Resenhas
Tecendo
os acontecimentos
Por Elizabete Mayumy Kobayashi
O
título do livro "História do Pensamento
Comunicacional", de José Marques de Melo (Editora
Paulus, 2003) instiga o leitor a conhecer toda a trajetória
da Comunicação enquanto conhecimento sistematizado
e coletivo. Aquele que aprecia a obra não se decepciona.
Já no prefácio do livro, o autor traça
um panorama desde as bases do pensamento ocidental no século
III a.C. na Grécia até o século atual.
Além de deixar explícito o objetivo do livro
de elevar a auto-estima dos pesquisadores latino-americanos,
através do resgate histórico da trajetória
do estudo da Comunicação no Brasil, América
Latina e Portugal.
Outro
propósito do autor é buscar fortalecer o pensamento
comunicacional brasileiro diante do fenômeno da globalização.
Alerta para necessidade do país preservar sua identidade
cultural, "desenvolvendo lances ousados que garantam
a um só tempo a inserção altaneira na
aldeia global e o resgate crítico daquelas tradições
nacionais-regionais que forjaram nossa marcha civilizatória".
(MARQUES DE MELO: 2003, p. 11).
Para
tanto, o livro estrutura-se em duas partes: Cenários
e Personagens. Na primeira, o professor Marques de Melo "tece"
os acontecimentos na área da pesquisa comunicacional
na Europa, Estados Unidos e os correlaciona com os estudos
realizados na América Latina e mais recentemente em
Portugal. Como o próprio professor alega, não
se trata de um livro com características xenófobas.
Há uma contextualização das pesquisas
desenvolvidas no Brasil em relação aos grandes
produtores de estudos midiáticos, como os Estados Unidos,
por exemplo.
Entretanto,
o que se percebe nos capítulos do livro, é o
destaque com o qual as pesquisas brasileiras são recebidas
no exterior. De acordo com o autor, a década de 90
simboliza o marco dos estudos brasileiros. Isto não
significa que os assuntos a serem explorados estão
esgotados. Tanto as pesquisas como os primeiros cursos de
jornalismo no País, que se iniciaram na década
de 40 em meio a algumas resistências, sempre foram permeados
pelo hibridismo cultural e metodológico. Cita as influências
do pensamento europeu na primeira metade do século
XX e posteriormente, as do pensamento norte-americano.
CENÁRIOS
A
primeira parte do livro estrutura-se da seguinte forma:
1. O campo da comunicação
1.1. Da ágora ao ciberespaço
1.2. A natureza do conhecimento midiológico
1.3. Identidades brasileiras
2.
Pensamento comunicacional latino-americano
2.1. Gênese e desenvolvimento
2.2. Política, dimensão hegemônica
2.3. Contribuições brasileiras
3.
Pensamento comunicacional luso-brasileiro
3.1. Constituição da comunidade acadêmica
brasileira
3.2. Formação da comunidade acadêmica
portuguesa
3.3. Maturidade da comunidade acadêmica brasileira
3.4. Cooperação acadêmica luso-brasileira
3.5. Conhecimento midiático brasileiro
3.6. Pensamento comunicacional brasileiro: o desafio da renovação.
Por
meio dessa divisão, o autor nos reporta à época
da ágora na Grécia e a maneira como a Comunicação
era utilizada na política e na retórica, e termina
a primeira parte do livro com o desafio de renovar o pensamento
comunicacional no Brasil do século XXI. Por isso, a
nomeação de CENÁRIOS para a primeira
parte do livro, demonstra a visão semiótica
do professor Marques de Melo. A leitura dos capítulos
faz com que o leitor, de fato, percorra cenários, cenas
dos atos de diversos "personagens" que atuaram -
e atuam - na construção de uma identidade nacional,
no que tange aos estudos de Comunicação.
Outro
ponto positivo da obra reside no entrelaçamento dos
fatos comunicacionais e dos acontecimentos históricos
de cada época abordada. Por exemplo: No subtítulo
1, Da ágora ao ciberespaço, do capítulo
1, O campo da comunicação, o autor nos reporta
ao século III a.C. e nos apresenta o pensamento de
Aristóteles a respeito da Política e da Retórica.
Fala da relação de dominância da primeira
em relação à segunda naquela época
e demonstra que atualmente a situação se inverteu:
"Naquela altura, a problemática hegemônica
era a simbiose entre Política e Comunicação.
A sombra da primeira ofuscava completamente a segunda. Hoje,
presenciamos fato inverso. A dinâmica da Mídia
parece sobrepor-se à Política. Emerge assim
uma crise de identidade que a fragiliza, provocando fissuras
nas relações entre as duas atividades públicas."
(MARQUES DE MELO: 2003, p. 26).
Mesmo
tratando-se de uma trajetória histórica o livro
não perde a atualidade. Um exemplo que ilustra o pensamento
do autor é a preparação do exército
americano em se preparar para "aparecer" na ágora
eletrônica. Segundo dados da matéria do jornal
Folha de São Paulo, de 16 de Março de 2003,
intitulada "Mais um campeão de audiência",
o governo americano gastou cerca de U$S 1,2 milhões
de dólares com equipamentos e montagem de cenários,
local para receber a imprensa mundial. Prova de que a Mídia
parece participar ativamente das estratégias da guerra.
Apesar de resgatar e delimitar as identidades brasileiras,
o livro continua fiel ao propósito inicial de valorizar
o nacional-regional, sem receber a insígnia de xenófabo.
Ao
relatar o processo de reconhecimento dos estudiosos brasileiros
aqui e no exterior, o autor relata a importância de
alguns comunicólogos e a influência de seus estudos
no Brasil. Fala por exemplo da forte influência dos
filósofos da Escola de Frankfurt nos estudos desenvolvidos
na década de 70. Nos capítulos 2 e 3 da primeira
parte, o leitor conhece toda trajetória do Pensamento
Comunicacional Latino-Americano e do Pensamento Comunicacional
Luso-Brasileiro. É extremamente pertinente a estruturação
desses capítulos. Novamente, o professor funde o propósito
do livro no próprio corpo físico da obra. Falar
primeiro do pensamento latino-americano é abordar o
regional. Em seguida, trazer o pensamento português
ligado ao brasileiro é relacionar o particular com
o geral. Ou se preferir, relacionar nossa realidade ao global.
Sem mencionar a questão histórica que une os
dois países. É inegável a relação
histórica que une Brasil e Portugal. Entretanto, no
que diz respeito à instituição de escolas
de comunicação, o Brasil foi o "colonizador"
de Portugal. Este "importou" idéias e estudiosos
brasileiros. Enquanto o Brasil instituiu seu primeiro curso
de jornalismo na década de 40, na Faculdade Cásper
Líbero, Portugal só iria realiza-lo no início
da década de 70. Embora o século XX tenha sido
marcado por regimes autoritários e totalitários,
foi nesse período que os países latino-americanos
começaram a se firmar no cenário internacional
de pesquisadores de comunicação.
O
livro oferece ao leitor a oportunidade de conhecer instituições
criadas com o objetivo de fortalecer e desenvolver projetos
com características próprias, como a ELACOM
(Escola Latino-Americana de Comunicação), ALAIC
(Latin American Association of Communication Scholars), CIESPAL
(Centro Internacional de Estúdios Superiores de Comunicación
para América Latina), COMPÓS (Associação
Nacional dos Programa de Pós-Graduação),
INTERCOM (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares),
entre outros. Sem se transformar apenas numa enumeração
de institutos e pesquisadores, o autor aborda como as pesquisas
foram surgindo no Brasil e a temática por elas abordadas.
No
livro percebe-se a preocupação de pesquisadores
como Luiz Beltrão em se estudar manifestações
populares que não eram veiculadas pela mídia
tradicional. Tamanha pertinência de sua pesquisa que
o termo Folkcomunicação é usado até
hoje. De 03 a 06 de Abril será realizada a 6ª
Conferência Brasileira de Folkcomunicação,
em São João da Barra, Rio de Janeiro. Sem esquecer
de mencionar a pesquisa do jornalista Carlos Rizzini sobre
imprensa e o jornal. O próprio professor José
Marques de Melo contribuiu - e contribui - de maneira admirável
com o desenvolvimento da pesquisa em Comunicação
no Brasil. Além de levá-la ao conhecimento de
seus pares no exterior. O livro demonstra de maneira clara
e contextualizada a importância e excelência desses
e outros pesquisadores brasileiros.
PERSONAGENS
Na
segunda parte do livro, alguns personagens completam o cenário
delimitado pelo autor. De maneira sucinta, o leitor é
convidado a conhecer algumas personalidades que contribuíram
para que a pesquisa em Comunicação se consolidasse
no Brasil. Evidentemente para cada item seria necessário
um novo livro. Mas o professor Marques de Melo instiga, aguça
a curiosidade do leitor a conhecer de maneira mais profunda
cada trabalho e cada autor. Essa etapa do livro estrutura-se
da seguinte maneira:
4.
Grupos comunicacionais brasileiros
4.1. O grupo gaúcho
4.2. Os grupos do centro-oeste
4.3. O grupo de São Bernardo
5.
Pioneirismo comunicacional brasileiro
5.1. Frei Caneca, precursor da teoria da comunicação
5.2. Costa Rego, pioneiro do ensino da comunicação
5.3. Carlos Rizzini, pioneiro dos estudos midiáticos
5.4. Luiz Beltrão, pioneiro das ciências da comunicação
6.
Pioneirismo comunicacional americano
6.1. Raymond Nixon, artífice da comunidade mundial
6.2. Elihu Katz, inovador da escola norte-americana
6.3. Luiz Ramiro Beltrán, pioneiro da Escola Latino-americana
6.4. Jesús Martín Barbero, inovador da Escola
Latino-americana
Na
parte em que são abordados os grupos comunicacionais
brasileiros é impossível não chamar a
atenção do leitor para o grandioso trabalho
desenvolvido pelo professor José Marques de Melo. O
fato deste livro estar dividido em CENÁRIOS e PERSONAGENS,
pode-se dizer que o professor é o grande diretor que
está conduzindo várias "peças"
relacionadas à pesquisa em Comunicação.
Talvez aqui, em vez, de um perfil intelectual do autor, caberia
um capítulo dedicado ao autor.
A
maneira como os personagens são apresentados ao leitor
foi cuidadosamente preparada. Como numa grande encenação
a respeito do desenrolar desta "história",
eles vão se complementando e demonstrando toda linha
histórica da qual fazem parte. A começar com
Frei Caneca e sua importante contribuição à
teoria da comunicação brasileira. Passando para
Costa Rego, seu pioneirismo no ensino da Comunicação,
a apresentação de sua personalidade austera.
A união entre profissão e universidade promovida
pelo jornalista Carlos Rizzini e a visão extremamente
brasileira em relação às manifestações
folclóricas abordadas por Luiz Beltrão.
Sem
perder o foco do livro, o autor nos apresenta também
autores das Américas que se debruçaram na compreensão
dos problemas comunicacionais latino-americanos. Outros como
Raymond Nixon difundiu as idéias do Hemisfério
Sul nas terras do "Tio Sam". Na década de
70, o pesquisador Elihu Katz formulou a teoria dos usos e
gratificações, que enfocaria o que as pessoas
fazem com a mídia e não o inverso. A contemporaneidade
desse assunto é provado nas inúmeras discussões
sobre expectativas e aspirações da audiência.
O
encerramento fica por conta dos pesquisadores Luiz Ramiro
Beltrán, pioneiro da Escola Latino-americana e Jesús
Martín Barbero, inovador da Escola Latino-americana.
Depois de estudiosos de outras partes do mundo, o professor
José Marques de Melo encerra o livro no estilo da narrativa
perfeita: retorna ao regional, aos paradigmas latino-americanos
e seus representantes.
NOTAS
DE RODAPÉ e REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
As
notas de rodapé e as referências bibliográficas
no final de cada assunto abordado fornecem muito mais que
um simples suporte às idéias do autor. A riqueza
da bibliografia e os detalhes abordados nas observações
denotam novamente a magnitude do professor José Marques
de Melo e a enorme contribuição que ele oferece
aos novos pesquisadores brasileiros, latino-americanos, portugueses,
americanos. Enfim, a todos que se dedicam a consolidar a pesquisa
de Comunicação no Brasil e América Latina.
Embora
se tratando de um veículo impresso e tradicional, um
livro, as notas de rodapé podem ser consideradas como
"links", obedecendo à estrutura do chamado
hipertexto, usado na Internet. O único problema é
o acesso às obras citadas. Infelizmente, muitos dos
livros citados estão esgotados. Fica um desafio: por
quê não estimular e reivindicar a reedição
o relançamento de algumas obras?
Seria um passo importante na consolidação do
pensamento comunicacional latino-americano e uma imensa contribuição
aos estudantes e pesquisadores desta área.
Fontes
bibliográficas
MARQUES
DE MELO, José. História do pensamento comunicacional.
São Paulo: Paulus, 2003
Jornal Folha de São Paulo. TV Folha. São Paulo,
16 mar. 2003, p. 6-7.
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