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Resenhas


A construção do conhecimento comunicacional

Por Marcelo Januário*

A trajetória de José Marques de Melo se confunde com a consolidação dos estudos avançados em comunicação no Brasil, seja por sua posição privilegiada de testemunha ocular da história, já que viveu a maior parte dos fatos relatados, seja pelo papel central que assumiu na constituição da comunidade comunicacional acadêmica nacional e na legitimação institucional deste campo de trabalho.

Esta provavelmente é a primeira constatação que se depreende da leitura da "História do Pensamento Comunicacional", seu mais recente livro, onde o autor realiza extenso inventário dos cenários e personagens (como divide a obra), nos últimos trinta anos de consolidação dos estudos em comunicação no país. Esse esforço se estende à tentativa de traçar um histórico mais amplo, que inclui as sistematizações do século XIX, passando pela origem da retórica no período clássico grego e pelas experiências medievais no século XVII.

Centrado na comunicação, mas com destaque para o jornalismo (área de origem do autor alagoano, que também é professor universitário, pesquisador e consultor acadêmico), o livro funciona como um guia dos estudos da área no Brasil e na América Latina, resgatando a dinâmica que engendrou as instituições de comunicólogos e seus autores paradigmáticos. Coletânea de prefácios, comunicações, perfis, resenhas, conferências, artigos, discursos e alocuções desenvolvidos através do tempo, em diversas publicações e países, o livro transmite o calor da empreitada por reconhecimento, consolidação e divulgação da criatividade e originalidade de nosso conhecimento comunicacional, levada a cabo por Marques de Melo e outros pesquisadores de sua geração.

Este é, inclusive, o ponto-chave do pensamento do autor e propósito da obra, que reitera o objetivo de "mapear a Comunicação enquanto campo de conhecimento" ao passo que combate a síndrome de "coitadismo e derrotismo" (complexo do colonizado) de alguns dos acadêmicos tupiniquins, desde sempre deslumbrados com as idéias e soluções "forâneas" mimetizadas em nossa produção intelectual.

Justamente para fortalecer a auto-estima de nossos pesquisadores e preservar a nossa identidade cultural, Marques de Melo reconstrói o desenvolvimento do discurso científico e as transformações dos meios comunicacionais, procurando trazer à tona as evidências históricas que permitem vislumbrar a gênese de nosso singular "olhar mestiço". No primeiro capítulo da parte I, Marques de Melo retoma a tese de seu primeiro livro, onde discute o campo da comunicação (dividido em interpessoal, da antigüidade até o enciclopedismo, e massivo, a partir dos primeiros jornais diários alemães no século XVII até nossos dias), partindo do areópago aristotélico, fonte codificadora da retórica política, para chegar à Roma de Cícero e Quintiliano. Esboça o desenvolvimento do discurso como persuasão e traça as linhas congêneres que unem política e a retórica no consenso coletivo.

A habilidade comunicacional, mais tarde e por muito tempo, silenciaria no rumor das batalhas da Era Cristã, teatro de forças que imperavam sobre qualquer argumento. Segundo o autor, somente na era das revoluções é que a retórica retornaria ao centro da vida pública, tornando-se preponderante no início do século XX, quando emerge como técnica científica ancorada nas novas ciências do comportamento, como a psicologia. Como marcos deste processo retórico, embrião dos mass media, o autor destaca a invenção da imprensa no século XV (potencialização) e a invenção das rotativas no século XIX (concretização).

O autor ressalta o "Paradigma de Lasswell" como emblemático da retomada, no século XX, da tradição greco-romana, rompendo, porém, com a centralidade do discurso, interlocutor e ouvinte aristotélico para um contexto sócio-político de canais, comunicadores, conteúdos e efeitos. Neste cenário, a comunicação política se consagra como a arte da influência em uma conjuntura de fortalecimento do poder dos EUA (ainda hoje em vigência) e ocorre o aprofundamento da reflexão sobre a natureza das novas técnicas de artifícios psicológicos.

A Guerra Fria que se segue traz o maior volume de conhecimento sobre o campo, legitimando de vez estudos comunicacionais como os de Lasswell, Lerner, Berenson & Janowitz, Katz e outros, imersos em temáticas como memória de campo, comunicação bélica, utópica e utilitária, tendo como foco o suporte dos canais tecnológicos. Neste contexto, comunicação e política se tornam "almas gêmeas", simbiose sombria e explosiva que parece não mais se desfazer, como pudemos observar desde então.

Como conclusão, no entanto, a constatação de que, na era do Ciberespaço, a dinâmica da mídia sobrepõe-se à esfera política, gerando uma "crise de identidade" mais próxima dos pensadores gregos do que dos pensadores da comunicação política do século XX.

Apesar de formada por textos temporalmente distantes entre si, a obra segue uma linha de coesão explicativa. Sempre através das principais fontes bibliográficas, após contextualizar seu objeto, Marques de Melo passa a esmiuçar os conceitos de comunicação, sua natureza e a relação com tecnologia e cultura. O capítulo "A natureza do conhecimento midiológico" localiza a origem da comunicação como novo campo de saber na confluência de fatores industriais, profissionais e cívicos, da troca de experiências práticas e teóricas e da definição como ciência social aplicada.

Desde a origem dos estudos e do ensino sobre a imprensa no século XIX até a irrupção das novas mídias massivas no decorrer do século XX, os objetos comunicacionais tiveram que passar pela legitimação empírica e pela assimilação universitária até chegarem ao reconhecimento acadêmico.

Nos anos 70, o campo institucional da comunicação se estabelece na América Latina e aparecem novos espaços de pesquisa. O hibridismo teórico e a superposição metodológica marcaram essas produções embrionárias do pensamento comunicacional brasileiro. Marques de Melo divide a Escola Latino-Americana de Comunicação (ELACOM) em três gerações: os pioneiros (anos 50/60), os inovadores (anos 70) e os renovadores (anos 80), quando se configura uma verdadeira Comunidade Acadêmica. Para o futuro, o autor adverte que o maior perigo para a ELACOM é o "reprodutivismo", vício intelectual sobre o qual o autor invoca Paulo Freire e sua teoria da "aderência ao opressor", ademais foco constante na luta pelo monopólio científico.

Instituições pioneiras como ALAIC e CIESPAL viriam "corrigir distorções e melhorar o desempenho das organizações produtoras de bens simbólicos". Marques de Melo destaca o enredamento público destes agentes, que "estavam mais comprometidos com o interesse público e menos sensibilizados pelos interesses corporativos dos capitães do sistema produtivo". Devido a estas propostas heterodoxas, que resgatam o diferencial latino-americano ao apresentarem propostas de estudos para sanar o "déficit cognoscitivo e contribuir para melhoria da vida do povo", tais instituições foram duramente combatidos na academia e fora dela.

Em "Identidades Brasileiras" (tópico 3 do capítulo 1), Marques de Melo já no título evoca Néstor García Canclini, outro pesquisador das lógicas do desenvolvimento latino-americano, ao vislumbrar as "Estratégias para sair do Gueto Acadêmico". Tal capítulo delineia a definição (Schramm) da comunicação como "processo social básico", com amplitude cognitiva e pluralidade metodológica específica. Esta definição implica, portanto, em não considerar a comunicação como "campo exclusivo" de estudos dos comunicólogos, mas sim de qualquer disciplina relacionada com a sociedade e o comportamento humano.

Talvez devido a esta característica de praticidade e interdisciplinaridade, infere o autor, os primeiros cursos atuassem como instâncias de formação profissional, só mais tarde adquirindo a tendência de "experimentalismo" ou de "pesquisa aplicada". Porém, conclui, a imposição de currículos e o fosso entre cursos e profissão acabaram mesmo por reprimir as demandas locais e regionais.

Esta vocação para a interdisciplinaridade, o perfil multifacético e o aparecimento de novas subáreas (resultantes da fusão entre indústria de serviços e telemática) pressupõem a articulação de complexos blocos cognitivos na formação dos profissionais, como conceitos comunicacionais, processos midiáticos e conteúdos culturais, preferencialmente sempre em gravitação no entorno local/regional.

No capítulo 2, a obra abrange em seu primeiro tópico a gênese e o desenvolvimento da Escola Latino-Americana de Comunicação (ELACOM). Com a tarefa de preservação da memória de seus pensadores, o ganhador do Prêmio Wayne Danielson de Ciências da Comunicação de 1997 descreve o panorama histórico dos cinqüenta anos de pesquisa na América Latina a partir de suas origens em ambientes tipicamente profissionais, das pesquisas de sondagem eleitoral feitas pelo IBOPE desde 1942 e do lançamento em 1946 do primeiro ensaio sistemático sobre imprensa e jornalismo.

São estudos voltados para formação da consciência política do cidadão e incluem núcleos como o CEREN (Chile), ILET (México), ININCO (Venezuela), CELADEC (Peru), Centro Gumilla (Venezuela) e CEMEDIM (Cuba), produzindo trabalhos de perfil civilista com forte influência da teologia da libertação, dos postulados estruturalistas, do funcionalismo americano e, principalmente, da teoria crítica negativista da Escola de Frankfurt.

Após este período, já nos anos 80, ocorre a desideologização e progressivo desaparecimento destas instituições, resultado da crise de paradigmas das esquerdas e do papel decisivo do mercado. Tais correntes são substituídas, nos cursos de pós-graduação, pelas emergentes e importadas teorias pós-modernas, semióticas e neoliberais. O autor demonstra como as construções científicas autóctones, entretanto, persistem em seu hibridismo teórico e metodológico, lutando contra os modismos e preconceitos teóricos e se expandindo, a partir da relativização territorial das fronteiras nacionais.

A participação brasileira neste processo, como destaca Marques de Melo, é de fundamental importância. Para ilustrá-la, o autor inventaria o universo da comunicação no Brasil, listando escolas, trabalhos, segmentos, número de estudantes, docentes, revistas, associações e entidades (em ciência aplicada, fenomenologia e teoria), que indicam a vitalidade da comunidade brasileira de comunicólogos.

O autor conclui que os intercâmbios entre universidades, fundações e institutos de pesquisa diversos propiciaram tal estágio avançado de nossa comunidade acadêmica.

No tópico 2 do segundo capítulo, o autor abrange a simbiose entre Política e Comunicação Massiva na América Latina, cuja população, "amordaçada" desde a colônia, sofre um bloqueio simbólico e onde os meios comunicacionais são censurados por seu potencial político revolucionário. Marques de Melo descreve a infiltração da política na mídia massiva como uma "síndrome do espelho", uma situação de dominação e conquista do poder, que só seria parcial e provisoriamente atenuada quando do aparecimento dos meios eletrônicos, considerados inofensivos de início.

Neste contexto, a dimensão política passa a ocupar papel central na pesquisa latino-americana, superando análises sobre outras variáveis como cultura, tecnologia ou psiquismo. Marques de Melo inventaria tal produção (novamente dividida em comunicação histórica, bélica, utópica e utilitária) sobre a comunicação política, que invariavelmente utiliza uma retórica apocalíptica para abordar o papel da comunicação de massas na sociedade capitalista, gerando desdobramentos temáticos como luta de classes, resistência comunicacional, conflitos raciais, genocídio cultural, censura, militarismo, dominação ideológica e outros.

O balanço do autor neste tópico esboça uma perspectiva diacrônica (que nos anos 60 e 70 evidencia-se por uma atuação coletiva e democratizante e nos anos 80 por uma atuação inorgância e instrumentalizadora) e sincrônica (indicada por características de atomização, defasagem e assimetria dos estudos). A presença do Brasil no cenário da ELACOM é aprofundada no capítulo seguinte. No século XIX, quando as imprensas nacionais se distanciam dos padrões hegemônicos europeus ocorre o início da produção autóctone latino-americana, que apenas se consolida na segunda metade do século XX. O autor localiza na teoria da dependência e na teologia da libertação as matrizes ideológicas que definem esta identidade autônoma.

Como destacado anteriormente, o processo passa por uma geração de pioneiros, inovadores e renovadores, esta última obstruída em sua época pelos regimes autoritários da região (diáspora intelectual). Nos anos 90, as três gerações finalmente se encontram no I Congresso Latino-Americano de Ciências da Comunicação, promovido pela ALAIC, culminando sua trajetória histórica como organismo multifacetado e confirmando sua vitalidade nos "continuadores" que ali emergem.

De fato, o conhecimento especificamente brasileiro se caracteriza, de acordo com Marques de Melo, pela diversidade temática e pela pluralidade genealógica. O autor indica que a influência brasileira seria ainda maior na ELACOM não fosse a barreira lingüística que nos separa dos hispano-americanos. No entanto, o intercâmbio e a projeção do pensamento comunicacional brasileiro têm crescido graças à nossa capacidade de inovação, "hibridizando signos, mesclando conteúdos, rompendo bloqueios cognitivos".

Como representantes da maturidade e singularidade de nosso pensamento comunicacional e como reconhecimento de importância acadêmica, o CELACOM 2000 escolheu as trajetórias intelectuais de Décio Pignatari (pioneiros), Muniz Sodré (inovadores) e Sérgio Caparelli (renovadores) como autores emblemáticos para resgate crítico. Na seqüência, Marques de Melo elabora um "Roteiro para uma História das Ciências da Comunicação no Brasil", apontando como pano de fundo as "convergências e tensões entre saberes profissionais, pragmatismo empresarial, estratégias governamentais e investigação acadêmica". Inicia definindo como marco fundador do estudo sistemático dos fenômenos comunicacionais a tese de doutorado sobre jornalismo de Tobias Peucer, defendida na Alemanha em 1690, e como ponto culminante o breve século XX nos EUA, quando os estudos são acolhidos pela universidade e valorizados pelo sistema empresarial e pelo governo.

A constituição da comunidade acadêmica mundial nesse ramo se dá após a II Guerra Mundial, com a fundação da IAMCR em 1957, num quadro que gerou uma tensão crescente entre os "saberes profissionais e a reflexão crítica dos processos midiáticos" e que se esgotaria agora, com a sociedade global de informação. No Brasil, ensina Marques de Melo, o campo se iniciou há mais de 50 anos, com as primeiras escolas de jornalismo, e se ampliou com um perfil híbrido (acadêmico e profissional) nos anos 60, com a incorporação de novos segmentos e o início de atividades regulares de pesquisa.

O autor divide a história das ciências da comunicação no Brasil em cinco fases, das quais faz um resgate detalhado: Desbravamento (1873-1922), imprensa como objeto de pesquisa de intelectuais; Pioneirismo (1923-1946), empirismo com argumentação jornalística; Fortalecimento (1947-1963), primeiros cursos universitários; Consolidação (1964-1977), apogeu da indústria cultural; e Institucionalização (1978-1997), intercâmbio de pesquisadores e formação da comunidade acadêmica. Ainda mergulhados nesta última fase, enfrentamos o dilema da busca de fortalecimento de uma identidade própria e autônoma para nossa incipiente comunidade de pesquisadores, que ainda assim permanece entre os líderes da comunicologia mundial, ao menos em termos quantitativos.

Sobre a formação da comunidade acadêmica de Portugal, país pioneiro na assimilação das inovações tipográficas, mas o último a criar escolas de jornalismo (o fez apenas em 1979, após o ciclo autoritário de Salazar), Marques de Melo dedica o segundo tópico do capítulo 3. Nele, destaca a explosão e diversificação dos estudos nas universidades portuguesas, orientados para aspectos teóricos do campo e para a formação de recursos humanos. Em 1997, ocorre o rompimento do isolamento desta comunidade, após o I Encontro Lusófono de Ciências da Comunicação, onde a delegação brasileira marcou forte presença e que gerou diversos outros encontros. Marques de Melo observa que, com comunicações ainda situadas no terreno do ensaísmo e reduzidas incursões no terreno empírico, os portugueses demonstram um afã crescente pelo reconhecimento na sociedade civil, sugerindo um desejo de "queimar etapas na legitimação social da nova comunidade acadêmica".

Em seguida, é analisado o papel da INTERCOM na legitimação do campo comunicacional. Após 25 edições, os encontros anuais da INTERCOM representam a inserção de todas as regiões brasileiras no mapa da comunicação e assinalam a maturidade quantitativa da comunicação no Brasil. Além disso, o diálogo com as Américas e países europeus é potencializado pelo intercâmbio acadêmico através de colóquios.

Os encontros crescem a cada ano em número de inscritos e trabalhos apresentados, respaldados por eventos paralelos de grande importância que atestam a "sedimentação do campo comunicacional na sociedade brasileira". Na pauta destes encontros, por exemplo, temos estudos sobre o ciberespaço, práticas de leitura, o futuro da mídia impressa e as novas perspectivas abertas pela informática. Marques de Melo assinala que agora é necessário transformar "quantidade em qualidade".

O tópico 4 traz a recente cooperação acadêmica luso-brasileira. A profissionalização da área é destacada pelo autor como ponto de partida para as "atividades universitárias nos campos do ensino e da pesquisa da comunicação" entre os dois países. Os contatos diretos evoluíram com a criação do PORTCOM. A partir daí, o intercâmbio de cooperação intelectual se desenvolveu e nos anos 90 diversas iniciativas e encontros consolidaram a experiência luso-brasileira, podendo-se prever que a comunidade lusófona conquistará a liderança global no Campo das Ciências da Comunicação (já é o segundo produtor de conhecimento midiático no mundo contemporâneo). (Uma curiosidade neste tópico: o fato de Marques de Melo ter um texto seu escrito em português traduzido em Portugal a partir de uma edição espanhola).

Em "Conhecimento Midiático Brasileiro. Estudos de Mídia: Identidades e Fronteiras", Marques de Melo organiza um projeto temático comparativo para delinear as fronteiras geoculturais e sócio-científicas que marcam o sistema midiático brasileiro na conjuntura histórica da globalização. A meta é construir uma memória da midiologia brasileira e compreender as singularidades gnosiológicas da Comunicação.

Para isso, o autor faz uma extensa revisão da literatura científica, reconstrói sua trajetória acadêmica e detalha os objetivos do projeto: "inventariar criticamente os processos de produção e difusão do saber midiático construído no Brasil" (através da análise da memória midiológica brasileira e da difusão dos paradigmas da ELACOM) e "estudar fenômenos conjunturais inerentes aos sistemas midiáticos brasileiros na transição milenar, procurando compreender como as nossas organizações produtoras de bens simbólicos massivos articulam identidades globais/nacionais/regionais" (através da análise das identidades midiáticas brasileiras e dos processos midiáticos religiosos).

Finalizando a primeira parte, o "desafio da renovação" resgata a gestação, as características e desafios da INTERCOM como principal entidade no país a buscar "pluralismo teórico, diversidade metodológica e liberdade de expressão" nos estudos sobre comunicação. Com marcas como o internacionalismo acadêmico e a cooperação profissional, a INTERCOM tem como meta "constituir um corpus cognitivo vocacionado para respaldar a formação dos profissionais da mídia nos cursos superiores mantidos pelas universidades em todo o país". As estratégias adotadas para tanto foram os encontros anuais (estímulo à crítica coletiva), canais de difusão periódica do saber acumulado (fomento aos paradigmas factíveis de assimilação e reprodução crítica pelas novas gerações) e espaços de interlocução acadêmica (mobilização das emergentes comunidades regionais).

O maior desafio, no entanto, é "a nucleação dos associados em torno de objetos de pesquisa ou de áreas de interesse cognitivo". Isto porque a atenção dos pesquisadores ainda gira em torno dos modismos internacionais (charco exógeno) e das hegemonias conjunturais. Três tentativas já foram realizadas (grupos de estudos no final dos 70, grupos de trabalho em meados dos 80 e núcleos de pesquisa no final dos 90), e a grande responsabilidade, assevera Marques de Melo, é "a sistematização do acervo cognitivo aplicado nas indústrias midiáticas, ou estocado nas habilitações profissionais legitimadas pela academia e nas disciplinas conexas das ciências humanas e das tecnologias, construindo um corpo teórico capaz de se tornar evidente, fortalecendo o pensamento comunicacional brasileiro".

Só assim nossas "vanguardas universitárias" perderiam seu complexo de vira-lata.

Na parte II do livro, "Personagens", Marques de Melo recupera os primeiros indícios de estudos científicos sobre os fenômenos comunicacionais na América Latina, o denominado "ciclo precursor", e traça o perfil intelectual dos cientistas basilares no Brasil, na América Latina e nos EUA. Para isso, inventaria os registros pioneiros no século XIX e início do século XX, na Argentina, Bolívia, Colômbia, Chile e Brasil. Enumera algumas das primeiras pesquisas brasileiras sobre a imprensa, editadas na primeira tipografia oficial brasileira: a Impressão Régia, instalada por D. João, Regente de Portugal, ainda no início do século XIX.

Sobre o cenário brasileiro, o autor adota como referência para o início da moderna bibliografia comunicacional a publicação, em 1946, da obra de Carlos Rizzini, "O livro, o jornal e a tipografia no Brasil", que é lançada paralelamente à inauguração das primeiras instituições universitárias nacionais nessa área, como a Escola de Jornalismo da Universidade do Brasil (1946), hoje UFRJ. Outras escolas apareceriam nos anos 60, como a Faculdade de Comunicação de Massa em Brasília (UnB, 1963), o Instituto de Ciências da Informação em Recife (Unicap, 1963), a Escola de Comunicações Culturais em São Paulo (USP, 1966) e o Centro de Pesquisa da Comunicação Social, também em São Paulo (Faculdade Cásper Libero, 1967).

As primeiras sociedades de pesquisadores surgiriam na década de 70, como a ABEPEC (1972) e a INTERCOM (1977), e seriam seguidas nas décadas seguintes por novos organismos corporativos, como a ABECOM (1984) e a COMPÓS (1991). A década de 90, aliás, é destacada por Marques de Melo como o momento de projeção da produção brasileira, que desperta o interesse de entidades como a IAMCR e a ALAIC, que aqui realizam encontros de intercâmbio.

Marques de Melo reafirma a necessidade da construção de uma "arqueologia intelectual", através do desenvolvimento de um banco de dados que delineie a gênese do núcleo em consolidação e mapeie constantemente a memória dos seus precursores. Para fomentar a discussão das principais tendências teóricas e metodológicas aqui desenvolvidas, Marques de Melo lança a idéia de um "diagnóstico situacional", que serviria de ponto de partida para a montagem de um perfil detalhado de nossa comunidade acadêmica.

O desafio de construir biografias dos cientistas e personalidades marcantes é levado a termo junto à Cátedra Unesco de Comunicação para o Desenvolvimento Regional, instalada na Faculdade de Comunicação e Artes da Universidade Metodista de São Paulo e que inspirou o projeto-piloto. O autor assim esquematiza a pesquisa: Grupo Gaúcho (divididos em "desbravadores", "sedimentadores" e "continuadores"); Grupos do Centro-Oeste (onde foi implantado o primeiro programa de pós-graduação do país) e Grupo de São Bernardo (três gerações de perfil vanguardista e integracionista que privilegiam o dialógico, o popular e o alternativo). Vale ressaltar que, talvez por estar ligado à (e à frente da) Metodista quando da preparação do livro, Marques de Melo descreve com minúcias os projetos científicos desta instituição, como a significativa rede nacional de pesquisadores voluntários e o Acervo do Pensamento Comunicacional Latino-Americano.

Nesta linha de resgate da memória, Marques de Melo passa então a descrever alguns dos mais significativos pioneiros dos estudos de comunicação no Brasil e no mundo. Como precursor da teoria brasileira de comunicação, destaca Frei Joaquim do Amor Divino, o Frei Caneca (1779-1825), mítico personagem que incorpora o perfil de herói mestiço em nossa história republicana, além do papel desbravador dos padres Anchieta e Vieira. Sobre a obra retórica e as reflexões político-filosóficas de Frei Caneca, o autor registra o "pragmatismo utópico" e o "ideário iluminista", configurados a partir dos paradigmas aristotélicos reelaborados por Quintiliano.

Muito tempo depois, o clamor por um curso específico de jornalismo, feito em 1918 durante o Primeiro Congresso Brasileiro de Jornalistas, só foi atendido em 1947 com a criação da Escola de Jornalismo Cásper Líbero, em São Paulo.

Pouco antes, houve a primeira Cátedra de Jornalismo do Brasil na Universidade do Distrito Federal, implantada por nosso primeiro catedrático, Pedro da Costa Rego Filho (1889-1954), jornalista, político e intelectual alagoano que, segundo o autor, está indevidamente esquecido em nossos dias. Marques de Melo efetua uma análise da conjuntura e revela o papel crucial deste precursor em pleno Estado Novo.

Outro pioneiro, porém dos estudos midiáticos, Carlos Rizzini (1898-1972) recebe de Marques de Melo o tratamento de um prático que migrou para a academia e lançou as bases da nova disciplina comunicacional. Carioca por adoção, mas paulista por nascimento, Rizzini emerge do texto de Marques de Melo em toda sua importância de jornalista, professor e pesquisador autodidata, que nos legou o modelo profissionalizante e prático do ensino do jornalismo desde então adotado em algumas escolas de nosso país, como a ECA.

Já Luiz Beltrão de Andrade Lima (1918-1986) se evidencia no contexto da literatura comunicacional brasileira por ter criado a Folkcomunicação, comunicação em nível popular através do folclore. Desde 1997, Beltrão é homenageado com a atribuição anual do Prêmio Luiz Beltrão de Ciências da Comunicação, da INTERCOM, que reconhece o valor do fundador do primeiro centro nacional de pesquisas acadêmicas sobre comunicação, o ICINFORM, criado por ele em Recife em 1963.

Além de criar a primeira revista científica brasileira dedicada a temas comunicacionais (Comunicações & Problemas), foi também o primeiro Doutor em Comunicações diplomado no Brasil. Seus estudos trouxeram para a arena investigativa o público marginalizado urbano e rural e foram os primeiros no Brasil (a partir de desdobramentos da hipótese de Lazarsfeld e Katz) a refutar a idéia de onipotência midiática. Com a tese mais original das contribuições brasileiras à teoria da comunicação, Beltrão foi prejudicado e censurado pela conjuntura política em sua época, porém na atualidade seu pensamento se expande por todos os países lusófonos e América Latina.

Após estes autores paradigmáticos brasileiros, a obra destaca alguns pesquisadores internacionais, iniciando por Raymond Nixon (1903-1997), mestre de Marques de Melo nos EUA e um dos artífices da comunidade internacional dos midiólogos. Esteve presente na criação da IAMCR, sociedade mundial de estudiosos dos fenômenos da comunicação de massa, e de outras entidades. Pesquisador dos fenômenos noticiosos e das suas conexões com as estruturas do poder, Nixon dedicou-se ao estudo da liberdade de imprensa no mundo contemporâneo. Fascinado pela América Latina, muito contribuiu para o desenvolvimento do ensino na região, sendo inclusive que o acervo de jornais do mundo todo que doara ao Museu da Imprensa acabou destruído durante a ditadura militar brasileira, por suspeitas de subversão em seus conteúdos internacionais.

Da contemporaneidade, emerge outro inovador da escola norte-americana. Elihu Katz rebateu as teses apocalípticas que "atribuíam aos meios de comunicação um papel determinante na formação das consciências individuais e nas tendências da opinião pública". Formulou a teoria dos usos e gratificações, que demonstrava o papel ativo de recodificação das mensagens pelas audiências massivas. Posteriormente, pesquisou os fluxos dos espetáculos midiáticos ("a mídia rouba à sociedade o sentido de ocasião") e escreveu também sobre as potencialidades da televisão educativa no Brasil. Como o próprio Marques de Melo, recebeu o Prêmio Wayne Danielson, na edição de 1996.

Da Escola Latino-Americana, que corre o risco de ser esquecida em sua própria região, o autor destaca o boliviano Luiz Ramiro Beltrán, com estudos reconhecidos mundialmente (mas patrulhados no próprio continente), que ressaltam a singularidade do pensamento comunicacional latino-americano ("via mestiça de análise") e contribuem para a formulação das Políticas Nacionais de Comunicação.

Quanto a Jesús Martín-Barbero, Marques de Melo o insere como o maior inovador da Escola Latino-Americana de Comunicação. Suas análises da hibridização criativa entre mídia massiva e cultura popular e sobre as mediações utópicas são atualmente postulados internacionalmente reconhecidos. Para quem não conhece tais postulados, seu conceito de mediação fica patente em escritos como "De los medios a las culturas", cujo foco é a análise das transformações da sensibilidade e dos modos de percepção que surgem nas massas em função da técnica.

Por fim, o tomo traz breve perfil intelectual do autor, insuficiente e incompleto para dar conta de uma existência inteiramente dedicada à consolidação do conhecimento em comunicação no Brasil e na América Latina, exemplo de persistência, coerência e capacidade intelectual para as novas gerações. Primeiro Doutor em Jornalismo do país, Marques de Melo se confunde com a história desta disciplina em nossas terras e teve a rara satisfação de ser mundialmente reconhecido em vida, objeto que é de inúmeras homenagens. Seu fôlego de educador, no entanto, parece não se esgotar, assim como sua missão de artífice do conhecimento comunicacional, que ainda nos legará muitos outros trabalhos, sempre voltados para o fortalecimento da cidadania e para a independência do pensamento.

Apesar da disparidade de épocas e contextos em que os textos foram escritos, o que poderia resultar em uma obra desigual, e da repetição inevitável da estrutura temática, pela natureza cíclica dos escritos reunidos, o livro possui uma fluidez ímpar e abrangente, que revela ao pesquisador iniciante parte considerável de tudo o que se pensou em comunicação no Brasil, restando a ele, leitor, a sensação de felicidade por compartilhar da contemporaneidade de Marques de Melo e o estímulo intelectual necessário para contribuir com uma luta tão genuinamente brasileira e sincera.

Esta resenha, portanto, não tem o intuito de esgotar com breves comentários e resumos a amplitude e riqueza de uma obra construída ao longo de mais de três décadas de reflexão, mas somente de apresentá-la aos novos pesquisadores e estimulá-los à sua leitura indispensável.

Afinal, como o autor escreve na página 270, "o imperfeito concretizado é melhor que o impecável arquivado".

*Marcelo Januário é jornalista e mestrando na ECA/USP.

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