...................................................................... pjbr@eca.usp.br









...
...
Entrevistas

"Vivemos uma grande época para o jornalismo cultural"

Entrevista concedida por Jotabê
Medeiros a Marcelo Januário*

Reprodução

O jornalista Jotabê Medeiros é formado em Comunicação pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Paraná, e já atuou como crítico na revista "SomTrês", foi subeditor da revista "Veja São Paulo", editor-assistente e repórter da "Folha de S.Paulo", editor-executivo da rede de televisão "CNT/Gazeta" e, desde 1994, é repórter de cultura do jornal "O Estado de S.Paulo".

Finalista do Prêmio Comunique-se de Jornalismo de 2004, Jotabê Medeiros concedeu a seguinte entrevista, reproduzida com exclusividade pela Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro, onde falou sobre os rumos do jornalismo cultural no Brasil. (MJ)

Marcelo Januário - Aparentemente, é consenso que o jornalismo cultural brasileiro vive uma grande crise. Na sua opinião, quais são os grandes "problemas" que esta área vivencia na atualidade?

Jotabê Medeiros - O jornalismo como um todo vive uma crise, da qual não se pode excluir o jornalismo cultural. Crise de empregos, degene-rescência dos cursos de comunicação, aviltamento das relações profissionais no âmbito das grandes empresas. A crise do texto, a crise ética, a "foquização" das redações (utilização maciça de "focas", para baratear a produção), o foco exagerado na indústria cultural: tudo contribui para que haja uma sensação de que "no passado era melhor".

Eu, no entanto, discordo um pouco dessa unanimidade. Conheci redações no passado nas quais o jornalismo cultural era praticado em compadrio, com panelinhas dominando a sua prática. Havia, é claro, notáveis praticando o gênero, da mesma forma como hoje, mas isso não era a regra.

MJ - O jornalista cultural, que já viveu dias gloriosos no país, hoje contenta-se em ouvir (e criar) celebridades?

Reprodução

"É preciso estimular a prática
da reportagem, em vez de criar monstrinhos que já nascem
pensando que são o novo
Harold Bloom." [visto acima]
Jotabê Medeiros

JM - Como eu disse acima, discordo um pouco dessa avaliação.

No jornalismo cultural brasileiro, hoje continuam escrevendo Sérgio Augusto, Carlos Heitor Cony, Ruy Castro, Drauzio Varella, Lya Luft. Até pouco tempo, tínhamos Rachel de Queiroz, Otto Lara Resende, o próprio Francis. É preciso fazer uma distinção entre reportagem cultural, crítica, crônica. Esse conjunto de gêneros é que forma o jornalismo cultural.

Há deficiência na reportagem? Eu concordo. Há deficiência na crítica hoje? Eu concordo. Perdemos grandes nomes da crítica do teatro e do cinema, nomes que não foram repostos, como Décio de Almeida Prado.

MJ - Qual foi o "auge" do jornalismo cultural no Brasil?

JM - Houve um momento de euforia, nos anos 80, em que se apostou no modelo do new journalism americano. Sedimentou-se a figura do jornalista pop nos cadernos culturais, um personagem ligado principalmente à crítica de rock e literatura popular. Esse leque foi se ampliando, com a chegada de novos gêneros, até os anos 90.

Há quem diga que essa foi uma "era de ouro" do jornalismo cultural. Eu discordo. Vivi aquela época. A produção cultural era mais concentrada nas mãos de poucos, porque havia também uma concentração dos meios de produção.

Cito o exemplo da música: uma banda de rock só "acontecia" se tivesse a chancela da indústria fonográfica. Só o jornalista mais privilegiado, com a possibilidade de viajar ao exterior, é quem tinha acesso aos novos movimentos estéticos e culturais. Tanto o consumo cultural quanto a crítica cultural eram mais elitizados. Acho que hoje, com o auxílio da internet, das novas formas de produção, com a chegada das técnicas de trocas musicais na internet.

Acho que vivemos uma grande época para o jornalismo cultural, uma época que, paradoxalmente, é a que provoca críticas também mais exacerbadas.

MJ - Como o novo perfil de Guia de Consumo, ou "listão" (Cf. Piza, 2003), concorre com o jornalismo cultural nas páginas dos jornais?

JM - O "Guia de Consumo" existe, o Daniel Piza está certíssimo. Ele subordina, de fato, questões mais relevantes a outras insignificantes. A meu ver, isso tem a ver mais com a fragilidade comercial das empresas de comunicação, reveladas por recente abalo na sua saúde financeira. Mas o jornalista que se submete cegamente a esse estado de coisas pratica um tipo de corrupção, de "colaboracionismo".

Por exemplo: no governo militar, havia também jornalistas que praticavam um jornalismo acrítico, subordinado aos interesses do governo, acovar-dado. Esse é um problema ético, eternamente ligado à prática da profissão, eu diria.

MJ - O que pensa sobre o assédio do departamento de marketing sobre as editorias de cultura e seu reflexo na edição dos cadernos?

JM - Não é o maior problema da profissão. As assessorias representam um interesse. Nem sempre esse interesse é espúrio. Há fatos noticiosos que passam pelas mãos dos assessores. Depender unicamente desses fatos, ou tornar assessores fontes permanentes de informação, isso é uma deformação profissional. Rejeitar ideologicamente as assessorias (que são um fenômeno típico do capitalismo) é besteira.

Elas existem, estão aí. Cumpre saber lidar com elas sem se vender. O principal problema do jornalismo cultural, a meu ver, é que os jornalistas que o praticam não têm mais a noção do que é informação exclusiva e o que não é. Não buscam a informação exclusiva como regra, mas o release exclusivo. Isso é uma barbaridade.

MJ - Qual é a chave para o jornalismo ser uma atividade tão vibrante como a própria cultura?

JM - Reciclar-se. Olhar com mais atenção nas "entrelinhas" (aquilo que acontece no seu País, na sua realidade), em vez de se ater somente à produção massiva dos grandes centros.

Ser cosmopolita sem assumir a identidade dos outros. Estimular a prática da reportagem, em vez de criar monstrinhos que já nascem pensando que são o novo Harold Bloom.


*Marcelo Januário é mestrando na ECA/USP e professor de jornalismo da UNIP/SP. Entrevista realizada em São Paulo, 14.12.2004.

Voltar

www.eca.usp.br/pjbr