Sociedade
da Informação - Benção
ou Maldição
Da
sociedade midiática à
sociedade do conhecimento:
cenários latino-americanos
Por
José Marques de Melo
Sumário
Reflexões
sobre o fenômeno da exclusão comunicacional,
tendo como referente o contexto da globalização
econômica que permeia os sistemas midiáticos
e como paradigma o processo de desenvolvimento histórico
que vem caracterizando o perfil da sociedade da informação
no conjunto da América Latina, particularmente do
Brasil.
Palavras-chave:
Midiologia comparada. Exclusão comunicacional. Direito à informação.
América Latina. Brasil
Abstract
Reflections
on the phenomenon of the communication exclusion, taking
as reference the context of the economic globalization that
shapes the media systems and using as paradigm the process
of historic development that is responsible by the profile
of the information society that is emerging in Latin America,
specially in Brazil.
Key
words: Comparative Media Studies. Communication exclusion.
Information rights. Latin America. Brazil
Resumen
Reflexiones
sobre el fenómeno de la exclusión comunicacional,
tomando como referente el contexto de la globalización
económica que penetra en el seno de los sistemas mediáticos
y teniendo como paradigma el proceso de desarrollo histórico
que viene perfilando la sociedad de la información
emergente en el conjunto de América Latina, particularmente
en Brasil.
Palabras-clave:
Mediologia Comparada. Exclusión comunicacional. Derechos
a la información. América Latina. Brasil
Refletir
sobre o impacto da globalização na América
Latina, tendo como referentes os cenários culturais,
particularmente aqueles pertencentes ao universo da comunicação,
no limiar da sociedade da informação, constitui
um exercício intelectual a exigir preliminar contextualização
histórica.
Assim
sendo, torna-se indispensável retomar a tese que temos
defendido em outros territórios e em outras ocasiões
, no sentido de que o fenômeno corrente da interação
planetária , cunhado pelos economistas como global
neighborhood , que os comunicólogos preferem chamar
de communication-monde , mas também tem sido rotulado
como glocalización pelos culturalistas , não
pode ser considerado exclusivamente como indício da
pós-modernidade .
Ele
representa, na verdade, a culminância de um processo
desencadeado há 500 anos. Seu início remonta
ao ciclo das navegações européias, eivadas
de propósitos civilizatórios ou evangélicos,
mas sem dúvida destinadas a fazer avançar as
fronteiras econômicas das potências coloniais
do Velho Mundo . Da mesma forma, os movimentos contemporâneos
protagonizados pela geração dos cibernautas
estão alicerçados em finalidades altruístas
ou pacifistas, mas não conseguem dissimular a competição
entre as potências hegemônicas do Novo Mundo,
também fascinadas pelo domínio de mercados,
próximos ou longínquos.
As
duas conjunturas estão eivadas de fatores de natureza
comunicacional, que compõem as respectivas molduras
culturais, ao mesmo tempo em que funcionam como elementos
estratégicos para alavancar seus projetos hegemônicos.
No século XV o aparato emergente era a imprensa, configurando
a Galáxia de Gutenberg . Por sua vez, no século
XXI, a internet afigura-se como âncora de um sistema
multimidiático, ensejando a Galáxia de Bill
Gates .
Para
situar a América Latina nesse emaranhado estrutural-conjuntural
vamos recorrer a um artifício metodológico
de tipo comparativo, superpondo tempo e espaço, cotejando
geral e particular, mesclando pragmatismo e utopia.
Pretendemos
traçar um quadro panorâmico do desenvolvimento
cultural no continente americano, privilegiando naturalmente
a fisionomia regional ibérica, numa perspectiva diacrônica,
embora a focalização sincrônica se atenha
ao recorte brasileiro, em relação ao qual dispomos
de parâmetros capazes de expressão simplificada.
Estigmas
do passado
Desde
que se constituíram como estados politicamente autônomos,
no início do século XIX, as nações
latino-americanas foram se desenvolvendo intelectualmente
sob o estigma da exclusão comunicacional . Tal situação
reproduzia em grande estilo o modelo de sociedade cultivado
pelo regime colonial, tanto sob a égide dos castelhanos
quanto dos lusitanos, tendo continuidade durante o regime
independente, sob o comando das oligarquias crioulas.
Não
obstante contassem com meios impressos de comunicação
governados pela doutrina da liberdade de expressão
e pensamento, as repúblicas hispano-americanas e o
império luso-brasileiro consolidaram modelos informativos
erigidos como privilégio das elites. Considerando
que os grandes contingentes das populações
nacionais eram formados pelos trabalhadores iletrados, livres
ou escravos, vivendo no campo ou nas cidades, a mídia
impressa se converteu historicamente em espaço desfrutado
apenas pelas classes superiores, incluindo as camadas médias
beneficiadas pelos conhecimentos adquiridos na escola.
Trata-se
de panorama contrastante com aquele que vigorou nos territórios
de colonização anglo-americana. Neles predominou,
não apenas um padrão diverso de sociedade,
em grande parte edificado pelo voluntarismo típico
dos dissidentes religiosos, mas sobretudo uma postura civilizatória
robustecida pela crença utópica na educação.
Isso garantiu, desde cedo, o funcionamento de escolas, bibliotecas,
imprensas e outros mecanismos destinados a fomentar a circulação
de novidades, conhecimentos ou idéias.
Desta
maneira, foi possível a tais colônias européias,
fincadas no norte da América, através da inclusão
comunicacional, unificar estratégias precoces de libertação
do jugo colonial, exercitando formas de governo sintonizadas
com os preceitos da democracia representativa. Para tanto,
foi necessário fortalecer redes midiáticas,
com a função de integrar politicamente as comunidades
unificadas, mas também vocacionadas para assimilar
culturalmente os imigrantes procedentes de várias
partes do mundo, cuja força de trabalho converteu
as jovens nações anglófonas em potências
econômicas.
A
situação intelectual das nações
latino-americanas começaria a ser modificada no século
XX, através das políticas públicas destinadas à universalização
do sistema educacional. Adotadas em poucos países,
elas abrangeriam preferencialmente as populações
residentes nos centros metropolitanos. O processo de redução
da marginalidade comunicacional das grandes massas sul-americanas
somente seria alterado com o incremento das tecnologias eletrônicas
de difusão simbólica.
A
expansão do rádio (a partir dos anos 30) e
o desenvolvimento da televisão (a partir dos anos
50) ensejam oportunidades para a melhoria do apetite cognitivo
das populações economicamente ativas. Até mesmo
os contingentes analfabetos seriam promovidos à condição
de consumidores culturais dos produtos sonoros ou audiovisuais
disseminados pelas redes abertas, porque acessíveis
a baixo custo.
Estamos
ingressando no século XXI, podendo celebrar, na geografia
americana, cinco séculos de institucionalização
midiática. Contudo, o mapa da exclusão comunicacional
permanece substancialmente inalterado ao sul do Rio Grande.
Do México à Patagônia, continuam a vigorar
panoramas caracterizados pelo pauperismo cultural das grandes
massas. Elas estão geralmente distanciadas ou foram
precocemente expulsas das redes educativas formais.
Os
maiores contingentes humanos da América Latina se
nutrem de conhecimentos efêmeros, fragmentados e superficiais
somente propiciados pelas "escolas paralelas" que
brotam das redes midiáticas. Engrossando a categoria
dos cidadãos de segunda classe, eles se tornam inapetentes
ou impotentes no sentido de atuar como sujeitos democráticos
da sua própria História.
Transformar
essa realidade injusta constitui o maior enigma dos estudiosos
da mídia massiva em nossas sociedades.
Por
isso mesmo pretendemos fazer algumas reflexões tomando
como referentes os dados singulares que compõem o
perfil cultural-midiático da sociedade brasileira.
Embora possa parecer um exercício reducionista, nossa
intenção não é outra senão
esboçar parâmetros comparativos, suscitando
análises semelhantes em outros países latino-americanas.
2.
Dilemas do presente
Não
obstante o Brasil inicie o novo século vivendo um
dos mais vigorosos estágios da liberdade de imprensa,
infelizmente devemos reconhecer que ela constitui um privilégio
das elites nacionais. Os grandes contingentes da nossa população
permanecem à margem dessa liberdade constitucional.
Deixam de usufruir tanto da prerrogativa da livre expressão
quanto do direito de ter acesso à informação
que os habilita à plena cidadania e consequentemente à participação
integral na vida democrática.
Testemunhamos
a continuidade daquele fenômeno caracterizado como
exclusão comunicacional. Não se trata de situação
peculiar ao Brasil, sendo perceptível também
num grande número de países. Justamente aqueles
que ainda não lograram construir democracias estáveis.
Onde todos os cidadãos possam usufruir os benefícios
da modernidade.
Trata-se
da persistência daquela cultura do silêncio a
que se referiu Paulo Freire quando diagnosticava o mutismo
da população brasileira durante o período
colonial . Situação que se projetaria sobre
o Brasil independente, prolongando-se até meados do
século passado, agravando-se pela chaga do analfabetismo.
Sem
dominar o código alfabético, sem saber ler,
contar e escrever, a maioria da nossa população
permaneceu quase muda, pela carência educacional e
pela inibição cultural a que foi condenada
por nossas elites dirigentes.
Ao
ingressar no século XXI, o Brasil sofre de mal endêmico.
Sua imprensa permanece restrita a uma fatia minoritária
da sociedade. É reduzido o número de brasileiros
que são leitores regulares de livros, revistas ou
jornais, quando comparados aos estadunidenses, canadenses,
ingleses, franceses, argentinos ou chilenos.
Assume
característica singular a crise nacional da leitura
de jornais. A expansão das tiragens diárias
mostra-se absolutamente descompassada com o ritmo do incremento
demográfico.
Na
década de 50 do século XX tínhamos um
volume diário de 5,7 milhões de exemplares
de jornais para uma população de 52 milhões
de habitantes. Chegamos ao século XXI com uma tiragem
diária de 7,8 milhões de jornais para uma população
estimada em mais de 170 milhões de pessoas.
A
população brasileira cresceu mais de 300 %,
enquanto a tiragem diária de jornais ampliou-se apenas
40 %, na última metade do século XX.
O
mais grave em tal confronto estatístico está no
fato de que, no mesmo período, ampliou-se a escolarização
em todo o país, reduzindo-se a taxa de analfabetismo
. Concomitantemente, ocorreu elevação da renda
nacional, crescendo também a capacidade aquisitiva
das camadas médias da nossa população.
Mas as tiragens da mídia impressa diária vegetam
em patamares inexpressivos.
Esta é a
outra face da liberdade de imprensa no Brasil. Ela constitui
um privilégio das elites que podem se expressar livremente
através de modernos suportes midiáticos. Representa
também um privilégio das classes médias
que foram educadas para ler, adquirindo capacidade de abstração
para participar do banquete intelectual da humanidade.
Ainda
que tenham acesso a informações rápidas,
condensadas e simplificadas que fluem através da mídia
eletrônica, os contingentes majoritários da
nossa sociedade não assimilaram os conteúdos
culturais que lhes permitissem apreender integralmente os
sentidos disseminados pelos produtos da indústria
cultural.
Encontram-se
privados da liberdade de imprensa na medida em que não
tem competência cognitiva. Marginalizados da cultura
letrada, não participam equitativamente das oportunidades
de ascensão social que a sociedade democrática
lhes oferece. Excluídos da educação
avançada, ficam inferiorizados no acesso aos postos
de trabalhos qualificados que emergem no bojo da economia
de mercado.
Todo
o esforço que vem fazendo o governo brasileiro para
ampliar as fronteiras da sociedade da informação
em território nacional esbarra justamente no fenômeno
da exclusão comunicacional.
Recente
pesquisa do IBOPE estima que o universo da internet no Brasil
alcança o patamar dos 10 milhões de usuários.
Esta cifra é comparável à dos leitores
de jornais diários. Trata-se de contingentes superpostos.
Os internautas correspondem aproximadamente aos cidadãos
que tem o hábito de informar-se através da
imprensa.
É possível
que a população usuária da web venha
duplicar ou triplicar no correr desta primeira década
do século XXI. Mas é provável também
que esse crescimento não esteja relacionado com o
mundo da informação, fortalecendo a cidadania.
A deduzir pelos hábitos preferenciais dos internautas
desse primeiro ciclo histórico da web, que se guiam
pelo imediatismo utilitarista ou hedonista, trabalharemos
com a hipótese de que a liberdade de imprensa não
tende a alargar-se no país. Justamente pela incapacidade
ou inapetência dos novos cidadãos em relação à informação
cotidiana ou contextual.
Desta
maneira, a nossa democracia deixará de ser fortalecida
pela fragilidade da sociedade civil, pelo raquitismo da cidadania.
A
vida democrática ancora-se na liberdade de imprensa,
entendida como a expressão plural das correntes de
pensamento que atuam na sociedade. Mas ela só se robustece
quando o conjunto da sociedade usufrui os benefícios
da informação pública.
A
exclusão comunicacional constitui sério risco
para a estabilidade democrática e consequentemente
para a governabilidade.
Este é o
dilema principal com que nos defrontamos no limiar do novo
século. Vale a pena refletir sobre ele para não
repetirmos os erros históricos que puseram a liberdade
de imprensa numa gangorra política, alternando momentos
de vigência plena nos ciclos democráticos com
instantes dramáticos marcados pela restauração
da censura nos ciclos autoritários.
Quando
uma sociedade preserva o direito de expressão das
suas elites, mas garante, ao mesmo tempo, o direito de informação
ao conjunto dos seus cidadãos, ela está fortalecendo
sua experiência democrática e prevenindo-se
contra os retrocessos constitucionais. Só um povo
bem informado é capaz de escolher governantes capazes
de converter a liberdade de imprensa em peça-chave
do constante aperfeiçoamento democrático.
3.
Desafios do fuuro
A
sociedade da informação tem atuado como instrumento
que amplia o distanciamento de classes e povos ? Estamos
falamos da muralha digital entre o norte e o sul, entre pobres
e ricos, e por outro lado também entre povos super-informados
e sub-informados.
Recordemos
o caso da Lusofonia, no momento que o Presidente Lula visita
aquele continente para fortalecer os laços da nossa
cooperação internacional . Brasil e Portugal
são sociedades que dominam a língua portuguesa,
concentrando proporcionalmente os maiores contingentes de
luso-falantes que têm acesso aos bens da sociedade
digital. Enquanto isso, os outros seis países que
falam a língua portuguesa (Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau,
Moçambique, Moçambique, São Tomé e
Príncipe, situados na África, além de
Timor, encravado na região fronteiriça entre
a Ásia e a Oceania), são absolutamente carentes
de acesso a tais recursos.
Outro
grande perigo é simbolizado pela redução
do espaço público. Na medida em que o Estado
deixa de funcionar como árbitro, como agente regulador,
o espaço privado se agiganta, em detrimento dos interesses
coletivos. Nem tanto ao céu, nem tanto à terra. É preciso
avançar na construção de uma sociedade
informacionalmente equitativa.
No
Brasil, a muralha digital pode ser exemplificada através
da expansão da internet. Segundo a já referida
pesquisa feita pelo Ibope - Instituto Brasileiro de Opinião
Pública e Estatística, estimava-se no final
dos anos 90 um universo de 9,8 milhões de usuários
da internet. Segundo dados do IBGE - Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística tal segmento havia atingido
o patamar de 10,3 milhões de usuários Aqui
está o mapa da exclusão. É um contingente
que corresponde a menos de 7 por cento da nossa população.
Portanto, 93 por cento dos brasileiros não chegaram à idade
da internet. Desses usuários, apenas 30 por cento
estão situados nas classes empobrecidas (C e D).
A
internet brasileira é um canal de comunicação
das elites, das classes A e B. Em outras palavras, das classes
mais favorecidas e de bolsões privilegiados das classes
médias.
Do
ponto de vista geográfico, verifica-se que 94 por
cento do Brasil está distanciado da internet. Prestando
atenção aos dados do Ibope, apenas 6 por cento
dos municípios brasileiros têm provedor de acesso.
Assim sendo, do ponto de vista geográfico, só uma
minoria da população é beneficiária
da internet.
4.
Superando impasses
Estas
são as questões que gostaríamos de propor
para o debate. Regressamos à tese central de que a
sociedade da informação deve ser entendida
como um estágio para atingirmos a sociedade do conhecimento.
Não
adianta ficarmos na disponibilização de dados,
equipamentos, tecnologias. Urge incrementar processos cognitivos
capazes de atingir toda a população, levando
cada cidadão a usar os conteúdos e portanto
atuar na construção de uma nova sociedade.
Esta
nova sociedade alicerça-se na democracia representativa
e na economia distributiva. Trata-se sem dúvida alguma
daquelas nuances socializadas através do impacto persuasivo
da mídia global, cuja força simbólica
projetou-se na América Latina no sentido de frear
os ciclos autoritários que tantos estigmas produziram
em nossas sociedades.
Vivenciamos,
no último decênio do século XX, experiências
democráticas capazes de impulsionar povos e comunidades
a robustecer o processo civilizatório no interior
de vários países da região. Contudo,
a pequena velocidade dos fluxos de redistribuição
de renda, manietados por mecanismos ancestralmente arraigados
no tecido social, pode funcionar como instância inibidora
do sentimento democrático em nossas populações.
Em outras palavras, pode conduzir a retrocessos politicamente
indesejáveis.
Os
sinais dessa reversão de expectativas estão
explícitos nos resultados difundidos pela edição
2003 do Latinobarômetro. A sondagem de opinião
feita no período de 18 de julho a 28 de agosto de
2003, em 17 países da América Latina, demonstra
que somente 28% dos cidadãos latino-americanos estão
satisfeitos com a democracia, embora 53% sigam confiando
no sistema democrático e 64% ainda acreditem que a
democracia constitui o único caminho capaz de conduzir
ao desenvolvimento.
Na
geografia latino-americana, os países cujas populações
reiteram sua confiança na democracia são o
Uruguai (78%) e a Costa Rica (77%). Por sua vez, a erosão
da confiança no regime democrático mostra-se
mais aguçada na Guatemala (33%) e no Brasil (35%).
Trata-se
de uma tendência a ser examinada e refletida minuciosamente
pelos formadores de opinião pública, detentores
de espaços privilegiados no sistema midiático,
eticamente responsáveis pela consolidação
do sistema democrático em nosso continente, mas que
nem sempre se pautam pela difusão de informações
fidedignas e de explicações construtivas.
Tais
agentes midiáticos podem robustecer a instabilidade
política em nosso continente, sempre que atuam no
sentido de desqualificar as instituições democráticas,
exigindo dos mandatários legitimamente eleitos pela
população a realização de mudanças
estruturais em curtíssimo prazo, sem obediência
ao rito da legalidade republicana. Desta maneira, induzem
as massas desinformadas e deseducadas a cultivar sentimentos
golpistas ou salvacionistas.
Talvez
a conclusão estarrecedora dessa pesquisa de opinião
pública esteja no crescimento da postura anti-democrática
dos cidadãos latino-americanos. Embora a maioria continue
acreditando na democracia, verifica-se que 53% respaldariam
tranqüilamente governos não-democráticos,
desde que fossem capazes de equacionar os problemas econômicos.
Preocupante é o
vulto que esse viés autoritário adquire no
Brasil, perfazendo 65% da amostra, certamente imersa num
sentimento de desesperança, reverberado cotidianamente
pela mídia, que traduz a frustração
diante da impotência do governo no sentido de saldar
imediatamente os compromissos assumidos nas últimas
eleições nacionais.
Amplia-se
no continente o descrédito em relação às
instituições tradicionais como a Igreja, o
Exército ou a Mídia. Segundo a equipe coordenadora
da pesquisa, "os latino-americanos estão cada
vez mais conscientes dos seus direitos, e sabem também
que esses direitos não têm sido respeitados".
Por isso, "agora eles tomaram as ruas para exigir aquilo
que lhes pertence". (...) "A pesquisa aponta uma
correlação entre o maior acesso à educação
e a instabilidade social que eclodiu nos últimos anos
com a deposição de quatro presidentes nacionais
motivadas por manifestações populares".
Outro
dado enigmático é aquele que traduz o sentimento
de desconfiança dos latino-americanos em relação
aos seus concidadãos, denotando o enfraquecimento
dos laços de solidariedade comunal inerente às
sociedades que povoavam a região antes da chegada
dos colonizadores europeus. Apenas 17% dos latino-americanos
revelam confiança em seus concidadãos.
Os
países onde a solidariedade grupal ou comunitária
persiste como valor cultivado por faixas expressivas da população
são o Uruguai (36%), o Panamá (25%) e a Bolívia
(21%). Em contraposição, os países mais
propensos ao individualismo são o Brasil (4%), o Paraguai
(8%) e o Chile (10%).
Sinais
da globalização acelerada do nosso continente
? Indícios da cultura pós-moderna que permeia
as nossas sociedades ? Indicadores da nova identidade comunitária
de populações vitimadas pela desterritorialização
?
Eis
uma lista de hipóteses que podem suscitar o debate,
motivando pesquisas com aquelas que outrora inspiraram a
corrente efetivamente crítica do pensamento comunicacional
latino-americano.
Referências
bibliográficas
BOFF,
Leonardo - Civilização Planetária, São
Paulo, Sextante, 2003.
CANCLINI,
Nestor Garcia - Consumidores e Cidadãos, Rio de Janeiro,
Editora da UFRJ, 1995.
CARDOSO,
Fernando Henrique - Sobre décadas e heranças,
O Estado de S. Paulo, 2/11/2003, p. 2.
CARLSON,
Invgaar e RAMPHAL, Shridat, eds. - Our Global Neighborhood
(The Report of the Commission on Global Governance), New
York, Oxford University Press, 1995.
FOLHA
DE S.PAULO - AL está infeliz com democracia e mercado,
São Paulo, 1/11/2003, p. A14.
FOLHA
DE S.PAULO - O pós-modernismo morreu?, Caderno" Mais
!", São Paulo, 2/11/2003.
MARQUES
DE MELO, José - Identidades Culturais Latino-Americanas
em tempo de comunicação global, São
Bernardo do Campo, Editora UMESP, 1996.
MARQUES
DE MELO, José - Teoria da Comunicação:
paradigmas latino-americanos, Petrópolis, Vozes, 1998.
MARQUES
DE MELO, José - A comunicação na pedagogia
de Paulo Freire, In: MARQUES DE MELO & CASTELO BRANCO,
orgs. - Pensamento Comunicacional Brasileiro: o grupo de
São Bernardo, São Bernardo do Campo, Editora
UMESP, 1999, p. 225-246.
MARQUES
DE MELO, José - Exclusión comunicacional y
democracia mediática: dilema brasileño en el
umbral de la sociedad e la información, Telos - Cuadernos
de Comunicación, Tecnología y Sociedad (2001):
51- 28-32, Madrid, Fundación Telefónica.
MARQUES
DE MELO, José - História do Pensamento Comunicacional,
São Paulo, Paulus, 2003.
MARQUES
DE MELO, José - Jornalismo Brasileiro, Porto Alegre,
Sulina, 2003.
MARQUES
DE MELO, José - A esfinge midiática, São
Paulo, Paulus (no prelo, previsto para circular em 2004).
MARQUES
DE MELO & GOBBI- Gênese do Pensamento Comunicacional
Latino-Americano: o protagonismo das instituições
pioneiras, São Bernardo do Campo, Editora UMESP, 2001.
MARQUES
DE MELO, GOBBI & KUNSCH - Matrizes comunicacionais latino-americanas:
Marxismo e Cristianismo, São Bernardo do Campo, Editora
UMESP, 2002.
MATTELART,
Armand - La Communication-Monde, Paris, Editions La Decouverte,
1991 (tradução brasileira: Editora Vozes, Peetrópolis,
1994).
McLUHAN,
Marshall - The Gutenberg Galaxy: the making of typograpfic
man, Toronto, The University of Toronto Press, 1962 ( tradução
brasileira: Companhia Editora Nacional, 1972).
MULLIGAN,
Mark - Latino-americanos confiam menos na Igreja, nos militares
e no livre mercado, Financial Times, Londres, edição
on line, 01/11/2003 (Fonte: UOL Mídia Global).
O
ESTADO DE S. Paulo - América Latina: cresce confiança
na democracia, São Paulo, 2/11/2003, p. A-23.
PORTELA,
Arthur - A Galáxia de Bill Gates, Lisboa, Bizâncio,
1998.
Voltar
|