RESENHAS
- LIVROS
Um
raio-x da violência
Por Fabio
Silvestre Cardoso*
As
notícias sobre crimes nos jornais e na TV causam
desconforto na população, e surpreendem
até mesmo os mais calejados com o chamado mundo-cão
(repórteres, apresentadores de TV dos programas
sensacionalistas e também policiais civis e militares).
Só
no mês de janeiro, quando este texto foi originalmente
escrito, os jornais destacavam: a tentativa frustrada
de resgate de presos no presídio de segurança
máxima de Presidente Bernardes (foram apreendidos
mísseis e armas de grosso calibre); uma série
de atentados às bases da Polícia Militar
em São Paulo (foram feitos inúmeros disparos
em direção às cabines); sem mencionar
a prisão dos envolvidos no caso do incêndio
a um ônibus no Rio de Janeiro.
|
Reprodução

Título: O Homem X: uma Reportagem Sobre
a Alma do Assassino em SP.
Autor: Bruno P. Manso
Editora: Record
ISBN: 8501071471
Ano: 2005
Edição:
1ª
Número de páginas: 362
|
Como
se vê, a gravidade dos crimes já não pode
mais ser medida segundo o mais estarrecedor. Em verdade, as
atrocidades até mesmo se igualam pelos requintes de crueldade,
seja pelo número de mortos, seja pela "modalidade"
de crime escolhido. Para entender a lógica dos assassinatos,
o jornalista Bruno Paes Manso assina O Homem X, livro-reportagem
que busca trazer à luz a alma do assassino em São
Paulo.
O
fato de ser um livro-reportagem pode fazer com que os leitores
imaginem um texto mais enviesado e estilístico, uma vez
que está livre das amarras dos manuais de redação
dos jornais, abrindo, assim, espaço para uma verve literária.
De
fato, muitos jornalistas enveredam por esse caminho, talvez
mais atraente, porém quase sempre subjetivo e repleto
de imperfeições conceituais que, grosso modo,
são esquecidas pelos críticos porque a forma de
contar a história é bonita.
Para
o bem ou para o mal, Bruno Paes Manso manda o novo-jornalismo
às favas. Faz, antes, um trabalho árduo de pesquisa
e apuração que dá conta do tema de maneira
fora do comum. Nesse caso, há de se levar em conta o
fato de o autor utilizar como metodologia de pesquisa jornalística
os parâmetros da academia. O resultado, assim, é
um ensaio acadêmico com tema de relevância geral
e com linguagem acessível.
Desde
o início, o autor apresenta para o leitor qual é
o tema de sua pesquisa, mas não pára por aí.
Uma vez relatado o objetivo a ser alcançado, Paes Manso
sai à cata dos elementos necessários para transformar
a idéia em texto; a intenção em conclusão;
o abstrato em real.
Desse
modo, os números, que, na maioria das vezes, funcionam
mais como peça decorativa do que documento ilustrativa
são interpretados de maneira a evidenciar a gravidade
de alguns casos, assim como o absurdo de outros.
Boa
parte dos leitores se surpreende ao descobrir que a violência,
em determinadas áreas da cidade, está de igual
para igual com algumas regiões dos Estados Unidos. Da
mesma maneira, os índices nas regiões mais calamitosas,
como Parelheiros, atinge a incrível marca de 106 mortos
para cada 100 mil habitantes.
Além
dos números, o jornalista calibra a reportagem com o
relato dos principais personagens do livro: os próprios
assassinos. Para isso, Paes Manso quebra o protocolo e vai encontrá-los.
Aqui, provavelmente, o código de ética jornalístico
provavelmente diria que o repórter foi imprudente ao
se expor.
Em
outro momento, não só o código de ética,
mas a patrulha do jornalismo politicamente correto também
diria que Paes Manso errou ao manter o nome dos envolvidos em
sigilo, respeitando o desejo de sua fonte. Nos dois casos, muito
embora o autor tenha plena consciência disso, é
como se seu trabalho respondesse:" a teoria, na prática,
é outra".
Jornalismo
de interpretação
Entre
todas as virtudes, a que mais se destaca é a aposta interpretativa
feita por Bruno Paes Manso. Graças a seu respaldo intelectual,
o jornalista é capaz de desvendar as falácias
elementares que constituem o discurso raso da maioria dos formadores
de opinião e também da sociologia pseudo-humanista,
aquela que formula a inteligentsia das Ongs e dos grupos de
direitos humanos.
Em
outras palavras, Paes Manso analisa os crimes para além
de querer justificar a intenção dos assassinos,
mas não cessa de buscar as causas que direcionam as pessoas
a cometerem tais crimes.
É
o que observa o autor quando analisa o argumento de alguns assassinos
quando estes tentam explicar a razão de seus crimes.
No caso, alguns entrevistados alegam que, na primeira vez, matam
num ato impensado, como se não tivessem premeditado a
ação. Daí, o argumento fácil de
muitos analistas é o de minimizar esses crimes, como
se fossem de menor gabarito.
Paes
Manso descarta esse argumento. "O sujeito não mataria
simplesmente porque estava bêbado, por não ser
civilizado e não conter seus impulsos, mas porque acredita
que matar faz parte das regras do jogo e lhe traz benefícios,
crença que o leva a tomar decisões incompreensíveis
para quem observa de fora. (...) é forte a cultura da
justiça privada".
De
fato, essa cultura da justiça privada, segundo o autor,
é, num primeiro momento, fomentada pelas organizações
criminosas, mas o motor dos assassinatos prossegue independente
das bancas ou das máfias. Pelo menos em São Paulo,
e isso está indicado nos dados (novamente as estatísticas)
apresentados na reportagem. A maioria dos homicídios
tem como principal causa um problema pessoal, e não uma
questão ligada ao pagamento de dívidas ou a guerras
de gangues, como ocorre no Rio de Janeiro.
A comparação com o Rio de Janeiro, aliás,
é precisa, conforme mostra o jornalista, não só
para acentuar as diferenças como também para entender
a complexa engrenagem do crime.
Tomando
como base os primórdios da violência no país,
ainda no século XX, Paes Manso explica como o crime evoluiu
de um modus operandi mais amador, quase ingênuo, numa
época em que se matava por crimes ligados à honra
(lembrar da história de Euclides da Cunha e seu algoz,
Dilermando) a um período em que a vida está tão
banalizada que a chacina se justifica simplesmente pelo seu
custo benefício.
O
Homem X é um livro que tinha tudo para ser mais uma tese
repleta com os clichês da academia e o discurso dos Direitos
Humanos sobre a violência. Felizmente, não é.
A obra dá um panorama ímpar e completo do atual
estado de coisas da criminalidade - dos assassinatos, sobretudo
- na cidade de São Paulo. Uma reportagem para ler com
atenção e sem medo.
Obs.:
Resenha publicada originalmente no site Digestivo Cultural.
*Fabio
Silvestre Cardoso é jornalista.
Voltar
|