Entrevistas
"Cada
vez mais mal-feito"
O jornalismo brasileiro segundo Antonio Costella
Entrevista
concedida por Antonio Costella a Marcelo Januário*
Exemplo
de profissional com múltiplos talentos e interesses diversos,
o paulista Antonio Costella conseguiu reunir em sua consagrada
trajetória internacional o jornalismo, a advocacia, as
artes e o ensino. Artista com exposições que correm
o mundo, também é um escritor prolífico
com quase três dezenas de livros publicados e que recebeu
em 2002 o Prêmio "Luiz Beltrão" de Maturidade
Acadêmica, em um justo reconhecimento público de
sua destacada atuação intelectual e pedagógica.
O
autor de "O Controle da Informação no Brasil"
(1970) concedeu esta entrevista, na qual fala sobre crise nos
jornais e jornalismo cultural, no dia 11 de dezembro de 2004,
na biblioteca da "Casa da Xilogravura", museu localizado
entre as montanhas e araucárias de Campos do Jordão/SP,
um projeto ímpar de amor à arte do qual é
idealizador e diretor desde 1987. (MJ)
Marcelo
Januário: Que análise o sr. faz da cobertura jornalística
de cultura nos grandes jornais de São Paulo na atualidade?
Antonio
Costella: Há um problema que eu acho que é
base de tudo, de todas as crises dos jornais: é um problema
essencialmente financeiro, ou econômico, melhor dizendo.
Os jornais estão perdendo fôlego continuamente;
daí para se utilizar os [modelos] que eles acham que
ficam mais viáveis, para suportar as perdas (...), eles
estão cada vez fazendo mais mal-feito o serviço
deles, porque tem menos gente apta a fazer, acho que a base
de tudo é isso.
Foto:
AE/Reprodução
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E
um cara que tem de fazer mil coisas ao mesmo tempo, porque
foram despedidos os outros três colegas que ajudavam
a fazer, nunca vai poder fazer uma coisa bem-feita.
Acho
que o ponto de partida é esse. Quer dizer, eles
vêm sistematicamente despedindo gente, despedindo
gente, despedindo gente. Está certo que houve coisas
que simplificaram muito, é lógico, e o jornal
não precisa ter aquele monte de linotipos, faz
tudo rapidamente em computador. Mas por outro lado, você
tinha revisão, o jornal poderia sair melhor feito
do que hoje com o corretor de texto.
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MJ:
Em certos aspectos, a tecnologia compromete a qualidade?
AC:
O corretor de texto simplificou? Sim, mas eles despediram um
monte de gente... Às vezes o texto para aparecer nas
páginas do jornal ele passava por cinco, seis mãos.
Agora não, praticamente o sujeito redige, já vai
para o espaço com a diagramação eletrônica;
às vezes não lê, é um cara só
que escreveu e ele mesmo, na correria, nem ele lê.
Então,
acho que o problema todo básico está por aí,
quer dizer, na medida em que o jornal, eu não sei se
por ganância ou por questão de sobrevivência
(pode ser que alguns casos sejam ganância e outros sejam
questão de sobrevivência), vai despedindo gente,
despedindo gente, vai ficando cada vez com menos mão-de-obra.
O jornalista por outro lado, vai ficando cada vez mais sobrecarregado.
É
lógico que vai descer a qualidade, inclusive porque você
ao invés de ter quatro sujeitos, um mais focado em um
assunto, outro mais noutro e outro em mais outro, um que entende
mais de teatro, outro que entende de música, outro que
entende de pintura, você vai acabar tendo um sujeito que
vai ter de escrever sobre tudo.
É
claro que eu não estou falando de todos os jornais igualmente,
mas depende do tamanho do jornal e das possibilidades dele.
MJ:
Por exemplo?
AC:
Se o jornal recebe ou se o jornalista recebe o release pronto,
e texto pronto, e artigo que a editora manda de um professor
de faculdade pronto, é óbvio que ele vai usar
isso; por outro lado, quem é que pode mandar todo este
material pronto? Há um diferente nível de cartas.
Se você tem uma empresa grande que tem uma grande equipe,
quer dizer, de certo modo foi como fizeram os bancos e como
fez o governo com todo mundo. Nos jornais eles fizeram uma coisa
parecida, eles terceirizaram uma porção de serviços.
Então
você vai no banco, se você insiste em ir ao guichê,
normalmente os funcionários ficam até bravos;
eles querem que você vá à máquina
e faça tudo na máquina, porque aí eles
não precisam por um funcionário para fazer, você
que está fazendo! O governo também. Quando eu
comecei a advogar, por exemplo, para pagar as custas de um processo,
era o cartório que preenchia, uma guia... está
bom, era antiquado, mas tudo bem, era o cartório que
estava fazendo, não era eu! Aí você pegava
aquela guia e ia lá e pagava, depois ia e entregava no
cartório.
Hoje
tudo o que você paga, seja no fórum, seja fora
do fórum, o teu imposto de renda, tudo o que se faz,
você que tem de preencher essa guia. Seja através
de um programa de computador, está no fim lá da
sua declaração de renda, onde clica e ele preenche,
ou seja, preenchendo e botando na máquina de escrever
ou escrevendo à mão, mas na verdade o governo
passou para você a obrigação de fazer um
troço que antigamente ele fazia.
Eu
acho que os jornais estão fazendo um pouco essa mesma
coisa, quer dizer, eles transferem para a sociedade uma parte
do que antigamente eles faziam.
MJ:
A terceirização é boa para as empresas
e ruim para o jornalismo?
AC:
Nas empresas jornalísticas tem uma diferença
fundamental: preencher uma guia de imposto de renda é
uma coisa que não tem nuanças, você vai
botar uns números ali e sua conta sai pelos números,
encerrado o assunto. Enquanto que você fazer uma apreciação
crítica de uma exposição de arte, ou fazer
uma apreciação de um novo livro etc., isso é
uma coisa que tem muitas nuanças, é uma coisa
que exige muito mais sutileza.
A
hora que você joga para o particular isso para ser pronto,
que eu vou ao [mundo] exterior fazer isso, de um certo modo
você fica na mão desse mundo exterior. É
lógico que uma editora vai querer mandar um texto que
diga que o livro é bom. Todo release sempre vai exaltar
as virtudes daquilo que você está querendo vender.
E
acho que o jornal vai perdendo o senso crítico, na medida
em que ele usa isso servilmente. É que há uma
crise mesmo, mas qual é a raiz de toda essa crise? É
a redução, infelizmente, das redações.
Aí o dono do jornal pode dar uma explicação
que, digamos, ele sente e eu não, dizer 'não,
é que a nossa tiragem que antigamente era 500 mil, hoje
é 300 mil, porque as pessoas estão migrando para
outras mídias'.
Bom,
isso é um outro assunto, é um assunto, é
problema dele, não o meu problema como leitor, ou não
o meu problema como, digamos, editor, como artista plástico
ou, enfim, como alguém que quer divulgar a arte.
MJ:
Há uma "crise da crítica" no jornalismo
brasileiro? O que a caracteriza?
AC:
Seja qual for a razão última, eu acho que
ela passa por esse problema, o enxugamento das redações,
a economia e da tentativa de jogar para fora da redação
o trabalho que seria da redação. Então,
é uma crise mesmo! É incrível como, ou
há coisas chatíssimas para se ler, ou há
coisas totalmente inócuas, que você não
precisa [de] ninguém [para] te dizer, que não
precisa ler. É coisa assim, estes artigos, que às
vezes você encontra por aí, são chatíssimos
para o leitor comum; para aquele professor universitário
que trata daquele assunto especificamente, este artigo tudo
bem, para os colegas dele que tratam daquele assunto, tudo bem.
Agora
existe uma diferença muito grande entre uma tese acadêmica
e uma notícia de jornal. Eu quando leio quero ler notícia
de jornal. É muito chato! Aquilo, acho que só
professor de literatura que lê, ou que lia. Eu como leitor
de jornal, que não estou acompanhando os movimentos literários
do universo e o que acontece em Paris ou Nova Iorque, e nem
o que acontece no Rio e em São Paulo eventualmente, é
muito específico; Eu acho que é uma coisa muito
esquisita. Não
é para o leitor comum.
Então,
ou você tem essas coisas, que são muito especializadas,
que podem caber bem em uma revista específica: o camarada
vai procurar aquela revista porque ele é da área
e quer saber daquilo. Mas não no Estadão ou na
Folha! Ou então num caderno específico, tudo bem,
então o sujeito não está a fim de ler isso,
ele tira aquele caderno e pronto. Por exemplo, eu não
entendo nada de esporte e não acompanho esporte. Eu pego
o jornal e a primeira coisa que eu tiro, para não ficar
pesando, e jogo fora, é o caderno de esportes. Tudo bem!
Então você tem de setorizar isso. Ou então
coloca umas coisas completamente óbvias, que não
tem... meio termo. Eu acho que está havendo... Me lembro,
antigamente o Estadão... Agora ficou tudo uma pasteurização
geral, quer dizer, todos, um fica imitando o outro.
A
Folha fez aquela reforma, acho que foi o Augusto Nunes que fez,
aí o Estadão, ao invés de procurar um outro
caminho, fez uma cópia da própria Folha, e ficam
copiando... Você viaja, em qualquer parte do Brasil, parece
sempre que você está vendo o mesmo jornal. Agora,
no caderno mais setorizado (...) que você sente. 'Aqui
[é] para Ouro Preto, eu não daria em São
Paulo'; ou então: 'não, eu estou em São
Paulo, ou estou no Rio'. O resto, parece que todos ficam se
copiando. Então, eu me lembro quando o Estadão
não tinha (setorização), tudo o acontecia
em São Paulo naquele tempo em matéria de arte,
ele divulgava.
MJ:
O jornalismo cultural brasileiro contemporâneo, como afirma
o crítico Sérgio Augusto, é um "retrato
pouco lisonjeiro da cultural nacional"?
Foto:
MVC
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AC:
Eu me lembro quando eu lancei um livro, "Introdução
à Gravura e História da Xilogravura"
[obra que Costella lançou em 1984], (...) em uma
ou duas colunas, ele colocou ali informações
sobre vários assuntos, quer dizer, não era
muito, mas havia uma cobertura efetiva. Hoje, você
abre o Caderno 2 ou a abre a Ilustrada, e você vê
uma página inteira de um assunto, fizeram sobre
mil outros assuntos que não são lidos. Ou
você pega, o que é mais irritante, a primeira
página do Caderno 2 ou da Ilustrada, e é
um anúncio que ocupa a página inteira. Acho
que têm limites as coisas [riso], você compreende?
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Acho
que você pegar a capa de um livro e botar anúncio
da editora na capa, ou anúncio na terceira capa, é
uma dose excessiva. Está bom que lá no fim do
livro você põe anúncio, ou que num cantinho
você põe um agradecimento... Até na capa,
que você ponha uma notinha, 'esse livro foi publicado
graças ao patrocínio...'. Hoje
existem mil outras maneiras de a pessoa se informarem também,
sobre essas coisas. Televisão, rádio, outdoor,
a internet, principalmente, quer dizer, (...) você lê
a primeira página de todos os jornais do mundo.
MJ:
O que é mais comprometedor no atual modelo?
AC:
Por exemplo: eu pago a assinatura do jornal, eles me mandam
todo dia um caderno, um troço que tem na primeira página
inteira anúncio, só numa manchete em cima, só.
Eu acho isso meio... Então, aí entra essa coisa,
que quer o máximo investindo o mínimo em troca.
Há umas outras coisas aí, que são coisas
pessoais, que aí... [sobre] o rock, o pop, não
sei o quê, nem sei o que é isso. Mas aí
é um outro assunto, eu acho que eu é que estou
fiquei velho, tudo bem, (...) aquilo que as pessoas querem mesmo...
O que eu critico é botar uma página inteira de
um [anúncio] sobre cem apresentações que
estão sendo feitas no dia.
Naquele
tempo em que eu estava me referindo, aquela notícia do
livro, dei um exemplo porque justamente me veio à cabeça;
mas era assim que funcionava. Está cheio de notícias
de livros meus no passado, e que saiu livro tal não sei
o quê, tem um monte de outras coisas ensarilhadas, de
tal modo que o sujeito com pouco espaço que tinha para
cultura, não era um caderno inteiro, compreende, eram
algumas páginas: às vezes uma página só,
mas que naquele pouco espaço ele informava muito mais.
Inclusive,
claro, quando o sujeito dava, por exemplo, quando saiu "Xilopoemas"
[em 1982], era glorioso, porque tinha tão pouco espaço
que ganhar tanto espaço assim era um negócio...
Mas, havia muito mais variedade. Por quê? Porque havia
muito mais jornalismo, conferiam o que estava acontecendo no
mundo. Por outro lado, hoje existem mil outras maneiras de a
pessoa se informarem também, sobre essas coisas. Televisão,
rádio, outdoor, a internet, principalmente, quer dizer,
(...) você lê a primeira página de todos
os jornais do mundo.
*Marcelo
Januário é mestrando em jornalismo na ECA/USP e
professor da UNIP/SP.
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