Polifonia e efeitos
de sentido
Análise de um discurso político
Por Georgea Veras Miranda*
RESUMO
Este texto é uma análise do discurso tendo como base o último programa eleitoral da candidata Luizianne Lins apresentado no dia primeiro de outubro de 2008, no decorrer do processo das eleições municipais. |
Reprodução

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O presente trabalho analisa as perspectivas de um discurso mediante um processo eleitoral em que está em jogo a re-eleição de uma candidata ao posto de administradora do Executivo da quarta maior cidade em termos populacionais.
Foi levada em conta a noção de polifonia que permitiu compreender as várias vozes dentro de um discurso político que tem como objetivo vencer as eleições municipais. Assim também entender como essa junção de discurso funciona no sentido de obter êxito quanto ao objetivo do emissor.
PALAVRAS-CHAVE: Análise do Discurso / Política / Polifonia
1. Introdução
As eleições municipais de 2008 mostram um cenário diferente do ocorrido há quatro anos quando a então candidata Luizianne Lins disputava sem o apoio da sua legenda, Partido dos Trabalhadores (PT), o cargo de chefe do executivo da capital cearense.
Sem muito tempo de televisão, uma campanha tímida, comparada aos demais candidatos, compondo chapa com um vice-prefeito desconhecido e aparecendo nos últimos lugares das pesquisas eleitorais, a petista rompeu com todas as impossibilidades e foi eleita prefeita de Fortaleza.
Na eleição de 2008, Luizianne Lins contou com apoio do governo estadual e do presidente Lula. Teve uma campanha que reuniu em uma coligação, grande parte dos partidos políticos, o que lhe rendeu o maior tempo de televisão e maior apoio na Câmara Municipal. Desta vez, a candidata contava com o maior suporte de campanha, tendo no comando de sua imagem um dos mais renomados publicitários do país.
O presente trabalho analisa, portanto, o discurso apresentado por Luizianne Lins que reconquistou o eleitor e lhe garantiu mais um mandato frente à cadeira de chefe do Executivo de Fortaleza. Para tanto, o artigo utiliza a noção de polifonia, que representa os vários discursos em um só. Mostra que a candidata utilizou da informação, persuasão e coesão para conseguir convencer o eleitorado de que ela era a melhor opção dentre todos os que estavam concorrendo ao cargo.
A análise do discurso é uma prática antiga que data desde a antiga cultura grega e foi evoluindo ao longo do tempo. Uma ferramenta importante que consegue abranger várias formas de comunicação sejam elas as mais simples, de pessoa a pessoa, até as que abrangem uma infinidade de indivíduos.
De acordo com Pinto (2002:16), “a análise de discursos, que se interessa particularmente pela hegemonia da fala na sociedade, não deixa de ser, de certa forma, uma reflexão sobre a teoria e a técnica da retórica como prática social”.
2. Introdução à análise do discurso
2.1. Fundamentos do discurso
A forma de se comunicar é ampla. Não somente por meio de palavras, a comunicação pode ser feita também por gestos, ações, comportamentos. Ou seja, ela tem uma vasta gama de signos dos quais o homem utiliza para se comunicar diariamente. E, com isso tem como objetivo se fazer entender. É a partir da comunicação que o homem interage com o mundo, passa mensagem e recebe outras tantas. É estar inserido em um universo maior, o social que o cerca cotidianamente.
De acordo com Ferrara (2000:6), “toda prática humana está inserida em uma situação mais ampla, na medida em que se instala como elemento interferidor nos sistemas sociais”. É o que se pode dizer da comunicação que está presente em todas as formas de interação dos indivíduos, uma troca de informações ou transferências de informações que não acontece apenas no limite de pessoa para pessoa, mas que interfere em todo o sistema social. E o discurso está inserido nessa afirmação da autora. Toda a construção de um discurso tem um objetivo e um alcance a ser atingido.
Kneipp (2002:27) afirma que o discurso é uma manifestação que “caracteriza-se por produzir um efeito de sentido” e que para esse efeito, tanto é utilizada a linguagem verbal e a não-verbal. Ferrara (2000:5) vai além, ressalta que a fala e a escrita não são os únicos meios de comunicação que o indivíduo pode utilizar, há também a comunicação não verbal. Os meios de comunicação em geral também fazem parte desse universo da comunicação e, portanto, também do discurso. Por isso, Ferrara (2000:5) destaca que “não se trata apenas de comunicação pessoa a pessoa, mas, graças àqueles meios, as cidades, os estados, os países, os hemisférios se comunicam e transformam o universo em uma aldeia”.
De acordo com Pinto (2002:14), devido a diversidades de enfoques nos discursos e também a grande aldeia em que se está inserido, torna-se complicado fazer uma síntese de todas as tendências e correntes que fazem a análise do discurso. Porém, muitos autores partem do princípio que toda comunicação, linguagem e comportamento são compostos por signos. Foucault (2003:39) afirma que o discurso é acompanhado por um conjunto de signos que ajuda a construir “a eficácia suposta ou imposta das palavras, seu efeito sobre aqueles aos quais se dirigem os limites de seu valor de coerção”.
Porém Brandão (1998:12), complementa ao sustentar que o discurso não é apenas um montante de signos, mas “o ponto de articulação dos processos ideológicos e dos fenômenos lingüísticos”, ou seja, é a construção de uma forma de entendimento que vai interagir entre o sujeito que discursa e aquele que recebe a informação, permitindo, assim, que haja um entendimento entre o emissor e o receptor, fazendo com que ocorra uma interação.
A linguagem enquanto discurso não constitui um universo de signos que serve apenas como instrumento de comunicação ou suporte de pensamento; a linguagem enquanto discurso é interação, e um modo de produção social; ela não é neutra, inocente (na medida em que está engajada numa intencionalidade) e nem natural, por isso o lugar privilegiado de manifestação da ideologia. (Cf. BRANDÃO, 1998:12).
Já Fiorim (2004:39) detecta o discurso não pelos signos, mas pelos esquemas narrativos no qual, segundo ele, são transformados pelo sujeito enunciador em discurso. “A enunciação é o ato de produção do discurso”, destaca, afirmando ainda que o discurso é o produto de uma enunciação cheia de marcas daquele que o constrói.
Não mais emissor nem receptor, no nível de discurso, o autor define que, como produtor de um enunciado, aquele que constrói o discurso “desdobra-se num enunciador e num enunciatário”, no qual explica que o primeiro é responsável pela persuasão da mensagem que quer transmitir, nomeando esse sujeito também de “enunciatário”.
Além disso, como se produz um enunciado para comunicá-lo a alguém, o sujeito produtor do discurso desdobra-se num enunciador e num enunciatário. O primeiro realiza um fazer persuasivo, isto é, procura fazer com que o segundo aceite o que ele diz, enquanto o enunciatário realiza um fazer interpretativo. Para exercer a persuasão, o enunciador utiliza-se de um conjunto de procedimentos argumentativos, que são parte constitutiva das relações entre o enunciador e o enunciatário. (Id., 40).
Esse utilizar-se de um fazer interpretativo condiz com a funcionalidade do discurso, que dependendo do objetivo que ele queira alcançar, assim como seu público alvo, se molda de acordo com a necessidade que o enunciador ou o emissor tem em se comunicar e produzir o seu discurso, que sempre estará carregado de sentindo.
2.2 História da análise do discurso
Segundo Pinto (2002:14), o interesse pelos textos é bem antigo, mais precisamente datado da antiga cultura grega, no qual era ligada a duas práticas, uma à recepção textual e a outra à produção. A primeira diz respeito à interpretação de textos, uma prática que começou com a interpretação dos textos dos oráculos, como é o caso dos Delfos. Já a segunda, refere-se à retórica que nada mais é do que uma técnica desenvolvida para a feitura de textos políticos, jurídicos e homenagens.
O autor destaca que a interpretação de textos se estendeu das previsões dos oráculos para os textos religiosos, jurídicos, literários e ganhou o nome de hermenêutica, no qual Pinto (2002:15) aponta ser “uma disciplina especializada na interpretação de quaisquer textos”. A hermenêutica ganha espaço e começa o interesse explicativo dos textos, no qual era preponderante relacioná-los com seus autores e a época em que foram escritos.
Mas foi na colônia grega Sicília, por volta de 485 a.C., que se criou um conjunto de técnicas para a criação do discurso, conhecida como retórica, no qual Pinto (2002:16) afirma que “por ser uma técnica de produção textual, a retórica é também, de modo mais ou menos implícito, a primeira teoria da produção e recepção de textos”.
Mais tarde o autor afirma que a retórica atingiu seu apogeu com os sofistas na Grécia, que utilizavam de uma produção discursiva mais centrada na emoção do que na razão, no sentido de ganhar a atenção do público. Ele afirma que esta concepção de discurso, no qual denomina de “simulacro interesseiro” é um dos conceitos centrais da análise do discurso nos dias de hoje.
Desde esta época siciliana até a década de 30, parece que houve uma estagnação sobre o estudo da análise do discurso. Em vários autores, a era de Platão, Aristóteles, Grécia antiga, configura-se como uma época de apogeu para o estudo da arte do discurso. Só a partir da década de 30 é quando os teóricos começam a estudar a análise de conteúdos, no qual Pinto (2002: 8) afirma ser um “método de tratamento da informação”. De acordo com o autor:
Pode-se dizer que, de certa forma, algumas correntes atuais da análise de discurso aperfeiçoam e dão continuidade à análise de conteúdos, procurando corrigir seus pontos fracos e agregando à análise conceitos mais recentes oriundos das ciências humanas, sociais, e da linguagem, enquanto outras se constituem justamente em oposição a ela. A análise de conteúdos pretende, por um processo de normatização da diversidade superficial de um grande conjunto de documentos expressos em linguagem verbal (como pesquisas de opinião, corpora de textos jornalísticos ou de discursos políticos), torná-los comparáveis, abrindo caminho ao emprego de técnicas estatísticas e, mais tarde, computacionais (Id., 18).
Mas Brandão (1998:15) aponta que foram nos anos 50 o marco decisivo “para a constituição para uma análise do discurso enquanto disciplina”. Segundo afirma, foi com o trabalho do teórico Harris (Discourse Analysis, 1952) que se deu o marco inicial da análise do discurso.
Já Pinto (2002:19) diz que foi entre as décadas de 50 e 60 que começou a surgir o gosto pela análise, a partir da obra do teórico Vladimir Propp, no qual se leva em conta a transcrição do conteúdo dos textos mediante uma rede de categorias semânticas. “Indiferentes quase sempre às articulações textuais ou lingüísticas que os textos apresentam, e tem sido apontada como o aspecto mais criticável dessas análises” (Id., 19).
2.3. Polifonia
A polifonia é um dos elementos encontrados dentro de um discurso. Ela pode ser entendida como a junção de vários discursos em um só. Em outras palavras, é o agrupamento de várias vozes dentro de um mesmo discurso, como no caso do político que pode agregar o poder da persuasão, da informação e da interação. Isso porque o discurso político tem no mínimo um objetivo direto, ganhar o maior número de eleitores possível, para isso, o emissor tenta persuadir os indivíduos de que ele é a melhor opção.
A partir daí ele informa sobre suas ações passadas e o que ele pretende fazer para o futuro, bem como utiliza de vários signos, ou seja, artifício de linguagem atrelada ao seu discurso para se manter em interação com o eleitorado, podendo ser a voz do trabalhador, da dona de casa, do jovem, entre outras.
Segundo Kneipp (2002:28), a polifonia pode ser chamada também de dupla enunciação, sendo bastante utilizada no discurso político. “[...] a polifonia acaba sendo apenas uma aparência em quase tudo o que é dito, porque o candidato tenta demonstrar a sua característica popular, que o seu discurso pode chegar a todas as classes sociais” (Id., 29).
A polifonia acaba abrigando mais de um locutor. Para agrupar tantos discursos e, assim, atingir a todas as classes, acaba-se por identificar no texto várias vozes que atingem a vários grupos. É dirigir-se ao proletariado, ao desempregado, ao empresário e assim por diante.
[...] a polifonia não corresponde, propriamente a uma raiz diacrônica, mas a uma corte sincrônica dos processos estéticos quando implica descentralização do ponto de vista do existente, anti-representação e descaracterização da substância em favor de um traço estrutural humorístico que permite ‘ler’ o avesso do mundo. (Cf. FERRARA, Apud KNEIPP, 2002: 29).
3. Discurso político
3.1. Discurso eleitoral
Dentro do discurso político, o discurso eleitoral tem um objetivo claro para quem o faz: vencer o processo eleitoral. Persuadir o eleitor de que o enunciador daquele discurso é a melhor opção precisa elencar vários fatores, como Kneipp (2002:29) afirma ao dizer que o discurso eleitoral é composto por vários outros, o jornalístico, o político e o publicitário.
No discurso, o emissor fabrica seu texto dentro do mundo em que aquelas pessoas a quem vai se dirigir estão inseridas. Desse modo, ele estabelece relações de proximidade com o receptor. No caso do discurso político, esse mundo é vasto e se compõe de vários tipos de receptores, podendo identificá-los claramente dentro de um discurso eleitoral quais os destinatários que aquele texto se propôs.
Ao produzirem um texto para se comunicarem as pessoas utilizam a linguagem verbal e outros sistemas semióticos (com as imagens) com três funções básicas: construir o referente ou universo de discurso ou mundo do qual seu texto fala (função de mostração), estabelecer vínculos socioculturais necessários para dirigir-se ao seu interlocutor (função de interação) e distribuir os afetos positivos e negativos cuja hegemonia reconhece e/ou quer ver reconhecida. (Cf. PINTO, 2002:65).
O discurso eleitoral nunca é desprovido de objetivo. Ele claramente é exposto para atrair os públicos que deseja para o final que quer alcançar, o que é bastante claro, vencer uma eleição. Chamar a atenção do eleitorado é a função mais simples de um discurso eleitoreiro. Na verdade, ele vai além, propõe-se a conquistar esse eleitorado, que a partir do momento que é persuadido, vira um agente proliferador daquele discurso, passando a conquistar outros sujeitos que ainda não tinham sido seduzidos pelo autor do discurso.
Não somente o discurso eleitoral, Foucault (2003:10) afirma que todo o discurso por mais que aparente ser um simples falatório, “as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e o poder”. A frase se aplica não apenas para o discurso eleitoral, mas também para o político. O autor diz mais, “o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nós queremos nos apoderar” (Id., 10).
3.2. Discurso da candidata Luizianne Lins
Eleições municipais de 2008. A candidata a re-eleição Luizianne Lins preparou todos os seus discursos para garantir seu retorno à cadeira do Poder Executivo da capital cearense. Por ter, em sua administração passada, a maioria no Legislativo Municipal, não teve muitas críticas de seus adversários, e na campanha eleitoral tudo zera.
Apesar disso, por ter sido a ex-prefeita da cidade, a sua administração era o foco de todos os outros candidatos que queriam derrotá-la para assumir seu posto.
O discurso da então candidata tinha um objetivo simples, garantir sua permanência como administradora de Fortaleza. Não apenas manter seu eleitorado, a candidata tinha também o papel de conquistar os eleitores indecisos e mostrar aos que iriam votar em seus concorrentes o porquê de continuar com a mesma prefeita. Por isso, mostrar que ela era a melhor opção consistia em elaborar um discurso que atingisse todos os alvos necessários para sua vitória, uma polifonia de vozes.
Diferentemente de quatro anos atrás, quando disputou sozinha a eleição para a prefeitura de Fortaleza, até mesmo abandonada pelo próprio partido, Partido dos Trabalhadores (PT), em 2008 Luizianne contava com o apoio das segmentações do poder: governo estadual e federal. Com união dessas forças à campanha da petista, apenas tinha que anular as críticas da oposição e destruir o estigma que ganhou da oposição, “Linda Lins da Fortaleza Horrorosa”, uma adaptação nada amistosa de sua marca de campanha “Fortaleza Bela”.
Para ganhar a eleição, a candidata teve que conquistar e persuadir o eleitorado. A manutenção do seu poder era o que estava em jogo e quanto a isso, o que a diferenciava dos outros candidatos, era o fato de ter como objetivo a sua permanência no poder, enquanto os outros ainda queriam conquistá-lo.
“De maneira intuitiva, sabe-se que o poder está em jogo em qualquer interação comunicacional, de modo explícito como objeto em disputa” (Cf. PINTO, 2002:46). Em uma eleição o poder é a disputa maior, e, para isso, o candidato ou emissor cria seus mecanismos, utiliza de signos ou conjuntos lingüísticos para atrair e convencer seu eleitorado. “A noção de poder de um discurso não pode designar outra coisa senão os efeitos desse discurso no interior de um tecido determinado de relações sociais” (Id., 46).
3.3. Discurso eleitoral na mídia
Para se estabelecer os efeitos desse discurso nas relações sociais, o uso da mídia é essencial. O discurso por meio do rádio ou da televisão atinge um número muito maior de indivíduos e permite uma gama de efeitos que prende muito mais a atenção, tornando, assim, mais fácil atingir o objetivo central de conquistar o voto.
O discurso eleitoral ou político veiculado na mídia, seja qual for, permite vários subterfúgios que ajudam o emissor a passar a mensagem desejada e alcançar seu objetivo. Efeitos sonoros, demonstrações, gráficos, imagens, sons, tudo isso e mais uma infinidade de signos bem concatenados permitem um melhor alcance do discurso proferido, do sentido que ele deseja associar.
Para que esses efeitos de sentido possam ser recuperados em uma análise, demonstrando que tal discurso veiculado pela mídia, por exemplo, teve efetivamente alguma espécie de poder sobre os receptores, é necessário que eles tomem a forma de sentidos produzidos, investidos em textos como conversas, gestos, comportamentos, entrevistas de pesquisa, etc., que definem por sua vez determinadas relações e identidades sociais assumidas por esses receptores (agora emissores), as quais são então devolvidas ao tecido infinito da semiose social (Id., 47).
O discurso de Luizianne Lins veiculado na mídia por intermédio de seu programa eleitoral gratuito permitiu a sedução do eleitorado pelo conjunto de táticas que só um meio de comunicação pode ofertar. Música (jingle), jogo de imagens, casamento entre discurso e imagem, entrevistas e tantos outros mecanismos que atrelados ao discurso da candidata ajudou a construir uma rede de relações com aqueles que se sentiam atraídos pelo que o emissor estava passando.
O jovem, o trabalhador, a dona de casa, o desempregado; todos se sentiam agraciados ao ver seu mundo dentro de um discurso proferido por uma candidata. A escola que vai ser construída, o emprego ofertado, o papel da casa às mãos, tudo estava sendo exposto e não apenas isso, as promessas vinham acompanhadas de projetos já realizados que só teriam continuidade caso aquele discurso fosse aceito.
As imagens dos conjuntos habitacionais feitos, das escolas construídas, de pessoas que conquistaram o registro da casa própria, reiteravam que tudo aquilo prometido no discurso de Luizianne Lins eram totalmente possíveis de serem realizados.
3.4. Discurso polifônico de Luizianne Lins
Pelo que já foi discutido sobre a polifonia é possível perceber esse tipo de discurso verbal dentro do que a candidata Luizianne Lins apresentou em todo o seu programa eleitoral. Como amostra do que a candidata utilizou em seus textos, será analisado o seu último programa veiculado na mídia, o qual representa um “mix” de todos os programas que foram ao ar durante o primeiro turno das eleições de 2008, cujo início data do dia 19 de agosto e término em 2 de outubro.
Além das questões dos vários públicos que a candidata pretendia atingir, não apenas reconquistar seu eleitorado, ela queria também seduzir aqueles que estavam indecisos e os que haviam decidido votar em seus adversários. Luizianne Lins por concorrer a um cargo majoritário não falava apenas para uma camada social, ou para um grupo, o seu público era amplo, o qual abrangia do jovem ao idoso, do desempregado ao empresário.
O discurso da petista era informativo, persuasivo e coativo. Luizianne informava aos receptores sobre as obras que fez e as que pretendia realizar bem como os projetos que estavam em andamento. Caso o eleitor não votasse na candidata do PT, essas obras e projeções, que tiveram início no seu primeiro mandato, poderiam correr o risco de não serem realizadas, é aí que entra o discurso de coação. Para tudo isso, Luizianne Lins utilizou da persuasão para convencer o maior número de pessoas de que ela tinha que continuar o trabalho que começou e, para isso, ela precisava do apoio (voto) de todos.
No trabalho desenvolvido por Kneipp (2002), a autora analisa a campanha eleitoral televisiva para a re-eleição do candidato à presidência da República, Fernando Henrique Cardoso no ano de 1998. A autora afirma que o discurso do candidato é “aparentemente ao mesmo tempo jornalístico, mas com base política e publicitária, porque fica bem claro quando o objetivo é o de informar” (Id., 30). Enquanto que a coação é utilizada como uma função imperativa, segundo a autora, a persuasão é um convite.
Se observarmos a origem da palavra persuasão, podemos encontrar o radical “suad” do latim que dá origem a várias palavras: como o substantivo próprio Suada, deusa da persuasão, o substantivo feminino suadela – ae – que também significa aconselhar e o adjetivo suadus – e – um que significa convidativo, insinuante, persuasivo. (Id., 30).
Em cada tópico do programa, muito bem divididos, para seduzir melhor os públicos-alvo, a candidata se refere a um grupo de indivíduos de cada vez, ao mesmo tempo em que informa, ela coage e persuade, seduzindo o receptor a acreditar e absorver o que está sendo dito. São no capítulo seguinte que será detectado no programa da candidata todos os elementos citados logo acima.
4. Análise do programa eleitoral de Luizianne Lins: discurso polifônico
4.1. Decupagem do último programa eleitoral de Luizianne Lins
O último programa de Luizianne Lins foi ao ar no dia 1º de outubro de 2008. Com um pouco mais de 10 minutos de exibição, o programa se divide em nove partes, em que tem a participação da candidata, de um locutor, espaço para entrevistas, músicas e o jingle de campanha da petista.
Na abertura aparece a música da campanha de Luizianne sendo cantada pelo povo com imagem de seus comícios, interpelada por pessoas nas ruas dizendo por que iriam votar em Luizianne Lins. Logo após, é a vez da candidata se pronunciar. Ela apresenta aquele que é o seu último programa antes do dia 5 de outubro quando seus eleitores vão às urnas.
Nesse momento, Luizianne Lins afirma ser a hora para refletir, convidando a todos para pensar na “Fortaleza de ontem, de hoje e a que queremos para o futuro”. Ela convida o telespectador para fazer uma reflexão junto com ela sobre a cidade que todos vão querer para o futuro no qual deve ser levado em conta à continuidade do seu projeto para Fortaleza.
No terceiro passo é a vez do locutor entrar em cena. Ele descreve todas as obras realizadas, as que estão em andamento e as que ainda serão postas em prática. Todas as áreas são destacadas nesse programa, saúde, educação, transporte, projetos e obras, diferentemente dos programas anteriores em que cada setor era tratado separadamente.
Novamente a música de campanha da candidata aparece dando em seguida o lugar para mais uma vez Luizianne Lins falar aos telespectadores. Dessa vez, ela relembra a sua trajetória no Partido dos Trabalhadores e o fato de estar engajada juntamente com o Governo Federal e o Estadual e, por isso, pela primeira vez na história, “vamos construir juntos a Fortaleza Bela que sonhamos e que queremos”.
Nesse mesmo espaço dentro do programa, a candidata agradece o apoio dos que estão acreditando nela e reforça as promessas de sua campanha, reiterando diversas vezes a palavra sim, que tudo o que foi prometido será cumprido. Outra vez a música de campanha ganha espaço.
Logo após o jingle Luizianne Lins volta a falar. Nesse ínterim, ela se dirige aos diversos públicos assegurando que sua gestão é voltada para todos. Falou para aqueles que iam votar em seus adversários e para os indecisos pediu voto. Destacou que nasceu, cresceu, casou e teve seu filho em Fortaleza. Outra vez o jingle da candidata entra em cena.
A última vez que a candidata aparece agradece a sua militância que a ajudou na campanha, mais uma vez reitera a importância de continuar o trabalho que começou nos quatro anos de seu primeiro mandato e agradece a Deus todo o trabalho de sua militância. O programa da candidata termina com imagens de pessoas segurando a bandeira ou a estrela, marca de seu partido com uma música bastante divulgada na última campanha do presidente Lula.
a. Coação no discurso de Luizianne Lins
Durante todo o seu programa, Luizianne Lins coagiu o telespectador. O fato de a candidata dizer várias vezes que seus projetos podem ser interrompidos caso ela não prossiga no poder, é uma forma de dizer aos eleitores que eles correm o risco de não receberem suas casas próprias ou a tarifa de ônibus subir se outro candidato assumir o posto de administrador da cidade.
“E o nosso caminho para o futuro é a gente continuar de forma corajosa, de forma dedicada e de forma honesta construindo a Fortaleza dos nossos sonhos”. A candidata deixa claro que só é possível alcançar um futuro desejado pelo eleitor se ela continuar como prefeita, reiterando que só assim o povo de Fortaleza terá uma cidade “cada vez melhor”.
Aulas de reforço, construção de creches, postos de saúde funcionando, Hospital da Mulher, centros de cultura, casas, tudo só será possível de ser realizado se Luizianne Lins permanecer no poder, caso contrário o eleitor pode ver todos esses projetos não serem colocados em prática pelos seus adversários.
A coação é reforçada por palavras-chave que ela repete diversas vezes como ‘bela’, do slogan de campanha “Fortaleza Bela”, além de deixar claro que o projeto que ela quer implantar por mais quatro anos de mandato será realizado junto com o povo. “Construir juntos a Fortaleza que sonhamos e que queremos”.
“O trabalho que estamos fazendo é muito sério e tem que continuar”. Essa frase resume bem a coação presente no discurso de Luizianne Lins. A candidata salienta que seu trabalho frente à administração “tem que continuar”. O verbo ‘ter’ dá a conotação de imposição à frase, deixando claro aos telespectadores que o projeto da candidata deve ser levado à frente.
b. Informação no discurso de Luizianne Lins
A informação no programa de re-eleição da candidata é bem usada. Como sendo o último programa, o discurso de Luizianne Lins não poderia esquecer nenhum ponto ressaltado nos programas anteriores. É por isso que ela aborda todas as áreas de responsabilidade da prefeitura no último programa veiculado. A candidata informa sobre os projetos feitos e o que ela ainda vai realizar no setor da saúde, transporte, educação, obras e projetos da prefeitura.
Em todos os tópicos do programa o discurso de Luizianne Lins seguia uma direção. Na primeira aparição ela informa sobre o fato de ser o último programa, depois as promessas de campanha, em seguida o atual cenário da política com sua aliança e apoio em nível federal e estadual, destacando as mudanças pelo qual o país está passando, para mais uma vez ressaltar que precisa permanecer no poder.
Todas as informações procuram atingir o seu eleitorado, aquele que está precisando de casa, o que pega ônibus todo dia, o que está indeciso a votar nela, o que vai votar nos seus adversários, os jovens, mulheres, entre outros. Por isso, o discurso da candidata é bem dividido, sendo auxiliado pelas imagens e pelo jingle. Como exemplo: “Luizianne construiu nove escolas padrão MEC, cinco estão em construção e vai construir mais quatorze. Luizianne implantou o transporte escolar gratuito para quem mora longe da escola e vai aumentar o tempo do aluno na escola”.
As outras informações seguem o mesmo caminho, informam o que já foi feito, o que está sendo realizado e o que será posto em prático caso a candidata continue a administrar a capital cearense.
c. Persuasão no discurso de Luizianne Lins
“É com muita alegria que hoje posso falar que o Brasil está mudando, o Ceará está mudando, Fortaleza está mudando e são mudanças muito importantes”. A frase da candidata vem após Luizianne Lins lembrar a eleição de Lula, a sua primeira eleição e em seguida a eleição do governador Cid Gomes. Destacar que o país, o Estado e a capital estão mudando, é preciso salientar em que ponto isso começou. “Amarrar” a informação passada é um dos caminhos de persuasão usados pela candidata. Não é apenas uma informação solta de que tudo está mudando, mas isso vem acontecendo depois que a aliança petista conseguiu o poder nas três esferas do poder e isso tem que continuar.
Outra medida para asseverar seu discurso são as repetições, Fortaleza “bela”, “justa”, faremos ou construiremos “juntos”, ajuda a embutir no telespectador a idéia de que tudo que está sendo dito no programa eleitoral gratuito pela candidata será cumprido e que, portanto, ela precisa continuar no poder. Até porque a candidata reforça tudo o que já fez pela cidade, ficando mais fácil de convencer o eleitor que ela irá cumprir com o que estava sendo prometido.
Dizer que a candidata tem um projeto para Fortaleza nos próximos quatro anos não basta, até porque Luizianne Lins tinha que persuadir o eleitorado que aquilo defendido pelos seus opositores, de que suas obras não seriam entregues no prazo prometido, era uma inverdade. Por isso, em determinada hora do programa, após o locutor anunciar os projetos realizados, os em andamento e os que estão projetados para o futuro, Luizianne Lins reiteradamente repete a palavra ‘sim’, assegurando que tudo será cumprido como está descrito em seu discurso.
Tenha certeza que se eu for eleita, Fortaleza terá sim o Hospital da Mulher, terá sim um Cuca em cada regional para a juventude dessa cidade, terá sim tarifa social aos domingos, terá sim Internet grátis em toda a cidade e principalmente na periferia, terá sim mais casa para o nosso povo, terá sim uma prefeita que vai lutar, uma prefeita dedicada a fazer da nossa cidade do primeiro ao último dia do próximo mandato, sem interrupção, uma cidade cada vez mais forte e melhor para se viver.
Outro fator preponderante para que seu discurso fosse incorporado e convencesse o telespectador a votar nela foi a letra da música de campanha da candidata que reforça a idéia de que ela é uma batalhadora, que fez muito por Fortaleza e que precisa continuar onde está. “Eu quero, quero, quero mais, quero ficar do lado dela, porque Fortaleza não esquece o que Luizianne fez por ela. [...] Tô feliz com ela, dela eu na abro mão, quero essa guerreira que com seu trabalho conquistou meu coração”.
O fato de Luizianne Lins ser também o foco durante todo o último programa, diferente dos demais que tinha na maioria do tempo uma apresentadora, ajudou a passar confiança para o eleitor e aumentar a sua credibilidade. Todo o programa de Luizianne Lins tem um direcionamento e está conduzido a conquistar o eleitor a votar na candidata. O jingle associado às imagens, o discurso da petista e a forma como apresenta suas propostas e confirma esses projetos, ajudaram a convencer o telespectador que ela era a melhor opção.
5. Conclusão
Um discurso direcionado ajudou Luizianne Lins a convencer o fortalezense de que ela deveria continuar no comando da capital cearense. O texto voltado “para todos”, como a candidata fazia questão de ressaltar, não deixou nenhum de seus possíveis eleitores de fora de um discurso que propõem uma administração de continuidades feita para todos e com a ajuda de todos.
A polifonia, bem presente no discurso da candidata, permitiu que ela agrupasse em sua fala não apenas os públicos que queria atingir, mas os subterfúgios para prender a atenção do telespectador; permitindo que a persuasão se tornasse mais fácil.
Informar que Fortaleza estava passando por um processo de mudança não era o bastante, tinha que destacar o fato de que aquele projeto tinha que ter continuação, e isso o discurso proferido pela candidata soube explorar bem.
Ao mesmo tempo em que informava ao eleitor seus projetos realizados e o plano de governo com promessas que eram a continuação de trabalhos iniciados na gestão passada, a candidata aproveitava para ressaltar que tudo só teria continuidade com ela no poder.
Luizianne também contou com um jingle em que a letra deixava bastante clara as intenções contidas em seu discurso, ou seja, a necessidade de continuar no poder, porém ressaltada pela voz do povo, que na música mostrava o desejo de que ela continuasse no comando da cidade. “Quero mais casa para o meu povo, eu quero de novo quem me deu a mão, quem fez tanto na saúde, tanto no transporte e na educação. Tô feliz com ela, dela eu não abro mão, quero essa guerreira que com seu trabalho conquistou meu coração”.
Talvez somente o discurso não tivesse ajudado Luizianne Lins se eleger novamente prefeita de Fortaleza. Juntamente com o discurso, a candidata contou com programas eleitorais de qualidade, um jingle bem criativo, com musicalidade e letra fácil de ser captada, além de um suporte de campanha com um comitê eleitoral em cada uma das seis regionais da cidade. O efeito causado por essa junção, fez com que a candidata se elegesse em primeiro turno novamente gestora da capital cearense.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRANDÃO, H. H. N. Introdução à análise do discurso. São Paulo: Editora da Unicamp, 1998. 7ª Ed.
FERRARA, L. D. Leitura sem palavras. São Paulo: Ática, 2000. 4ª Ed.
FIORIM, J. L. Elementos da análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2004. 12ª Ed.
FOUCAULT, M. A ordem do discurso. São Paulo: Edições Loyola, 2003. 9ª Ed.
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PINTO, J. P. Comunicação e discurso: introdução à análise do discurso. São Paulo: Hacker Editores, 2002. 2ª Ed.
*Georgea Veras Miranda é graduanda pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR).
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