Resenhas
Depois
que acabou : a metáfora da metáfora
Por
Claudio Júlio Tognolli
Depois
que Acabou
Daniela Abade
ISBN:
858816003X
Editora: GENESE
Número de páginas: 160
Encadernação: Brochura
Lançamento: 11.04.2003
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A
idéia do uso das lentes e das metáforas abarcando
pares de óculos não é singularmente nova.
Estará nas biografias do monge Roger Bacon, a quem se
atribui a invenção dos óculos, passará
pela hagiografia filosófica a abarcar Baruch Spinoza
como o mais famoso polidor de lentes.
Chega
mesmo nas metáforas de salvação por meio
da luz, brotando das quase indecifráveis entrelinhas
em que Dante Alighieri revela sua Beatriz ser salva pela luz
bem na época em que a metáfora de progresso
repousava nos experimentos de luz e lentes prodigalizados por
Witelo e Gauss.
Bate,
no século 19, na Luneta Mágica, de Joaquim Manuel
de Macedo, e se instala como um bálsamo contra os bocejos
da razão do romantismo brasileiro lembrando que
o quiçá maior romântico de todos, Edgar
Allan Poe, vindicava o uso da razão métrica onde
todos viam o bater de corações pulsilânimes.
Bem,
nesses vagidos racionais, há quem coloque a undécima
seta da razão naquilo que Platão chamava de fazer
hipóteses sobre as hipóteses pelo que, se
crermos sincero o que Platão vindicava, poderíamos
atingir o que há de mais alto em termos de razão.
E o que isso tudo tem a ver com a escritora Daniela Abade? Tudo,
e muito mais.
Lê-se
no livro oitavo da Odisséia que os deuses nos prodigalizam
situações sem solução para que,
depois, possamos ter o que cantar, como notou Borges.
Daniela Abade, em seu Depois que Acabou (Editora Gênese,
São Paulo), espertamente abarcou séculos de metáforas
oculares para tecer uma outra metáfora, ou seja: uma
metáfora lapidar entre as tantas outras.
Carla,
como herdeira presuntiva da narrativa de Memórias Póstumas
de Brás Cubas, vê-se dilacerada por um caminhão
justamente porque resolveu consertar os seus óculos no
meio de uma rua. A partir daí, a outra metáfora
brotará na narrativa: Carla teve de perder os óculos
terrenos, e a visão sumamente mundana de quem habita
a face da terra, para poder ganhar visões literalmente
de outro mundo numa insidiosa petição estética
de princípios.
O
livro se desenrola sobre esse estratagema: uma metáfora
sobre outra. Não encontrará o leitor um côvado
de tocaias literárias a cada esquina do livro. Que, diga-se
de passagem, é sumamente redondo. Acostumados que estamos
(porque da herança noir) a destecer tramas urdidas com
malandragem, vemos em Depois que Acabou um fairplay cuja beleza
reside na interpretação fenomenológica,
do primado das sensações, sobre fatos aos quais
nós, simples mortais, não captamos a essência
talvez porque mergulhados no óxido da rotina e
no zinabre do ganhar a vida.
Foi
justamente porque a perdeu que Carla vê algo que a própria
vida não se lhe daria. Carla está em todo o lugar,
intui como nunca. E a autora, Daniela Abade, sem querer, justamente
talvez porque o quisesse, cometeu uma singular obra, recheada
daquela citação paulina em que somente quem
se perde a si mesmo conqusita a plenitude do espírito
santo.
Carla,
a personagem, atravessa as páginas reconquistando angulações
da vida. Simplesmente porque não mais a esta vida pertence.
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