Entrevistas
Entrevista
com Ricardo Noblat
O jornalismo sob
o signo da paixão
Por
Paulo
Lima/Balaio de Notícias*
Com
40 anos de profissão, Ricardo Noblat mantém
o mesmo entusias-mo pela profissão cuja trajetória
tumultuada e rica acaba de ser contada em livro.
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Reprodução

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Testemunha
de acontecimentos políticos importantes da história
recente do Brasil, Ricardo Noblat pertence ao bloco dos jornalistas
que pode afirmar, do topo da experiência: meninos,
eu vi. Não somente viu, como escreveu a respeito.
No jornalismo desde os 18 anos, Noblat viu e viveu o famoso
Congresso da UNE em Ibiúna.
Atuando
durante vários anos em Brasília, viu a ditadura
dar os seus estertores finais. Viu a eleição,
agonia e morte de Tancredo Neves, que quase lhe rendeu um furo
de reportagem. Viu a ascensão e queda de Fernando Collor
de Melo, a quem criticou duramente em sua coluna política
do Jornal do Brasil à época, o que acabou lhe
custando o emprego.
Em
Recife, cidade onde nasceu, foi chefe de sucursais de grandes
jornais, como o JB, e revistas, como a Manchete de Adolfo Bloch.
Em sua experiência mais audaciosa à frente de um
jornal diário, pôs de ponta cabeça o Correio
Braziliense, transformando um jornal chapa branca em um periódico
moderno e premiado.
À
frente do Correio, protagonizou um rumoroso embate com Joaquim
Roriz, então candidato à reeleição
ao governo do Distrito Federal, o que lhe valeu não somente
perseguições e agressões que atingiram
também a sua família, como uma vez mais o emprego.
Após
a saída do Correio, Noblat participou do projeto editorial
que mudou o frontispício de A Tarde, de Salvador. Lá
ficou um ano. Vivendo uma espécie de exílio do
Jornalismo, trabalhou 3 anos em Angola, em meio a uma das mais
sangrentas guerras civis da história do continente africano.
Em Luanda, com a equipe da Propeg, agência de publicidade
brasileira, ele trabalhou no marketing político que ajudou
a eleger o presidente José Eduardo dos Santos, opositor
de Jonas Savimbi.
Ricardo
Noblat conta esse e outros causos de sua tumultuada e rica carreira
no livro recém-lançado Ser jornalista, da Editora
Record. Está tudo ali. Dos primórdios no Recife,
com as mil histórias familiares e profissionais por lá
vividas, até a sua turbulenta experiência em Brasília.
Uma jóia rara não somente para estudantes e os
pares do jornalismo, mas para o público em geral, que
tem no relato de Noblat uma declaração de raro
amor à profissão, contada com a concisão
e a clareza de quem, curiosamente, encara o ato de escrever
como um martírio.
Blogueiro
oblige, Noblat não fala dessa nova incursão jornalística
no livro. Mas está aí o seu blog, um dos mais
visitados no Brasil, para quem quiser acompanhá-lo em
ação: http://noblat.blig.ig.com.br/ Na entrevista
que se segue, concedida por e-mail, Noblat fala do novo livro
e da profissão.
BN
- Você começa e termina o livro narrando o episódio
da sua saída do Correio Braziliense. Foi a experiência
mais marcante da sua carreira?
Ricardo
Noblat - Foi uma delas. Talvez, de fato, tenha sido a mais
marcante. Porque foi a mais ambiciosa e a mais longa. Nunca
tinha dirigido antes a redação de um grande jornal.
BN
- Como você observou a divulgação das fotos
que supostamente seriam de Vladimir Herzog? O Correio foi com
muita sede à fonte?
RN
- O Correio cometeu um grave erro, infelizmente corriqueiro
na vida de todos os jornais e da mídia em geral: acreditar
no que queria acreditar. A história das fotos lhe pareceu
tão boa e era boa que ele embarcou nela
sem antes investigá-la com rigor. O mínimo de
rigor teria abortado o erro.
BN
- Você chegou ao Correio sem um projeto definido e encontrou
o caminho caminhando.O que você acrescentaria hoje àquela
experiência, e o que você não faria de novo?
RN
- Acrescentaria todas as lições que aprendi
com aquela experiência. Uma delas: que é preciso
trabalhar com apoio de mais pesquisas. O gosto do leitor tem
que ser investigado a fundo e permanentemente. Os jornais devem
se abrir mais e mais à participação direta
do leitor no seu processo de elaboração diária.
Notícia de ontem é notícia velha
e a maioria deve ceder espaço à publicação
de histórias inéditas. Ousar criar e experimentar
para se distinguir da concorrência. Não temer o
erro.
BN
- Hoje, muitos jornalistas ensinam em universidades. Essa possibilidade
nunca o atraiu?
RN
- Claro que me atrai, e sempre me atraiu. Apenas nunca fui
convidado.
BN
- No livro lemos que, para você, escrever é um
martírio. A experiência atenuou ou acentuou essa
dificuldade?
RN
- Não atenuou. Escrever sempre me martirizou e sempre
me martirizará. Não há escapatória.
BN
- A turma do new journalism injetou sangue novo nas técnicas
narrativas da reportagem. Mas ao longo das últimas décadas,
o gênero sumiu do mapa. O que pode ser feito para trazê-lo
de volta?
RN
- Abrir espaço para que ele se materialize. Investir
tempo e recursos para isso. Tudo depende da mentalidade dos
que comandam as redações. Falta de dinheiro é
desculpa para a má qualidade do jornalismo. O pouco que
se tem (e às vezes não é tão pouco
assim) daria para produzir um jornalismo melhor.
BN
- Qual, ou quais, das reportagens mais famosas do século
passado você gostaria de ter escrito? Por quê?
RN
- Aquela sobre a revolução russa, escrita
por um jornalista norte-americano [Dez dias que abalaram o mundo,
de John Reed]. Aquela outra de um jornalista também norte-americano
sobre os sobreviventes da bomba atômica lançada
em Hiroshima [Hiroshima, de John Hersey]. A que escreveu Joel
Silveira sobre a sociedade paulista [1943: Eram assim os grã-finos
em São Paulo]. A entrevista que fez Samuel Wainer com
Getúlio Vargas.
BN
- E quais personagens gostaria de ter entrevistado? Por quê?
RN
- A boa entrevista não depende tanto do entrevistador
mas do entrevistado. Qualquer dos grandes personagens
do mundo pode render uma ótima entrevista desde
que queira. Gostaria de ter entrevistado Gabriel Garcia Márquez.
BN
- Suponha que você tem 20 anos e a sua experiência
atual. Escolheria ser jornalista?
RN
- Escolheria, sim. Mas teria mais cuidado.
BN
- E apostaria as fichas nos mesmos valores que o guiaram por
esses anos todos?
RN
- Pode parecer presunção dizer que sim. Mas
não faria muita coisa diferente. Seria mais paciente,
talvez. E, ao invés de levar tanto tempo chefiando equipes,
me dedicaria mais à reportagem.
BN
- Você teve uma infância rica em Recife, que o predispôs
à profissão. Jornalismo tem que estar no DNA,
ou esse é mais um dos seus mitos?
RN
- É uma questão de escolha não
é de DNA. Escrever é uma habilidade que se adquire
não se nasce com ela.
BN
- No livro você afirma que escreve por impulso histórico
e político. Não há nem uma pontinha de
narcisismo?
RN
- Claro que há. Mas admiti-lo poderia acentuar meu
narcisismo.
BN
- Numa passagem do livro, o leitor toma conhecimento de que
Paulo Cabral, ex-presidente do Correio Braziliense, estava indo
descansar numa propriedade de Armando Falcão, um dos
arautos da censura à imprensa no País. Não
é muito tênue a linha que separa o jornalismo do
poder, especialmente em lugares como Brasília?
RN
- É muito tênue em toda parte, especialmente
numa cidade como Brasília. A tentação de
se sentir poderoso por conviver de perto com o poder é
o mais perigoso risco que corre todo jornalismo. A maioria sucumbe
a ele.
BN
- Você teve a oportunidade de trabalhar em jornais e revistas.
Qual desses meios mais o estimulou?
RN
- O jornal diário. Por ser um desafio diário.
É mais excitante.
BN
- Passando os olhos nas principais revistas semanais que circulam
no País, qual você considera mais bem sucedida
do ponto de vista editorial? Por quê?
RN
- A Veja, naturalmente. É imbatível no caminho
que escolheu. É a mais bem produzida.
BN
- E quanto aos jornalões? Por quê?
RN
- Acho que O Globo e o Estado de São Paulo (depois
da recente reforma editorial) são os melhores jornais
os mais abrangentes, os que ainda investem em reportagens.
A reforma de O Estado envelheceu o projeto Folha de São
Paulo.
BN
- Em quais sites você costuma bater o ponto diariamente?
RN
- Em mais de 30 deles vivo pulando de um para o outro,
alguns daqui, outros de fora.Além de blogs.
BN
- Como você observou a ida do Prêmio Esso de reportagem
para o Já, um pequeno jornal do Sul?
RN
- Acho que foi uma decisão corajosa e justa da Comissão
Julgadora. O Esso sempre foi um concurso para premiar, basicamente,
a mídia do eixo Rio-São Paulo. Tomara que isso
mude.
BN
- Você acredita que a blogmania é uma onde forte
o suficiente para interferir no jeito tradicional de se fazer
jornalismo?
RN
- De fazer jornalismo, não sei. De acabar com o monopólio
da informação por parte da mídia tradicional,
sem dúvida. De forçar a mídia a abordar
assuntos que não abordaria normalmente, sem dúvida.
BN
- No livro você reafirma sua paixão pelo jornalismo,
mesmo passados tantos anos. Essa é a formula do sucesso?
RN
- Sem paixão não se faz nada que preste
em casa ou no trabalho. Não vejo muita paixão
pelo jornalismo entre os jovens jornalistas e isso é
ruim, muito ruim.
BN
- Em Brasília, você foi testemunha de peripécias
marcantes, e contraditórias, da história recente
do País, inclusive a de ver um presidente de esquerda,
Lula, seguir a via da direita. Conceitos como direita e esquerda
não perdem um pouco a força no Brasil, em que
as relações de amizade se sobrepõem a ideologias?
RN
- Depende do que se entenda por direita e esquerda. Se é
de direita quem não está nem aí para uma
melhor distribuição de renda e para a participação
cada vez maior do povo na definição dos rumos
do país, e se é de esquerda quem pensa o inverso,
digo que os conceitos ainda são válidos e ainda
fazem sentido.
BN
- Se não tivesse sido jornalista, que profissão
você teria seguido?
RN
- Teria sido advogado.
BN
- Que palavras de estímulo você diria ao jovem
que chega hoje ao mercado jornalístico?
RN
- Não perca a fé. O jornalismo entre nós
já foi pior. Mas só avançará mais
se todos acreditarem que isso será possível. Eu
acredito.
*Fonte:
Balaio de Notícias - Webjornal - Quinzenal - Edição
73 - Aracaju, 30 de janeiro a 13 de fevereiro de 2005.
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