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Resenhas


Profundo mergulho nas águas
do pensamento comunicacional

Por Osmar Mendes Júnior

Aqueles que costumam afirmar que das grandes falhas da sociedade brasileira a maior é justamente aquela de não preservar a memória do Brasil precisam rever urgentemente este conceito agora antiquado e ultrapassado. Pelo menos no que diz respeito ao campo do pensamento comunicacional já não há mais como lamentar a ausência de bons e eficientes documentos, pensados e dimensionados para registrar a trajetória dos processos comunicacionais ao longo do tempo, não apenas no âmbito do território brasileiro, como também no além-fronteiras próximas e distantes.

O marco divisor passa a ser o livro "História do Pensamento Comunicacional", do Professor Doutor José Marques de Melo, publicado em 2003 pela Editorial Paulus, de São Paulo.

Utilizando os mais recentes e aperfeiçoados recursos da indústria gráfica contemporânea, como o papel Chamois Fine Dunas de 70 gramas, amarelado, que pode ser facilmente lido sob luz natural ou artificial, e diagramado na bela fonte AGaramond corpo 11, a obra de Marques de Melo é de fácil manuseio e impressiona não só pela beleza da capa como também pelo eficiente projeto gráfico de Valter Rodrigues.

Mas é no conteúdo que o livro se destaca e seduz de vez o leitor, seja ele um iniciante no estudo das comunicações ou um expert no assunto. Sem medo de exagerar, pode-se dizer que essa é uma obra fundamental para jornalistas e estudantes de jornalismo. E essencial para os apreciadores da história da imprensa mundial, especialmente nos fatos ocorridos na América Latina.

Já no prefácio de "História do Pensamento Comunicacional" o professor Marques de Melo mostra a que veio e revela o imenso alcance dimensional de sua obra, ao citar pensadores do quilate de Aristóteles, Quintiliano, Peucer e Schramm. Ao viajar no tempo, colhendo informações no século III a.C., passando pelo século I d.C. e desembocando na metade do século XX, o mestre exercita o seu brilhante didatismo.

Diz Marques de Melo: "o Brasil defronta-se, neste limiar do século XXI, com a necessidade de preservar soberanamente sua identidade cultural, desenvolvendo lances ousados que garantam a um só tempo a inserção altaneira na aldeia global e o resgate crítico daquelas tradições nacionais-regionais que forjaram nossa marcha civilizatória. Tal é o marco inspirador do conjunto de idéias aqui reunidas. Elas ambicionam contribuir para a formação de novos contingentes de midiastas, suscitando perspectivas democráticas de cordialidade, tolerância e intrepidez".

O conteúdo do livro está dividido em duas partes distintas, "Cenários" e "Personagens", o que, além de organizar o amplo conteúdo, facilita a compreensão das importantes informações reunidas nas 373 páginas do livro. A leitura é fácil e agradável, já que o texto foi escrito na norma culta da língua portuguesa, como convém às obras brasileiras que chegam para pertencer eternamente ao mais alto patamar da cultura nacional.

"Cenários", está subdivida em três partes: 1. O campo da comunicação; 2. Pensamento comunicacional latino-americano e 3. Pensamento comunicacional luso-brasileiro. No item 1, que aborda o campo da comunicação, o autor se utiliza do material oriundo de uma conferência realizada em 2002 na sessão plenária "Contextos Culturais e Políticos da Comunicação", do VII Congresso Ibero-Americano de Comunicação, realizado pela Faculdade de Ciências da Informação, da Universidade Complutense, de Madrid, Espanha, para traçar um panorama que vai da ágora ao ciberespaço. No texto o autor aborda as relações entre e mídia e política na pesquisa comunicacional.

O leitor então mergulha profundamente nas águas do tempo e vai analisar o passado distante, quando o ser humano ainda engatinhava nas questões do registro de suas idéias e pensamentos. Marques de Melo trafega nas idéias de Aristóteles, para demonstrar aquilo que seria os primórdios das ciências das comunicações. E prossegue saltando no tempo para ilustrar os principais fatos que marcaram o setor da comunicação mundial. Tudo devidamente documentado, conforme atesta a ampla e importante relação de obras bibliográficas que encerra o texto.

No item seguinte, dedicado à natureza do conhecimento midiológico, Marques de Melo recorre a outro documento oriundo de uma conferência para explicar o estudo das relações entre mídia, linguagem, tecnologia e cultura na América Latina. Desta vez o material vem de uma trabalho apresentado em 2001 na sessão inaugural do VI Colóquio Brasil-França de Ciências da Comunicação, patrocinado pela Universidade de Poitiers, na França.

O leitor mais atento vai perceber que novamente o mestre não mede esforços para transmitir seus extensos e abundantes conhecimentos, acumulado durante anos e anos de vida acadêmica, pesquisas e experiências pessoais. As explicações começam com as demonstrações que apontam como se desenvolve um novo campo do saber entre a humanidade.

O texto é altamente envolvente. Sabe-se, por exemplo, que o estoque do saber acumulado pelos seres humanos provem da confluência de duas fontes: praxis e teoria. Praxis é a aplicação do saber acumulado pelas sociedades e, dentro delas, pelas corporações profissionais.

Sua meta é desenvolver os modelos produtivos, transmitindo-os às novas gerações para acelerar o processo civilizatório. Teoria é a apropriação do saber prático pela academia, que o submete a permanente reflexão e sistematização. Através do ensino e da pesquisa, a universidade atua como formadora de recursos humanos e como produtora de conhecimentos.

Em seguida o mestre discute o campo da comunicação e chega a abordar claramente os três fluxos convergentes que determinam o aparecimento dos comunicadores: industriais, profissionais e civismo. Os fluxos industriais são as empresas da área informativa que demandam recursos humanos qualificados e investem na sua formação.

Marques de Melo aponta um marco histórico que foi a doação feita por Pulitzer à Universidade de Columbia, para criar uma escola pós-graduada de jornalismo (1910). Ela constitui um modelo para as instituições congêneres dos Estados Unidos, da mesma forma que o seria a escola de jornalismo fundada na Universidade de Missouri (1908) para formar repórteres.

O fluxo designado como "profissionais" é explicado por Marques de Melo como resultado dos anseios dos trabalhadores midiáticos, que reivindicam aperfeiçoamento intelectual para ter melhores oportunidades ocupacionais e ao mesmo tempo fortalecer as corporações a que pertencem. O congresso europeu de jornalistas, realizado em Portugal (1899) já pedia a criação de escolas profissionais, que, inicialmente, foram implantadas na França. O fluxo designado como "cívicos" é descrito pelo autor como resultado dos anseios da sociedade civil em obter produtos culturais de qualidade e a reação ao abastardamento da imprensa diária ou seja, sua popularização.

O autor explica melhor: "trata-se de movimento liderado pela classe média, na qual se incluem os intelectuais. Temerosos do nivelamento por baixo, os movimentos cívicos preconizam linguagens e temáticas mais sintonizadas com as aspirações das classes trabalhadoras, porém capazes de influir no processo de ascensão social". As informações, que começaram como um fino riacho, acabam se transformando num caudaloso rio.

Rio em cujas águas o leitor encontra todos os dados que precisa para melhor se situar no panorama das comunicações. O capítulo também é concluído com uma ampla bibliografia, característica que aparece outras vezes ao longo da obra e que confere ao livro o título de inesgotável fonte de consultas e referências.

No item 3, quando se propõe a abordar as identidades brasileiras, o professor Marques de Melo continua oferecendo um variado cardápio para os leitores. O mestre vai buscar exemplos no cenário mundial para contar como surgiram os primeiros cursos sobre jornalismo no Brasil. Ele diz: "é importante lembrar que os primeiros cursos, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos da América estavam inseridos nas universidades, o que permitia aos estudantes das escolas de jornalismo, cinema, editoração, relações públicas, radio-teledifusão ou publicidade a circulação pelas áreas conexas".

A narrativa segue com a qualidade informativa característica do autor. O leitor vai saber o que ocorreu na América Latina e vai constatar como foram formados os primeiros currículos e o impacto causado pela chegada das escolas no meio profissional. A narrativa chega aos dias atuais. E mais uma vezes o leitor é brindado com uma ampla bibliografia, que vai lhe servir infinitamente como base de sustentação.

Na segunda parte de "Cenários", dedicada ao pensamento comunicacional latino-americano, o autor começa fazendo uma ampla radiografia sobre o passado, circula pelo presente e aponta as tendências do futuro da escola latino-americana de comunicação. Mais uma vez ele toma como base das discussões um documento proveniente de uma de suas inúmeras e concorridas palestras. O enfoque desta vez vem de uma conferência em Austin, Texas, Estados Unidos, por ocasião do recebimento do Prêmio Wayne Danielson de Ciências de Comunicação, outorgado ao autor em 1998 pelo College of Comunications da University of Texas.

Marques de Melo registra dois marcos cronológicos, que podem ter sido o ponto de partida da pesquisa comunicacional brasileira: a publicação, em 1945, da primeira sondagem eleitoral feita pelo IBOPE - Instituto Brasileiro de Opinião Pública e o lançamento, em 1946, do primeiro ensaio sitemático sobre imprensa e jornalismo, escrito por Carlos Rizzini, sob o título "O livro, o jornal e tipografia no Brasil". A partir dessas preciosas informações, Marques de Melo resgata dados sobre o papel das universidades, incluindo aspectos como regionalização e globalização.

O leitor vai entrar em contato com alguns fatos muito interessantes. Entre elas, a constatação de que, durante os anos noventa do século passado, - que se foi há pouco mais de três anos - o Brasil ter-se mantido no top dos países com maior volume de produção científica, ao lado da Inglaterra, Canadá, França, Dinamarca, Austrália e Alemanha. Informação que, certamente, enche de alegria os otimistas e diminui o sentimento de inferioridade que ainda persiste em algumas camadas intelectuais brasileiras.

Também é relembrado o auspicioso fato de que, há 50 anos, surgia o primeiro scholar brasileiro no campo das comunicações, Danton Jobim, convidado a lecionar na Universidade do Texas, nos Estados Unidos. Na época, Danton Jobim era editor-chefe do jornal "Diário Carioca" e professor do curso de jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Marques de Melo registra que uma síntese das conferências proferidas por Danton Jobim foi publicada sob a forma de artigo na revista "Journalism Quartely" e que a partir deste fato há um fluxo contínuo de professores brasileiros em Austin e de norte-americanos em nossos campi.

Marques de Melo concluiu afirmando que a missão dos comunicólogos é construir pontes civilizatórias entre sociedades e cidadãos, preservando a paz e conservando a natureza. Uma ampla lista bibliográfica completa os estudos. O leitor sente-se brindado com a clareza e objetividade do autor.

O segundo sub-capítulo é denominado "Política, dimensão hegemônica" e versa sobre política de comunicação e comunicação política. Vale ressaltar que, mais uma vez, o professor José Marques de Melo recorre a um texto utilizado em uma de suas conferências para dar início à narrativa. Desta vez o material é extraído do II Seminário Latino-Americano de Pesquisa em Comunicação, realizado em 2001, em La Plata, Argentina, promovido pela Asociación Latinoamericana de Investigaciones de La Comunicación (ALAIC), sob o patrocínio da Facultad de Periodismo e Comunicación da Universidad de La Plata.

Mais uma vez o leitor tem oportunidade de ampliar bastante o seu leque pessoal de conhecimento com as informações ali mencionadas e registradas. O autor inicia a palestra com um pequeno porém eficaz comentário sobre as diferenças entre a América Espanhola e a América Portuguesa no campo focalizado. Enquanto lá, desde o início da ocupação do continente americano, há pouco mais de 500 anos, colonizadores e colonizados já dispunham de uma certa forma de imprensa, por aqui, no Brasil, durante os três séculos de ocupação portuguesa não se ouvia falar de jornais, assemelhados ou afins.

O texto é pródigo em informações sobre a América Latina e o leitor poderá saciar toda a curiosidade sobre a história da imprensa no continente. As constantes citações de trabalhos dos mais dedicados pensadores sobre o assunto enriquecem o texto e ajudam a traçar um fiel panorama dos reais acontecimentos ocorridos na região. Neste ponto do livro de Marques de Melo há referências sobre a presença dos escravos nos anúncios dos jornais brasileiros do século XIX.

Também é abordada a questão das famosas "macacas de auditório" dos anos quarenta, que lotavam as dependências da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, então considerado o maior e mais eficiente veículo (meio) de comunicação popular do Brasil. A presença do negro na televisão brasileira ganha uma pequena citação e aqui é preciso lembrar que o primeiro canal de TV a funcionar no Brasil surgiu em São Paulo, em 1950. Era a PRF3-TV Tupi Difusora, que pertencia aos Diários Associados, do lendário Assis Chateaubriand.

O texto só vem confirmar o que, a essas alturas, o leitor já sabe: o livro de Marques de Melo é mesmo uma fonte inesgotável de informações e vai servir de inspiração para muitos estudantes, quer na preparação de suas teses de mestrado ou doutorado, ou simplesme para ampliar os conhecimentos históricos sobre este importante segmento da vida nacional e mundial, que é o universo das comunicações. A ampla bibliografia está lá, como acontece em quase todos os capítulos da obra.

A presença do Brasil no cenário da Escola Latino Americana de Comunicações é o tema que vai ocupar todo a terceira e última parte do sub-capítulo dedicado ao Pensamento Comunicacional Latino-Americano. O ponto de partida está no documento oriundo da conferência realizada em 2000, na cidade de São Bernardo do Campo, em São Paulo, por conta do IV Colóquio Internacional sobre a Escola Latino-Americana de Comunicação, promovida pela Cátedra UNESCO de Comunicação, da Universidade Metodista de São Paulo. O autor começa abordando o pensamento autóctone da região latino-americana e dedica um amplo espaço ao pensamento brasileiro.

Marques de Melo afirma que "o estoque do conhecimento comunicacional produzido no Brasil, cujas raízes estão encravadas nos estudos precursores do final do século XIX e começo do século XX caracteriza-se pela diversidade temática (imprensa, radiodifusão, cinema, novas mídias e também pela pluralidade genealógica. Mostra-se evidente a hegemonia européia sobre o nosso embrionário pensamento comunicacional até a primeira metade do século XX. No período pós-guerra, cresce a influência norte-americana.

Ela reduz, mas não elimina o fascínio que as nossas elites intelectuais sempre demonstraram pelas idéias oriundas de metrópoles como Paris, na França, Roma, na Itália, Londres, na Inglaterra ou Berlim, na Alemanha". Marques de Melo relaciona nesta parte do livro, três autores brasileiros considerados emblemáticos: Décio Pignatari, Muniz Sodré e Sérgio Caparelli. Essa sugestão é importante: obras dos três pensadores devem ser consultadas pelos leitores.

A terceira parte, ou sub-capítulo, de "Cenários" é dedicado ao pensamento comunicacional luso-brasileiro. O tema é a constituição da comunidade acadêmica brasileira, convertido num roteiro para uma História das Ciências da Comunicação no Brasil. Mais uma vez o autor recorre ao texto de uma de suas conferências para iniciar a tarefa que ele faz tão bem, magistralmente. Desta vez o texto é resultado de um trabalho apresentado no XX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, realizado em 1977, na Universidade Católica de Santos, Estado de São Paulo. Marques de Melo inicia traçando um panorama internacional e chega ao cenário brasileiro.

O mestre calcula em 50 anos o início das Ciências das Comunicações na sociedade brasileira, quando foram instalados os primeiros cursos superiores de jornalismo, período em que também surgiram os primeiros institutos de pesquisa de audiência de mídia.

Nesse mesmo capítulo estão reunidas muitas informações preciosas sobre o surgimento das primeiras escolas e dos primeiros cursos sobre jornalismo no Brasil. A narrativa vai descrevendo ao leitor como tudo começou e o que de fato aconteceu nessa área. Marques de Melo divide a história das ciências da comunicação em cinco fases distintas: "Desdobramento" (1873-1922); "Pioneirismo" (1923-1946); "Fortalecimento" (1947-1963); "Consolidação" (1964-1977) e "Institucionalização (1978-1997). Cada fase é descrita de maneira brilhante pelo autor.

O que o mestre chama de "Desdobramento", por exemplo, é a fase que se inicia quando a imprensa se converte em objeto de pesquisa e termina quando o jornalismo começa a ser pensado como campo de ensino. O "Pioneirismo" é a fase que acena em direção ao empirismo, diz Marques de Melo, apesar de persistir uma certa hegemonia ensaística. O divisor de águas é o estudo "O problema da imprensa", de Barbosa Lima Sobrinho, que versa sobre a liberdade de imprensa.

O "Fortalecimento", segundo Marques de Melo, tem como cenário a universidade. É quando se instalam e se aperfeiçoam os primeiros cursos de jornalismo no Brasil, primeiro com o funcionamento da Escola de Jornalismo Cásper Líbero, em São Paulo, em 1947, e, no ano seguinte, 1948, com a implantação do Curso de Jornalismo da Universidade do Brasil, hoje, Universidade Federal do Rio de Janeiro, resultado dos esforços desenvolvidos pela ABI - Associação Brasileira de Imprensa junto ao Governo Federal desde o congresso dos jornalistas de 1918. A "Consolidação" se dá num momento em que a indústria cultural desenvolve-se a pleno vapor em território nacional.

Na mesma época, a USP - considerada a maior e mais importante universidade brasileira, resolve criar a Escola de Comunicações Culturais, depois transformada em Escola de Comunicações e Artes, a ECA. Finalmente a fase de "Institucionalização" surge durante a segunda metade do século XX, quando já havia uma massa crítica de comunicólogos, que sentia a necessidade de intercomunicar-se e de intercambiar experiências. O leitor recebe outras informações importantíssimas do mestre Marques de Melo. Um exemplo: o autor esclarece de vez a história de que seriam os holandeses, durante a invasão no nordeste do Brasil, os primeiros a criar algo parecido com imprensa em território nacional.

O segundo item abordado é a formação da comunidade acadêmica portuguesa. Desta vez o professor Marques de Melo recorre a uma resenha publicada em 1999, na revista "Comunicação e Sociedade", de São Bernardo do Campo, editada pela Universidade Metodista de São Paulo. O texto, curto, prático e objetivo mostra os caminhos percorridos pelos donos da língua oficial brasileira na formação de uma base histórica sobre as comunicações na terra de Camões.

A seguir, como item número três, é a vez de se falar sobre a "Maturidade da Comunidade Acadêmica Brasileira", que focaliza o papel da INTERCOM - Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação na legitimização do campo comunicacional. O texto que dá início aos estudos foi extraído de um artigo, originalmente escrito para a ‘Revista Brasileira das Ciências da Comunicação’, publicado em 2001, pela INTERCOM - Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. Novamente o professor Marques de Melo exibe todo o domínio das informações, ao relatar os caminhos trilhados pelos brasileiros para formar a base que permite as pesquisas comunicacionais do País.

A cooperação acadêmica luso-brasileira é amplamente analisada na obra do Professor Marques de Melo. Profundo conhecedor do tema, Marques de Melo parte de um artigo publicado em São Bernardo do Campo, na Revista "Comunicação & Sociedade", em 1998, pela Universidade Metodista de São Paulo para traçar um histórico, que aborda desde o tempo em que os portugueses descobriram que não se podia mais tratar as comunicações de maneira amadora até os dias atuais, quando Portugal dá claros sinais de ter recuperado o tempo perdido.

A troca de experiência entre os dois países está retratada de maneira eficaz, o que permite ao leitor bons esclarecimentos sobre o tema.

Na seqüência, Marques de Melo fala sobre "Conhecimento Mediático Brasileiro". O leitor então entra em contato com as metas e os instrumentos de trabalho utilizados pelo autor, que inicia a narração a partir de um outro artigo publicado em 1998, na revista "Comunicação & Sociedade" de São Bernardo do Campo, pela Universidade Metodista de São Paulo. Além de importantes citações históricas, como as que apontam que os estudos midiológicos tiveram início em 1690 na Alemanha, na Universidade de Leipzig, durante a defesa de tese de Tobias Peuceur, Marques de Melo vai recheando o texto com informações que certamente serão muito úteis para os estudantes que pretendem se dedicar ao assunto.

Como de hábito, há uma imensa lista de obras, que merecem ser lidas e analisadas com muito cuidado. Quando trata da midiologia brasileira, Marques de Melo, novamente, revela-se um completo dominador do tema. Além de fatos históricos, o autor acrescenta suas próprias experiências pessoais, sempre fartamente documentadas. Marques de Melo afirma: "a midiologia brasileira foi esboçada pelo bibliógrafo carioca Vale Cabral (1881), mas efetivamente desbravada pelos jornalistas/historiadores pernambucanos José Higino Duarte Pereira (1883), Pereira da Costa (1891) e Alfredo de Carvalho (1899). O professor-autor diz que a "literatura dos renovadores e inovadores é vasta, podendo ser localizada nos repertórios bibliográficos em que inventariamos seletivamente o conhecimento disponível sobre comunicação no Brasil, incluindo brasileiros e brazilianistas".

Na seqüência, Marques de Melo dá uma verdadeira aula sobre pesquisas e mostra as técnicas que usa e que indica aos seus inúmeros alunos. Convém anotar cuidadosamente os ensinamentos do mestre, especialmente no que se refere aos objetivos de sua metodologia: "pretendemos atingir dois pontos concomitantes e interdependentes, recorrendo à metodologia usual na pesquisa das ciências da comunicações, embora privilegiando duas ancoragens - o método comparativo e a técnica da história oral".

Continua o mestre: "1) Inventariar criticamente os processos de produção e difusão do saber midiático construído no Brasil ou aqui disseminado através das universidades, empresas, corporações profissionais e outras agências socioeconômicas. Nossa hipótese de trabalho é a de que o Brasil vem construindo um saber midiático singular, cujos contornos geoculturais ou socio-científicos estão a exigir acurada interpretação midiológica. Para tanto, estruturamos dois sub-projetos: 1a) Memória midiológica brasileira - inventários bibliográficos, perfis biográficos, histórias de vida de personalidades ou instituições.

As estratégias investigativas a serem implementadas foram submetidas ao crivo da comunidade acadêmica latino-americana, durante o III Congresso da ALAIC, em Caracas, Venezuela. 1b) Difusão dos paradigmas da Escola Latino-Americana, Resgate da trajetória da Escola Latino-Americana e análise dos fluxos responsáveis pela disseminação das suas idéias nas universidades brasileiras. Trabalharemos de acordo com os postulados teóricos e metodológicos expostos à nossa comunidade acadêmica, durante o XVIII Congresso Brasileiro de Ciências de Comunicação, realizado em 1995, na cidade de Aracaju, Estado de Sergipe".

O mestre prossegue: " 2) - Estudar fenômenos conjunturais inerentes aos sistema midiáticos brasileiros nesta transição milenar, procurando compreender como as nossas organizações produtoras de bens simbólicos massivos articulam identidades globais/nacionais/regionais. Nossa hipótese de trabalho é a de que o sistema midiático brasileiro tem sido hábil na recepção de formatos e gêneros comunicacionais importados, aculturando-os adequadamente para difusão no mercado interno, mas ao mesmo tempo tem sido capaz de universalizar os nossos regionalismos culturais, potencializando a inserção das multinacionais brasileiras no mercado internacional. Para corresponder a esse objetivo organizamos também dois sub-projetos; 2a) Identidades midiáticas brasileiras: singularidades dos fenômenos midiáticos brasileiros (nacionais, regionais, locais). Apropriações técnico-científicas e aculturações de formatos, inovações de linguagens.

Construção de saberes profissionais. trata-se de estudos iniciados na USP, em 1992, que enfocavam especificamente os fenômenos jornalísticos, ampliando-se agora para abranger todos os atos mass-midiáticos. 2b) Processos midiáticos religiosos: intervenção das instituições religiosas nas organizações midiáticas (como proprietárias ou produtoras/consumidoras de mensagens). Políticas e estratégicas evangelizadoras. Conflitos entre discurso/prática eclesiais e paradigmas midiáticos.

A intenção é dar seqüência empírica às hipóteses propostas, na década passada, aos comunicadores cristãos, convocados pela UCBC - União Cristã Brasileira de Comunicação Social - e reunidos no campus da UNIMEP - Universidade Metodista de Piracicaba. Tais idéias foram retomadas e atualizadas para discussão na Conferência Internacional sobre Religião, Televisão e Infovias".

Encerrando a parte "Cenários", Marques de Melo faz um breve relato sobre o desafio da renovação sobre o Pensamento Comunicacional Brasileiro. O texto, baseado num trabalho apresentado em 2002 no XXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, promovido pela UNEB - Universidade do Estado da Bahia, em Salvador, é recheado de referências importantes e traz um alerta do autor:

"No alvorecer do século XXI, o campo brasileiro das ciências da comunicação precisa globalizar-se altaneiramente, proclamando aquela atitude de autonomia regional-nacional peculiar aos levantamentos emblemáticos do início do nosso século XX: o Movimento Regionalista, inspirado no Recife por Gilberto Freyre, e a Semana de Arte Moderna, liderada em São Paulo por Mário e Oswald de Andrade.

A segunda parte do livro, denominada "Personagens", começa mostrando as experiências do chamado Grupo Gaúcho de Porto Alegre e Passo Fundo, no Rio Grande do Sul. Antes de detalhar os trabalhos dos dedicados estudantes do sul do Brasil, Marques de Melo traça um histórico dos estudos científicos sobre os fenômenos comunicacionais na América Latina e também no Brasil, o que dá um excelente embasamento ao leitor, especialmente se esse leitor for estudante de comunicações e tiver pretensões de seguir carreira na área. Os grupos de pesquisadores do centro-oeste brasileiro também recebem seu quinhão na obra de Marques de Melo, que faz uma completa explanação sobre as atividades e os resultados obtidos pelos pesquisadores patrícios, que vivem fora do eixo Rio-SP, mais precisamente na região centro-oeste.

Aqui vale reproduzir mais um trecho do texto de Marques de Melo, que servirá para ilustrar o alto nível de informações presentes no livro: "A Região Centro-Oeste costuma figurar no conjunto dos episódios da nossa História como caudatória dos acontecimentos protagonizados pelos centros hegemônicos nacionais. A explicação é plausível, pois se trata de um território que só foi desenvolvido tardiamente. A decisão política de transferir a capital da República para Brasília, na segunda metade do século XX, continha no seu bojo uma dupla intenção: fomentar o crescimento demográfico regional, através da transferência de contigentes populacionais excessivamente concentrados na faixa litorânea, e dinamizar economicamente o coração geográfico do Brasil, dando-lhe também vitalidade sociocultural. A fundação imediata da Universidade de Brasília constituiu fator decisivo para criar no Planalto Central um pólo intelectual arrojado e inovador.

E isso foi produto indiscutível da atitude patriótica e destemida de Darcy Ribeiro, ao conceber uma universidade comprometida com o futuro. Ele enfrentou o obsoletismo que imobilizava a vida acadêmica nacional desde que as forças conservadoras lograram impedir a continuidade da progressista Universidade do Distrito Federal, idealizada por Anísio Teixeira, em 1935, na cidade do Rio de Janeiro".

Também as experiências do chamado Grupo de São Bernardo são minuciosamente descritas pelo autor, que não mede esforços para passar ao leitor todas as complexidades da vida acadêmica, inclusive as inúmeras dificuldades e as barreiras que, às vezes, parecem instransponíveis. Como se sabe, o Grupo Comunicacional de São Bernardo é formado por pesquisadores que atuam no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo, que fica no bairro de Rudge Ramos, na cidade de São Bernardo do Campo, na chamada Grande São Paulo.

A região ficou nacionalmente conhecida quando ali funcionava a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, uma iniciativa brasileira na produção de filmes longa metragem que, de certa forma, foi bem sucedida, numa época pré-televisão. Marques de Melo informa que ainda fazem parte do grupo mestres e doutores formados em São Bernardo do Campo, mas que hoje trabalham nas inúmeras instituições brasileiras e latino-americanas que desenvolvem projetos de ensino e pesquisa no âmbito das ciências da comunicação.

Frei Joaquim do Amor Divino, o "Frei Caneca" foi o escolhido para dar início à parte de "História do Pensamento Comunicacional" que trata do Pioneirismo Comunicacional Brasileiro. Marques de Melo traz à tona detalhes da vida e da obra do "herói mestiço", um dos precursores da comunicalogia brasileira. O leitor vai se surpreender com a qualidade do texto e os detalhes, que falam da Igreja Católica, do nordeste brasileiro, do século XIX, entre outras questões. O autor proporciona um mergulho profundo aos seus leitores.

Costa Rego, outro expoente das comunicações brasileiras, também merece um espaço exclusivo, ele que é considerado o primeiro catedrático brasileiro de jornalismo. Marques de Melo, mais uma vez, mostra-se profundo conhecedor das atividades profissionais e políticas do eminente pensador alagoano, nascido no dia 12 de março de 1889, na cidade de Pilar, que foi redator do jornal "Correio da Manhã", secretário da Agricultura do Estado de Alagoas, deputado federal por duas vezes pelo Estado de Alagoas, governador do Estado de Alagoas, senador pelo Estado de Alagoas e que foi o primeiro a conduzir uma disciplina jornalística de nível universitário. Só o breve perfil de Costa Rego já justifica a aquisição do livro.

Carlos Rizzini, o pioneiro dos estudos midiáticos, é outro nome de peso que aparece numa curta e fecunda biografia na obra de Marques de Melo. Da profissão à universidade, a bem sucedida trajetória do paulista de Taubaté, que em 1946 publicou o hoje clássico "O livro, o jornal e a tipografia no Brasil" e que por causa disso foi recebido com ênfase pela Academia Paulista de Letras, nada escapa ao olhar atento do autor. Luiz Beltrão também está presente na obra de Marques de Melo, igualmente biografado de maneira curta, porém completa e objetiva.

O leitor é aquinhoado com informações precisas sobre este pioneiro das ciências da comunicação, que em 1967, ao defender sua tese de doutorado, lançou no idioma português o termo "Folkcomunicação", para tratar da comunicação popular, especialmente aquela que acontece através do folclore. À propósito: Marques de Melo iniciou-se na vida acadêmica em 1966, como assistente do professor Luiz Beltrão, no Instituto de Ciências da Informação da Universidade Católica de Pernambuco, no Recife.

Nas páginas finais de seu importante e imprescindível livro, Marques de Melo abre espaço para Raymond Nixon, o norte-americano considerado o artífice da comunidade mundial e que era fascinado pela América Latina. Morto aos 94 anos, em 1997, Raymond Nixon deve ter ficado muito entristecido ao saber da destruição, durante a ditadura militar que comandou o Brasil a partir de 1964, da coleção de jornais do mundo inteiro que ele doara à USP, após visitar algumas vezes a instituição.

O acervo fazia parte do Museu da Imprensa, que também acabou sendo desativado pelos militares. Outras figuras de destaque também conquistaram seu espaço na obra de Marques de Melo, como Elihu Katz, que inovou a escola norte-americana e chegou a comandar a televisão de Israel. Luiz Ramiro Beltrán, pioneiro da escola latino-americana também recebe seu merecido destaque no livro de Marques de Melo, assim como o intelectual espanhol Jesús Martín Barbero, considerado inovador da escola latino-americana. Todos esses consagrados especialistas devem ser exaustivamente estudados pelas novas gerações de comunicólogos. Foram eles que ajudaram a criar, a implantar, a consolidar e a cientificar o campo comunicacional mundial.

Um minucioso perfil intelectual do autor completa a obra de Marques de Melo. O leitor, certamente sairá saciado após uma leitura atenta. Terá nadado em águas calmas e aumentado sobremaneira o grau de conhecimento sobre a mídia. Certamente ninguém deve se surpreender se alguns leitores transformarem o livro em fonte permanente de consulta e livro de cabeceira.

"História do Pensamento Comunicacional" deverá seguir naturalmente a trilha de outras obras já consagradas do professor José Marques de Melo, e deverá ser indicado como fonte de referência obrigatória para estudantes de comunicação de todo o Brasil e também do exterior. Infelizmente esta primeira edição da bela e utilíssima obra só não poderá ser considerada perfeita por causa de alguns pequenos deslizes de revisão, especialmente no que se refere à concordância e digitação.

Entre os quais, os mais perturbadores são aqueles que grafam por duas vezes como "Pontífica", a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Nada porém que comprometa o inegável e excelente conteúdo do trabalho e que não possa ser corrigido numa próxima edição.

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