Entrevistas
Entrevista
com Francisco Karam
O jornalismo e suas dimensões
Por
Paulo Lima/Balaio de Notícias*
Centrada
no presente imediato, a informação jornalística
permite que os indivíduos ampliem a sua visão
sobre outras realidades, acelerando o processo de conhecimento.
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Reprodução

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A
massa de informações produzida diariamente pela
mídia permite aos indivíduos e à sociedade
ampliar o conhecimento do tempo presente. Sem esse conhecimento,
o presente seria encolhido e pobre, limitado às esferas
familiares, aos vizinhos mais próximos e ao ambiente
de trabalho.
O
que ocorre em Beslan ou Bagdá pode ser compartilhado
por um habitante do Rio de Janeiro ou São Paulo. O conhecimento
simultâneo desses presentes imediatos resulta numa repartição
de saberes, da experiência humana, ampliando a visão
de mundo dos indivíduos.
Cabe
ao profissional da informação recolher pelo mundo
afora uma infinitude de informações e, numa linguagem
acessível, levá-las ao consumo da sociedade, alargando
o seu tempo presente, permitindo que as pessoas tenham acesso
a um todo produzido por áreas distintas do conhecimento.
Num
breve espaço de 24 horas, o jornalismo é capaz
de potencializar informações num ritmo maior do
que há 20 ou 30 anos, graças às novas tecnologias,
propiciando a noção simultânea de diversas
realidades.
O
jornalismo, ao juntar conhecimentos, ainda que mais superficiais,
do conjunto de campos de conhecimento como Física, Matemática,
Biotecnologia, Antropologia, Sociologia, Economia, faz com que
os indivíduos possam potencialmente ter acesso a essas
áreas, e com isso se incorpora no indivíduo uma
aceleração dos processos mais imediatos de informação
e de conhecimento, diz Francisco Karam, professor do curso
de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina.
O
presente imediato e suas implicações no jornalismo
foram tratados por Karam no trabalho O presente possível
do jornalismo, apresentado no II Encontro Nacional de
Pesquisadores de Jornalismo, realizado na Faculdade de Comunicação
da Universidade Federal da Bahia, em Salvador.
De
um lado, todo presente carrega um conjunto de valores, fatos,
testemunhos, interpretações que são resultado
do acúmulo do passado, escreveu ele. De outro,
o futuro existe como possibilidade, projeção,
esperança, movimento em uma ou outra direção.
Hoje,
o presente de um indivíduo se soma ao presente dos demais;
o presente de Beslan se soma ao de Atenas; o de Bagé
ao de Ilhéus. São simultâneos os presentes
e as informações sobre eles resultam em possibilidade
de saberes compartilhados, polêmicas disseminadas, repartição
do mundo vivido.
Como
compartilhar esse presente?
O
ritmo imposto pela dinâmica social implica na produção
diária de um volume brutal de conhecimento. Diante desse
acúmulo, o jornalismo tem que lidar com escolhas, o que
se traduz numa deficiência de informação,
de temas e assuntos que acabam por ficar de fora da pauta da
grande mídia.
A
saída então é a segmentação
em diversos espaços menores, em parte já constituídos
e ainda por constituir, que compensariam esse déficit
informacional, permitindo à sociedade um maior conhecimento
do seu presente imediato.
O
preenchimento dessa deficiência implica numa expansão
da atuação dos jornalistas, através da
segmentação, do surgimento de novos formatos,
em lugar do estreitamento do seu raio de ação,
conforme alguns críticos costumam preconizar.
É o que analisa Francisco Karam, que acumula em seu currículo
uma longa experiência acadêmica e jornalística.
Suas reflexões sobre jornalismo lhe renderam diversos
artigos e dois livros: Jornalismo, ética e liberdade
(Summus, 1997) e A ética jornalística e o interesse
público (Summus, 2004).
Na
entrevista que se segue, concedida ao final do encontro de pesquisadores,
em Salvador, Karam discute sobre o objeto do jornalismo e suas
perspectivas futuras.
BN
- Em sua reflexão, o senhor indica que, ao lidar potencialmente
com o presente, o Jornalismo alarga a dimensão do tempo
vivido pela sociedade e pelo indivíduo. Como se dá
esse alargamento?
Francisco
Karam O jornalismo, ao juntar conhecimentos, ainda
que mais superficiais, do conjunto de campos de conhecimento
como Física, Matemática, Biotecnologia, Antropologia,
Sociologia, Economia, faz com que os indivíduos possam
potencialmente ter acesso a essas áreas, e com isso se
incorpora no indivíduo uma aceleração dos
processos mais imediatos de informação e de conhecimento.
Então esse é um aspecto.
O
outro é que a multiplicidade de mídias hoje permitidas
pela tecnologia também pode potencialmente ajudar os
indivíduos a participar das particularidades de outros
grupos e outras culturas e conhecer um pouco mais dos conteúdos,
até mesmo por conta própria.
Nesse aspecto, o ritmo dos indivíduos, embora tenha as
mesmas 24 horas diárias que tinha há cem anos,
faz com que ele compartilhe mais, porque os indivíduos
também podem partilhar essa experiência de conhecimento
entre si na própria comunidade. Ao mesmo tempo o conhecimento
de alguns aspectos da comunidade pode ser repassado por meio
do acesso à tecnologia e repartido junto a outros.
Então,
nesse sentido, me parece que o indivíduo hoje tem alargado
seu presente, porque não é apenas um presente
de um ritmo lento. Isso pode inclusive ser um problema para
ele, em termos de estresse informativo, em termos de qualidade
de vida. Mas de alguma forma eu acho que o jornalismo ajudou
a alargar esse presente imediato, ainda que nessas 24 horas.
BN
- Uma das críticas feitas ao jornalismo é que
está colado ao presente. De que forma ele pode contribuir
para problematizar o futuro?
F.K.
Toda escolha de cobertura, de fontes, sempre faz
alguma uma interpretação que, ainda que sobre
o presente seja, ou sobre o passado recomposto no presente,
sempre é uma interpretação que tem alguma
perspectiva de futuro: se ele se confirmar, se deve ser melhorado,
a questão do direito à vida, a questão
dos índices inflacionários, a questão dos
desabrigados, a questão dos sem-terra.
Tudo
que é fato, que vira fato, também tem uma perspectiva.
É preciso haver ou não reforma agrária?
É preciso melhorar ou não a renda? É preciso
aumentar o salário ou não? E o que, tomando ou
não uma decisão, significa na vida dos indivíduos?
Então, há sempre um horizonte de futuro no presente
jornalístico.
BN
- A tecnologia forneceu ao jornalismo as bases para o alargamento
do presente imediato. De que forma essa tecnologia modificará
o jornalismo no futuro?
F.K.
Eu não sei o que seria exatamente o futuro
do jornalismo, mas eu acho que existem regras técnicas
e morais que devem ser buscadas e mantidas, para que o jornalismo
consiga ainda distinguir informação do tipo jornalística
de outro tipo de informação.
Eu
acho que hoje há uma possibilidade infinita de acesso
à informação, ao conhecimento, por meio
de milhões de sites, revistas, jornais, TVs, canais comunitários,
rádios, e em tudo isso há uma facilitação
tecnológica.
A
questão do acesso efetivo, qualitativo, depende também
do acesso financeiro, da renda, da educação que
permitiria isso. Então depende também de um projeto
de estado, esse acesso, e, ao mesmo tempo, saber ter um critério
seletivo e crítico em relação àquilo
que seria uma informação com credibilidade e boa,
distinguindo daquilo que seria apenas fofoca e informação
descartável.
BN
- Até que ponto essas transformações, muitas
em curso, modificam a essência do jornalismo, da forma
como é hoje praticado?
F.K.
O jornalismo tem um papel incontornável. Ele,
a cada momento, a cada dia, serve para que as pessoas, por meio
de mediadores qualificados, conheçam um pouco mais sobre
os outros, sobre outras áreas.
Se
a gente pensar se os médicos e sociólogos vão
fazer isso, até podem fazer, mas eles estão preocupados
com a sociologia, com a medicina, com a engenharia. Então
eles não têm tempo de fazer apuração,
de buscar determinadas fontes, de colocar isso com os critérios
técnicos de estruturação de linguagem,
no texto.
Então,
algum profissional que se dedica a isso o tempo inteiro, da
manhã à noite, tem mais condições
qualitativas de fazê-lo, porque isto ele vai desenvolver,
seja um faro, seja a capacidade de busca de determinadas fontes,
seja a estruturação de texto. Tudo isso faz dele
um profissional, ele vive disso.
É
diferente de outros profissionais de outras áreas, que
são essenciais à humanidade, mas que não
são iguais a este profissional, o profissional da informação
jornalística.
BN
- Esse alargamento do presente vai contribuir para o surgimento
de novas mídias?
F.K.
Novas mídias, não sei. Podemos pensar
em alguma, pós-internet. Mas hoje a internet é
uma convergência de mídias, de revistas, de jornais,
de rádio, de televisão, de imagens fotográficas.
A gente pode dizer que o que vão se multiplicar são
formatos, vão se multiplicar veículos, desde canais
comunitários até aqueles com abrangência
planetária.
Tudo
isso aí é possível, só que é
possível acessar daqui de onde estamos, Salvador, um
meio em Bangdalesh, e as informações que esse
meio proporciona de lá daquela região.
Nós
vamos sempre estar de alguma forma desinformados, não
podemos acompanhar tudo, mas também vamos ter algum grau
de informação permitido por essa tecnologia, e
isso depende em maior ou menor grau de desenvolvimento de alguns
projetos nacionais, de inclusão social, de inclusão
digital.
BN
- Que tipo de perfil caberá ao jornalista do futuro,
em contraposição ao que se tem hoje?
F.K.
Como os jornalistas não conseguem dar conta
de tudo que ocorre - porque eles não são deuses
nem semideuses, eles são profissionais da informação,
que acabam se especializando numa área, tanto no formato
tecnológico, quanto na questão de conteúdo
-, ao se especializarem do ponto de vista de conteúdo,
eles vão desenvolver determinados conhecimentos, capacidade
de buscar informações em bancos de dados, de entrevistar,
apurar e ouvir determinadas fontes naquela área, por
exemplo, na política, na economia e na cultura.
Não
é que elas não estejam relacionadas, mas são
tantas informações e tão infinitos conhecimentos
dessas áreas, que é preciso que ele se dedique
mais tempo a isso e menos a outras coisas. Então essa
especialização é inevitável, a não
ser que ele dominasse tudo, o que seria impossível.
BN
- Até que ponto a celeridade imposta pelo ritmo da sociedade
justifica o imediatismo da mídia?
F.K.
Não tem como escapar disso, a não ser
que o jornalismo seja outra coisa, por exemplo, sociologia.
Mas o que é que acontece, sendo jornalismo? Qual é
o calendário humano? Um dia tem 24 horas, um ano 365
dias.
Só
que a sociedade se coloca um ritmo hoje que produz muito mais
informações e conhecimento do que produzia há
cem, cinqüenta, dez anos ou dois anos atrás.
Ou
o jornalismo tenta acompanhar esse ritmo, seja em grandes jornais
de circulação, nacional ou internacional, seja
em pequenos veículos especializados ou segmentados -
e ao tentar fazer isso obviamente ele tem problema de celeridade
-, ou abre mão disso e começa a dar informações
anuais, a cada trezentos dias teremos informações
sobre o mundo, sobre Salvador, a Bahia, o Brasil.
Mas
aí as pessoas vão dizer: não quero,
estamos agindo no cotidiano e no imediato, nós não
temos como ter informações a cada dois dias, porque
o calendário é imediato.
BN
- O futuro então será de crescimento do jornalismo,
ao invés do seu encolhimento?
F.K.
Acho que ele pode crescer, vai depender muito da
situação, dos países, do estado, da valorização
da profissão, e vai ter que segmentar mesmo, é
inevitável. O volume de informação disponível
hoje é muito grande.
Os
meios, as instituições públicas e privadas,
categorias profissionais, empresariais, organizações
não governamentais, universidades prefeituras, câmaras
de vereadores, senado, governos estaduais, câmara dos
deputados, Governo Federal e várias outras instituições,
muitas que existem, podem desenvolver os seus meios próprios
de informação e até dirigir isso a um público
específico e também a um público que lê
esses seus produtos, como lê os grandes veículos.
Às
vezes há mais circulação e informação
nesses segmentados do que em grandes veículos. Eu acho
que essa é uma tendência, e eu a vejo com bons
olhos.
*Fonte:
Balaio de Notícias - Webjornal - Quinzenal - Edição
70 - Aracaju, 05 a 19 de dezembro de 2004.
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