Resenhas
Em
busca
do legado
jornalístico
de Odorico
Mendes
Por
Roseane Pinheiro*
Os
embates políticos no período da Independência
e o nascimento da imprensa do Maranhão no século
XIX, quarta província do Brasil Colônia a
conhecer as atividades tipográficas, estão
entrelaçados na obra Política movida
a paixão: o jornalismo polêmico de Odorico
Mendes, de professor e pesquisador Sebastião
Jorge, autor de publicações que resgataram,
nos últimos 18 anos, os primórdios da imprensa
maranhense.
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Reprodução

Política
movida a Paixão:
o jornalismo polêmico
de Odorico Mendes.
Autor: Sebastião Jorge
Editor: Departamento de Comunicação Social
- UFMA
182 pág. - 1ª edição - 2000
|
Neste
terceiro livro - antecedido por Os primeiros passos da Imprensa
no Maranhão e A Linguagem dos Pasquins - o
autor prestou especial atenção à vida do
combativo jornalista Manuel Odorico Mendes (1799-1864), proprietário
do jornal Argos da Lei, de 07 de janeiro de 1825. O impresso
foi adversário de O Censor, do jornalista português
Garcia de Abranches, com o qual Odorico protagonizou discussões
nas tribunas impressas acerca do futuro político do Maranhão
durante o Império.
Odorico
Mendes estudou em Coimbra e retornou ao Maranhão defendendo
os interesses da causa brasileira e a ruptura com Portugal.
Foi autor de traduções de clássicos de
Homero, Virgílio e Voltaire e por isso é considerado
um escritor de talento colossal. Também trabalhou fora
do Maranhão em outros veículos impressos do Rio
de Janeiro e São Paulo, tais como Farol Paulistano
- primeiro jornal de São Paulo, 7 de Abril, Astrea,
Clube Aurora , Íris, O Verdadeiro Liberal, Liga Americana,
O Homem e a América e Jornal do Comércio.
Em
Portugal, cursou Filosofia contrariando a recomendação
da família, que preferia o curso de Medicina. Conviveu
com as repercussões da Revolução do Porto
e as pressões para a recolonização do Brasil,
proposta que beneficiaria os comerciantes portugueses, prejudicados
pela abertura da economia da colônia às nações
mais desenvolvidas.
Testemunhou
em solo europeu os conflitos entre liberais e conservadores,
os ímpetos de Napoleão Bonaparte, a luta pela
democracia e o fortalecimento das aspirações nacionalistas.
Essas experiências moldaram seu espírito liberal,
sua visão humanista e seu pendor contras as injustiças
sociais.
Seus
posicionamentos políticos o lançaram na vida parlamentar,
Odorico Mendes foi eleito para a Assembléia Legislativa
em 1825 pelo Partido Liberal e retornou no período de
1839-34, quando foi reeleito. Candidato pela Província,
na legislatura seguinte, não se reelegeu, fato o que
decepcionou, mas convidado pela bancada mineira, retornou como
deputado geral em 1844 por Minas.
Mesmo
assim, em função da postura crítica no
parlamento, não conseguiu fazer valer suas idéias,
largou a política e ficou com um emprego no Tesouro Nacional.
Depois refez a vida e voltou à Europa, onde residiu em
Paris. Cultivando a vontade de voltar a São Luís,
não conseguiu seu intento e faleceu em Londres em 1864.
As
facetas de jornalista e político de Odorico Mendes marcaram
a história da imprensa no Maranhão, como afirma
JORGE (2000, p. 173): "Ele muito trabalhou não apenas
como político, mas e principalmente, usando a pena, para
expor as idéias e conquistar espaço na luta pelo
reconhecimento dos direitos e da cidadania de todos".
No
lastro do jornal Argos da Lei
Através
da obra Política movida a paixão: o jornalismo
polêmico de Odorico Mendes, podemos acompanhar com
detalhes a trajetória do jornalista no periódico
Argos da Lei, editado entre janeiro de julho de 1825.
Nele Odorico Mendes empunhou sua principal bandeira com muita
firmeza: defender o país e a Província das tentativas
de recolonização, recorrentes mesmo após
o processo de Independência do Brasil.
O
jornal, que publicou somente 45 edições, circulou
às terças e sextas, tinha quatro colunas e 31
cm de altura e, apesar pequenos textos com anúncios,
divulgava que o editor responsável dispensava ajuda de
terceiros para a manutenção do periódico.
A finalidade era escrever com mais liberdade e se desvincular
de questões políticas ou econômicas que
cerceassem a produção jornalística.
Sem
informar o nome do editor e endereço da redação,
o impresso publicou notícias sobre a movimentação
do porto de São Luís, partida e chegada de embarcações
de outros Estados e países, principalmente os mais ricos,
como Estados Unidos, Inglaterra e Portugal; as cotações
diárias de produtos comercializados na cidade - algodão,
arroz, couro, milho e farinha - e os fatos internacionais.
As
informações sobre as outras nações
chegavam com atraso de meses através dos navios, à
época único meio de comunicação
entre a colônia e o mundo. As notícias eram transcritas
de jornais franceses, portugueses, peruanos e espanhóis.
Outros destaques são os anúncios, intitulados
de "Avisos", que abordavam as fugas de escravos, perda
de documentos, procurações firmadas em cartórios,
entre outros assuntos.
Confrontos
nas tribunas impressas
O
opositor de Odorico Mendes, o português radicado na província,
João Antônio Garcia de Abranches, também
foi um intelectual muito culto.
Teria
cursado a Universidade de Coimbra - segundo afirmações
da sua família, embora o fato não tenha sido comprovado
- e foi um comerciante rico que se dedicou às letras
com afinco. Pertenceu ao Partido Português, que defendeu
os interesses da Metrópole. O Censor Maranhense,
editado por Garcia de Abranches, circulou pela primeira vez
em 24 de janeiro de 1825 e deixou as ruas em maio de 1830. Tinha
uma altura menor que a do Argos da Lei, 23,5 com três
colunas (JORGE, 2000, p. 12).
As
disputas políticas nos jornais sustentaram a polêmica
entre Odorico Mendes e Garcia de Abranches em um cenário
de agitação social na província, contrária
à Independência do Brasil, que só foi aceita
no Maranhão em 1823, com a intervenção
comandada pelo Almirante Cochrane. Estudando um panorama no
qual a liberdade de imprensa era verdadeira utopia, Sebastião
Jorge salientou a atuação de Odorico Mendes e
Garcia Abranches:
As
páginas escritas no calor dos debates são de
uma importância ímpar para a história
política maranhense. São páginas de fé
e muita convicção naquilo que os dois jornalistas
acreditavam. E por essas idéias e posições
sustentaram uma polêmica que atravessou o século
como exemplo de um jornalismo vigoroso.
(2000, p. 13).
O
autor reiterou o posicionamento político da imprensa
e descortinou a vida de dois importantes jornalistas. Ao contar
a caminhada da imprensa em São Luís não
perdeu de vista a perspectiva jornalística na construção
do quadro geral, soube articular o panorama sócio-político
à presença da imprensa na província e seus
desdobramentos, visão pouco presente em obras anteriores,
mais informativas e pouco analíticas.
Sebastião Jorge nos proporcionou ainda uma ampla percepção
das diferenças entre os jornalistas Garcia de Abranches
e Odorico Mendes.
Além
da idade, o primeiro com 50 anos e o segundo com 26, as crenças
políticas, o tratamento dado aos temas tão urgentes
e o conhecimento cultural distanciaram os polemistas. Em vários
momentos, partiram para os ataques pessoais. Em outros, Garcia
lançou mão da ironia e Odorico das acusações
graves e pesadas.
Por
que recordar esses embates sob a pena de jornalistas atuantes
em campos opostos? "A distância de pensamento entre
Odorico Mendes e Garcia de Abranches era grande. Nem por isso,
muitas das polêmicas travadas deixaram, de ambas as partes,
de alcançar alto nível e ter o brilho que caracterizava
a marca de um jornalismo sadio e vigoroso" (JORGE, 2000,
p. 45).
Vamos
ao exemplo dos duelos travados entre os jornalistas. Na quinta
edição do Censor, Garcia de Abranches criticou
seu opositor reclamando que Odorico teria investido o dinheiro
da família com passeios e não com estudos quando
esteve em Portugal: "Que bem empregado dinheiro gastaram
com uns, seus pais em Coimbra, e com outros a Câmara!
Que bela coisa! Lamber boas tigelinhas de manjar branco em Cellas,
belos passeios, outeiros, súcias, e nos intervalos xalaça
das Tricanas, e de depois, apesar de lá esquecer as cartas
de formatura, vir na pátria ser político e latos
planetas, e reger os destino do Povo! (JORGE, 2000, p. 51).
O
jornalista maranhense retrucou, no número 25 dos Argos
da Lei, explicando que viveu na Europa com a ajuda dos amigos,
segundo o autor de Política movida a Paixão
- jornalismo polêmico de Odorico Mendes: "E saiba
que o estado não me sustentou em Coimbra nove anos; e
se alguém por mim recebeu esse dinheiro, a culpa não
é minha: o certo é que andei por Portugal mais
de quatro anos sem receber um real, e a não ser a generosidade
dos meus patrícios estudantes (...) Mas, em fim, V. M.
em tudo quer ser tralhão e dar fé, como certas
velhas carunchosas" (JORGE: 2000, p. 53).
Outro
embate ocorreu em função da opinião de
Odorico Mendes contrária aos portugueses que defendiam
a volta do Brasil à condição de colônia.
Ele afirmou na edição de número 22, que
"o Censor quer por força espalhar a discórdia
em Maranhão (...) Não existe em atividade nenhum
partido republicano; e quem hoje assoalha que republicanos trabalham
aqui por irem (avante), é um impostor, que deseja beber
o sangue brasileiro".
Por sua vez, Garcia de Abranches, discordando da posição
do jornal de Odorico Mendes, criticou a decisão da Junta
Provisória ao expulsar do território brasileiro
todos os portugueses, acusados de inimigos da nação:
"por um governo subalterno como o nosso Triunvirato execrando,
que por isso dizemos que estes tiranos deram ao Mundo um novo
exemplo de ferocidade e avidez..." (JORGE, 2000, p. 62).
Da
atuação jornalística de Odorico Mendes
aos confrontos ideológico nos impressos, a obra do professor
e pesquisador Sebastião Jorge representou uma importante
contribuição para o entendimento da participação
da imprensa na construção do futuro político
da sociedade maranhense. Esse momento foi retomado através
dos jornalistas Odorico Mendes e Garcia de Abranches, que deixaram
suas marcas no debate que embalou o destino do Império
no século XIX.
O
trabalho realizado pelo pesquisador sobre essa etapa da história
da imprensa em São Luís apresentou novas fontes
de pesquisa para estudantes e professores da área do
Jornalismo, bem como indicou futuros objetos de investigação,
como a evolução dos jornais, o protagonismo dos
jornalistas e os vínculos entre o desenvolvimento da
cidade e a trajetória dos periódicos.
*Roseane
Pinheiro
é jornalista.
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