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TV universitária brasileira nos EUA

Por Antonio Brasil

As relações entre o Brasil e os Estados Unidos enfrentam um período difícil. A polêmica decisão americana de fichar brasileiros gerou uma série de medidas retaliatórias e um certo sentimento antiamericano no Brasil. Pesquisa recente do Comunique-se comprova esse clima hostil. 92 % dos nossos internautas declararam que são a favor de “reciprocidade”. Mais do que nunca, deveríamos tentar refletir, evitar mal-entendidos e investir em formas mais eficientes de “comunicação”.

Essa é certamente uma das propostas dos professores e pesquisadores brasileiros e americanos que estarão reunidos na Universidade do Texas em Austin para o primeiro colóquio Brasil-Estados Unidos em Estudos na Comunicação. Segundo os organizadores, a Sociedade de Estudos Interdisciplinares em Comunicação, INTERCOM e a International Communication Association, ICA, este evento, o primeiro no seu gênero, discutirá “os 50 anos de cooperação acadêmica no campo da Comunicação em meio a novas perspectivas teóricas, metodológicas e profissionais”.

Mas, antes de tudo, durante os três dias de apresentações e discussões, professores brasileiros e americanos tentarão contribuir para uma “aproximação” entre os dois países. Afinal, um dos principais objetivos do evento é promover novas parcerias e desenvolver projeto de colaboração entre as universidades americanas e brasileiras. O jornalismo internacional certamente deveria ter um papel importante e educativo para mudar o clima de hostilidades e aproximar os dois países.

A minha presença aqui nos Estados Unidos é resultado de um desses programas de intercâmbio internacional. Pesquiso as novas tecnologias e linguagens multimídias para o jornalismo e para o ensino de jornalismo. No momento, também leciono Global News and International Reporting (Noticiário Global e Reportagem Internacional) para estudantes de graduação do curso em jornalismo da Rutgers, the State University of New Jersey.

Esta semana, resolvi aplicar um teste muito simples de conhecimentos gerais do jornalismo internacional com os alunos do curso. Até hoje, ainda estou “traumatizado” com uma matéria de O Globo, publicada ha alguns anos atrás, que destacava a “ignorância” dos estudantes brasileiros de comunicação em questões de jornalismo internacional. O artigo culpava os alunos e principalmente as escolas de jornalismo pelos resultados negativo. As perguntas dirigidas aos candidatos a vagas na redação do jornal carioca também eram simples: quem era Charles De Gaulle ou Martin Luther King, por exemplo. Segundo a matéria, a maioria dos estudantes de comunicação não conseguiam responder as perguntas do teste. Para minha surpresa, em momento algum, o mesmo jornal procurou culpar a si mesmo pelos resultados negativos. Afinal, não existe nenhum investimento ou compromisso sério por parte das organizações Globo para melhorar o ensino de jornalismo no Brasil. Por outro lado, tenho certeza de que os “leitores” do mesmo jornal também seriam reprovados em avaliações semelhantes.

Aqui na Escola de Jornalismo da Rutgers University, uma das maiores e mais tradicionais instituições de ensino superior nos Estados Unidos, o resultado da minha avaliação sobre jornalismo internacional foi obviamente um “desastre”. Todas as perguntas eram simples, os assuntos discutidos poderiam ser facilmente encontrados na edição do dia anterior do New York Times. No entanto, os estudantes americanos de jornalismo não conseguiram responder sequer a 50 % das perguntas. Os tópicos incluíam questões obvias como a capital do Afeganistão e nomes de presidentes como Vladimir Putin ou Vicente Fox. Os resultados foram decepcionantes. Pouquíssimos estudantes sabiam os países desses presidentes.

Brasil capital Buenos Aires

Mas o pior ainda estaria por vir. A última questão era o nome da capital do Brasil. Coloquei a questão na pesquisa, meio de brincadeira. Mas parece que a tal “piada” tem fundo de verdade. Pode parecer preconceito ou má vontade, mas para a maioria dos estudantes americanos que tentaram responder – menos da metade em um total de 30 alunos - o Rio de Janeiro ainda é a capital do Brasil, mas Buenos Aires veio logo em segundo lugar. Poucos estudantes citaram Brasília.

Esse resultado obviamente não quer dizer que os alunos da Rutgers são “ignorantes”. Muito pelo contrário. Todos escrevem muito bem e conhecem o noticiário local e nacional. O problema está na falta de interesse na cobertura internacional. Essa mini-pesquisa revela que ainda temos muito a fazer para melhorar a comunicação, as relações entre os dois países e, principalmente o ensino de jornalismo. Mas o que fazer para melhorar a comunicação e a compreensão entre brasileiros e americanos?

Armas de instrução em massa

Sempre acreditei que o jornalismo teria muito a contribuir na informação e na formação das pessoas. Deveríamos investir menos em guerras e mais em educação, em “Armas de Instrução em Massa”. Mas se os jovens não se interessam pelo jornalismo internacional deve haver uma boa razão. Talvez o culpado seja o próprio jornalismo, a forma como ele é produzido. Telejornal, por exemplo, para muitos jovens, inclusive alunos de comunicação, é um dos programas mais chatos da televisão.

No laboratório de televisão e vídeo da Faculdade de Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro tentamos reverter esse quadro. O principal objetivo das nossas pesquisas é experimentar um novo jornalismo e desenvolver ferramentas mais eficientes para o ensino de jornalismo. Mas como ensinar jornalismo para uma geração acostumada com as tecnologias digitais interativas como a Internet ou os videogames? Com ensinar telejornalismo sem ter uma televisão, um telejornal, programação ao vivo ou avaliação do público? Trata-se de um desafio quase impossível, principalmente em uma universidade pública brasileira. Temos excelentes alunos, professores e funcionários dedicados, mas também contemplamos o descaso por parte de autoridades do governo, de todos os governos. Ensinar jornalismo no Brasil, sem o apoio das empresas jornalísticas e com sérias restrições orçamentárias tecnológicas é um desafio quase impossível.

Ensinar telejornalismo sem televisão

Na UERJ, primeiro, tentamos utilizar a televisão universitária para o ensino de jornalismo. Queríamos produzir um telejornal diário e ao vivo. Infelizmente, no Rio de Janeiro, isso não foi possível. Jornalismo universitário de verdade demanda poucos recursos, mas muita liberdade e criatividade. Os alunos de jornalismo não são bobos.

Nem todos estão interessados em repetir modelos globais ou “brincar” de fazer jornalismo institucional. Mas para experimentar, criar e desenvolver novas linguagens audiovisuais para jornalismo, é preciso antes de tudo de liberdade. Liberdade para acertar mas também para “errar”. Televisão universitária no Brasil é refém de uma política que privilegia a omissão e o consenso. Não trata de assuntos polêmicos para não perder privilégios. Na dúvida, evita assuntos polêmicos, não critica ninguém e prestigia sempre os patrões, as reitorias.

Com pouquíssimas exceções no Brasil, é sempre muito chata, repete os modelos estabelecidos e por isso mesmo é ignorada pelo público e pela mídia. Não cria nada e não indica as alternativas para o futuro. Não é um veículo eficiente para o ensino, não é experimental nem tampouco busca uma identidade.

Jornalismo de guerrilha

Mas como produzir uma televisão universitária no Brasil com baixo custo e alguma liberdade para criar ou experimentar novas linguagens para a televisão? A TV UERJ online resolveu o problema de maneira simples e criativa. Desistiu de enfrentar as restrições das televisões universitárias brasileiras, reféns das reitorias e dos caríssimos canais de TV a cabo, e partiu para uma programação livre na Internet. Resolveu desenvolver um conceito de televisão e jornalismo de guerrilha. Com equipamentos simples, câmeras de vídeo, computadores e programas livres, lançou uma programação jovem que transmite programas ao vivo com custos mínimos mas com coragem máxima. A televisão universitária na Internet no Brasil já é uma realidade. Produz programas e telejornais ao vivo que não são censurados por ninguém. Os alunos aprendem a fazer televisão, a produzir jornalismo, mas, antes de tudo, eles desenvolvem um senso de responsabilidade em relação ao próprio projeto. Eles podem cometer erros, de preferência erros novos, mas também sabem que esses erros podem custar a própria liberdade.

Eles aprendem sobre os limites para a preservação de um projeto importante que ainda luta com muitas dificuldades para sobreviver e crescer. Afinal, o telejornal universitário online já foi premiado no Brasil, é reconhecido pela mídia brasileira e mais uma vez, invade os Estados Unidos em busca de apoio e parcerias.

Esta semana vamos apresentar os últimos resultados desse projeto pioneiro de televisão universitária na Internet: a TV UERJ Online durante o Colóquio Brasil - Estados Unidos. Há 3 anos, entrava no ar o primeiro telejornal universitário brasileiro diário e ao vivo na Internet. O projeto é resultado de uma paixão e uma decepção. Paixão pela televisão, pelo jornalismo, pelo ensino e uma grande decepção com os caminhos da televisão universitária no Brasil. A Internet se tornou o campo de luta para a guerrilha tecnológica de um jornalismo universitário livre que procura experimentar novas linguagens audiovisuais e criar alternativas para o jornalismo na televisão.

Hoje, o projeto de um telejornal diário se transformou em uma televisão na Internet. A programação experimental aponta novos caminhos para uma migração da televisão para a rede. Novas propostas de programas experimentais como a Casa do Jornalista, um reality show que revela os bastidores da produção de um telejornal, se tornam “realidade”. A dramática falta de recursos financeiros e tecnológicos é compensada pelo entusiasmo e empenho de alunos, professores e funcionários do laboratório de televisão da UERJ. Os resultados positivos e o reconhecimento da academia e da mídia confirmam a necessidade de investirmos em uma televisão universitária que indique alternativas, experimente novos formatos de programação.

A televisão universitária brasileira ainda precisa justificar sua existência perante o público, a mídia e a academia. Mas antes de tudo, precisa de liberdade, apoio e reconhecimento para gerar novos programas e talentos. O poder da televisão combinado com promessas da Internet pode criar novas formas de comunicação.

O jornalismo e a nova televisão universitária também podem contribuir para uma maior compreensão, cooperação e comunicação entre os americanos e brasileiros. Quem sabe um dia, eles resolvem dispensar políticas duvidosas de fichamento de visitantes e, quem sabe, aprendem que a nossa capital não é Buenos Aires.

Fonte: Portal Comunique-se, 30.01.2004.

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