles, para demonstrar aquilo que seria os
primórdios das ciências das comunicações.
E prossegue saltando no tempo para ilustrar os principais
fatos que marcaram o setor da comunicação mundial.
Tudo devidamente documentado, conforme atesta a ampla e importante
relação de obras bibliográficas que encerra
o texto.
No item seguinte, dedicado à natureza do conhecimento
midiológico, Marques de Melo recorre a outro documento
oriundo de uma conferência para explicar o estudo das
relações entre mídia, linguagem, tecnologia
e cultura na América Latina. Desta vez o material vem
de uma trabalho apresentado em 2001 na sessão inaugural
do VI Colóquio Brasil-França de Ciências
da Comunicação, patrocinado pela Universidade
de Poitiers, na França.
O
leitor mais atento vai perceber que novamente o mestre não
mede esforços para transmitir seus extensos e abundantes
conhecimentos, acumulado durante anos e anos de vida acadêmica,
pesquisas e experiências pessoais. As explicações
começam com as demonstrações que apontam
como se desenvolve um novo campo do saber entre a humanidade.
O texto é altamente envolvente. Sabe-se, por exemplo,
que o estoque do saber acumulado pelos seres humanos provem
da confluência de duas fontes: praxis e teoria. Praxis
é a aplicação do saber acumulado pelas
sociedades e, dentro delas, pelas corporações
profissionais.
Sua
meta é desenvolver os modelos produtivos, transmitindo-os
às novas gerações para acelerar o processo
civilizatório. Teoria é a apropriação
do saber prático pela academia, que o submete a permanente
reflexão e sistematização. Através
do ensino e da pesquisa, a universidade atua como formadora
de recursos humanos e como produtora de conhecimentos.
Em
seguida o mestre discute o campo da comunicação
e chega a abordar claramente os três fluxos convergentes
que determinam o aparecimento dos comunicadores: industriais,
profissionais e civismo. Os fluxos industriais são
as empresas da área informativa que demandam recursos
humanos qualificados e investem na sua formação.
Marques de Melo aponta um marco histórico que foi a
doação feita por Pulitzer à Universidade
de Columbia, para criar uma escola pós-graduada de
jornalismo (1910). Ela constitui um modelo para as instituições
congêneres dos Estados Unidos, da mesma forma que o
seria a escola de jornalismo fundada na Universidade de Missouri
(1908) para formar repórteres.
O
fluxo designado como "profissionais" é explicado
por Marques de Melo como resultado dos anseios dos trabalhadores
midiáticos, que reivindicam aperfeiçoamento
intelectual para ter melhores oportunidades ocupacionais e
ao mesmo tempo fortalecer as corporações a que
pertencem. O congresso europeu de jornalistas, realizado em
Portugal (1899) já pedia a criação de
escolas profissionais, que, inicialmente, foram implantadas
na França. O fluxo designado como "cívicos"
é descrito pelo autor como resultado dos anseios da
sociedade civil em obter produtos culturais de qualidade e
a reação ao abastardamento da imprensa diária
ou seja, sua popularização.
O
autor explica melhor: "trata-se de movimento liderado
pela classe média, na qual se incluem os intelectuais.
Temerosos do nivelamento por baixo, os movimentos cívicos
preconizam linguagens e temáticas mais sintonizadas
com as aspirações das classes trabalhadoras,
porém capazes de influir no processo de ascensão
social". As informações, que começaram
como um fino riacho, acabam se transformando num caudaloso
rio.
Rio
em cujas águas o leitor encontra todos os dados que
precisa para melhor se situar no panorama das comunicações.
O capítulo também é concluído
com uma ampla bibliografia, característica que aparece
outras vezes ao longo da obra e que confere ao livro o título
de inesgotável fonte de consultas e referências.
No item 3, quando se propõe a abordar as identidades
brasileiras, o professor Marques de Melo continua oferecendo
um variado cardápio para os leitores. O mestre vai
buscar exemplos no cenário mundial para contar como
surgiram os primeiros cursos sobre jornalismo no Brasil. Ele
diz: "é importante lembrar que os primeiros cursos,
tanto na Europa quanto nos Estados Unidos da América
estavam inseridos nas universidades, o que permitia aos estudantes
das escolas de jornalismo, cinema, editoração,
relações públicas, radio-teledifusão
ou publicidade a circulação pelas áreas
conexas".
A
narrativa segue com a qualidade informativa característica
do autor. O leitor vai saber o que ocorreu na América
Latina e vai constatar como foram formados os primeiros currículos
e o impacto causado pela chegada das escolas no meio profissional.
A narrativa chega aos dias atuais. E mais uma vezes o leitor
é brindado com uma ampla bibliografia, que vai lhe
servir infinitamente como base de sustentação.
Na segunda parte de "Cenários", dedicada
ao pensamento comunicacional latino-americano, o autor começa
fazendo uma ampla radiografia sobre o passado, circula pelo
presente e aponta as tendências do futuro da escola
latino-americana de comunicação. Mais uma vez
ele toma como base das discussões um documento proveniente
de uma de suas inúmeras e concorridas palestras. O
enfoque desta vez vem de uma conferência em Austin,
Texas, Estados Unidos, por ocasião do recebimento do
Prêmio Wayne Danielson de Ciências de Comunicação,
outorgado ao autor em 1998 pelo College of Comunications da
University of Texas.
Marques
de Melo registra dois marcos cronológicos, que podem
ter sido o ponto de partida da pesquisa comunicacional brasileira:
a publicação, em 1945, da primeira sondagem
eleitoral feita pelo IBOPE - Instituto Brasileiro de Opinião
Pública e o lançamento, em 1946, do primeiro
ensaio sitemático sobre imprensa e jornalismo, escrito
por Carlos Rizzini, sob o título "O livro, o jornal
e tipografia no Brasil". A partir dessas preciosas informações,
Marques de Melo resgata dados sobre o papel das universidades,
incluindo aspectos como regionalização e globalização.
O
leitor vai entrar em contato com alguns fatos muito interessantes.
Entre elas, a constatação de que, durante os
anos noventa do século passado, - que se foi há
pouco mais de três anos - o Brasil ter-se mantido no
top dos países com maior volume de produção
científica, ao lado da Inglaterra, Canadá, França,
Dinamarca, Austrália e Alemanha. Informação
que, certamente, enche de alegria os otimistas e diminui o
sentimento de inferioridade que ainda persiste em algumas
camadas intelectuais brasileiras.
Também
é relembrado o auspicioso fato de que, há 50
anos, surgia o primeiro scholar brasileiro no campo das comunicações,
Danton Jobim, convidado a lecionar na Universidade do Texas,
nos Estados Unidos. Na época, Danton Jobim era editor-chefe
do jornal "Diário Carioca" e professor do
curso de jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Marques de Melo registra que uma síntese das conferências
proferidas por Danton Jobim foi publicada sob a forma de artigo
na revista "Journalism Quartely" e que a partir
deste fato há um fluxo contínuo de professores
brasileiros em Austin e de norte-americanos em nossos campi.
Marques
de Melo concluiu afirmando que a missão dos comunicólogos
é construir pontes civilizatórias entre sociedades
e cidadãos, preservando a paz e conservando a natureza.
Uma ampla lista bibliográfica completa os estudos.
O leitor sente-se brindado com a clareza e objetividade do
autor.
O segundo sub-capítulo é denominado "Política,
dimensão hegemônica" e versa sobre política
de comunicação e comunicação política.
Vale ressaltar que, mais uma vez, o professor José
Marques de Melo recorre a um texto utilizado em uma de suas
conferências para dar início à narrativa.
Desta vez o material é extraído do II Seminário
Latino-Americano de Pesquisa em Comunicação,
realizado em 2001, em La Plata, Argentina, promovido pela
Asociación Latinoamericana de Investigaciones de La
Comunicación (ALAIC), sob o patrocínio da Facultad
de Periodismo e Comunicación da Universidad de La Plata.
Mais
uma vez o leitor tem oportunidade de ampliar bastante o seu
leque pessoal de conhecimento com as informações
ali mencionadas e registradas. O autor inicia a palestra com
um pequeno porém eficaz comentário sobre as
diferenças entre a América Espanhola e a América
Portuguesa no campo focalizado. Enquanto lá, desde
o início da ocupação do continente americano,
há pouco mais de 500 anos, colonizadores e colonizados
já dispunham de uma certa forma de imprensa, por aqui,
no Brasil, durante os três séculos de ocupação
portuguesa não se ouvia falar de jornais, assemelhados
ou afins.
O texto é pródigo em informações
sobre a América Latina e o leitor poderá saciar
toda a curiosidade sobre a história da imprensa no
continente. As constantes citações de trabalhos
dos mais dedicados pensadores sobre o assunto enriquecem o
texto e ajudam a traçar um fiel panorama dos reais
acontecimentos ocorridos na região. Neste ponto do
livro de Marques de Melo há referências sobre
a presença dos escravos nos anúncios dos jornais
brasileiros do século XIX.
Também
é abordada a questão das famosas "macacas
de auditório" dos anos quarenta, que lotavam as
dependências da Rádio Nacional do Rio de Janeiro,
então considerado o maior e mais eficiente veículo
(meio) de comunicação popular do Brasil. A presença
do negro na televisão brasileira ganha uma pequena
citação e aqui é preciso lembrar que
o primeiro canal de TV a funcionar no Brasil surgiu em São
Paulo, em 1950. Era a PRF3-TV Tupi Difusora, que pertencia
aos Diários Associados, do lendário Assis Chateaubriand.
O
texto só vem confirmar o que, a essas alturas, o leitor
já sabe: o livro de Marques de Melo é mesmo
uma fonte inesgotável de informações
e vai servir de inspiração para muitos estudantes,
quer na preparação de suas teses de mestrado
ou doutorado, ou simplesme para ampliar os conhecimentos históricos
sobre este importante segmento da vida nacional e mundial,
que é o universo das comunicações. A
ampla bibliografia está lá, como acontece em
quase todos os capítulos da obra.
A presença do Brasil no cenário da Escola Latino
Americana de Comunicações é o tema que
vai ocupar todo a terceira e última parte do sub-capítulo
dedicado ao Pensamento Comunicacional Latino-Americano. O
ponto de partida está no documento oriundo da conferência
realizada em 2000, na cidade de São Bernardo do Campo,
em São Paulo, por conta do IV Colóquio Internacional
sobre a Escola Latino-Americana de Comunicação,
promovida pela Cátedra UNESCO de Comunicação,
da Universidade Metodista de São Paulo. O autor começa
abordando o pensamento autóctone da região latino-americana
e dedica um amplo espaço ao pensamento brasileiro.
Marques
de Melo afirma que "o estoque do conhecimento comunicacional
produzido no Brasil, cujas raízes estão encravadas
nos estudos precursores do final do século XIX e começo
do século XX caracteriza-se pela diversidade temática
(imprensa, radiodifusão, cinema, novas mídias
e também pela pluralidade genealógica. Mostra-se
evidente a hegemonia européia sobre o nosso embrionário
pensamento comunicacional até a primeira metade do
século XX. No período pós-guerra, cresce
a influência norte-americana.
Ela
reduz, mas não elimina o fascínio que as nossas
elites intelectuais sempre demonstraram pelas idéias
oriundas de metrópoles como Paris, na França,
Roma, na Itália, Londres, na Inglaterra ou Berlim,
na Alemanha". Marques de Melo relaciona nesta parte do
livro, três autores brasileiros considerados emblemáticos:
Décio Pignatari, Muniz Sodré e Sérgio
Caparelli. Essa sugestão é importante: obras
dos três pensadores devem ser consultadas pelos leitores.
A terceira parte, ou sub-capítulo, de "Cenários"
é dedicado ao pensamento comunicacional luso-brasileiro.
O tema é a constituição da comunidade
acadêmica brasileira, convertido num roteiro para uma
História das Ciências da Comunicação
no Brasil. Mais uma vez o autor recorre ao texto de uma de
suas conferências para iniciar a tarefa que ele faz
tão bem, magistralmente. Desta vez o texto é
resultado de um trabalho apresentado no XX Congresso Brasileiro
de Ciências da Comunicação, realizado
em 1977, na Universidade Católica de Santos, Estado
de São Paulo. Marques de Melo inicia traçando
um panorama internacional e chega ao cenário brasileiro.
O
mestre calcula em 50 anos o início das Ciências
das Comunicações na sociedade brasileira, quando
foram instalados os primeiros cursos superiores de jornalismo,
período em que também surgiram os primeiros
institutos de pesquisa de audiência de mídia.
Nesse mesmo capítulo estão reunidas muitas informações
preciosas sobre o surgimento das primeiras escolas e dos primeiros
cursos sobre jornalismo no Brasil. A narrativa vai descrevendo
ao leitor como tudo começou e o que de fato aconteceu
nessa área. Marques de Melo divide a história
das ciências da comunicação em cinco fases
distintas: "Desdobramento" (1873-1922); "Pioneirismo"
(1923-1946); "Fortalecimento" (1947-1963); "Consolidação"
(1964-1977) e "Institucionalização (1978-1997).
Cada fase é descrita de maneira brilhante pelo autor.
O
que o mestre chama de "Desdobramento", por exemplo,
é a fase que se inicia quando a imprensa se converte
em objeto de pesquisa e termina quando o jornalismo começa
a ser pensado como campo de ensino. O "Pioneirismo"
é a fase que acena em direção ao empirismo,
diz Marques de Melo, apesar de persistir uma certa hegemonia
ensaística. O divisor de águas é o estudo
"O problema da imprensa", de Barbosa Lima Sobrinho,
que versa sobre a liberdade de imprensa.
O
"Fortalecimento", segundo Marques de Melo, tem como
cenário a universidade. É quando se instalam
e se aperfeiçoam os primeiros cursos de jornalismo
no Brasil, primeiro com o funcionamento da Escola de Jornalismo
Cásper Líbero, em São Paulo, em 1947,
e, no ano seguinte, 1948, com a implantação
do Curso de Jornalismo da Universidade do Brasil, hoje, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, resultado dos esforços desenvolvidos
pela ABI - Associação Brasileira de Imprensa
junto ao Governo Federal desde o congresso dos jornalistas
de 1918. A "Consolidação" se dá
num momento em que a indústria cultural desenvolve-se
a pleno vapor em território nacional.
Na
mesma época, a USP - considerada a maior e mais importante
universidade brasileira, resolve criar a Escola de Comunicações
Culturais, depois transformada em Escola de Comunicações
e Artes, a ECA. Finalmente a fase de "Institucionalização"
surge durante a segunda metade do século XX, quando
já havia uma massa crítica de comunicólogos,
que sentia a necessidade de intercomunicar-se e de intercambiar
experiências. O leitor recebe outras informações
importantíssimas do mestre Marques de Melo. Um exemplo:
o autor esclarece de vez a história de que seriam os
holandeses, durante a invasão no nordeste do Brasil,
os primeiros a criar algo parecido com imprensa em território
nacional.
O segundo item abordado é a formação
da comunidade acadêmica portuguesa. Desta vez o professor
Marques de Melo recorre a uma resenha publicada em 1999, na
revista "Comunicação e Sociedade",
de São Bernardo do Campo, editada pela Universidade
Metodista de São Paulo. O texto, curto, prático
e objetivo mostra os caminhos percorridos pelos donos da língua
oficial brasileira na formação de uma base histórica
sobre as comunicações na terra de Camões.
A
seguir, como item número três, é a vez
de se falar sobre a "Maturidade da Comunidade Acadêmica
Brasileira", que focaliza o papel da INTERCOM - Sociedade
Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
na legitimização do campo comunicacional. O
texto que dá início aos estudos foi extraído
de um artigo, originalmente escrito para a Revista Brasileira
das Ciências da Comunicação, publicado
em 2001, pela INTERCOM - Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares
da Comunicação. Novamente o professor Marques
de Melo exibe todo o domínio das informações,
ao relatar os caminhos trilhados pelos brasileiros para formar
a base que permite as pesquisas comunicacionais do País.
A cooperação acadêmica luso-brasileira
é amplamente analisada na obra do Professor Marques
de Melo. Profundo conhecedor do tema, Marques de Melo parte
de um artigo publicado em São Bernardo do Campo, na
Revista "Comunicação & Sociedade",
em 1998, pela Universidade Metodista de São Paulo para
traçar um histórico, que aborda desde o tempo
em que os portugueses descobriram que não se podia
mais tratar as comunicações de maneira amadora
até os dias atuais, quando Portugal dá claros
sinais de ter recuperado o tempo perdido.
A
troca de experiência entre os dois países está
retratada de maneira eficaz, o que permite ao leitor bons
esclarecimentos sobre o tema.
Na seqüência, Marques de Melo fala sobre "Conhecimento
Mediático Brasileiro". O leitor então entra
em contato com as metas e os instrumentos de trabalho utilizados
pelo autor, que inicia a narração a partir de
um outro artigo publicado em 1998, na revista "Comunicação
& Sociedade" de São Bernardo do Campo, pela
Universidade Metodista de São Paulo. Além de
importantes citações históricas, como
as que apontam que os estudos midiológicos tiveram
início em 1690 na Alemanha, na Universidade de Leipzig,
durante a defesa de tese de Tobias Peuceur, Marques de Melo
vai recheando o texto com informações que certamente
serão muito úteis para os estudantes que pretendem
se dedicar ao assunto.
Como
de hábito, há uma imensa lista de obras, que
merecem ser lidas e analisadas com muito cuidado. Quando trata
da midiologia brasileira, Marques de Melo, novamente, revela-se
um completo dominador do tema. Além de fatos históricos,
o autor acrescenta suas próprias experiências
pessoais, sempre fartamente documentadas. Marques de Melo
afirma: "a midiologia brasileira foi esboçada
pelo bibliógrafo carioca Vale Cabral (1881), mas efetivamente
desbravada pelos jornalistas/historiadores pernambucanos José
Higino Duarte Pereira (1883), Pereira da Costa (1891) e Alfredo
de Carvalho (1899). O professor-autor diz que a "literatura
dos renovadores e inovadores é vasta, podendo ser localizada
nos repertórios bibliográficos em que inventariamos
seletivamente o conhecimento disponível sobre comunicação
no Brasil, incluindo brasileiros e brazilianistas".
Na
seqüência, Marques de Melo dá uma verdadeira
aula sobre pesquisas e mostra as técnicas que usa e
que indica aos seus inúmeros alunos. Convém
anotar cuidadosamente os ensinamentos do mestre, especialmente
no que se refere aos objetivos de sua metodologia: "pretendemos
atingir dois pontos concomitantes e interdependentes, recorrendo
à metodologia usual na pesquisa das ciências
da comunicações, embora privilegiando duas ancoragens
- o método comparativo e a técnica da história
oral".
Continua o mestre: "1) Inventariar criticamente os processos
de produção e difusão do saber midiático
construído no Brasil ou aqui disseminado através
das universidades, empresas, corporações profissionais
e outras agências socioeconômicas. Nossa hipótese
de trabalho é a de que o Brasil vem construindo um
saber midiático singular, cujos contornos geoculturais
ou socio-científicos estão a exigir acurada
interpretação midiológica. Para tanto,
estruturamos dois sub-projetos: 1a) Memória midiológica
brasileira - inventários bibliográficos, perfis
biográficos, histórias de vida de personalidades
ou instituições.
As
estratégias investigativas a serem implementadas foram
submetidas ao crivo da comunidade acadêmica latino-americana,
durante o III Congresso da ALAIC, em Caracas, Venezuela. 1b)
Difusão dos paradigmas da Escola Latino-Americana,
Resgate da trajetória da Escola Latino-Americana e
análise dos fluxos responsáveis pela disseminação
das suas idéias nas universidades brasileiras. Trabalharemos
de acordo com os postulados teóricos e metodológicos
expostos à nossa comunidade acadêmica, durante
o XVIII Congresso Brasileiro de Ciências de Comunicação,
realizado em 1995, na cidade de Aracaju, Estado de Sergipe".
O mestre prossegue: " 2) - Estudar fenômenos conjunturais
inerentes aos sistema midiáticos brasileiros nesta
transição milenar, procurando compreender como
as nossas organizações produtoras de bens simbólicos
massivos articulam identidades globais/nacionais/regionais.
Nossa hipótese de trabalho é a de que o sistema
midiático brasileiro tem sido hábil na recepção
de formatos e gêneros comunicacionais importados, aculturando-os
adequadamente para difusão no mercado interno, mas
ao mesmo tempo tem sido capaz de universalizar os nossos regionalismos
culturais, potencializando a inserção das multinacionais
brasileiras no mercado internacional. Para corresponder a
esse objetivo organizamos também dois sub-projetos;
2a) Identidades midiáticas brasileiras: singularidades
dos fenômenos midiáticos brasileiros (nacionais,
regionais, locais). Apropriações técnico-científicas
e aculturações de formatos, inovações
de linguagens.
Construção
de saberes profissionais. trata-se de estudos iniciados na
USP, em 1992, que enfocavam especificamente os fenômenos
jornalísticos, ampliando-se agora para abranger todos
os atos mass-midiáticos. 2b) Processos midiáticos
religiosos: intervenção das instituições
religiosas nas organizações midiáticas
(como proprietárias ou produtoras/consumidoras de mensagens).
Políticas e estratégicas evangelizadoras. Conflitos
entre discurso/prática eclesiais e paradigmas midiáticos.
A
intenção é dar seqüência empírica
às hipóteses propostas, na década passada,
aos comunicadores cristãos, convocados pela UCBC -
União Cristã Brasileira de Comunicação
Social - e reunidos no campus da UNIMEP - Universidade Metodista
de Piracicaba. Tais idéias foram retomadas e atualizadas
para discussão na Conferência Internacional sobre
Religião, Televisão e Infovias".
Encerrando a parte "Cenários", Marques de
Melo faz um breve relato sobre o desafio da renovação
sobre o Pensamento Comunicacional Brasileiro. O texto, baseado
num trabalho apresentado em 2002 no XXV Congresso Brasileiro
de Ciências da Comunicação, promovido
pela UNEB - Universidade do Estado da Bahia, em Salvador,
é recheado de referências importantes e traz
um alerta do autor:
"No
alvorecer do século XXI, o campo brasileiro das ciências
da comunicação precisa globalizar-se altaneiramente,
proclamando aquela atitude de autonomia regional-nacional
peculiar aos levantamentos emblemáticos do início
do nosso século XX: o Movimento Regionalista, inspirado
no Recife por Gilberto Freyre, e a Semana de Arte Moderna,
liderada em São Paulo por Mário e Oswald de
Andrade.
A segunda parte do livro, denominada "Personagens",
começa mostrando as experiências do chamado Grupo
Gaúcho de Porto Alegre e Passo Fundo, no Rio Grande
do Sul. Antes de detalhar os trabalhos dos dedicados estudantes
do sul do Brasil, Marques de Melo traça um histórico
dos estudos científicos sobre os fenômenos comunicacionais
na América Latina e também no Brasil, o que
dá um excelente embasamento ao leitor, especialmente
se esse leitor for estudante de comunicações
e tiver pretensões de seguir carreira na área.
Os grupos de pesquisadores do centro-oeste brasileiro também
recebem seu quinhão na obra de Marques de Melo, que
faz uma completa explanação sobre as atividades
e os resultados obtidos pelos pesquisadores patrícios,
que vivem fora do eixo Rio-SP, mais precisamente na região
centro-oeste.
Aqui
vale reproduzir mais um trecho do texto de Marques de Melo,
que servirá para ilustrar o alto nível de informações
presentes no livro: "A Região Centro-Oeste costuma
figurar no conjunto dos episódios da nossa História
como caudatória dos acontecimentos protagonizados pelos
centros hegemônicos nacionais. A explicação
é plausível, pois se trata de um território
que só foi desenvolvido tardiamente. A decisão
política de transferir a capital da República
para Brasília, na segunda metade do século XX,
continha no seu bojo uma dupla intenção: fomentar
o crescimento demográfico regional, através
da transferência de contigentes populacionais excessivamente
concentrados na faixa litorânea, e dinamizar economicamente
o coração geográfico do Brasil, dando-lhe
também vitalidade sociocultural. A fundação
imediata da Universidade de Brasília constituiu fator
decisivo para criar no Planalto Central um pólo intelectual
arrojado e inovador.
E
isso foi produto indiscutível da atitude patriótica
e destemida de Darcy Ribeiro, ao conceber uma universidade
comprometida com o futuro. Ele enfrentou o obsoletismo que
imobilizava a vida acadêmica nacional desde que as forças
conservadoras lograram impedir a continuidade da progressista
Universidade do Distrito Federal, idealizada por Anísio
Teixeira, em 1935, na cidade do Rio de Janeiro".
Também
as experiências do chamado Grupo de São Bernardo
são minuciosamente descritas pelo autor, que não
mede esforços para passar ao leitor todas as complexidades
da vida acadêmica, inclusive as inúmeras dificuldades
e as barreiras que, às vezes, parecem instransponíveis.
Como se sabe, o Grupo Comunicacional de São Bernardo
é formado por pesquisadores que atuam no Programa de
Pós-Graduação em Comunicação
Social da Universidade Metodista de São Paulo, que
fica no bairro de Rudge Ramos, na cidade de São Bernardo
do Campo, na chamada Grande São Paulo.
A
região ficou nacionalmente conhecida quando ali funcionava
a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, uma iniciativa
brasileira na produção de filmes longa metragem
que, de certa forma, foi bem sucedida, numa época pré-televisão.
Marques de Melo informa que ainda fazem parte do grupo mestres
e doutores formados em São Bernardo do Campo, mas que
hoje trabalham nas inúmeras instituições
brasileiras e latino-americanas que desenvolvem projetos de
ensino e pesquisa no âmbito das ciências da comunicação.
Frei Joaquim do Amor Divino, o "Frei Caneca" foi
o escolhido para dar início à parte de "História
do Pensamento Comunicacional" que trata do Pioneirismo
Comunicacional Brasileiro. Marques de Melo traz à tona
detalhes da vida e da obra do "herói mestiço",
um dos precursores da comunicalogia brasileira. O leitor vai
se surpreender com a qualidade do texto e os detalhes, que
falam da Igreja Católica, do nordeste brasileiro, do
século XIX, entre outras questões. O autor proporciona
um mergulho profundo aos seus leitores.
Costa
Rego, outro expoente das comunicações brasileiras,
também merece um espaço exclusivo, ele que é
considerado o primeiro catedrático brasileiro de jornalismo.
Marques de Melo, mais uma vez, mostra-se profundo conhecedor
das atividades profissionais e políticas do eminente
pensador alagoano, nascido no dia 12 de março de 1889,
na cidade de Pilar, que foi redator do jornal "Correio
da Manhã", secretário da Agricultura do
Estado de Alagoas, deputado federal por duas vezes pelo Estado
de Alagoas, governador do Estado de Alagoas, senador pelo
Estado de Alagoas e que foi o primeiro a conduzir uma disciplina
jornalística de nível universitário.
Só o breve perfil de Costa Rego já justifica
a aquisição do livro.
Carlos Rizzini, o pioneiro dos estudos midiáticos,
é outro nome de peso que aparece numa curta e fecunda
biografia na obra de Marques de Melo. Da profissão
à universidade, a bem sucedida trajetória do
paulista de Taubaté, que em 1946 publicou o hoje clássico
"O livro, o jornal e a tipografia no Brasil" e que
por causa disso foi recebido com ênfase pela Academia
Paulista de Letras, nada escapa ao olhar atento do autor.
Luiz Beltrão também está presente na
obra de Marques de Melo, igualmente biografado de maneira
curta, porém completa e objetiva.
O
leitor é aquinhoado com informações precisas
sobre este pioneiro das ciências da comunicação,
que em 1967, ao defender sua tese de doutorado, lançou
no idioma português o termo "Folkcomunicação",
para tratar da comunicação popular, especialmente
aquela que acontece através do folclore. À propósito:
Marques de Melo iniciou-se na vida acadêmica em 1966,
como assistente do professor Luiz Beltrão, no Instituto
de Ciências da Informação da Universidade
Católica de Pernambuco, no Recife.
Nas páginas finais de seu importante e imprescindível
livro, Marques de Melo abre espaço para Raymond Nixon,
o norte-americano considerado o artífice da comunidade
mundial e que era fascinado pela América Latina. Morto
aos 94 anos, em 1997, Raymond Nixon deve ter ficado muito
entristecido ao saber da destruição, durante
a ditadura militar que comandou o Brasil a partir de 1964,
da coleção de jornais do mundo inteiro que ele
doara à USP, após visitar algumas vezes a instituição.
O
acervo fazia parte do Museu da Imprensa, que também
acabou sendo desativado pelos militares. Outras figuras de
destaque também conquistaram seu espaço na obra
de Marques de Melo, como Elihu Katz, que inovou a escola norte-americana
e chegou a comandar a televisão de Israel. Luiz Ramiro
Beltrán, pioneiro da escola latino-americana também
recebe seu merecido destaque no livro de Marques de Melo,
assim como o intelectual espanhol Jesús Martín
Barbero, considerado inovador da escola latino-americana.
Todos esses consagrados especialistas devem ser exaustivamente
estudados pelas novas gerações de comunicólogos.
Foram eles que ajudaram a criar, a implantar, a consolidar
e a cientificar o campo comunicacional mundial.
Um minucioso perfil intelectual do autor completa a obra de
Marques de Melo. O leitor, certamente sairá saciado
após uma leitura atenta. Terá nadado em águas
calmas e aumentado sobremaneira o grau de conhecimento sobre
a mídia. Certamente ninguém deve se surpreender
se alguns leitores transformarem o livro em fonte permanente
de consulta e livro de cabeceira.
"História
do Pensamento Comunicacional" deverá seguir naturalmente
a trilha de outras obras já consagradas do professor
José Marques de Melo, e deverá ser indicado
como fonte de referência obrigatória para estudantes
de comunicação de todo o Brasil e também
do exterior. Infelizmente esta primeira edição
da bela e utilíssima obra só não poderá
ser considerada perfeita por causa de alguns pequenos deslizes
de revisão, especialmente no que se refere à
concordância e digitação.
Entre
os quais, os mais perturbadores são aqueles que grafam
por duas vezes como "Pontífica", a Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Nada porém
que comprometa o inegável e excelente conteúdo
do trabalho e que não possa ser corrigido numa próxima
edição.
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