Notícias
20/08/2004
Brasil: Jornalista admite erro
em matéria que derrubou político
Por
Centro Knight para o Jornalismo nas Américas
Um
jornalista reconheceu erros em uma matéria escrita há
mais de dez anos que contribuiu para a cassação
do então presidente da Câmara dos Deputados. A
matéria dizia que uma comissão de inquérito
parlamentar teria descoberto uma movimentação
excessiva nas contas do político, informou a revista
IstoÉ.
O
jornalista Luís Costa Pinto disse ao ex-presidente da
Câmara Ibsen Pinheiro que teria recebido informações
incorretas de uma fonte. Costa disse ainda que a revista Veja,
para que trabalhava na época, teria identificado o erro
mas decidido manter a versão incorreta. A IstoÉ
publicou o texto de mea-culpa que o jornalista enviou a Ibsen,
além de entrevistas e comentários sobre erros
no jornalismo. A Veja publicou uma resposta
à matéria e atribuiu os erros à comissão
parlamentar.
A
versão da Isto é
A verdade aparece
Onze anos depois
de ser cassado, Ibsen Pinheiro descobre que mau jornalismo provocou
seu martírio
Por Weiller Diniz
Sentindo-se
vítima de denúncias contra os presidentes do Banco
Central, Henrique Meirelles, e do Banco do Brasil, Cassio Casseb,
além do tesoureiro do PT, Delúbio Soares, o governo
resolveu atacar a liberdade de imprensa: propôs ao Congresso
a criação de um Conselho Nacional de Jornalismo
para fiscalizar e punir jornais e jornalistas. Mas uma revelação
de um repórter em artigo enviado para o livro a ser lançado
pelo ex-presidente da Câmara Ibsen Pinheiro (PMDB-RS)
mostra que a descoberta da verdade independe de mecanismos repressivos.
Em
1992, Fernando Collor teve seu impeachment aprovado pelo Congresso.
Um ano depois foram cassados parlamentares por corrupção
na célebre CPI do Orçamento. No centro dos dois
casos estava Ibsen. Político em franca ascensão,
ele comandou a sessão que abriu o caminho para o impeachment.
Um ano depois, enfrentou um calvário que culminaria em
sua cassação, escudada em uma acusação
de envolvimento com a Máfia do Orçamento.
Passada
uma década surge uma revelação que obriga
a revisão da história. O jornalista Luís
Costa Pinto (Lula), à época editor da revista
Veja em Brasília, decidiu contar os bastidores
da reportagem de capa de sua autoria, em novembro de 1993, onde
afirmava que a CPI descobrira que Ibsen movimentou US$ 1 milhão
em suas contas. O relato acusa Waldomiro Diniz, então
assessor do atual ministro José Dirceu (PT-SP), de ter
vazado uma falsa prova. Além de confessar
um erro, Costa Pinto revela detalhes da história que
foi decisiva para incinerar Ibsen. Junto com o mandato, o ex-presidente
da Câmara perdeu dez quilos e tempo indagando os motivos
de sua ruína política. IstoÉ o procurou
para falar de seu livro e teve acesso ao artigo de Costa Pinto.
 |
Em
1992, Ibsen comanda os trabalhos que levaram à
renúncia de Collor: no auge
|
Em
novembro de 2000, Ibsen almoçou com o jornalista na Churrascaria
OK, em Curitiba, quando soube dos bastidores. A CPI do
Orçamento caminhava para um desfecho melancólico,
pois só ia cassar deputados do chamado baixo-clero
(...). Foi nesse ambiente que se perpetrou um dos grandes erros
jornalísticos contemporâneos, contou Costa
Pinto, no artigo que depois enviou a Ibsen. Este depoimento
é seu e pode ser usado da maneira que você quiser,
escreveu no e-mail.
Trata-se
de um raro mea-culpa em 2.804 palavras que dá pormenores
e nomes. Costa Pinto conta que em novembro de 1993 foi procurado
por uma figura que ficaria famosa dez anos depois: Waldomiro
Diniz, assessor da CPI e já então braço
direito dos parlamentares petistas José Dirceu e Aloizio
Mercadante. Pegamos o Ibsen, disse Waldomiro. O
depoimento de Costa Pinto, hoje consultor do presidente da Câmara,
João Paulo Cunha (PT-SP), revela uma coragem incomum
em desnudar um fato já sepultado na memória. Mostra
também como Waldomiro vazava sigilos para incriminar
investigados. A morte política de Ibsen tirou do caminho
um forte candidato à Presidência. O PMDB se dividiu,
mas na eleição de 1994 Lula acabou superado por
Fernando Henrique Cardoso, após a edição
do Plano Real.
Versão
mantida O jornalista conta que a revista identificou
o erro nas contas de Waldomiro: não seria US$ 1 milhão,
mas apenas US$ 1 mil. Como a edição estava praticamente
fechada relembra Costa Pinto , o editor-executivo,
Paulo Moreira Leite mandou encontrar alguém que sustentasse
a versão de US$ 1 milhão. Acharam o deputado Benito
Gama (PFL-BA), membro da CPI e ex-presidente da CPI/Collor.
Costa Pinto diz que contou a Benito sobre o erro. A reportagem
manteve o valor de US$ 1 milhão com a frase de Benito:
É fundamental não errarmos nas contas de
Ibsen. E não erramos. Erraram sim, de propósito.
A
seguir, o artigo escrito pelo jornalista Luís Costa Pinto,
que foi editor e chefe da sucursal de Veja no Recife
e em Brasília, repórter dos jornais O Globo
e da Folha de S.Paulo, editor da revista Época
e editor-executivo do Correio Braziliense. Hoje, é
consultor de comunicação e de marketing político:
(...)
Em 1992, quando o governo Collor perdeu as condições
de sustentação política no Congresso e
definhava à mercê da Comissão Parlamentar
de Inquérito que lhe expunham as entranhas, o deputado
Ibsen Pinheiro tornou-se um aliado seguro e secreto da corrente
suprapartidária que pediria a cassação
do presidente da República. O que o povo quer,
esta Casa termina querendo, vaticinou o ex-presidente
da Câmara dos Deputados ao receber, na primeira semana
de setembro daquele ano, a formalização do pedido
de impeachment presidencial no Salão Verde do Congresso.
A
retórica começava a aprontar uma cilada para ele:
o povo, representado em protestos nas ruas pela sociedade civil
organizada, de fato queria o impeachment. O Parlamento, em sua
maioria, ainda não. Existia certa margem de negociação
capaz de evitar a perda de mandato de Collor, mas Ibsen foi
peça-chave na articulação que estreitou
o raio de ação dos estrategistas palacianos. Escreviam-se,
naquela ação surda do presidente da Câmara,
as primeiras linhas do epílogo de sua vida parlamentar
em Brasília a cassação, em 18 de
maio de 1994, por alegada colaboração com a Máfia
dos Anões do Orçamento.
A
versão da Veja
Imprensa
Uma farsa chamada IstoÉ
17 de Agosto de 2004
A
mentira de IstoÉ sobre o que seria um erro proposital
de Veja seria apenas isso, uma mentira. Mas ela aparece revestida
de malícia. O dado publicado por Veja (e também
por IstoÉ) o de que Ibsen movimentara US$
1 milhão em sua conta bancária sem que tivesse
rendimento ou patrimônio compatíveis com essa quantia
foi um erro da CPI que investigava o episódio.
Como mostram os recortes de jornais de 13 de novembro de 1993,
sábado, no mesmo dia em que Veja foi para as bancas,
a quantia de US$ 1 milhão também foi noticiada
pelos jornais.
Na Folha de S.Paulo (Arquivo
1, Arquivo
2), a manchete dizia "Depósitos de
Ibsen superam US$ 1 milhão." O
Estado de S. Paulo, na mesma data, trouxe
com destaque a reportagem intitulada "Ibsen movimentou
US$ 1 milhão desde 1989 em conta do Banrisul." Assim
como Veja, IstoÉ reproduziria o dado em sua edição
do fim de semana e esqueceria o assunto. Veja, ao contrário,
voltou a tratar dele na semana
seguinte para corrigir os valores que haviam
sido calculados erroneamente pela CPI.
Não
estivesse tão ocupada com os aspectos pecuniários
da operação, a revista IstoÉ poderia
ter, pelo menos, consultado seus arquivos com o objetivo de
verificar o que ela própria escreveu sobre o assunto
em pauta. Por alguma estranha ramificação mental,
a falta de ética costuma ocorrer paralelamente à
falta de memória. Pois se tivessem consultado seus arquivos
os funcionários de IstoÉ teriam encontrado
na edição de 17/11/93 uma reportagem de três
páginas com o imaginoso título "Até
Tu, Ibsen".
A
reportagem traz uma enorme foto do então deputado Ibsen
Pinheiro com a seguinte legenda: "Ibsen movimentou em suas
contas pelo menos US$ 1 milhão desde 1990". Pois
bem, a revista IstoÉ trouxe naquele número
uma reportagem com o mesmo título e a mesma informação
publicada por Veja. Os funcionários de IstoÉ
esqueçaram-se da sua própria reportagem e, aproveitando
uma carta escrita pelo marqueteiro, consultor do PT e ex-jornalista
de Veja Luiz Costa Pinto, acusaram Veja de ter cometido um erro
proposital e, com isso, destruído a carreira do político
Ibsen Pinheiro.
 |
Veja
comete erros mas não erros propositais como o de
IstoÉ. Na semana seguinte, em uma reportagem
de uma página (imagem ao lado) com o título
"Um milhão de dificuldades" e o subtítulo
"CPI erra na conta de Ibsen Pinheiro mas ainda existem
230 000 dólares inexplicados", Veja informou
a seus leitores que o erro nas contas era da CPI. |
IstoÉ
sonegou esta informação. Especula-se qual a motivação
de Costa Pinto, assessor do presidente petista da Câmara
dos Deputados.
Sabe-se
que Costa Pinto trabalhou em um livro de Ibsen Pinheiro. Sabe-se
também que a acusação à Veja surgiu
no momento em que o governo se empenha em criar um conselho
que terá poderes para vigiar e controlar o trabalho da
imprensa. Pelos padrões de ética de Costa Pinto,
talvez tenha-se que esperar mais 11 anos até que sua
consciência o obrigue a revelar sua real motivação.
Parece ser mais do que uma simples coincidência o fato
de a IstoÉ ter dado uma capa em que procura desacreditar
o bom jornalismo de Veja na mesma semana em que Veja atacou
a tentativa do governo de amordaçar a imprensa por meio
da criação de um Conselho Federal de Jornalismo.
Como
mostram inquietantes evidências recentes, jornalismo não
parece ser mais o foco de IstoÉ. Como escreveu
o jornalista Milton
Coelho da Graça em sua coluna no site
Comunique-se com o título IstoÉ um triste drama
da nossa imprensa:
"...direção
de IstoÉ já tinha cometido um pecado que
nenhuma revista séria ousa cometer: vendera a capa para
uma 'marreta' de 21 páginas corridas, em que o desenvolvimento
do Estado do Rio de Janeiro é louvado em 11 matérias,
não-assinadas mas evidentemente muito bem pagas com dinheiro
público e privado.
A
marreta em momento nenhum esclarece ao leitor que
se trata de publicidade. Apenas um antetítulo geral
Rio - Especial Desenvolvimento - e a mesma linha
de diagramação sugerem que as 11 matérias
se referem ao mesmo tema.
Afora
essas 22 páginas (incluindo a capa), a revista tem mais
22 1/3 páginas de anúncios comerciais e três
ou quatro de permutas. O que levanta uma primeira questão:
IstoÉ, que tem uma equipe de jornalistas de primeira
linha, precisa fazer essa baixaria? E há também
uma segunda pergunta: como uma revista pode ter credibilidade
em suas reportagens investigativas enfiando no meio delas matérias
pagas desse tipo?
Há
uma pessoa que circula em Brasília, Rio, São Paulo
e outras capitais exibindo um cartão de visitas apresentando-se
como "Diretor de Desenvolvimento" de IstoÉ.
É um personagem conhecido desde os tempos da ditadura,
quando circulava por gabinetes, dizendo-se ligado ao Serviço
Nacional de Informações e pedindo anúncios
para a fase final e melancólica da revista Cruzeiro
(Cláudio Humberto, na época Secretário
de Comunicação do governo alagoano, expulsou-o
da sala).
Depois
reapareceu em Última Hora (no Rio), passando cheques
sem fundo e dando o beiço em jornalistas e operários,
até Ary de Carvalho recobrar o título na Justiça.
O curioso é que o nome desse cavalheiro não aparece
no expediente de IstoÉ, mas várias pessoas
(inclusive ligadas ao governo estadual e empresas do Rio) confirmam
terem sido visitadas e recebido propostas de 'anúncios
institucionais sem marca de matéria paga'.
A
direção da revista poderia esclarecer: existe
ou não um Diretor de Desenvolvimento, encarregado
de desenvolver qualquer coisa, inclusive capas?"
A
suspeita de Milton Coelho da Graça, reverberada por outros
órgãos de imprensa, teve sua mais clara versão
na coluna de Monica
Bergamo no jornal Folha de S.Paulo. A
coluna, publicada no dia 02/08/2004, reproduzida no site do
Observatório da Imprensa com o título "IstoÉ
vende capa", dizia o seguinte:
"A
reportagem de capa da IstoÉ de 28 de julho, que
tem o Rio de Janeiro como tema, foi bancada pelo Sesi fluminense.
Eduardo Gouveia Vieira, presidente da Firjan (e do Sesi), disputará
a quarta eleição seguida e teria financiado a
publicação.
Nessa
edição saíram duas páginas de anúncio
do sistema Sesi/Firjan. Outros viriam por aí."
(copyright
Folha de S.Paulo, 2/08/04)
Outra
história que chocou os jornalistas sérios dá
conta de que a capa suspeita de IstoÉ foi feita
como informe publicitário por um reputado jornalista.
Ele trabalha na IstoÉ Dinheiro e foi contratado
por IstoÉ para fazer um "informe publicitário",
pelo qual recebeu remuneração à parte.
Quando viu seu "informe publicitário" na capa
de IstoÉ ele chegou a pedir demissão e
devolveu o dinheiro pago pelo trabalho.
Fonte:
Notícias Sobre Jornalismo nas Américas Selecionadas
pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas (20.08.2004)
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