Resenhas
Reflexões
sobre as notícias: por que
elas são assim e que efeitos geram
Por Maria
Rita T. Afonso*
Na
última década, os cursos de jornalismo passaram
a dar mais atenção para as teorias ou estudos
específicos sobre o campo para o qual formam profissionais.
Muitas faculdades passaram a oferecer disciplinas específicas
de "teoria(s) de jornalismo", enquanto outras
passaram a abordar melhor estas questões na de
"teoria(s) de comunicação".
No
entanto, um dos maiores problemas enfrentados por quem
as ministra é o restrito número de publicações
nacionais sobre a temática.
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PENA, Felipe. Teoria do Jornalismo. São
Paulo: Editora Contexto, 2005.
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São
poucos os pesquisadores brasileiros que se dedicam à
área, entre eles vale ressaltar José Marques de
Melo e Nilson Lage.
Neste cenário, ganharam destaques, além das obras
dos brasileiros citados, as dos professores portugueses Nelson
Traquina e Jorge Pedro Souza e o livro "Conceitos de Jornalismo",
do alemão Michael Kunczik, que está traduzido
desde 1997. Assim, vencia-se a barreira da língua e da
escassez de textos, mas ainda permanecia a carecia de uma publicação
nacional que abordasse as teorias do jornalismo de uma maneira
mais ampla. É esta lacuna que a obra do professor Felipe
Pena, da Universidade Federal Fluminense (UFF/RJ), visa preencher.
Lançado
neste ano, o livro Teoria do Jornalismo sai pela Contexto -editora
que tem reforçado seu catálogo com obras sobre
este campo do conhecimento- e procura responder a duas questões
elementares e fundamentais para quem quer aprender este ofício,
atua na área ou a investiga: (1) Por que as notícias
são como são? (2) Quais são os efeitos
que essas notícias geram? Antes de abordar as teorias,
críticas e tendências atuais, Pena traz uma ampla
conceituação sobre termos da área e um
pequeno resgate histórico, que ocupam toda a primeira
parte do livro.
É
onde se pode encontrar uma boa discussão sobre o significado
de objetividade, sobre os tipos de leads e gêneros jornalísticos,
uma diferenciação entre notícia e reportagem
ou voltar no tempo para relembrar a invenção da
escrita e da impressa e o impacto que elas trouxeram ou compreender
a mudança estrutural da esfera pública. O autor
trata ainda de questões polêmicas como a criação
do Conselho Federal de Jornalismo, controle de informação,
liberdade de imprensa, ética e responsabilidade.
A
segunda parte é um verdadeiro manual para que quer estudar
ou ensinar teorias do jornalismo. Isto porque o livro tem o
mérito de trazer um amplo panorama sobre a temática
-algumas vezes, o autor deixar claro que se posiciona contrariamente
a outros estudiosos da área, mas não deixa de
referenciá-los e explicar as vertentes temáticas
desenvolvidas por eles- e as referências bibliográficas,
ao fim de cada tópico, permitem um estudo mais aprofundado
de cada uma das questões abordadas -o item "Para
ler mais" está presente em toda obra ao final de
cada tópico.
Ao
final do livro, Pena coloca ainda uma bibliografia comentada
de obras essenciais para entender o jornalismo contemporâneo,
como Iniciação à filosofia do jornalismo,
de Luiz Beltrão; Teorias do jornalismo, de Nelson Traquina;
O conhecimento do jornalismo, de Nelson Traquina, entre outras.
O
autor aborda 11 concepções diferentes dos estudos
de jornalismo. A primeira que ele apresenta, a teoria do espelho,
é também a primeira explicação que
surge para justificar por que temos as notícias que temos.
A base desta teoria é a idéia de que o jornalismo
reflete a realidade. Esta idéia é rebatida na
seqüência pela de que o jornalismo é uma construção
social de uma suposta realidade -pressupostos teóricos
do newsmaking.
O
método construtivista apenas enfatiza o caráter
convencionais das notícias, admitindo que elas informam
e têm referência na realidade. Entretanto, também
ajudam a construir essa mesma realidade e possuem uma lógica
interna de constituição que influencia todo
o processo de construção (p. 129).
Ainda
para explicar por que a imprensa traz algumas notícias
e não outras, Pena apresenta a teoria do gatekeeper -que
privilegia a ação pessoal, ao referir-se ao jornalista
que tem o poder de decidir se deixar a informação
passar por uma cancela (ser publicada) ou se a bloqueia-; a
teoria organizacional -segundo a qual os meios específicos
para realização do trabalho jornalístico
influenciam diretamente em seu resultado final -, e a teoria
gnóstica, segundo a qual "as notícias têm
uma estrutura de valores que são compartilhados pelos
jornalistas entre si, embora carreguem ecos da interação
com a sociedade" (p. 141).
Para
Pena, esse compartilhamento é nitidamente uma operação
gnóstica com ritos de passagem e forte conotação
de conhecimento secreto, só acessível a uns poucos
iniciados, os próprios jornalistas.
Há
ainda a teoria instrumentalista, para a qual as notícias
são parte da publicidade que sustenta o sistema capitalista;
a etnográfica, que busca entender como os costumes e
ritos da "tribo" dos jornalistas interferem no fazer
notícias, e a teoria dos definidores primários,
que "não está centrada na possibilidade de
manipulação das notícias por parte dos
jornalistas, mas sim no poder que fontes privilegiadas têm
na construção dessas mesmas notícias"
(p. 153).
Segundo
estas teorias, as distorções que podem ocorrer
no noticiário não seriam fruto de uma simples
conspiração dos profissionais da imprensa com
os dirigentes da classe hegemônica, mas de uma subordinação
às opiniões que têm posições
institucionalizadas, também chamadas de definidores primários.
Por
fim, Pena apresenta mais duas teorias que ajudam a explicar
porque as notícias são como são: a da nova
história _segundo a qual, o jornalismo assim, como a
história é uma interpretação possível
do passado, é o que conseguimos saber dele- e teoria
dos fractais biográficos ou a biografia sem-fim, segundo
a qual ao se reconstruir a história da vida de uma pessoa
usa-se técnicas narrativas de notícias para falar
do jornalismo não cotidiano.
Os
efeitos que as notícias podem causar são estudados
sob dois perspectivas. A mais famosa dela é a teoria
do agendamento, elaborada, principalmente, a partir de trabalhos
de McCombs e Shaw. Segundo ela, as pessoas têm a tendência
a incluir ou excluir de sua agenda de discussão aquilo
que a mídia exclui ou inclui de seu conteúdo.
Outra importante explicação sobre os efeitos foi
desenvolvida pela alemã Elisabeth Noelle-Neuman, no livro
A espiral do silêncio.
Para
ela, há uma dificuldade de se mudar os hábitos,
porque as pessoas tendem a esconder opiniões à
ideologia majoritária. Assim a mídia, ao difundir
apenas a ideologia majoritária, ajuda a manter o status
quo.
Na terceira parte do livro, o autor aborda as tendências
e alternativas atuais de fazer jornalismo. Fala de jornalismo
de resistência, reportagem assistida por computador, jornalismo
digital, jornalismo comunitário, correspondentes em guerra,
jornalismo investigativo, imprensa universitária e jornalismo
científico.
A
construção do jornalismo como uma área
do conhecimento humano é o assunto da parte final do
livro. Pena afirma que "a Teoria do Jornalismo deve assumir
sua cientificidade, o que significa investigar evidências,
produzir dados e construir enunciados passíveis de revisão
e refutação" (p. 218) e ressalta a importância
do constante intercâmbio entre profissionais da redação
e da academia.
Se
é fato que teoria e prática caminham junto, como
o autor, afirma a troca de conhecimento entre quem atua no mercado
e quem está na academia ainda é muito pequena.
Em parte porque muitas das pesquisas feitas na área de
comunicação em nada contribuem para o jornalista
de redação -é recente termos linhas de
pesquisas específicas sobre jornalismo-, o que mostra
um distanciamento da academia de questões mais práticas
e cotidianas.
Por
outro lado, a maior parte dos jornalistas de redação
não reconhece a cientificidade de sua área, ignora
a existência de teorias por traz de sua prática
profissional -a entrada de disciplinas que abordam esta temática
aconteceu principalmente nos anos 90- e não estão
dispostos a refletir sobre suas ações. Teoria
do Jornalismo é, sem dúvida, uma boa tentava de
ligar a esfera que trabalha na imprensa com a que estuda, porque
pode auxiliar a ambos.
*Maria
Rita T. Afonso é jornalista graduada pela Universidade
Estadual de Londrina/PR e mestranda da Universidade Metodista
de São Paulo.
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