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Resenhas


Dois bons livros enriquecem a
bibliografia introdutória sobre
a história do jornalismo no Brasil

 

Por Richard Romancini*

Resenha dos livros O nascimento da imprensa brasileira (Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2003), de Isabel Lustosa, e A modernização da imprensa (1970-2000) (Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2002), de Alzira Alves de Abreu.

O estatuto do texto de "divulgação científica" em ciências humanas é relativo, pois é certo que alguns trabalhos relevantes conseguem dirigir-se, ao mesmo tempo, ao leitor especializado e a um público amplo, dispensando obras deste tipo. Todavia, isso não invalida os esforços no sentido da composição de uma bibliografia em história do jornalismo de "divulgação" - ou seja, livros que se proponham a expor para um público não familiarizado, de modo introdutório, os temas abordados.

Espera-se que obras dessa natureza tenham não apenas um bom e atualizado conteúdo, mas também outras características: concisão, linguagem adequada, didatismo, indicações de leituras de aprofundamento, formato e preço condizentes. Esses aspectos estão presentes em dois livros, editados nos últimos anos, dentro da série "Descobrindo o Brasil" de Jorge Zahar Editor: O nascimento da imprensa brasileira, de Isabel Lustosa, lançado o ano passado, e A modernização da imprensa (1970-2000), de Alzira Alves de Abreu, editado em 2002.

O livro de Isabel Lustosa dá conta do enlace existente entre os nascimentos da imprensa e da própria nação brasileira. Com efeito, a trajetória de Hipólito da Costa, abordada no início do trabalho, é um exemplo da penetração de idéias anti-absolutistas no Brasil, que passam a ter no Correio Braziliense um veículo de expressão. Ainda que Hipólito e outros jornalistas da época não fossem inicialmente favoráveis ao fim da união com Portugal, o clima de maior liberdade em que se vive no Brasil joanino e posteriormente, do qual a imprensa participa de modo decisivo, acabará conduzindo o país à independência.

O jornalismo da independência foi tema de um livro anterior da autora, Insultos Impressos (Companhia das Letras, 2001), onde, com mais detalhes e a partir de pesquisa historiográfica bem conduzida, Lustosa analisou a relação entre o jornalismo e a sociedade da época. Em O nascimento da imprensa brasileira, esta discussão é retomada, com maior brevidade, mas ainda com muita graça - como permitem a escrita fluente da autora e muitos dos episódios descritos: entre outros, o do príncipe que escreve artigos agressivo-humorísticos, o caso do jornalista que edita seu jornal da cadeia, o boticário português tomado como símbolo dos brasileiros ofendidos ou ainda o espancado/indenizado "Malagueta".

Como escreve a autora, no Brasil, a "imprensa se escreve com o 'i' de independência". Em função do papel da imprensa no contexto da Independência e nos momentos imediatamente posteriores, aspecto bastante evidenciado pelo livro de Lustosa, pode-se dizer que a atuação dos jornais espelha momentos decisivos da formação do país, em seus primeiros anos. Não por acaso, a autora finaliza o texto, notando que foi nesse momento da história brasileira que a política e a imprensa "se confundiram de forma mais radical".

O período histórico recente e a abordagem mais sociológica do trabalho tornam a contribuição de Alzira Alves de Abreu obviamente diferente da de Lustosa. No entanto, existe aqui também a mesma preocupação com a clareza e a síntese do trabalho comentado. Dessa forma, A modernização da imprensa irá apresentar uma série de tópicos relevantes para a compreensão da "modernização" do jornalismo brasileiro e as conseqüências desse processo, que influencia a imprensa até hoje.

A autora inicialmente contextualiza esta mutação, apresentando experiências de modernização precursoras dos anos 50 e 60, como as do Última Hora e do Jornal do Brasil. A seguir, discute o impacto do regime militar de 1964 na imprensa, aspecto em parte contraditório, pois se os militares procuram controlar a informação, também financiam a modernização material-tecnológica dos jornais (o que, como nota Abreu, também configurava uma tentativa de controle sobre as empresas de comunicação).

Esta modernização material e nos processos de produção (com a introdução dos computadores, por exemplo) teve contrapartidas importantes em termos de uma modificação nos modos de relacionamento com o público e também no perfil profissional dos jornalistas e em suas rotinas e produtos. Em outros termos, a "modernização" da imprensa apresentou diferentes facetas que, contudo, sempre conduziram o jornalismo brasileiro a entender-se sobretudo como um negócio capitalista.

A análise da autora descarta um tom de "denúncia" dessa situação; procura, sim, entender esse processo e seu significado nas diferentes esferas abordadas. É claro, que a autora não deixa de apontar pontos negativos, mas também nota aspectos positivos ou ambivalentes das inovações técnicas e da concorrência que se estabelecesse entre os jornais. Este último aspecto, por exemplo, poderia ser útil para tornar o poder mais transparente, no entanto, tem levado os jornais a serem principalmente cada vez mais parecidos.

Outros aspectos interessantes do trabalho de Abreu são a descrição do perfil atual dos jornalistas - mostrando o avanço profissional das mulheres e a profissionalização da categoria -, a discussão sobre a deformação do jornalismo investigativo que resulta em "denuncismo" e o papel da Internet no jornalismo brasileiro.

Em resumo, os livros de Lustosa e Abreu são dois trabalhos sérios e importantes para a compreensão do papel social do jornalismo no Brasil e de sua história. Somam-se a, infelizmente, poucas outras obras com a mesma preocupação introdutória e de síntese, como os livros da série "Princípios", da editora Ática, sobre a imprensa operária, feminina e alternativa, editados a mais tempo.

*Richard Romancini é doutorando na ECA/USP.

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