Fórum
De
como a ciência pode ajudar a notícia
Por
Carlos Chaparro
O
XIS DA QUESTÃO - A ciência só se afirma
quando pode ser acreditada. Por isso é sistemática,
metodológica, produz conhecimentos verificáveis.
O jornalismo, tal como a ciência, também depende
da credibilidade. Por isso deveria ter método e assumir
procedimentos científicos.
Jornalismo
não é ciência. Mas também não
é simples técnica, como alguns querem. Quanto
mais complicado fica o mundo, e quanto mais rapidez, quantidade
e complexidade as informações adquirem, integrando-se
ao próprio ritmo da vida, mais qualidades e competências
se exigem do jornalista. Isso, por causa do papel a um tempo
regulador e dinamizador que ao jornalismo cabe, no sucesso dos
conflitos que fazem a atualidade. Não basta à
sociedade que o jornalista relate o que acontece. É preciso
que se torne capaz de compreender e atribuir significados precisos
ao que acontece. E deve fazê-lo rapidamente, inserindo-se
no "hoje" do próprio acontecimento. Neste mundo
em que os sujeitos institucionalizados discursam e agem pelos
acontecimentos que produzem, o jornalismo é submetido
a pressões fantásticas, as pressões da
quantidade e da qualidade dos fatos noticiáveis. Está
submetido, também, a crescentes pressões éticas
e morais, por causa da responsabilidade dos efeitos, já
que as alterações pretendidas ou provocadas pelas
notícias estão inevitavelmente vinculados a interesses
particulares. No espaço e no tempo do jornalismo, disputa-se
o lucro, o poder, o prestígio, a influência, a
dominação. Luta-se pela sobrevivência, pela
dignidade, pela preservação da vida, pelos ideais,
pelo futuro. E uma nova linguagem se desenvolveu e consolidou
na lógica dos conflitos da atualidade: a linguagem do
acontecimento.
Sob
o ponto de vista da técnica e da tecnologia, fazer jornalismo
está cada vez mais fácil. Sob o ponto de vista
da linguagem, torna-se cada vez mais complicado noticiar com
rigor o que acontece. A atribuição de significados
ao que acontece exige, além de compromissos de fundamento
com princípios e valores universais, capacidade intelectual
para apreender e compreender o que não aparece no formato
material dos acontecimentos: os contextos, provavelmente complexos,
e as razões motivadoras e controladoras, provavelmente
ocultas.
Jornalismo,
repita-se, não é ciência. Mas fazia-lhe
bem adotar alguns procedimentos científicos.
Analogias
possíveis
É
procedimento científico, por exemplo, olhar os fatos,
recortá-los, respeitá-los, investigá-los,
decompô-los, relacioná-los com outros - e sempre
voltar a eles, para verificações e aferições.
Estou
convencido de que o jornalismo seria diferente, melhor, mais
confiável, mais rigoroso, se os jornalistas adotassem
profissionalmente esse procedimento como obrigação
metodológica!
É
característica do conhecimento científico transcender
os fatos, ir aos antecedentes, às conseqüências,
às razões que os próprios fatos não
revelam, para que adquiram contextos de significação
que possam torná-los compreensíveis.
Ah!
Como o relato da atualidade seria bem mais interessante e esclarecedor
para os cidadãos leitores, radiouvintes e telespectadores,
se houvesse o cuidado e o esforço jornalístico
de ir além das aparências e da simples transcrição
de recados organizados!
É
vocação da ciência ser analítica:
circunscreve os problemas, estuda-os isoladamente, em profundidade,
para que do desvendamento surja a explicação clara
e precisa.
Que
tristeza me dá quando leio textos de repórteres
ou percebo decisões de editores que reduzem os relatos
jornalísticos a insignificantes atas administrativas,
reproduzindo discursos burocráticos, ou construindo-os.
São profissionais que, talvez mais por preguiça
do que por despreparo, não buscam as contradições
e oposições, ou até as complementaridades
que dão relevância aos problemas da atualidade.
E porque não buscam a essência dos conteúdos,
não a enxergam. Empobrecem o seu trabalho e o conceito
de atualidade, que dá sentido e importância à
profissão.
Ensina
a filosofia da ciência que o conhecimento científico
é verificável. Para assim ser, assume hipóteses
a partir de indícios, de conhecimentos pré-existentes
(que devem ser pesquisados) e de raciocínios lógicos.
Mas a ciência não produz nem aceita verdades a
priori; testa as hipóteses, submete as conjecturas à
prova, para que todas as afirmações se tornem
verificáveis, ainda que para revelar a falibilidade do
método.
Pois
está na hora de os jornalistas acreditarem que o seu
sucesso depende da seriedade metodológica com que constroem
e socializam conhecimento.
Utilidade
e isenção
Há
pelo menos mais duas características da ciência
que permitem analogias proveitosas para o jornalismo. Uma delas,
a utilidade. A ciência é útil, se não
por mais nada, ao menos porque produz conhecimento. E para que
possa ser útil, tem como compromisso e razão de
ser a busca da verdade. Mais do que isso: não apenas
procura a verdade, mas faz questão de aceitá-la,
qualquer que seja, e essa, a outra característica.
A
qualidade das reportagens mudaria para melhor se os jornalistas
se habituassem a trabalhar, em especial nas chamadas grandes
reportagens, com a metodologia e o conceito da hipótese.
Na prática, porém, em vez de testar hipóteses
(quando as têm...), lutam por confirmá-las, porque
gostam delas, ou porque as preferem, ou porque lhes convêm.
Ou por nada disso, mas simplesmente porque são preguiçosos.
Pelos descaminhos da conveniência, das preferências,
do gosto ou da preguiça, há jornalistas que chutam
para o alto a honestidade intelectual, a independência
e o respeito ao dever de informar.
Jornalismo
não é ciência, nem nas ações
nem no discurso. Ainda bem, porque, no mínimo das diferenças,
o jornalista precisa preservar a capacidade de indignar-se.
Mas o jornalismo produziria conteúdos e criaria formas
de melhor qualidade se os jornalistas acreditassem nas vantagens
de trabalhar com método. E se aprendessem a fazê-lo.
Fonte:
REESCRITA, 30.01.2004. <www.reescrita.com.br>
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