Monografias
Jornalismo
e a reconstrução
tecnológica da realidade
Por
William Pereira de Araújo*
Resumo
A
partir
da análise de comentários feitos por especialistas
em torno do fenômeno Newsblaster -programa oriundo
da Inteligência Artificial (AI) que forja notícias
a partir de dados coletados e reelaborados para publicação-,
o autor extrapola tal paradigma para a idéia de
que esta possibilidade estabelece razoavelmente o divisor
de águas entre a objetividade típica das
máquinas e a interpretatividade dos homens, traduzindo
daí a necessidade de os profissionais do jornalismo
se especializarem na leitura das causas e consequências
dos fatos. Esta
abordagem, além de colocar em destaque um discurso
predominante de caráter tecnológico -previsível
por estar balizado por parâmetros científicos-,
de consumo superficializado, também recoloca o
ser dentro de seu devido parâmetro da subjetividade,
sendo esta balizada pela amplitude de conhecimento contextual,
contemporâneo e visionário, haja vista as
necessidades futuras.
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Reprodução

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Palavras-chave:
Jornalismo
tecnológico; discurso das máquinas; reconstrução
do real; superdestinatário.
Introdução
A
proposta desta pesquisa é a de analisar a repercussão
do advento da máquina na condição de reconstrutor
de uma realidade, traduzindo um paradigma tecnológico,
cujo impacto tem gerado variadas interpretações,
algumas mais imediatas -como a relacionada à substituição
dos seres pelas máquinas-, e outras ainda pouco abordadas
como a relacionada à tessitura de uma realidade com alto
teor de objetividade.
Esta
característica leva a outras igualmente significativas,
como por exemplo a predominância de um discurso tecnológico
aceito consensualmente pelo mercado de consumo, na medida em
que reproduz os fenômenos sociais balizados nos parâmetros
estabelecidos na pragmática jornalística como
perguntas básicas a serem feitas a um dado fenômeno,
ou seja: o Que, Quem, Quando, Como, Onde e Porque. Estes parâmetros
estão em todo e qualquer fato e determinam o nível
de exatidão de um dado evento [1].
Outra
característica que se desdobra deste cenário que
vem sendo forjado é o do refinamento dos analistas dos
fenômenos sociais que, diferentemente das máquinas,
estabelecem ilações variadas, perpassadas por
uma objetividade que pode ser caracterizada como esclarecedora
e que considera o nível de exatidão na interpretatividade
dos fenômenos, suas relações com o passado,
com o presente e com o futuro, aqui entendidas como parâmetro
de subjetividade.
Atualmente,
na mídia, está tarefa esta sob responsabilidade
de jornalistas especializados e especialistas convidados -não
necessariamente jornalistas-, que geralmente são convidados
a opinar sobre certos assuntos.
Como
se pode ver, no âmbito da mídia o trânsito
de profissionais dentro do núcleo gerador de opinião
é histórica, acentuada -ou especializada- a partir
da industrialização e da transformação
da imprensa em empresa [2]. No Brasil esta evidência é
perceptível após a década de 30.
Este
item e outros que aqui não serão tratados, demonstram
a parcela preocupada com a perda da colocação
no mercado e não o aspecto que aqui será abordado,
ou seja, a adaptabilidade necessária para os profissionais
que atuam neste segmento que cada vez mais indica não
ser jornalístico, mas sim informacional.
Apesar
dos esforços de Norbert Wiener [3] de analogizar as funções
do organismo humano e suas ações em relação
ao das máquinas, somente na atualidade isso passa a ser
encarado como condição inquestionável,
haja vista o predomínio do perpassamento do viés
tecnológico, configurando a denominação
sociedade da informação [4].
Contexto
desestruturado
A
partir do que foi dito acima, é possível visualizar
um futuro em que as máquinas, devidamente autorizadas
pelos homens -aqui entendidos como o mercado, seus interesses
macro-estruturais- e por uma variedade de protocolos poderão
manter a sociedade de um modo geral informada por meio do registro
de variados fatos -locais, regionais e mundial-, notadamente
a partir de um estreitamento entre os mecanismos de sondagem
do cotidiano, bem como pela inserção de dados
deste cotidiano nestes sistemas, que hoje é feito pelos
jornalistas e que poderiam ser feitas por outras pessoas, haja
vista os parâmetros já expostos e que reconfiguram
uma dada realidade.
Este
fenômeno reforça ou evidencia o parecer de Peter
Drucker [5] sobre a inovação intencional, qualificada
por ele como "a maior mudança dos últimos
quarenta anos (..) tanto técnica como social", tornando-se
uma disciplina organizada e aprendida. Corrobora para isso o
fato de que "a organização moderna é
desestabilizadora, na medida em que precisa ser organizada para
a inovação, e a inovação, como disse
o (...) economista Joseph Schumpeter, é 'destruição
criativa'" (citado em Drucker, 1999: 58).
O
que ainda não foi entendido na atualidade é a
questão destrutiva gerada pelas mudanças que,
em seu cerne exige compreensão do conhecimento atualizado,
que por caracterizar um processo, exige constantes inovações
cientificizadas.
O
problema da modernidade talvez esteja na fragmentação
do conhecimento caracterizadas pela densidade especializadora,
aspecto que tem distanciado as áreas em vez de aproximá-las.
Esta variável é justamente a que é exigida
do jornalista do futuro, ou seja, sua penetração
nas especificidades para decifrar as implicações,
as fusões e compartilhamentos de conhecimentos, bem como
o avanço dos mesmos de modo a corrigir distorções
como a de que as máquinas ameaçam o emprego dos
homens.
Curiosamente,
a proposição desenvolvida nesta comunicação
traz em si um paradoxo, ou seja, o da desarticulação
do fazer jornalístico em confronto proporcional à
necessidade de uma especificidade, que não a de isolamento
dos conhecimentos contemporâneos, mas sim no sentido de
dar-lhes significado.
Este
raciocínio vai ao encontro da idéia de Anthony
Giddens, ou seja, a de que estamos em um período de "modernização
reflexiva" [6], oriundo do contexto contemporâneo
que descola as relações sociais de seus contextos,
reestruturando-as em extensões indefinidas de espaço
tempo.
Deste
cenário vertem duas características exploradas
por Luiz Felipe Miguel em "O jornalismo como sistema perito":
a primeira, forjando o expert systems, que se refere a "sistemas
de excelência técnica ou competência profissional
que organizam grandes áreas dos ambientes material e
social em que vivemos hoje" [7]; a segunda é a de
que estes sistemas peritos "implicam, da parte dos clientes
ou consumidores, uma crença em sua competência
especializada" [8].
Por
outro lado, evidencia uma crise na qual o Jornalismo está
mergulhado há algum tempo, tanto em seus aspectos conceituais
quanto em seus procedimentos pragmáticos, assunto tratado
por vários autores, dentre eles José Arbex Jr.
[9], Leão Serva, [10] mas também no que diz respeito
às mudanças radicais que vem ocorrendo nesta área
a ponto de gerar uma crise de identidade [11], exteriorizada
abertamente por autores como Juremir Machado da Silva [12],
bem como Jose Luiz Martinez Albertos [13], William Hachten,
entre outros.
Ao
se apontar este cenário, torna-se mais compreensível
-poder-se-ia dizer- o fato de as notícias (re)estruturadas
e veiculadas no meio virtual [14] ser um dos aspectos desta
crise, expondo claramente a importância da tecnologia
como contribuição que não pode ser considerada.
Para
efeito de estudo e pelo fato destas notícias serem e
estarem em uma sociedade e o fato destas serem constituídas
por esferas de atividade -por mais descoladas que sejam-, trazem
em si mensagens destinadas a seres humanos que recorrem à
língua e seus respectivos enunciados (orais ou escritos)
para se comunicarem, aspectos estes oriundos dos estudos desenvolvidos
por Mikhail Bakhtin.
Este
autor reconhece a dificuldade existente tanto na definição
quanto no estudo dos gêneros de discurso, justamente pelas
possibilidades destes no tocante à heterogeneidade, motivo
pelo qual define gêneros do discurso como "tipos
relativamente estáveis de enunciados" [15]. Bakhtin
estabelece dois tipos de enunciados -o primário e o secundário-
sendo o segundo mais complexo em sua constituição,
geralmente assimilando os mais simples.
A
importância dos gêneros neste trabalho é
justamente para entendê-los como algo integrantes do cotidiano.
Neste sentido, Bakhtin assevera que "ignorar a natureza
do enunciado e as particularidades de gênero que assinalam
a variedade do discurso em qualquer área do estudo lingüístico
leva ao formalismo e à abstração, desvirtua
a historicidade do estudo, enfraquece o vínculo existente
entre a língua e a vida" [16].
Diz
isso, porque para o autor "a língua penetra na vida
através dos enunciados concretos que a realizam, e é
também através dos enunciados concretos que a
vida penetra na língua". [17]
Leitura
de dados
Considerando
o que foi dito até o momento, a proposta é a de
se observar a repercussão destes enunciados elaborados
por meio do Newsblaster, ou seja, os comentários de especialistas,
entendendo que os mesmos representam aqui os experts autorizados
a refletir sobre este assunto, em variadas nuances, bem como
entendendo que os mesmos devem ser caracterizados como provisórios,
haja vista o nível de impacto aqui sinalizados: o de
que os enunciados forjados pelas máquinas teceriam uma
realidade superficial, que neste caso pode ser balizada pelo
nível de análise (observação, crítica,
adesão, entre outras) por aqueles que estão em
relação direta com esta atividade humana intermediada
pelos softwares.
Em
outras palavras, procurar-se-á averiguar a impressão
destes no tocante à
recepção da idéia, a análise que
fazem disso, o impacto previsível e mesmo a sinalização
de perspectivas quanto a este advento.
Os
textos selecionados foram coletados da relação
existente no site Newsblaster, que remete aos textos originais.
Em virtude da indisponibilidade técnica gerada na rede
mundial de computadores, optou-se pela análise daqueles
cujo acesso foi permitido e que são apontados após
a lista geral, de modo mais detalhado, com o nome de seus autores
e seus respectivos veículos:
Lista
geral dos veículos
- EPN
World Reporter
-
La Stampa (in Italian) (04/09/2002)
- BBC
News (04/09/2002)
- Telecom
Italia (04/03/2002)
- Wired
News (03/30/2002)
- New
York Times (3/28/2002)
- Slashdot
(03/15/2002)
- www.uzine.net
(French) (03/06/2002)
- Search
Engine Watch Search Day Newsletter (03/06/2002)
- Christian
Science Monitor (02/28/2002)
- Le
Monde (in French) (02/27/2002)
- USA
Today (02/08/2002)
- NewsBytes.com
(02/07/2002)
- Online
Journalism Review (02/05/2002)
Autores
e textos captados
Newsblaster
aggregates thousands of news stories
By Jane Wakefield, BBC News Online technology staff,
In: http://news.bbc.co.uk/1/hi/sci/tech/1913348.stm
Will
Newsblaster produce tomorrow's leads?
By John Pavlik, OJR Contributing Editor (posted: 2002-02-05
o modified: 2002-04-05)
In: http://www.ojr.org/ojr/technology/1015015422.php
The
Push for News Returns
By Kendra Mayfield/news/feedback/mail/1,2330,78,00.html | Also
by this
reporter
In: http://wired.com/news/business/0,1367,51112,00.html
Computer
summarize the news
Posted by michael on Fri Mar 15, '02 11:43 AM
from the replaced-by-a-very-small-shell-script dept.
In: http://slashdot.org/article.pl?sid=02/03/15/1555242
SearchDay
- Newsblaster: An Automatic Weblogger - 6 March 2002
By Chris Sherman, Associate Editor -March 6, 2002
In: http://www.searchenginewatch.com/searchday/article.php/2159401
'Newsblaster'
software scans, summarizes news
By Kim Campbell - from the February 28, 2002 edition
In: http://www.csmonitor.com/2002/0228/p12s02-stct.html
Newsblaster
é o produto online desenvolvido por um time de pesquisadores
do
Departamento de Ciências dentro da Escola de Engenharia
e Ciências Aplicadas da Universidade de Columbia, projeto
encabeçado pela profa. PhD. Kathy McKeown e liderada
pela estudante Regina Barzilay.
Este
programa faz buscas frequentes em trinta fontes, dentre elas
Yahoo, ABCNews, CNN, Reuters, Los Angeles Times, CBS News, Canadian
Broadcasting Corporation, Virtual New York, Washington Post,
Wired, and USA Today, e procura adaptá-los priorizando
a exatidão dos fatos obtidos.
Antes
que se proceda à análise é interessante
observar que o Newsblaster retrabalha produções
geradas por pessoas e, neste sentido, cabe a definição
de que tal produção passa a ser um outro texto,
aqui entendido como metatexto de caráter virtual daquilo
que foi observado por vários repórteres, realizando
uma espécie de sumarização deste apanhado
e da confrontação da amostragem captada.
Sua
(re)construção, portanto, serve como uma aproximação
mediada e mensurada da realidade virtual possível, uma
espécie de fusão de várias visões.
O
processo parece mexer com as definições oferecidas
por Mikhail Bakhtin, em pelo menos dois aspectos: em primeiro
lugar, que o texto original, tendo sido elaborado por especialistas
-jornalistas- certamente exigiu refinamentos ligados ao fazer
jornalístico que o colocam no nível de um discurso
do gênero secundário, portanto mais complexo.
Considerando
o fato de que o Newsblaster reúne, seleciona, filtra,
compara e rearticula uma dada amostragem de textos, é
possível entender aí um nível de complexidade
que, por suas características previstas no software e
pela pragmática adotada forjam um outro produtor, que
poderia ser entendido como sintetizador, equalizador ou mesmo
(re)produtor de discursos reorganizados.
Trata-se
da pragmática de uma máquina pensada também
por muitos outros produtores para agir de modo simplificado,
portanto para filtrar possível dissonâncias nas
mensagens e tentativas comunicacionais destas na relação
autor-receptor. Curiosamente, todo este esforço, em nome
da segurança, da exatidão e da respeitabilidade
ao evento -e não aos autores em si- gera textos mais
simples, na forma de lides (lead), caracterizando assim seu
aspecto superficial.
Outra
tarefa realizada pelo Newsblaster, a de sumarização
dos textos localizados na busca e mesmo sua reorganização
serve para reforçar a prevalência do primeiro nível
de texto -o superficial-, diferente do caracterizado como mais
complexo, sendo este a que efetivamente remete ou devolve parcela
de direitos -se assim se pode dizer- a seus respectivos autores.
Como
se pode observar, o programa Newsblaster parece praticar dois
níveis de linguagem semelhantes às da mídia
comum, sendo a primeira mais simples e a segunda mais complexa.
Este processo evidencia, no entanto, que por mais que um enunciado
seja simples, seu processo pode ser extremamente complexo, na
medida em que rearticula elementos variados para concretizá-lo.
No
ser humano, isto está em sua memória e em sua
trajetória história, ao passo que no Newsblaster
seu enunciado simples reside nas complexidades alheias a seu
processo, depuradas em seu mecanismo programado para eliminar
complexidades, tornando básico o entendimento de determinados
fatos.
Diante
desta reflexão é possível notar um caminho
inverso, ou seja, o de simplificação do cotidiano
por meio das notícias tornadas básicas ou mais
evidentes da sociedade,
aspecto que coloca em evidência a hierarquização
dos assuntos selecionados por este sistema, traduzindo na realidade
um adensamento, uma sobreposição -para não
dizer supervalorização- de assuntos já
previamente hierarquizados pelos especialistas das mídias.
Esta
colocação parece ser aqui definitiva, na medida
em que a condição existencial do Newsblaster -apesar
de seu caráter experimental- é inexorável,
na medida em que o paradigma tecnológico acercou-se do
universo informacional. Prova disso são os refinamentos
que vem sendo realizados desde 2002 pela equipe de pesquisadores,
tal como expõe
Kendra Mayfield em seu artigo The Push for News Returns18.
Além
disso, o cenário de competitividade parece estar instalado
realmente no âmbito dos departamentos de pesquisas acadêmicas,
haja vista o surgimento do News in Essence (http://www.newsinessence.com),
desenvolvido pela Universidade de Michigan.
Este
processo pode vir a ser -se já não o é-
a prevalência do código linguístico das
máquinas agindo indiretamente sobre a sociedade, apropriando-se
e reintrojetando nela elementos implícitos a seu desenvolvimento,
ou seja, a necessidade de evoluir e a instrumentalização
disso, representada aqui pelas possibilidades tecnológicas.
Talvez
por isso o professor e pesquisador da Universidade de Harvard,
Lawrence Lessig trace, na obra "Code and Other Laws of
Ciberspace", um futuro sombrio para para a Internet, reconhecendo
neste ambiente a prevalência comercial.
A
seu ver a "nova arquitetura da Internet já está
sendo forjada por empresas norte-americanas com a ajuda silenciosa
e protecionista do governo dos Estados Unidos, em prejuízo
do usuário comum e de outros países, como o Brasil"
[19].
De
acordo com Lessig, o que regula a vida no ciberespaço
são os códigos (softwares), residentes na arquitetura
(conjunto de códigos) montada para a rede, ambiente que
com as configurações atuais, evidenciam a diferença
entre o mundo real e o virtual, servindo este como armazenagem
do primeiro tanto em termos de história quanto de valores.
Com
este entendimento, afirma que "quem controlar o código
terá maior poder sobre a internet". Não se
pretende com esta exposição catastrofista criar
uma panacéia do domínio mundial, apesar de ser
evidente mesmo no mundo físico a importância do
aspecto financeiro e o nível de dependência dos
seres e das nações.
A
questão aqui é outros e diz respeito à
do surgimento de um enunciado que, em virtude de sua aceitação
e pragmática, pode ser transformado em um discurso predominante,
haja vista suas potencialidades implícitas. Notadamente
há por trás deste advento a questão do
texto, reconhecido por Bakhtin como um problema, pois o mesmo
está na base das relações humanas, tendo
em si um pensamento expresso, demonstrando nisso efetivamente
a diferença entre as ciências sociais e as naturais.
Por conta disso, afirma: "Onde não há texto,
também não há objeto de estudo e de pensamento".
A
importância de se entender o texto (re)produzido pelo
Newsblaster torna-se significativo justamente pelo fato de seus
programadores adotarem uma metodologia denominada NLP (Natural
Language Processing), apontando para possibilidades futuras
as mais variadas possíveis, por exemplo a customerização
de fontes, datas, entre outros serviços que podem ser
utilizados como ferramentas por parte de jornalistas, editores
e redatores.
A
questão no entanto parece ultrapassar estas fronteiras
de uso exclusivamente da área comunicacional e a que
se refere à praticidade na exposição dos
fenômenos sociais na forma de texto em um ambiente virtual
cada vez mais acelerado e refinado. Para o entendimento disso
é preciso recorrer a Bakhtin, quando o mesmo diz haver
dois fatores para a determinação de um texto:
"seu projeto (a intenção) e a execução
desse projeto." [20]
Mais
que isso, observa que a inter-relação dinâmica
destes fatores, "a luta entre eles" é o que
efetivamente imprime o caráter no texto. [21]
A
problematicidade do texto, sobretudo a partir dos fatores determinantes
para sua existência trazem em si a questão da língua
que, enquanto um sistema de signos, permite decifrá-los,
o que leva este autor a propor a existência de uma "língua
das línguas", haja vista este potencial de tradução
de um signo para outro. Mas o mesmo não ocorre com o
texto, pois não existe um texto dos textos com potencial
único. [22]
Considerando
o fato de o texto ganhar amplitude significativa, de que cada
texto tem sua individualidade [23] -portanto irreprodutível-,
de que tudo o que é reprodutível "é
da ordem do meio, do material" [24], bem como de que é
impossível eliminar ou neutralizar a consciência
de quem toma conhecimento dele [25], a questão ligada
ao Newsblaster e sua tarefa virtual parece apontar para uma
espécie de destinatário que, no dizer de Bakhtin
é interpretado como um superdestinatário -pressuposto
pelo autor de qualquer enunciado-, aquele "cuja compreensão
responsiva absolutamente exata é pressuposta seja num
espaço metafísico, seja num tempo histórico
afastado", que na explicação oferecida por
este autor, na forma de um destinatário de emergência,
"em diferentes épocas, graças a uma percepção
variada
do mundo, este superdestinatário, com sua compreensão
responsiva, idealmente correta adquire uma identidade concreta
variável (Deus, a verdade absoluta, o julgamento da consciência
humana imparcial, o povo, o julgamento da história, a
ciência, etc)". [26]
Igualar
o Newsblaster neste momento a algo superior seria imprudência.
Mas sua existência parece pressupor a materialização
moderna de "alguém" que pode assumir este papel
e, somente por isso, em nome da necessidade humana de uma resposta
[27], coloca-se como
habilitada a suprimir ou nivelar a criatividade, balizar o nível
dos múltiplos enunciados e oferecer o que for mais adequado,
exato e justo para todos.
Outro paradoxo que pode passar despercebido em meio a este emaranhado
de
embricações relacionadas ao enunciado, ao texto
e à língua, é o de que, sendo um programa
de inteligência artificial e tendo sido programado previamente,
certamente o nível de responsividade do Newsblsater passa
a residir no parâmetro da reelaboração,
disponibilização em seu site, mas igualmente na
multiplicidade de envios a outros interlocutores, sem que haja
definidamente a necessidade de uma resposta, haja vista seu
mecanismo interno de autosobrevivência, construindo uma
tessitura sem a necessidade de ser questionada, pelo menos pelos
especialistas.
Aliás,
o apagamento dos personagens autores -lembrado apenas por Chris
Sherman, do searchenginewatch.com-, além de ampliar o
aspecto da superficialidade do registro dos fatos, enfraquece
o dialogismo esperado por parte dos autores dos textos originais,
na medida em que prevalece a equalização na linguagem
utilizada.
Se
de um lado há o esvasiamento dos produtores, por outro
há o robustecimento em termos de eficácia da máquina
-mais especificamente de softwares deste porte- na medida em
que atende à demanda social mantendo-a informada.
Visão
especializada
Nos
textos dos especialistas, os enunciados de um modo geral apresentam
o Newsblaster a partir do que efetivamente ele faz, apontando
posteriormente seus criadores, oferecendo exemplos desta maquinaria,
deixando implícito ou explícito sua importância.
Em
termos de análise do discurso, na medida em que se diz
algo, a ela se está atribuindo importância. Tal
assertiva é semelhante ao que trata a teoria agenda setting,
na medida em que sugere temáticas para serem assimiladas
e ventiladas no dia-a-dia.
Os
textos caracterizam espécies de pareceres sobre o advento
Newsblaster, motivo pelo qual todos, além do registro
deste fenômeno tecnológico, ampliam a discussão
em torno de suas capacidades -razoavelmente equalizadas no que
diz respeito à busca de dados-, mas também abordam
suas falhas, centrando análise em dois pontos: o primeiro
relacionada às ilações dos mesmos com outros
assuntos que ampliam no tempo e no espaço determinados
eventos; o segundo no que diz respeito ao trabalho de edição,
que jornalisticamente é perpassado pelo nível
de subjetividade e interesses.
Neste
sentido, de um modo geral, a maioria destes autores que falaram
deste programa dissipam a idéia de que o mesmo dispensará
editores.
Dos
autores cujos textos foram analisados, percebe-se uma certa
adesão antecipada por parte de alguns -caracterizados
por elogios velados ou explícitos-, porém de um
modo ou de outro todos eles levantam questionamentos pertinentes.
Chris
Sherman (searchenginewatch.com), aborda a questão do
direito autoral, John Pavlik (OJR), por meio de
algumas perguntas, coloca em destaque a importância do
indivíduo, sem depreciar o potencial da máquina.
Jane WakefBield (BBCNews) trata a não infalibilidade
do programa, apontando que o mesmo não substituirá
o ser humano, enquanto Kenda Mayfield (Wired.com) contextualiza
este invento, relacionando-o a vários aspectos históricos
e pragmáticos, bem como os ligados à customerização.
Kim Campbel (csmonitor.com), por sua vez, destaca o modo de
trabalho deste advento, permitindo uma reflexão dos jornalistas
e escritores.
Considerações
finais
O
surgimento de programas como o Newsblaster, dentro deste cenárioextremamente
acelerado de desenvolvimento, colocando a tecnologia como ferramenta
paradigmática era uma questão de tempo. Neste
sentido, o emprego dos mesmos traz em si duas vertentes às
vezes paradoxais: uma, que atende à ciência em
seu avanço rumo ao futuro; outra, visando amparar o acentuado
consumo e a necessidade de volumes cada vez maiores de dados.
Nesta esteira, considerando a densidade das inúmeras
variáveis, tal advento leva em um primeiro momento os
especialistas da mídia a uma reflexão sobre as
implicações disso, seja pelo impacto, seja pelas
possibilidades.
Tanto
em uma como em outra reside a questão da produção
na forma de texto que, tendo sido elaborado e colocado no ambiente
virtual, tende a ser equalizado. Enquanto prevalecem os protocolos
e códigos neste universo -habilitando e desabilitando-
vários mecanismos, programas e modos de comunicação,
tal paradigma afeta -se assim se pode dizer- basicamente o que
aqui é entendido como especialista, sendo estes os que
usam determinado ambiente.
A
extrapolação disso fica por conta da resolução
que estes podem adotar quanto às possibilidades de mecanismos
como este efetivamente passarem a reelaborar todos os enunciados
factíveis -ou de interesse especializado- para este ambiente,
alterando notadamente com o tempo a pragmática de captação
e registro dos fatos sociais, haja vista a superficialização
promovida pela cientificidade dos textos reconstruídos
e que passarão a informar a sociedade.
De
outro modo, coloca o ser humano em outro patamar de especificação
-ou a necessidade de que isso ocorra- no caso a de exercitar
e preparar-se para a análise conjuntural dos fatos e
suas implicações com a história, com as
pessoas e seus interesses, bem como com o futuro e sua (im)previsibilidades.
Como
decorrência, coloca em pauta alguns itens que perpassam
o tempo e este espaço e que aqui são parametrizados
como:
1.
Constatatória
1.1.
A de que é inexorável a ampliação
do uso de programas como o Newsblaster;
1.2.
A de que isso leva a mudanças no contexto intelectual,
perceptivo e projetivo dos participantes efetivos e dos que
recorrerem ao produto gerado por este programa ou semelhantes,
compreensíveis somente se contextualizados em suas devidas
ocorrências;
2.
Reflexiva
2.1.
De que torna-se necessário compreender e preparar-se
para este advento e suas inovações, subsídio
que acionará tomadas de decisões;
2.2.
De que certamente o indivíduo precisará ampliar
sua especialização para
conteúdos estratégicos de análise conjuntural;
2.3.
De que nesta mudança podem estar perspectivas paradigmáticas
para uma nova fase da profissão jornalística como
estrategista e não apenas como reprodutor dos fatos sociais;
3.
Emergencial
3.1.
Ter a visão no nível e da proporção
deste impacto em sua relação com a
sociedade, seu posicionamento como produtor consciente de textos
/ enunciados / discursos;
3.2.
Que sua inserção neste novo contexto acentuará
a padronização da tessitura social exposta como
texto para muitos;
3.3.
Que sua inserção neste cenário cria um
novo parâmetro dialogal em sua relação entre
o real e o virtual.
Referências
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http://wired.com
http://news.bbc.co.uk
http://www.cs.columbia.edu/nlp/newsblaster/
Notas
[1]
Estes parâmetros remontam o paradigma de Harold D. Lasswell:
quem diz o quê, em um canal, para alguém, produzindo
um efeito. Ver A estrutura e a função da comunicação
na sociedade, in: Comunicação e indústria
cultural, de Gabriel Cohn (org.), São Paulo: Editora
Nacional, 1977.
[2]
Ver Juarez Bahia, Jornalismo História e Técnica,
bem como A opinião no jornalismo brasileiro, de José
Marques de Melo.
[3]
Ver Norbert Wiener, O uso humano de seres humanos, São
Paulo: Cultrix, 1984.
[4]
Ver CASTELLS, Manuel, A sociedade em rede, 2ª ed. São
Paulo: Paz e Terra, 1999.
[5]
Ver Peter Ferdinand Drucker, Administrando em tempos de grandes
mudanças, São Paulo: Pioneira/Publifolha, 1999.
[6]
Ver As consequências da modernidade, São Paulo:
Unesp, 1991.
[7]
Giddens, obra citada, p. 35.
[8]
Ver Luis Felipe Miguel , obra citada, p. 198, In: Revista Tempo
Social, São Paulo: USP/FFLHC, vol. II, nº 1, maio,
1999.
[9]
Ver Showrnalismo: a notícia como espetáculo, São
Paulo: Casa Amarela, 2001.
[10]
Ver Jornalismo e desinformação, de Leão
Serva, São Paulo: Senac, 2001.
[11]
Ver Crise de identidade, de José Marques de Melo, In:
Jornalismo brasileiro, Porto Alegre: Sulina, 2003.
[12]
A miséria do Jornalismo: as incerteza da mídia,
2ª ed., Petrópolis (RJ): 2000.
[13]
Ver El ocaso del periodismo, New Jersey; Lawrwecw Associate
Publishers, 1998.
[14]
Ver site Newsblaster http://www.cs.columbia.edu/nlp/newsblaster.
[15]
Ver Estética da criação verbal, de Mikhail
Bakhtin, 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
[16]
Estética da criação verbal, obra citada,
p. 282.
[17]
Idem Ibidem.
18
Ver The Push for News Returns, in:
http://wired.com/news/business/0,1367,51112,00.html.
[19]
Ver Códigos livres, de MAISONNAVE, F, e LOUZANO, P.,
In: Caderno Mais, Folha de S.Paulo, 5 de março de 2000.
[20]
Note-se que este texto não avança no aspecto ideológico
existente por trás destes experimentos, pois isso exigiria
desdobramentos que fugiriam ao objetivo específico desta
comunicação. Mas é importante expor, por
exemplo, que o Newsblaster vem sendo desenvolvido nas últimas
duas décadas, estando fundamentada largamente no DARPA
TIDES, ou seja Defense Advanced Research Projects Agency Translingual
Information Detection, Extraction and Summarization. Além
disso, o Departamento de Estado os Estados Unidos tem demonstrado
interesse na aplicação do NLP para entender a
linguagem adotada pela mídia sobre ataques terroristas.
[21]
Bakhtin, obra citada, p. 330.
[22]
Bakhtin, obra citada, p. 333.
[23]
Bakhtin, obra citada, p. 331.
[24]
Bakhtin, obra citada, p. 332.
[25]
Bakhtin, obra citada, p. 333.
[26]
Bakhtin, obra citada, p. 356.
[27]
Bakhtin diz que "para a palavra (e, porconseguinte para
o homem) nada é mais terrível do que a irresponsividade
(a falta de resposta). Id. id. p. 356.
*William
Pereira de Araújo é doutorando na Umesp, e docente
na habilitação Jornalismo, nas universidades UNICSUL
e de Mogi das Cruzes. E-mail: apw@uol.com.br.
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