Resenhas
Uma
boa folheada
no Jornalismo de Revista
Por
Paulo Sergio Pires*
Jornalismo
de Revista
De Marília Scalzo
Editora: Contexto
ISBN: 8572442448
Ano: 2003
Edição: 1
Número de páginas: 112
Acabamento: Brochura
Formato: Médio
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1.
Introdução
A
obra Jornalismo de Revista, de Marília Scalzo
(2004), editada pela Editora Contexto veio a complementar a
coleção Comunicação que já
havia lançado outros títulos importantes para
os estudos de produção de periódicos. A
editora havia publicado títulos como por exemplo: A
arte de fazer um jornal diário (NOBLAT, 2004), Jornalismo
científico (OLIVEIRA, 2003), Jornalismo cultural
(PIZA, 2004), Jornalismo digital (FERRARI, 2004), Jornalismo
econômico (CALDAS, 2003) e Jornalismo esportivo
(COELHO, 2004).
A
seguir vieram os volumes mais recentes como Jornalismo Internacional
(2004) e também Assessoria de Imprensa - como se relacionar
com a mídia (2004). Essa recente bibliografia é
muito oportuna, pois há uma certa lacuna de manuais ou
o que os norte-americanos chamam de handbooks para os estudantes
e profissionais de comunicação da praxis, especialmente
no que tange a abordagens especializadas.
Em
comunicação o número de títulos
publicados no Brasil é crescente, mas são essencialmente
ensaios, adaptações de teses, estudos de sociologia,
filosofia, antropologia, ou psicologia da mídia. Ainda
faltam muitos livros de referência, especialmente aos
alunos de graduação que freqüentemente contam
apenas com apostilas produzidas a partir de experiências
dos mestres ou com algum capítulo de um título
mais genérico, muitas vezes já ultrapassado.
Acadêmicos
de grande reconhecimento científico como o professor
José Marques de Melo alega (informação
verbal) que esta falta de manuais estaria ligada às exaustivas
condições de trabalho e pesquisa necessárias
para conclusão desses volumes didáticos. Por isso,
mais uma vez vale cumprimentar a iniciativa da Contexto e de
seus autores respectivos.
2.
Discussão
Jornalismo
de Revista (SCALZO, 2004) faz uma leitura transversal do meio,
analisando em nove capítulos a essência do que
ele pode significar para a comunicação. A razão
desse trabalho está estampada no próprio códice:
Os leitores costumam manter uma relação quase
passional com suas revistas favoritas. Não é à
toa que gostem de andar com elas debaixo do braço, como
se fossem uma espécie de emblema ou sina de identificação.
Muito do fascínio deste tipo de publicação
vem justamente da capacidade que ele tem de construir fortes
laços de empatia com seu público [...].
A
autora, concretamente, expõe detalhes muitas vezes despercebidos
dessa mídia. Discute problemas crônicos entre os
quais a sanidade financeira das publicações. Ela
cita situações absurdas como as das revistas Realidade
e Life, que mesmo tendo tiragens altíssimas não
conseguiram sobreviver no mercado editorial.
Um
dos pontos altos do seu trabalho é o capítulo
da historicidade do meio. Ela lembra que a primeira revista
foi fundada em 1663 na Alemanha e se chamava Erbauliche Monaths
Unterredungen ou Edificantes Discussões Mensais.
Tratava-se
de um volume com a forma e formato de livro, e só foi
caracterizada como tal, por conta dos artigos de teologia, possuir
público específico e periodicidade regular. Dois
anos depois, surge na França a primeira revista literária,
a Journal des Savants. Na seqüência, aparecem em
épocas diferente o Giornali dei Litterali (Itália)
e o Mercurius Librarius ou Faithfull Account of all Books and
Pamphlets (Inglaterra).
O
termo magazine, expõe Scalzo (2004), surge especificamente
em 1704, na Inglaterra, com um volume que se parece com livro,
mas tem objetivo, público específico, com assuntos
aprofundados. O magazine, de fato, é mais aprofundado
que os jornais e menos do que os livros. Os títulos da
época transitam por várias estéticas.
Le
Mercure Galant, por exemplo, imprime notas, anedotas e poesia.
Receita que a seguir é copiada por muitos. Só
em 1731, é quando surge a primeira revista parecida com
nosso padrão moderno na Inglaterra, The Gentleman's Magazine.
É neste ínterim que o termo magazine se generaliza
e passa a ser usado na Inglaterra e França.
Nos
Estados Unidos, a marca inicial é o ano de 1741, quando
são fundadas a American Magazine e General Magazine.
Até o final do século XVIII já haviam 100
títulos. A razão disso, foi o desenvolvimento
econômico, a redução do analfabetismo e
maior interesse por novas idéias e desejos de divulgá-las.
Hoje, como informa SCALZO (2004) nos Estados Unidos são
impressos cerca de 6 bilhões de exemplares/ano, contra
os aproximadamente 600 milhões de exemplares/ano no Brasil.
O
século XIX com mais alfabetizados é que a revista
cresce, vira e dita moda. Há desejo maior de ler-se e
de instruir-se, mas sem interesse da profundidade dos livros.
Com o avanço das artes gráficas, a revista passa
a ser um meio ideal, pois tem a possibilidade de tratar de vários
assuntos num só lugar, com belas imagens. É um
meio de circular informações diferentes em conjunto
sobre os novos tempos e a nova ciência.
Para
a população que começava a ter acesso ao
saber abriram-se novas possibilidades. A autora destaca que
a revista ficava posicionada entre o noticiário ligeiro
do jornal e o livro, objeto sacralizado visto como apenas para
a elite, por isso pouco acessível. Os jornais eram mais
engajados, ligados a tendências ideológicas, a
partidos políticos e à defesa de causas públicas.
As revistas tem o papel de complementar a educação,
se relacionando mais proximamente da ciência e cultura.
A
ensaista salienta que a partir do crescimento da tiragem e maior
qualidade de impressão, como efeito gerou uma maior quantidade
de anunciantes. Outra consequência ,como já era
de se deduzir, foi a redução do custo de produção
e menor preço do exemplar. Em 1693, aparece na França
um modelo multitemático, ou seja, uma revista de pauta
variada mas voltada para s mulheres, a Mercúrio das Senhoras.
Trata-se, na verdade, da primeira revista feminina.
As
revistas femininas do século XIX, conforme SCALZO (2004),
abordam os afazeres do lar e as novidades da moda. Algumas oferecem
moldes de roupas e desenhos bordados. Naquele século,
também se desenvolvem um modelo de publicações
literárias e científicas, a Scientific American
e National Geografhic Magazine. É neste momento, no qual
são lançadas publicações sobre Arqueologia,
Filologia, Geografia, Medicina e Engenharia, novidades nos estudos
da área e de interesse técnico.
Na
obra Jornalismo de revista (SCALZO, 2004) está sublinhado
o surgimento da revista Time em 1923. Haidden e Luce são
os fundadores e seus objetivos procuram atender a necessidade
de informar com concisão num mundo já congestionado
por informações impressas. A idéia era
trazer notícias da semana do país e do mundo,
organizadas em seções e narradas de modo sintético
e sistemático, com informações cuidadosamente
pesquisadas e checadas.
A
fórmula foi sendo aperfeiçoada com vistas a não
deixar os homens ocupados a perder tempo no momento de consumir
informações. Por trás daquele projeto havia
a ideologia norte-americana de culto ao sucesso. O resultado
dessa revista foi um modelo para todo o resto do mundo. No Brasil,
a Veja, criada em 1968, tornou-se seu subproduto mais reconhecido.
As
revistas fotográficas também são citadas
no livro. Em 1936, Luce põe no mercado editorial a revista
Life, uma publicação semanal ilustrada. Sua grande
marca é o papel de qualidade e o formato amplo. A idéia
de seu publisher parte daquele velho chavão: Uma boa
imagem vale mais do que uma boa descrição, portanto,
valoriza-se a reportagem fotográfica. Já no primeiro
editorial, "a revista se propõe a ver a vida, ver
o mundo, testemunhar grandes acontecimentos, observar o rosto
do pobre e os gestos dos orgulhosos, ver coisas estranhas".
A
Life passou a ser copiada na França pela Match, que depois
da 2ª Guerra passou a ser chamada de Paris Match. Na Alemanha
a Stern usa a mesma fórmula e no Brasil, o Cruzeiro e
Manchete seguem a receita e se tornam fenômenos editoriais.
SCALZO
(2004) relata que em 1921, Dewitt e Acheson criam o lendário
título Reader's Digest que no Brasil adotou o nome Seleções.
A idéia era oferecer informações de pessoas
no mundo inteiro. Para tanto, condensava artigos de outras revistas
e jornais, oferecendo ao leitor uma variedade de assuntos inéditos.
Os texto sempre com leitura agradável, linguagem acessível
e tom otimista, vende o sonho e a ideologia norte-americana.
De 1940 a 1950, o Reader's Digest distribui 50 milhões
de exemplares no mundo. Hoje, Seleções é
editada em 19 idiomas.
O
Jornalismo de revista (SCALZO, 2004) também trata de
dois títulos para públicos de sexo distintos que
são sucesso até hoje, a Elle e a Playboy. A primeira
foi iniciada em 1945, logo após o final da guerra. O
objetivo de Helene Lazareff é o de restituir na mulher
francesa o gosto pela vida depois de anos de privação
e sofrimento. A idéia é fazer com a leitora encontre
em suas páginas informações para redescobrir
a si e seu país.
É
preciso principalmente recuperar sua feminilidade, com pouco
dinheiro e ainda poder transformar sua casa e sua mesa com poucos
recursos da época. Hoje, a Elle é licenciada para
16 países, mas com algumas diferenças de lugar
para lugar. Em outras palavras, com um pouco mais ou não
de moda.
A
polêmica Playboy é concebida por Hugh Hefner, um
ex-funcionário do departamento de promoções
da revista masculina Esquire. Sua idéia é misturar
sofisticação da Esquire com bom jornalismo, boa
ficção, humor requintado, moda, bebida e gastronomia.
Tudo aliado a fotos de garotas sem roupa.
Procurava-se
despertar ,no entendimento, de SCALZO (2004), o voyeur que há
em cada homem, exibindo não mulheres que tiravam a roupa
facilmente, mas aquela garota, filha do vizinho, que todos queriam
ver. No momento a Playboy tem 18 edições internacionais
licenciadas, além de cópiasde
todo o tipo de qualidade.
O
livro ora em análise também dá uma passada
pela evolução histórica das revistas no
Brasil. Aqui elas chegaram no começo do século
XIX junto com a corte portuguesa, que fugia da perseguição
napoleônica. O primeiro título foi As Variedades
ou Ensaios de Literatura. Passou a ser editado em 1812 em Salvador
Bahia e segundo ela própria:
[...]propõe-se
publicar discursos sobre costumes e virtudes morais e sociais,
algumas novelas de escolhido gosto e moral, extratos de história
antiga e moderna, nacional ou estrangeira, resumos de viagens,
pedaços de autores clássicos portugueses - quer
em prosa, quer em verso - cuja leitura tenta a formar gosto
e pureza na linguagem, algumas anedotas e artigos que tenham
relação com os estudos científicos propriamente
ditos e que possam habilitar os leitores a fazer-lhes sentir
a importância das novas descobertas filosóficas
[...]
SCALZO
(2004) trata também dos fenômenos editoriais como
O Cruzeiro. Idealizada pelo jornalista Assis Chateaubriand,
a revista estabelece uma nova linguagem na imprensa nacional,
por meio da publicação de grandes reportagens,
com especial atenção ao fotojornalismo. Chega
a vender na década de 50, a impressionante marca de 700
mil exemplares semanais. Concorrendo nessa fase nos Anos 50
pelo mesmo público está a Manchete. A revista
é fortemente ilustrada e valoriza ainda mais que sua
rival os aspectos gráfico e visual.
A
publicação disponibiliza suas páginas "a
serviço da beleza do Brasil". Enquanto O Cruzeiro
morre na década de 70, a Manchete consegue uma sobrevida
até o começo da década de 90. Ambas sintetizam,
porém, a falência do modelo das revistas semanais
ilustradas.
Por
outro lado, o livro enfoca mais à frente o nascimento
do jornalismo investigativo com a Realidade em 1966. Ela foi
a inspiração que viria a seguir, a revista Veja.
Esta publicação que durante sete anos claudicou,
por causa da censura do governo militar e dificuldades, acabou
se solidificando no início dos anos 70 e hoje vende 1,2
milhão de exemplares semanais. Veja é atualmente
a quarta revista de informação mais vendida no
mundo, atrás apenas das norte-americanas, Time, Newsweek
e US News & World Report.
A
autora do Jornalismo de revista (2004) também caminha
pelo marketing editorial lembrando as diferenças da revista
com outros meios. Fala da relação jornalista-leitor,
sobre os formatos, da periodicidade, e das recentes tendências
como as costumer publishing ou costumer news, aquelas revistas
feitas sob encomenda para empresas ou grupos e geralmente tratam
de estilo de vida.
A
especialização do jornalista de revista é
outra vertente explorada pela autora. SCALZO (2004) aborda os
princípios do jornalismo, da responsabilidade social,
credibilidade, ética e dá dicas de como deve atuar
para ter melhor aproveitamento nesta profissão. Os segredos
da escrita não estão tão distantes assim.
Ela salienta para seus leitores, muitos dos quais estudantes,
que o chamado texto mais elaborado não é só
uma questão de estilo. Diz que o segredo está
na apuração e quem tem um número maior
de informações qualificadas na mão tem
muito mais chances de escrever uma boa reportagem, um bom artigo
ou uma boa notícia do aquele que simplesmente escreve
bonito. "Não adianta", afirma ela, "querer
ficar bordando um texto fazio de informação. Jornalismo
não é literatura. Quando se tenta arrica-se a
cair na literatice".
A
abordagem textual em revistas não é privilégio
desta obra em análise e já havia sido trabalhada
no Brasil por VILAS BOAS (1996) que realizou um bom apanhado
sobre o estilo, a fluência, uniformidade, tonalidade e
apuração do jornalismo de interpretação.
Ele explana questões pontuais das grandes revistas semanais,
alertando para as alternativas neste tipo de publicação.
Seu texto dialógico receitua o texto criativo, com exemplos
práticos e oportunos.
Numa
ângulação mais hitoriográfica do
que estilística de revistas, MARTINS (2001) faz um detalhado
e vasto levantamento, comparando a produção jornalística
do Rio de Janeiro e São Paulo. A obra é dividida
em duas partes Texto e Contexto e Folheando as Revistas e por
seu intermédio a autora repassa fatos de sua pesquisa,
ao mesmo tempo em que descreve as circunstâncias políticas,
sociais e culturais da época.
Por
seu lado, o quase livro de arte Revista no Brasil (2000) se
esmera na parte visual com páginas abastadas de ilustrações,
figuras e fotos de época. Num caráter semi-didático,
o texto discorre como se fosse uma longa reportagem interpretativa,
derivando para um sentido metalinguístico. O conteúdo
é extenso e chega até tópicos que fogem
do genuíno jornalismo, entre os quais, a publicidade,
o humor, a fotonovela e os quadrinhos, Isso seguramente para
não discriminar nenhum ingrediente que compõe
este complexo universo chamado revista, ou como queiram os americanos
ou franceses, magazine.
3.
Disposições Finais
O
livro Jornalismo de revista (Scalzo, 2004) vem a fornecer subsídios
especialmente aos cursos de Jornalismo, num momento em que algumas
instituições de ensino superior estão mudando
seus currículos com outras abordagens. Se algumas escolas
preferem seccionar a revista em disciplinas como exemplo Jornalismo
impresso, Jornalismo interpretativo, História da Imprensa
ou Fotojornalismo, outras estão reagrupando este conhecimento
numa cadeira somente, tratando o meio holisticamente como faz
este livro em questão.
O
meio revista, assim como outros impressos, sofreu muito com
a chegada da mídia digital. Como o rádio nos anos
50, após o advento da televisão, reencontrou seu
papel, também, está procurando descobrir seu novo
posicionamento perante à opinião pública.
As tiragens das revistas estão em crescimento em alguns
setores, especialmente quando são bem segmentadas, focadas
ou dirigidas. Por esse aspecto, a autora faz um bom apanhado
mostrando os detalhes desse expertize.
Empresas
editoras de revista também estão experimentando
novos caminhos fugindo das regras históricas determinadas
pelo mercado e academia. A editora Escala, por exemplo, está
criando uma nova possibilidade, publicando títulos com
edições temáticas únicas, que eventualmente
podem ser reimpressas.
O
mais revolucionário é que não inserem publicidade,
não têm assinatura e sua receita vem exclusivamente
da venda em banca. De fato, foi uma das empresas jornalísticas
que mais cresceram nos últimos anos, no que pese as dificuldades
econômicas. Talvez na próxima edição
do Jornalismo de Revista, SCALZO (2004) passa incluir um trecho
sobre esse novo ator comunicacional e o que significa romper
com os históricos paradigmas.
4.Bibliografia
CALDAS,
Suely. Jornalismo econômico. São Paulo:
Contexto, 2003.
COELHO,
Paulo Vinícius. Jornalismo esportivo. São
Paulo: Contexto, 2004.
EDITORA
ABRIL. Revista no Brasil. São Paulo, 2000.
FERRARI,
Pollyana. Jornalismo digital. São Paulo: Contexto,
2004.
MAFEI,
Maristela. Assessoria de imprensa - Como se relacionar com
a mídia. São Paulo: Contexto, 2004.
MARTINS,
Ana Luíza. Revista em Revista. São Paulo:
Edusp/Imprensa Oficial/Fapesp, 2001.
NATALI,
João Batista. Jornalismo Internacional. São
Paulo: Contexto, 2004.
NOBLAT,
Ricardo. A arte de fazer um jornal diário. São
Paulo: Contexto, 2004.
OLIVEIRA,
Fabíola de. Jornalismo científico. São
Paulo: Contexto, 2002.
PIZA,
Daniel. Jornalismo cultural. São Paulo: Contexto,
2004.
SCALZO,
Marília. Jornalismo de revista. São Paulo:
Contexto, 2004.
VILAS
BOAS, Sergio. O estilo magazine: o texto em revista. São
Paulo: Summus, 1996.
*Paulo
Sergio Pires é graduado em Jornalismo (1984) e Publicidade/Propaganda
(1982) pela Fundação Cásper Líbero.
É especialista em Gestão de Processos Comunicacionais
(2000) e mestrando em Políticas de Comunicação
e Cultura pela ECA-USP. Foi professor de Jornalismo e Publicidade/Propaganda
na Uninove - Centro Universitário Nove de Julho.
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