MONOGRAFIAS
Correio
D'Oeste, A Verdade e Diário do Oeste
Jornalismo político-partidário em
Cascavel (PR) na década de 50
Por
Claudia Jawsnicker*
Resumo
Este
estudo se propõe a analisar a gênese do jornalismo
impresso em Cascavel - cidade localizada no interior do
Paraná, a cerca de 500 km da capital do Estado.
Emancipado em 1954, o município ficou conhecido
nacionalmente nos anos 50 como um dos mais violentos do
Brasil, apresentando distúrbios típicos
da fronteira.
Difíceis
de serem coibidos numa região em que ainda não
existia lei e ordem, os conflitos pela posse da terra
se espalhavam pela cidade, mas não afastavam os
migrantes, que atraídos pelo solo fértil,
chegavam em grupos: caboclos e também descendentes
de poloneses, ucranianos, alemães e italianos,
vindos de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul.
A partir deste contexto histórico-social, esta
investigação acompanha o nascimento, na
década de 50, e a trajetória dos primeiros
jornais na cidade (O Correio D'Oeste, A Verdade
e O Diário do Oeste), resgatando a sua história
e contribuindo para a preservação da memória
midiática impressa de Cascavel.
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Reprodução

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Palavras-chave:
memória - jornais - Cascavel - década de 50
Introdução
A
luta pela terra marcou o nascimento do município de Cascavel,
cidade localizada a cerca de 500 quilômetros da capital
do Estado. "Cascavel era o reino da anarquia", explica
o historiador Vander Piaia, referindo-se às brigas entre
posseiros, grileiros e pistoleiros pela posse da terra nos anos
40. [1]
Diferentemente
da colonização de cidades vizinhas, como Toledo,
que aconteceu a partir da distribuição organizada
de terras pela empresa colonizadora Maripá, [2]
em Cascavel o processo foi desordenado.
Como
não havia restrições ou controle das ocupações,
os colonos, atraídos pela conquista de terras devolutas
chegavam, cercavam os terrenos, faziam uma plantação
e, com o tempo, consolidavam a posse. As regras da civilidade
durante a época de colonização da fronteira
eram inexistentes pela falta de presença do Estado. "A
sociedade estava em fase de organização, as estruturas
sociais eram frágeis, o que permitia que cada um que
chegasse quisesse impor a sua visão de mundo",
explica Piaia. [3]
Os
primeiros colonos chegaram à região a partir do
final da década de 20 e estabeleceram pequenas propriedades
agrícolas e prestadoras de serviço, introduzindo
os ofícios de carpintaria, marcenaria, serraria e sapataria
na área.
Segundo
dados da Prefeitura, fluxos migratórios de diferentes
frentes compuseram a população de Cascavel: os
caboclos (que vieram de Guarapuava para vários pontos
do Oeste do Paraná), pessoas com tradição
de plantio de café (oriundas do Norte do Estado) e, principalmente,
os descendentes de poloneses, ucranianos, alemães e italianos,
vindos de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. "Abriam-se
os caminhos do oeste paranaense para os gaúchos. [...]
Avançava o projeto de italianização de
Cascavel", explica o jornalista Alceu Sperança.
[4]
Os
migrantes iniciaram a agricultura de erva-mate, a exploração
de suínos e, mais tarde, a exploração da
madeira. Para Piaia, o Oeste do Paraná foi a fronteira
final a ser ocupada no processo migratório do sul do
país, "a última grande etapa do avanço
da expansão humana no sul". [5]
Esta
ocupação acompanhou a tendência migratória
em toda a região, a partir da década de 1940.
Atraídos pelas terras fáceis e solo fértil,
os migrantes chegavam em grupos, formados por familiares, amigos
e vizinhos, também trabalhadores agrícolas, que
adquiriam lotes numa mesma área.
A
eles, juntavam-se os tropeiros, tradicionais desbravadores,
que além de possuir habilidade em lidar com boiadas,
levavam mercadorias de primeira necessidade para as localidades
mais isoladas. Cascavel crescia; em 1946 já contava com
um grupo escolar, delegacia de polícia, armazéns
e capelas. O censo demográfico de 1950 revela que a cidade
possuía, na época, 404 habitantes. [6]
Emancipado
em 14 de dezembro de 1952, o município ficou conhecido
nacionalmente nos anos 50 como um dos mais violentos do Brasil
- apresentando distúrbios típicos da fronteira,
como os que acontecem atualmente em Rondônia ou no Pará.
Difíceis de serem coibidos numa terra em que ainda não
existia lei e ordem, os conflitos se espalhavam pela cidade.
Moradores
pioneiros lembram que era comum avistar jagunços andando
tranquilamente pela Avenida Brasil, a principal da cidade, "com
revólveres na cinta, como se aqui fosse o Velho Oeste
americano", [7] como conta Cleide Antunes, 56
anos.
Ela
presenciou, em plena Avenida Brasil, o assassinato de um deles,
envolvido numa briga com um outro pistoleiro. "Ele tirou
uma faca da cintura e acertou o coração do outro,
que caiu morto na hora". A situação de Cascavel
era tão crítica que os juízes relutavam
em assumir a Comarca ou não paravam muito no posto. O
livro "50 anos de história", publicado em 2000,
pela Prefeitura, oferece a dimensão da dificuldade:
Em
1953, o juiz inicialmente designado, Inácio Pinto de
Macedo, não quis saber de vir para Cascavel, e o juiz
Aurélio Feijó, que afinal concordou em assumir,
ficou no cargo por menos de um mês".
[8]
Mas,
apesar da violência, o município alcançou
um crescimento populacional surpreendente nesta época.
"Isso é, na verdade, um paradoxo. Teoricamente,
as pessoas não querem se estabelecer numa cidade violenta",
avalia Piaia. O desafio de vencer numa terra de oportunidades
falava mais alto ao coração de muitos migrantes
e Cascavel já apresentava, em 55, um estável crescimento
populacional e significativo número de empreendimentos
comerciais.
Um
levantamento feito pela Prefeitura sobre as indústrias
em atividade no município revelou, na época, a
existência de 43 estabelecimentos registrados oficialmente.
[9]
Assim
como no restante do Estado, a história antiga de Cascavel
pode ser contada através dos vários ciclos econômicos:
inicialmente os pioneiros se dedicaram ao plantio da erva mate
- esteio da economia paranaense por um longo período.
Cultura perene e que requisitava poucos cuidados, era desenvolvida
a partir do extrativismo.
Em
seguida, estabeleceu-se o ciclo da madeira. Das serrarias, estabelecimentos
que contavam com uma série de profissionais, entre eles
eletricistas, mecânicos, tratoristas e motoristas de caminhão,
saía a madeira a ser transportada para Foz do Iguaçu
(e que de lá era exportada para a Argentina) e outros
estados do país.
Em
torno destas serrarias formava-se uma vila, com cerca de 200
famílias - todas vivendo e trabalhando em função
da indústria madeireira. "Muita madeira daqui foi
utilizada na construção de Brasília, na
década de 60", lembra Dona Aurora, cujo marido trabalhou
como motorista de caminhão durante 12 anos na Serraria
Santa Rosa. A indústria da madeira foi propulsora do
crescimento populacional em Cascavel. A partir de 1950, a população
crescia cerca de 80% ao ano.
É
neste contexto social e econômico que vai nascer a história
da imprensa da cidade, com o lançamento do jornal Correio
D'Oeste, em 6 de maio de 1953.
O
Correio D'Oeste
O
jornalismo impresso de Cascavel nasce pelas mãos de um
anarquista. Aos 14 anos, rebelde e indisciplinado, Celso Formighieri
Sperança incendeia o colégio onde estuda em Caçador,
sua cidade natal, no interior de Santa Catarina.
De
castigo, é enviado pelo pai, o prefeito da cidade e comerciante
Carlos Sperança, para estudar em Curitiba. Era 1942,
época de exílio para o jovem rapaz. Sem conhecer
ninguém na capital paranaense e preso a um colégio
interno, planeja sua vingança: torna-se em pouco tempo
persona non grata também na escola.
A
direção comunica aos seus pais sua expulsão
da instituição. Com 15 anos, e brigado com os
pais, decide permanecer em Curitiba. Consegue um emprego no
laboratório farmacêutico Raul Leite e, mais
tarde, uma vaga como escrivão policial. Responsável
pelos boletins divulgados à imprensa, atrai a atenção
dos repórteres locais por seu texto preciso, claro e
detalhado.
Em
pouco tempo o Estado do Paraná oferece a ele sua primeira
oportunidade de trabalhar como repórter no jornal. Aceita
a proposta, Sperança inicia sua experiência jornalística
produzindo matérias sobre polícia, economia e
política. Em maio de 1950 casa-se com Nilce Leite, com
quem teve três filhos: Alceu, Carlos e Regina.
Intelectual,
envolvido com movimentos políticos e de vanguarda, Sperança
recebe, dois anos mais tarde, uma intimação de
seu pai, com quem ainda estava brigado: deveria ajudar o primo,
José Neves Formighieri, recém-eleito primeiro
prefeito de Cascavel, na administração da cidade.
Disposto a uma reconciliação definitiva com os
pais, aceita a proposta. Mas como Cascavel é conhecida
como terra de pistoleiro e violência, decide não
trazer, inicialmente, a mulher e os filhos.
Ao
chegar à cidade, em 1953, vai trabalhar com o primo que
é prefeito, assumindo a função de Secretário
Geral do Paço Municipal. Envolve-se logo com a política
local e funda o Partido Social Democrático (PSD), procurando
atrair as lideranças mais importantes da cidade para
o seu partido. Na época, o Partido Trabalhista Brasileiro
(PTB), de Getúlio Vargas, e o Partido Republicano (PR),
do governador Bento Munhoz da Rocha Neto, eram os partidos majoritários
em Cascavel. As atividades políticas de Sperança
desagradam os simpatizantes do PR, que pressionam o prefeito
para demiti-lo - o que acaba acontecendo.
Mesmo
desempregado, Sperança decide permanecer em Cascavel
para concretizar um sonho: montar um jornal que oferecesse sustentação
política ao PSD na cidade. Em Curitiba, consegue parte
do equipamento para montar o periódico com o governador
Moyses Lupion (PSD).
O
governador Lupion, homem de imensa fortuna com negócios
nas áreas de comércio, indústria e agricultura,
era também proprietário de jornais - tinha participação
no O Dia e na Gazeta do Povo. Outra parte do maquinário,
Sperança consegue em Guarapuava, com o deputado Antônio
Lustosa de Oliveira, que lhe cedeu alguns equipamentos antigos
que dispunha no jornal Folha do Oeste, de Guarapuava, de sua
propriedade. Era "uma impressora histórica, uma
prensa minúscula, mas que deu conta do recado",
[10] e que chega à cidade em lombo de burro.
Nasce,
assim, o primeiro jornal da cidade: o Correio D'Oeste,
cujo primeiro número é publicado em 6 de maio
de 1953. No expediente, Celso Sperança aparece como diretor
responsável e Lyrio Bertoli como redator. "Mas quem
fazia o trabalho jornalístico mesmo era o Celso. Minha
tarefa era apenas a correção ortográfica
e gramatical dos textos", explica Bertoli. [11]
Com
o lema Jornal independente a serviço do oeste paranaense,
estampado logo abaixo do logotipo do jornal, O Correio D'Oeste
recebia verbas da Prefeitura e apresentava oito páginas.
Numa casinha de madeira na Avenida Brasil ficavam a redação
e a oficina do periódico. "Acompanhei, várias
vezes, as máquinas rodarem e o jornal ser impresso. Aguardava
ansioso e apanhava um exemplar fresquinho.
Era
uma novidade na área de comunicação na
cidade, que não contava nem com telefone nem rádio
- apenas um serviço de auto falante instalado em cinco
postes da cidade ", lembra o ex-vereador Dércio
Galafassi, morador de Cascavel desde a década de 50.
[12]
O
jornal, que se apresentava como um jornal de 'Cascavel do Sul'
- como ainda era conhecida a cidade -, publicava, essencialmente,
matérias sobre a movimentação política
do município: textos integrais de leis aprovadas pela
Câmara, atos do poder executivo municipal, entrevistas
com vereadores e deputados e, é claro, notícias
curtas sobre as atividades e viagens dos filiados do PSD, como
o presidente do partido na cidade ou os candidatos da legenda
a cargos públicos.
Anúncios
do comitê de propagando do PSD - "A 3 de outubro
o povo votará confiante em Moises Lupion para governador"
- recheavam as páginas, e as colunas (não assinadas)
Comentando e Carroussel Político opinavam sobre a política
local, repassavam rumores - "dizem por aí, mas eu
não afirmo, que o sr. Guaraná Menezes [...] espera-se
eleger-se deputado federal a três de outubro" - e
reivindicavam à Prefeitura melhorias como aberturas de
estradas ou reformas no aeroporto.
Em
artigos, personalidades locais - como médicos e empresários
- dissertavam sobre assuntos variados, como saúde e habitação.
A coluna assinada por J. Urutu de Souza, pseudônimo do
próprio Celso Sperança, era popular pelo estilo
irônico e pelas alfinetadas - diretas ou indiretas - na
elite local:
A
cidade vive infestada de felizes tesouras que falam por falar,
numa generalizada falta de profundidade no que dizem, (me
perdoem!!!) do que repetem por ouvirem dizer... Não
sei se o nome da cidade influi no ânimo e no espírito
das tesouras, mas o fato é que venenos pupulam pela
praça, numa demonstração inequívoca
de que a sinceridade anda oculta, e esbaforida, encolhida
pelo número astronômico de boatos, de artimanhas
invencionais e de intrigas que circulam por todos os pontos
cardeais da sede do município. [13]
Muitas
vezes, as alfinetadas - que tinham endereço certo - não
agradavam. "
Era
uma época em que o "direito de resposta" de
quem se sentia ofendido não se garantia com educados
e-mails e advogados, mas no cano do revólver", [14]
revelam os irmãos jornalistas Alceu e Carlos Sperança,
filhos de Celso.
Numa cidade habitada por colonos, muitos dos quais sequer alfabetizados,
quem seria o público-alvo do jornal?
A
maioria dos exemplares do Correio D'Oeste não
era distribuído na cidade - o jornal era produzido para
ser lido pelas autoridades políticas de Curitiba, pelos
membros da Assembléia Legislativa, políticos do
Rio de Janeiro (ainda capital do país) e Prefeitos do
Estado. Iniciando uma tradição dos jornais cascavelenses,
o Correio D'Oeste não nasceu da necessidade da
comunidade, e sim fruto de um objetivo eleitoreiro partidário
específico.
O
jornal era porta-voz do programa e da plataforma político-partidária
do PSD. Mas sem assinantes e patrocinadores regulares, contando
apenas com alguns pequenos anunciantes (uma média de
um a cada edição), o jornal - que apresentava
periodicidade e tiragem extremamente irregular - enfrenta dificuldades.
Já na segunda edição, numa nota, na primeira
página, a direção do jornal pede desculpas
aos leitores pelo atraso na distribuição do jornal,
que deveria ser semanal.
Em
face a dificuldades diversas, a segunda edição
do nosso jornal saiu com sensível atraso. Todavia a
sua nova apresentação gráfica, a melhoria
sensível das matérias, a sua ilustração
farta compensou [sic] a demora verificada. Com tais
dificuldades afastadas esperamos entregar as edições
seguintes com a desejada regularidade. [15]
Após
13 edições, a verba da Prefeitura foi cortada,
fazendo com que O Correio D'Oeste tivesse vida curta.
Em 1956, Celso Sperança vende o jornal a empresários
de Foz do Iguaçu.
A
Verdade
Sem
desanimar com as dificuldades enfrentadas durante o seu primeiro
empreendimento jornalístico, Celso Sperança resolver
tentar nova empreitada. Ainda em 1956, adquire em Ibiporã
uma tipografia moderna, que é instalada na rua das Palmeiras
(atual rua Souza Naves).
Além
de se dedicar a imprimir folhetos de igreja, cartazes e formulários,
decide montar o segundo jornal de Cascavel, cujo número
1 é lançado em maio do mesmo ano. A
publicação é batizada de A Verdade,
nome inspirado nos versos do poeta espanhol Lope de Veja: "A
verdade nada se envergonha senão de estar oculta."
[16]
O
jornal - assim como o seu predecessor - tem uma característica
essencialmente eleitoreira: ajudar o PSD na campanha de 1956
à Prefeitura.
No
entanto, A Verdade conta com um diferencial importante.
As escolas municipais, construídas durante a administração
do Prefeito Formighiere, estavam formando cada vez mais leitores
na cidade. Numa época em que não existiam emissoras
de rádio ou TV, o jornal e o sermão do padre aos
domingos eram praticamente as únicas formas de informação.
A
Verdade, então, ao contrário do Correio
D'Oeste, era distribuído essencialmente em Cascavel,
de casa em casa e, principalmente, nas serrarias, pelos cabos
eleitorais do PSD. "Onde houvesse um possível leitor
ou estudante, o jornal era distribuído", explica
Alceu Sperança. [17] Os leitores eram eleitores
em potencial do partido.
O
jornal tinha mais leitores que o seu antecessor, mas não
contava com muitos anunciantes: as empresas da região
ainda não demonstravam interesse em divulgar seus serviços
em um jornal. "Não havia o conhecimento da força
da publicidade", avalia Alceu. [18]
Ou
seja: A Verdade dependia da generosidade do partido em
financiar sua produção. Quando o PSD ganhou a
eleição para a Prefeitura de Cascavel, em 1956,
o novo prefeito, Helberto Schwarz entendeu que o jornal já
tinha cumprido o seu papel e decidiu que não iria mais
financiar um jornal que não tinha leitor nem anunciante.
Diante
da dificuldade, Celso Sperança fecha o jornal em novembro
de 1956, vende a gráfica e volta a trabalhar para a Prefeitura,
organizando a contabilidade do município. Mais tarde,
assume a programação da rádio Colméia,
primeira emissora radiofônica da cidade, criada em 1958.
Era o fim de A Verdade.
O
Diário do Oeste
No
final de 1962, o médico Wilson Joffre encontra-se numa
situação complicada. Ambicionando ser candidato
à Prefeitura de Cascavel pelo PTB, Joffre tentava montar
um jornal, pois acreditava que o veículo seria fundamental
para dar sustentação à sua campanha. Natural
de Curitiba, o médico chegara a Cascavel em 1951 para
exercer a Medicina.
Com
idéias progressistas, logo mobilizou a comunidade em
favor de seu primeiro grande projeto: a construção
de um hospital. Lançou a proposta de financiar a obra
por um sistema de ações. A idéia foi um
sucesso e o Hospital Nossa Senhora Aparecida foi construído
e inaugurado em 1952.
No
mesmo ano, empenha-se pela construção do novo
aeroporto, inaugurado no ano seguinte. Em 1956, aventura-se
como candidato à Prefeitura. Apesar de favorito, é
derrotado pelo vereador Helberto Schwarz. Apesar do fracasso
eleitoral, Joffre continuava a alimentar aspirações
políticas.
Decidido,
então, a montar um jornal, investe na compra de equipamentos
e contrata gente de Curitiba para dar conta do trabalho. Mas,
o resultado não sai de acordo com seus planos. As matérias
não haviam chegado e o médico se angustiava com
a proximidade do dia do lançamento do jornal. Autoridades
como o governador Ney Braga e o ministro do Trabalho Amaury
de Oliveira e Silva haviam sido convidadas a vir a Cascavel
para a ocasião. Assustado, o médico recorre a
Celso Sperança.
E,
assim, Sperança inicia a tarefa de produzir mais um jornal
na cidade, com a colaboração de Eli do Espírito
Santo, Luiz Antônio de Guiné e Agenor Pacheco,
entre outros. Em 11 de novembro de 1962, antes do prazo final
da aposta, Sperança e Joffre lançam o Diário
do Oeste. Como previsto, a festa de inauguração
do jornal é prestigiada pela elite política local,
da região e do Estado.
Entre
os convidados, o governador Ney Braga, o prefeito de Cascavel,
Octacílio Mion, deputados, senadores e vereadores, além
de empresários. Joffre é o proprietário
e diretor da publicação e Sperança atua
como redator-chefe. "Todos comemoraram, mas eu já
tinha estourado de tanto trabalho", explicaria mais tarde,
em entrevista, Celso Sperança ao seu filho Alceu. [19]
Contando
com uma gráfica própria, o jornal trouxe uma certa
modernidade à incipiente imprensa da cidade: era impresso
em duas cores. "O linotipo foi o primeiro a chegar em Cascavel,
procedente da capital", lembraria Eli do Espírito
Santo, [20] diretor gráfico do jornal. Na página
2 da primeira edição, Wilson Joffre assina um
artigo no qual afirmava que o jornal lutaria para que Cascavel
não fosse mais apontada "como um núcleo de
jagunços e aventureiros" e apresentava os 'objetivos'
do jornal:
A
nossa crítica será sempre construtiva. Estaremos
sempre ao lado dos bons. Combateremos os maus. Os ternos derrotistas
e políticos de ocasião não terão
vez em nossas páginas. Aceitaremos sugestões
e conselhos de homens prudentes, e que estejam ligados a qualquer
setor de atividade desta imensa zona oeste paranaense. Seremos
os arautos de todas as reivindicações justas
da coletividade. Prestigiaremos o governo estadual, federal
e municipal contanto que esses governos atendam as justas
reivindicações do povo. [21]
Na
capa, logo abaixo do logotipo do jornal - em verde - lia-se
o lema da publicação: "Um jornal a serviço
do município, estado e do Brasil". Em formato avantajado
- 36,5 cm por 54 cm -, o jornal apresentava oito páginas.
No
primeiro número, trazia, na capa, diversas notas curtas
sobre assuntos regionais - como a visita do senador Juscelino
Kubitschek a Londrina, a posse do líder do PSD paranaense
na Câmara Federal, a internação hospitalar
do ex-presidente da República Café Filho -, outras
internacionais, como o rompimento das relações
diplomáticas entre o Vietnã do Sul com Laos, e
uma notícia 'espetacular': uma menina de 10 anos havia
dado à luz em Chicago (o título anunciava: "Fenômeno:
menina mãe").
Textos
curtos sobre assuntos locais espalhavam-se ao longo das outras
páginas: a primeira edição apresenta notícias
sobre as atividades das lideranças políticas e
do clube Lions de Cascavel. O jornal também abordava
assuntos mais leves, de entretenimento, como turismo no Paraná,
e contava com uma seção de horóscopo e
a programação do cinema Delfim.
Na
página 2, a coluna Álbum Social, que divulgava
eventos como batizados, aniversários, casamentos, convidava
o leitor a contribuir com notas sobre o 'calendário social'
da cidade. "Este jornal divulgará com o máximo
prazer e solicitude acontecimentos sociais e familiares de Cascavel
e região". Com o passar do tempo, a coluna acrescentaria
outras bossas, como sonetos, poesias e "gotas filosóficas".
É
no Diário do Oeste que começa a desabrochar
o talento de Frederico Sefrin Filho, que viria a ser um dos
mais importantes jornalistas da cidade, mentor de uma geração
de repórteres. Paulista criado no Rio Grande do Sul,
Sefrin conhecera Sperança na Rádio Colméia,
onde trabalhava como radialista.
Confiando
no talento do jovem de 21 anos, Sperança convida Sefrin
a assumir o cargo de 'redator secretário' no Diário,
título imponente, mas que, na prática, resumia-se
a um faz-tudo: Sefrin trabalhava da reportagem à edição.
Ele
era ainda responsável pela seção Esportes
em Revista, que ocupava toda a página 7 e apresentava
matérias, pro exemplo, sobre a nova liga cascavelense
de basquetebol - uma novidade na cidade - e os times de futebol
da cidade. Em coluna assinada, o jornalista afirma, na edição
número 1, que o compromisso 'sagrado e inviolável'
do jornal seria "levantar os véus de mistério
que esmaecem as contundências do fato". [22]
Em
dezembro de 1962, sentindo-se assoberbado com o acúmulo
de trabalho simultâneo no Diário e na Rádio
Colméia, Sperança desliga-se do jornal. "Foi
saindo o primeiro, o segundo, o terceiro, o número 4
[do jornal], mas eu já não agüentava".
[23] Sefrin assume a chefia de uma redação
de cerca de 17 pessoas. E, aos poucos, o Correio D'Oeste
vai passando por algumas reformulações.
A
coluna Telegramas dos Estados, na primeira página,
resume notícias que as várias Prefeituras do Estado
e país enviavam ao jornal e a Rumor...zinhos,
apresentava notinhas sobre os bastidores da política
local e regional. . O espaço Síntese mundial
registrava, também de maneira breve, notícias
da Europa, Estados Unidos e Ásia.
O
mundo é da mulher, assinada pela dupla Sirlei e Maria
América (esta última mulher de Sefrin), trazia
dicas para mães e donas de casa sobre receitas culinárias,
cuidados com bebês e como fazer embrulhos bonitos para
presentes de Natal. Correspondentes das cidades de Céu
Azul e Foz do Iguaçu enviavam notícias destas
cidades.
O
jornal se engaja em campanhas de cunho político, quando,
por exemplo, a partir de dezembro de 1963, conclama seus leitores
a dizer não no plebiscito que decidiria sobre a aprovação
do Ato Adicional que criara o parlamentarismo no país.
E, aos poucos, vai conquistando alguns anunciantes - como madeireiras,
relojoarias, lojas de ferragens, bares e confeitarias -, que
divulgavam serviços e produtos em suas páginas.
Mas a publicidade e os cerca de 200 assinantes não eram
suficientes para financiar o jornal, que sobrevive graças
aos investimentos do próprio dono.
Com
a saída de Sefrin, em 1962, que decide voltar a trabalhar
na Rádio Colméia, o jornal perde seu comandante.
Como o Diário enfrentava problemas financeiros,
Wilson Joffre decide vender parte do maquinário do jornal
para reduzir estrutura e custos. Sem uma direção,
o jornal deixa de ser produzido durante três meses.
Joffre
convida, então, em 1963, o jovem gráfico Elcir
João Carlos Neis, de 21 anos, para dirigir as oficinas
da publicação e retomar a sua circulação.
Gaúcho, Neis era dono de uma pequena gráfica em
Medianeira e tinha tido contato com o jornalismo desde cedo.
"Eu fui criado dentro de uma gráfica.
Aos
sete anos, já trabalhava em uma tipografia. Depois, aos
18 anos, fui free-lancer de um jornal em Caxias do Sul".
[24]
Com
essa experiência, Neis assume a gerência do jornal,
o que na prática, aprenderia ele, significava trabalhar
na reportagem, edição e gráfica. Profissional
sério, ele percebe que, como responsável pelo
jornal, teria que sanar enormes dificuldades. "O jornal
não estava no vermelho, já era roxo de tanta dívida".
Além disso, muitos funcionários não desempenhavam
suas funções adequadamente. Em poucas semanas,
ele dispensa nove funcionários e inicia o processo de
organização do jornal. O primeiro passo é
diminuir o formato do jornal para 33 cm por 48 cm.
Em
seguida faz uma proposta ao médico: o jornal deveria
transformar-se em semanário para cortar despesas. Proposta
aceita, Neis faz visitas a vários comerciantes locais
para convencê-los a anunciarem na publicação.
Mas "a maioria torcia o nariz. Diziam que não precisavam
de anúncios". Neis tem uma idéia para aumentar
a venda do jornal: faz acordo com as prefeituras da região
e o jornal torna-se diário oficial de municípios
como Cascavel, Foz do Iguaçu e Laranjeiras do Sul, entre
outros.
A
idéia dá excelente resultados: ao final de 30
dias o Diário D'Oeste já apresentava um
faturamento 12 vezes maior que o faturamento médio do
ano anterior. O médico proprietário da publicação
fica encantado com o tino comercial de Neis, que passa a receber
uma comissão sobre as vendas do jornal.
Em
dezembro de 1966 morre o proprietário do jornal, Wilson
Joffre. Neis assume ainda mais funções dentro
do jornal: passa a ser responsável pela produção
dos editoriais. Mas os constantes desentendimentos com a viúva
do médico acabam por fazer com que ele decida deixar
o jornal em 1969 e abrir um negócio próprio. Com
sua saída, O Diário D'Oeste deixa de circular.
Considerações
finais
Um
dos papéis da mídia é o do registro dos
acontecimentos que marcam o rumo da nossa história. Mas
também, como nos lembra Dines, [25] trata-se
de um centro de memória sobre pessoas, costumes, cultura.
A memória, complementa Le Goff, [26] "é
um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual
ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais
dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na
angústia". Através da memória nos
definimos como pessoas, cidadãos e cultura.
Pela
memória, o passado não só vem à
tona das águas presentes, misturando com as percepções
imediatas, como também empurra "descola"
estas últimas, ocupando o espaço todo da consciência.
A memória aparece como força subjetiva ao mesmo
tempo profunda e ativa, latente e penetrante, oculta e invasora.
Bosi 2003, p. 36 [27]
Este
estudo - que faz parte uma investigação maior,
embrião de um livro, compreendendo a trajetória
de todos os jornais impressos de Cascavel - tem por objetivo
auxiliar na preservação da mídia impressa
do município, através do resgate da história
dos primeiros jornais da cidade, desde o lançamento do
primeiro periódico, a Gazeta D'Oeste, em 1952.
A
análise contempla a influência do contexto histórico-social
da época no estabelecimento de condições
que favoreceram o lançamento dos jornais analisados e
identifica o caráter político-partidário
destas primeiras publicações. Com peridiocidade
e tiragem irregular e sem contar com verbas publicitárias
que os financiassem, estes veículos sobreviveram enquanto
existia o ideal de formação política.
Assim
como ocorreu em outras cidades do Paraná - por exemplo,
em Londrina, Maringá e Ponta Grossa -, "muitos grupos
criavam jornais para expressar suas idéias, vender elogios
à cidade, potencializar a cultura ou criticar o poder
vigente através das páginas impressas". [28]
E,
assim que terminava o apoio político ou o momento do
interesse, o jornal desaparecia. Vale ressaltar, também,
que a intenção de obter lucros econômicos
através desses jornais estava relegada a um segundo plano;
a atividade jornalística era, com freqüência,
deficitária, confirmando Habermas. [29]
Esta
investigação relaciona-se ainda com o crescimento
e consolidação dos cursos de graduação
e pós-graduação em Jornalismo na cidade
de Cascavel, cursos estes que formam, anualmente, cerca de 150
novos profissionais e futuros pesquisadores na área.
Na
fase de produção de monografias e artigos, os
acadêmicos enfrentam dificuldade em encontrar fontes documentais
que descrevam a história dos jornais da cidade.
Notas
[1]
Entrevista concedida aos jornalistas Flaviane Christ e Leozil
Ribeiro. 06 de novembro de 2004.
[2]
A Industrial Madeireira Colonizadora Rio Paraná S/A.
- Maripá comprou a fazenda Britânia dos ingleses
da Companhia de Maderas del Alto Paraná, subdividindo
o latifúndio em pequenas propriedades de 10 alqueires
paulistas, aproximadamente 25 hectares e desenvolvendo um projeto
para a povoação de uma nova cidade.
[3]
Entrevista concedida aos jornalistas Flaviane Christ e Leozil
Ribeiro. 06 de novembro de 2004.
[4]
SPERANÇA, Alceu. Cascavel, a história.
Curitiba: Lagarto, 1992. Página 122.
[5]
Entrevista concedida aos jornalistas Flaviane Christ e Leozil
Ribeiro. 06 de novembro de 2004.
[6]
SPERANÇA, Alceu. Cascavel, a história.
Curitiba: Lagarto, 1992. Página 131.
[7]
Entrevista à autora em 05 de dezembro de 2005.
[8]
Cascavel, livro Ouro - 50 anos de história. Cascavel.
2002. Página 14.
[9]
Cascavel, livro Ouro - 50 anos de história. Cascavel,
2002. Página 16.
[10]
Entrevista à autora em 21 de novembro de 2005.
[11]
Entrevista à autora em 29 de março de 2006.
[12]
Entrevista à autora em 29 de março de 2006.
[13]
Correio D'Oeste. 6 de junho de 1954. Página 4.
[14]
SPERANÇA, Alceu. SPERANÇA, Carlos. Pequena
história de Cascavel e do Oeste. Cascavel, 1980.
[15]
Correio D'Oeste. 6 de novembro de 1956. Página
1.
[16]
Poeta e dramaturgo barroco (1562 - 1635), é considerado
o criador do teatro espanhol do século XVII. Extremamente
produtivo, consta que escreveu 1.500 peças.
[17]
Entrevista à autora em 21 de novembro de 2005.
[18]
Idem.
[19]
O Paraná. 15 de maio de 1996. Página A
6.
[20]
SPERANÇA, Alceu. SPERANÇA, Carlos. Pequena
história de Cascavel e do Oeste. Cascavel, 1980.
[21]
Diário D'Oeste. 11 de novembro de 1962. Página
2.
[22]
Diário D'Oeste. 11 de novembro de 1962. Página
7.
[23]
Fronteira do Iguaçu. 30 de março de 1977.
[24]
Entrevista à autora em 29 de março de 2006.
[25]
DINES, Dines. O papel do jornal. São Paulo: Summus,
1986.
[26]
LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas:
Unicamp, 1992.
[27]
BOSI, Ecléa Bosi. O tempo vivo da memória. São
Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
[28]
PONTES, Felipe Simão; GADINI, Luiz. Mídia,
História e Memória dos Campos Gerais do Paraná.
Breve análise histórica do jornalismo impresso
na cidade de Ponta Grossa (PR). In: ENCONTRO NACIONAL DA
HISTÓRIA DA MÍDIA. 23, Novo Hamburgo, 2005. Anais.
Novo Hamburgo: Rede Alcar, 2005.
[29]
HABERMAS, Jurgen. In: GENRO FILHO, Adelmo. O segredo da pirâmide
- para uma teoria marxista do jornalismo. Porto Alegre,
Tchê, 1987.
Referências
bibliográficas
BOSI,
Ecléa. O tempo vivo da memória. São
Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
DINES,
Alberto. O papel do jornal. São Paulo: Summus,
1986.
GENRO
FILHO, Adelmo. O segredo da pirâmide - para uma teoria
marxista do jornalismo. Porto Alegre, Tchê, 1987.
HABERMAS,
Jurgen. In GENRO FILHO, Adelmo. O segredo da pirâmide
- para uma teoria marxista do jornalismo. Porto Alegre,
Tchê, 1987.
LE
GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas:
Editora da Unicamp, 1992.
SPERANÇA,
Alceu. Cascavel, a história. Curitiba: Lagarto,
1992.
PONTES,
Felipe Simão; GADINI, Luiz. Mídia, História
e Memória dos Campos Gerais do Paraná. Breve análise
histórica do jornalismo impresso na cidade de Ponta Grossa
(PR). In: ENCONTRO NACIONAL DA HISTÓRIA DA MÍDIA.
23, Novo Hamburgo, 2005. Anais. Novo Hamburgo: Rede Alcar, 2005.
Jornais
consultados
- Diário
do Oeste
- Correio
d'Oeste
- A
Verdade
- Fronteira
do Iguaçu
*Claudia
Jawsnicker é jornalista profissional. Mestre em Educação,
trabalhou como repórter e redatora no jornal O Globo
(RJ) e é professora de jornalismo na FAG e UNIVEL, ambas
localizadas em Cascavel, no Oeste do Paraná. E-mail:
jawsnick@certto.com.br.
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