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Resenhas


Psicólogo Social da PUC-SP critica em
livro
a cobertura da Folha de S.Paulo
sobre prostituição infantil nos anos 90

Por Alceu Luís Castilho

PROSTITUIÇÃO INFANTO-JUVENIL NA MÍDIA
Estigmatização e ideologia
Leandro Feitosa Andrade
EDUC-Fapesp • 2004 • 256 páginas • 16x23 cm
ISBN 85-283-0281-4 • R$ 35,00

Um livro lançado em São Paulo na sexta-feira coloca em xeque uma cobertura histórica realizada pela Folha de S.Paulo nos anos 90, principalmente em 1992: a da prostituição infanto-juvenil. O pesquisador Leandro Feitosa Andrade, que realizou a obra a partir de sua tese de doutorado em Psicologia Social na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), afirma que houve “estigmatização” dos pobres e das adolescentes retratadas na série de reportagens, “sensacionalismo” e “falta de ética” na cobertura do tema e que os números divulgados na época sobre o número de crianças e adolescentes no País em atividade de prostituição, 500 mil, eram “um delírio”, sem base nenhuma.

Andrade citou especificamente em seu trabalho várias vezes o jornalista Gilberto Dimenstein – 53% das reportagens da Folha sobre prostituição infanto-juvenil no período estudado foram produzidas por ele. O mesmo ocorreu na entrevista concedida na noite de sexta-feira à Agência Repórter Social.

Ouvido pela reportagem no sábado, Dimenstein seguiu uma linha de evitar o confronto com o acadêmico e de defender a realização de sua série de reportagens no início dos anos 90, que culminou na publicação do livro “Meninas da Noite”.

 

 

MENINAS DA NOITE
A Prostituição de meninas escravas no Brasil
GILBERTO DIMENSTEIN
Editora ATICA • 1997
Preço: R$ 23,50

Em relação à suposta falta de ética, que o pesquisador aponta por exemplo na identificação de adolescentes pelo nome e pelo rosto, Dimenstein afirmou que é “um direito dele” dizer isso. “Para mim o importante é que a cobertura gerou preocupação nacional em relação ao tema, que não era discutido no Brasil”, responde o jornalista, membro do Conselho Editorial da Folha.“Eu acho bom que tenha hoje pessoas na universidade discutindo o tema.”

Tema novo

Lançado pela Educ, a editora da PUC-SP, o livro “Prostituição Infanto-Juvenil na Mídia: estigmatização e ideologia” analisou 619 reportagens sobre prostituição publicadas pela Folha entre 1985 e 1995; 223 delas envolvendo crianças e adolescentes.

O pesquisador reconhece que as reportagens publicadas em 1992, que define como uma “campanha de mídia com contornos de cruzada moral”, provocaram um boom de matérias sobre o tema na imprensa brasileira e fizeram o tema entrar na pauta de agenda de políticas públicas, mas considera que o resultado foi uma produção “ideológica”, “que sustenta relações de dominação sobre os pobres”. “As reportagens mais marginalizaram do que ajudaram aqueles segmentos”, afirma Andrade.

“Foi colocado esse tema sem se preocupar com a exposição de rostos e dos nomes das adolescentes, dos locais, dos preços do programa”, aponta o pesquisador. “Houve um enfoque sensacionalista, que não foi ético e criou vários problemas para as adolescentes que apareceram.”

Segundo o autor, também pesquisador da Fundação Carlos Chagas e professor das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), é um erro considerar que a opção pela série de reportagens não teve intencionalidades. “A primeira intenção é vender o jornal. A segunda, atender os seus leitores. E há outros interesses que a gente não sabe. O discurso de denúncia não é ingênuo.”

A conclusão de Andrade sobre a abordagem dada pelo jornal a um tema “novo”, em relação ao qual não havia nada cientificamente produzido, é que foi de “senso comum” e com desrespeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

O pesquisador coloca como exemplo de falta de ética a publicação de uma foto, famosa à época, que mostra uma mulher no mercado Ver-o-Peso, em Belém, com uma placa em suas costas onde estava escrito: “Vendo”. A foto comprada de um fotógrafo e tirada dois anos antes da publicação motivou um selo para a série “Crianças Escravizadas”, que passou a acompanhar as reportagens sobre o tema. Mas não seria de uma menina prostituta.

“A foto foi tirada, sim, dois anos antes, e foi colocada como a de alguém que realmente se comercializava no mercado”, diz Dimenstein. “E dois anos depois se mostrou que ainda se comercializava.”

Para Andrade, a polêmica sobre o caso da foto indica a “despersonalização entre equipe de jornalistas e menina/adolescente identificada como prostituta”. Segundo seu levantamento no doutorado, 100% das reportagens não indicavam a escolaridade das personagens retratadas, entre outras “indeterminações” na caracterização das crianças e adolescentes.

Em relação ao número de supostas 500 mil crianças e adolescentes prostitutas no país, o autor concluiu que não havia base para a “estimativa”.

Resultados

O pesquisador considera que os resultados da reportagem foram mais os de “chama a polícia” e que a lógica foi a de “ideologia de manutenção da desigualdade”. “Tudo é problema da pobreza, houve uma simplificação do problema.”

Andrade diz estranhar o fato de Dimenstein não ter escrito mais sobre o tema após a publicação do livro “Meninas da Noite”. “Qual o interesse que estava por trás? O lançamento do livro”, conclui o professor. O jornalista rebate. “Se eu tivesse de continuar no tema de cada livro meu não faria mais nada”, afirma.

Para Dimenstein, seu objetivo com as reportagens era o de chamar a atenção para um tema que não era discutido no país. “E isso eu consegui.”

O autor de “Prostituição Infanto-Juvenil na Mídia” sugere nas considerações finais do livro um controle do impacto “eventualmente degradante de peças jornalísticas sobre condições de vida de crianças e adolescentes”, por meio da elaboração e respeito a princípios de ética, além dos já existentes.

Entre as 19 propostas de Andrade está a de “evitar a veiculação de peças – texto e imgem – que reforcem o prognóstico de um destino inexorável a partir das condições atuais de vulnerabilidade em que vivem crianças e adolescentes”. Outra das propostas é “garantir que crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade tenham acesso a peças produzidas a seu respeito e que as envolvam, criando condições para que avaliem seu conteúdo e impacto”.

Fonte: Site Comunique-se (07.06.2004).

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