Entrevistas
Crônica
de tempos amargos: a perigosa
apostila sobre a técnica do lead
Depoimento
de José Marques de Melo a Cecília Figueiredo*
Revista
ADUSP - Professor, entre os documentos do Dops, existe um pedido
do MEC às diversas agências de inteligência
para obter um histórico de informações
sobre o senhor. O sr. tem conhecimento desse documento, no qual
citam em resposta uma suposta ligação sua com
as Ligas Camponesas e com Miguel Arraes?
JMM
- Nunca fui informado oficialmente sobre tais diligências
do DOPS ou dos serviços mantidos pelo SNI no Ministério
da Educação. Era fato público e notório
que eu participara da equipe do primeiro governo de Miguel Arraes,
como chefe de gabinete da Secretaria de Educação
e Diretor do Movimento de Cultura Popular, durante o período
1962-1964. Eu havia colaborado com um governo legalmente constituído,
embora deposto pelo golpe militar de 1964.
Naquela
ocasião, ocupava função pública
na SUDENE - Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste.
Requisitado pelo Governador Miguel Arraes para trabalhar com
o Secretário de Educação Germano Coelho,
retornei àquela repartição no início
de abril de 1964, onde exerci o cargo de Diretor do Serviço
de Editoração e Divulgação. Transferi-me
em 1966 para São Paulo, depois de haver sido intimado
para depor em vários IPMs, na cidade do Recife, sem haver
sido condenado em nenhum deles.
O
ambiente político dominante em todo o Nordeste era assaz
opressivo, o que determinou a migração de vários
colegas da minha geração para o Sudeste. Meu ingresso
nos quadros docentes da USP deu-se através de concurso
público. Pertenci à equipe de fundadores da Escola
de Comunicações Culturais, onde passei a exercer,
desde 1967, o cargo de Diretor do recém criado Departamento
de Jornalismo.
Mas
não me surpreendo que tais investigações
tenham existido, pois fui vítima de intensa perseguição
no âmbito da Universidade de São Paulo desde 1970.
Tudo começou quando coordenei a II Semana de Estudos
de Jornalismo, promovida pelo Departamento de Jornalismo da
Escola de Comunicações e Artes, sobre o tema "Censura
e Liberdade de Imprensa".
A
decisão de focalizar esse tema foi tomada coletivamente
pelo Conselho do Departamento, sob a minha presidência,
por iniciativa da representação estudantil. Vivíamos
então a ameaça de censura prévia aos livros
publicados em território nacional, agravando o controle
que o governo militar impusera aos jornais e revistas, depois
da edição do AI-5.
Transmiti
a deliberação do colegiado departamental ao então
Diretor da ECA, Prof. Dr. Antonio Guimarães Ferri, que
a submeteu aos escalões superiores no âmbito da
Reitoria da USP. Concomitantemente, e também por deliberação
departamental, enviei telegrama ao então Ministro da
Justiça, Dr. Alfredo Buzaid, convidando-o para participar
do evento, no sentido de explicar as motivações
da recente legislação que restaurava a censura
à edição de livros no país.
O
Ministro Buzaid enviou-me telegrama declinando do convite, mas
desejando êxito ao seminário. Enquanto isso, o
serviço de segurança, que funcionava sigilosamente
na Reitoria da USP, chamou o Diretor da ECA e recomendou o cancelamento
da semana de jornalismo. Mas, diante do telegrama recebido do
Ministro da Justiça, que implicitamente autorizara o
evento, o Dr. Ferri lavou as mãos e transferiu ao Departamento
de Jornalismo o ônus da sua manutenção.
O
nosso conselho decidiu por unanimidade realizá-lo tal
como estava programando, mobilizando os jornalistas Julio de
Mesquita Neto (presidente da Associação Interamericana
de Imprensa), Danton Jobim (presidente da Associação
Brasileira de Imprensa), o Cardeal Dom Avelar Brandão
(Bispo responsável na CNBB pelo Departamento de Opinião
Pública), além de outras personalidades expressivas
da vida intelectual brasileira, entre elas os escritores Paulo
Emilio Salles Gomes e Ligia Fagundes Telles.
A
presença de figuras estranhas à comunidade acadêmica,
no Auditório da ECA, indicava que estávamos sendo
observados pelos órgãos de segurança. Isso
se confirmou quando, na semana seguinte ao evento, recebi a
visita de agentes policiais, requisitando as fitas gravadas.
Prevendo aquela possibilidade, havíamos providenciado
cópias dessa documentação, que foi preservada
e mantida até o fim do regime militar, quando publicamos,
anos depois, os anais daquela semana de jornalismo.
Mas,
desde então, fui advertido informalmente de que minha
vida estava sendo vasculhada pelos agentes policiais. Eu sempre
respondi dizendo que nada tinha a temer, por estar desvinculado
de atividades clandestinas. Aliás, esse tipo de intimidação
foi-me reiterada várias vezes, inclusive nos episódios
que marcaram o desligamento arbitrário do Professor José
Freitas Nobre do quadro docente do nosso departamento e a prisão
e posterior demissão do Professor Thomas Farkas, ensejando
atos de resistência simbólica no âmbito do
Curso de Jornalismo.
Mas
a pá de cal foi jogada somente em 1972, quando fui processado
por atividades subversivas, com base no famigerado Decreto 477,
editado com a finalidade de enquadrar professores e estudantes
considerados perniciosos ao regime militar. Sintomaticamente
o processo foi aberto logo após a IV Semana de Estudos
de Jornalismo, que havia reunido mais de mil estudantes, procedentes
de todas as regiões brasileiras, para discutir as tendências
do ensino de jornalismo.
Tratou-se
de um processo kafkiano, fundamentado numa apostila produzida
pelos alunos com base numa aula que eu ministrara em 1968 sobre
a "técnica do lead". A acusação
era de que eu insuflava, em minhas aulas, os estudantes de jornalismo
contra o regime militar. A comissão processante da USP
me condenou liminarmente, recomendando a demissão sumária
dos quadros docentes da universidade. Mas, como a decisão
final cabia ao Ministro da Educação, o processo
foi enviado a Brasília. Para surpresa dos meus denunciantes,
o Ministro Jarbas Passarinho me absolveu, garantindo a permanência
nos quadros da USP.
Apesar
disso, fui afastado da direção do Departamento
de Jornalismo e impedido burocraticamente de exercer qualquer
representação universitária dentro do país.
Dediquei-me durante todo a ano letivo de 1972 a concluir minha
tese de Doutoramento. A defesa ocorreu em fevereiro de 1973,
em solenidade histórica, não apenas por ter sido
o primeiro doutorado em Jornalismo do Brasil, mas também
pela solidariedade recebida de mais de uma centena de amigos
e colegas, que lotaram o auditório principal da ECA.
Minha
aprovação repercutiu intensamente, sendo noticiada
em jornais e revistas de todo o país, bem como no exterior.
Esse episódio irritou os agentes de segurança
instalados na Reitoria da USP, que temiam meu retorno à
liderança acadêmica no âmbito da Escola de
Comunicações e Artes, pois a instituição
estava em véspera de conquistar sua autonomia, passando
a ter Congregação própria. Fui então
aconselhado a sair do país por algum tempo.
Temeroso de represálias institucionais, tendo em vista
o agravamento do quadro político nacional, obtive bolsa
de estudos da FAPESP para realizar programa de pós-doutorado
na Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos da América.
Ali permaneci durante um ano, regressando no início do
segundo semestre de 1974. Iniciara normalmente minhas aulas
na pós-graduação, quando fui surpreendido
por um ato unilateral da USP.
A Reitoria decidira não renovar meu contrato de trabalho,
apesar do compromisso assumido previamente de manter meu vínculo
trabalhista durante dois anos, após o término
do programa de pós-doutorado.
Solicitei
uma entrevista ao então Reitor, Dr. Orlando Marques Paiva,
e este, muito constrangido, recebeu-me reservadamente em sua
residência, alegando que tomara a decisão pressionado
pelos órgãos de segurança vinculados ao
II Exército. Não fui a única vítima
dessa onda de "cassações brancas", que
atingiu vários outros professores da universidade, demitidos
sumariamente, sem direito a defesa e nem mesmo a indenização
trabalhista.
Revista ADUSP - Um documento do II Exército, assinado
pelo general Ednardo D'Ávila Mello, datado de maio de
1975, diz: "Em fins de 1974, alertada pelos órgãos
de segurança, a direção da Escola (USP
no caso) não renovou os contratos dos professores José
Marques de Melo e Paulo Emílio Salles Gomes. Tal atitude
não provocou reação dos professores, possivelmente
por se tratarem de elementos comunistas moderados". Quais
as justificativas apresentadas pela USP para deixar de efetuar
sua contratação e de outros quatro professores
no ano de 1975?
JMM - Essa informação confirma a interferência
dos órgãos de segurança na gestão
da USP. Tal episódio inscreve-se na conjuntura que precedeu
a prisão e morte do jornalista Wladimir Herzog, ele também
docente do Departamento de Jornalismo da ECA. No nosso departamento,
a primeira vítima foi José de Freitas Nobre, antigo
militante sindical, que exercera a presidência da Federação
Nacional dos Jornalistas, então exercendo mandato de
deputado federal pelo MDB.
Apesar
de haver obtido autorização expressa do Congresso
Nacional para lecionar na USP, nas noites de sexta-feira, ele
foi impedido pela Reitoria de continuar a docência, apesar
da requisição feita pelo conselho departamental.
Em seguida, veio o caso Thomaz Farkas. Preso e desaparecido
durante várias semanas, sua demissão foi induzida
pelos órgãos de segurança por "justa
causa". Mas isto não se consumou em face da resistência
esboçada pelo nosso conselho departamental, que não
compactuou com a "armação" legalista.
Farkas foi afinal demitido sumariamente por iniciativa da própria
Reitoria.
Na
seqüência, veio o meu processo pelo 477 e a demissão
sumária, depois do pós-doutoramento. A próxima
vítima foi Jair Borin, primeiro ex-aluno da ECA a ser
contratado como docente. Preso e torturado, ele permaneceu no
cárcere por um período significativo. O caso Herzog
adquiriu proporções inesperadas, extrapolando
o âmbito do Departamento de Jornalismo da USP, onde lecionava
telejornalismo.
O
último a ser perseguido foi Sinval Medina, reprovado
politicamente no exame de qualificação para o
mestrado, medida que foi usada posteriormente para justificar
seu desligamento do quadro da universidade. Tais fatos culminaram
com a greve decretada pelos estudantes, reivindicando a demissão
do então diretor da ECA, Prof. Dr. Manuel Nunes Dias,
a quem responsabilizavam pelo clima de repressão dominante
na instituição.
Os alunos perderam o ano letivo e o Diretor permaneceu até
o fim da sua gestão, demonstrando ser autoridade prestigiada
pelo regime militar.
Revista
ADUSP - E o que eles queriam dizer com "tal atitude (a
não renovação do contrato) não provocou
reação dos professores, possivelmente por se tratarem
de elementos comunistas moderados"? O sr. não questionou
o fato de não ser contratado?
JMM
- A reação esboçada foi consentânea
com as possibilidades existentes na ocasião. Vivíamos
um período de endurecimento do regime militar, com a
imprensa censurada e os canais de expressão pública
quase totalmente arrolhados. Lembro, contudo, que as demissões
ocorridas no segundo semestre de 1974, entre as quais se incluiu
a minha, chegaram a ser denunciadas em pequenas notas da imprensa
paulista e em boletins difundidos em círculos restritos
da intelectualidade.
Pessoalmente,
eu protestei, não somente através de requerimentos
protocolados na Reitoria, como através de personalidades
sensibilizadas pelo minha demissão sumária. O
professor Antonio Candido foi uma dessas figuras destemidas.
Ele solicitou entrevista ao Reitor Paiva e dele obteve o compromisso
de que me seria assegurado o direito de defesa. Tanto assim
que o Reitor me recebeu em audiência reservada em sua
casa no bairro da Aclimação.
Chegou
até mesmo a prometer que despacharia o recurso protocolado
na Reitoria. Mas isso nunca ocorreu. Paiva era um reitor fraco,
dominado inteiramente pelo grupo de assessores que praticamente
o mantinha recluso em seu gabinete.
Revista
ADUSP - O sr. respondeu a algum inquérito policial-militar
(IPM), além do bloqueio de contratação?
Nesse caso, quem o intimou? O sr. chegou a depor?
JMM
- Durante o período posterior ao golpe de 64, quando
ainda residia na cidade do Recife, fui intimado a depor em vários
IPMs. Por ocasião do processo instaurado na USP, com
base no Decreto 477, eu fui intimado pela comissão processante,
depondo formalmente em 1972. Na etapa final do processo, que
tramitou em Brasília, eu sequer fui intimado, tendo sido
beneficiado pela absolvição exarada pelo Ministro
Jarbas Passarinho. Em 1974, não houve processo formal.
A
estratégia então vigente era a de realizar "cassações
brancas", justamente para não garantir direitos
indenizatórios aos perseguidos. Ela se mostrou eficaz.
Tanto assim que, em 1979, logo após a anistia política,
o Departamento de Jornalismo propôs formalmente a reintegração
de todos os seus docentes vitimados pelo regime militar.
Mas as autoridades da USP escamotearam a reivindicação
dos órgãos colegiados da ECA, reintegrando-nos
através de novos contratos, sem reconhecer o direito
ao tempo em que havíamos permanecido afastados sumariamente.
Essa contagem do tempo da "cassação branca",
para fins exclusivos de aposentadoria, sem qualquer direito
a indenização, foi somente concedida durante a
gestão do Reitor Goldemberg.
Revista
ADUSP - O sr. sofreu algum tipo de coerção física
como outros colegas?
JMM
- Em abril de 1964 cheguei a ser preso para averiguações
no Recife, mas fui liberado rapidamente depois de depor no DOPs
pernambucano. Em São Paulo não fui vítima
de coerção física como ocorreu com meus
colegas Thomaz Farkas e Jair Borin.
Também
nunca sofri constrangimento por parte dos meus colegas, durante
os episódios vividos entre 1972 e 1974. Ao contrário,
recebi inúmeras manifestações de solidariedade,
inclusive de colegas com os quais não partilhava identidades
políticas. Não posso deixar de registrar que,
depois de "cassado", passei a ser evitado por pessoas
que temiam comprometer-se pela simples saudação
acadêmica.
No território nacional, como meu nome constasse de uma
espécie de "lista negra" carimbada pelos órgãos
de segurança, fui impedido de proferir conferências,
dar aulas e participar de bancas examinadoras em universidades
públicas. Fui também impedido de ser contratado
para lecionar em universidades privadas que se mostravam dóceis
aos aparatos de segurança mantidos pelo governo militar
no setor universitário.
Revista
ADUSP - Quando tomou conhecimento da existência da Assessoria
Especial de Segurança e Informações (AESI)?
JMM
- Tomei conhecimento da existência de uma instância
dedicada a segurança e informações na Reitoria
da USP desde 1970, quando do episódio da semana sobre
censura e liberdade de imprensa. Posteriormente ela se tornou
mais visível durante a gestão Nunes Dias na ECA,
quando seus agentes participavam ostensivamente de decisões
estratégicas.
Confesso
que nunca legitimei tais instâncias, recusando-me a com
elas cooperar. Talvez por isso mesmo tenha merecido represálias
dolorosas.
Revista
ADUSP - O controle ideológico estendia-se também
ao conteúdo dos cursos? De que forma?
JMM
- Esse controle ideológico tornou-se crescente na
ECA depois que a instituição passou a ser dirigida
por Manuel Nunes Dias. Alguns colegas comentavam nos corredores
que foram chamados à diretoria da escola, recebendo admoestação
por incluírem autores marxistas em suas bibliografias.
Eu
mesmo fui vítima ostensiva desse tipo e controle, recebendo
reprimenda do Dr. Nunes Dias, em minha defesa de doutorado,
por haver citado autores esquerdistas como Nelson Werneck Sodré.
Ele o fez publicamente, na presença de um auditório
constituído por mais de uma centena de professores e
alunos.
Mais
grave do que a censura oficial foi a autocensura a que se impuseram
jovens docentes, eliminando dos seus cursos tópicos e
autores que pudessem ser considerados perigosos.
Revista ADUSP - Sabe-se que o clima de terrorismo de Estado
e perseguição a professores e estudantes se instalou
no mesmo período da tentativa de implantação
da reforma universitária. Que interesses se beneficiavam
das ações de repressão policial e militar
dentro da USP?
JMM
- O autoritarismo instaurado no país, a partir de
1964, fortaleceu grupos e personalidades que se pautavam por
condutas retrógradas e antidemocráticas no espaço
universitário. Não foi incomum que figuras medíocres
tenham se beneficiado do ambiente repressivo para conquistar
posições acadêmicas a que normalmente não
teriam acesso pelo mérito.
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"Não
foi incomum que figuras medíocres tenham se beneficiado
do ambiente repressivo para conquistar posições
acadêmicas a que normalmente não teriam acesso
pelo mérito."
José
Marques de Melo
|
No
bojo da reforma universitária de 1969 foi sepultada a
liberdade de cátedra, transplantado-se para o nosso país
a dinâmica artificial do departamento, que se ajusta a
uma sociedade aberta como a norte-americana, onde a sociedade
civil tem larga tradição. Aqui, o modelo serviu
de massa de manobra para glorificar os hábeis negociadores
políticos, alguns dos quais protegidos pelo regime militar,
estimulando a fuga de cérebros para instituições
universitárias estrangeiras.
Tanto
assim que muitos catedráticos cassados durante o regime
militar não encontraram ambiente favorável para
retornar a suas instituições de origem, quando
beneficiados pela Anistia de 1979.
Revista
ADUSP - Com o AI-5 as demissões, aposentadorias e suspensão
das garantias jurídicas ocorriam sem nenhum critério,
também sem direito a qualquer defesa. Houve reação
do sr. e de outros docentes?
JMM
- A nossa reação e defesa se fizeram dentro
dos limites impostos pela situação repressiva
então vigente. Os canais da legalidade estavam bloqueados.
Continuavam vigentes naturalmente as condições
privilegiadas de quem pertencia a famílias tradicionais
ou integrava grupos poderosos.
Alguns foram salvos pelas interferências de figuras proeminentes,
que logravam excluí-los das listas de cassações.
Aqueles que ascenderam intelectualmente por mérito próprio
ficaram ao relento, não contando muitas vezes com o respaldo
da própria corporação acadêmica,
tal o temor instaurado pelas forças repressivas. O "salve-se
quem puder" falava mais alto.
Revista
ADUSP - Que impressões ficaram-lhe daquele período?
JMM
- Restou-me um sentimento de tristeza pelo retrocesso intelectual
vivenciado. No caso do Departamento de Jornalismo, que ajudei
a fundar, senti grande frustração, ao retornar
com os meus colegas anistiados em 1979, porque tivemos praticamente
que reconstruir as estruturas danificadas pelos simpatizantes
do regime militar, ali entrincheirados.
O
que permaneceu da proposta original do departamento foi preservado
pelo voluntarismo dos ex-alunos contratados como auxiliares
de ensino.
Sem
maturidade suficiente para enfrentar os donos do poder, então
munidos de força institucional, eles ainda não
possuíam competência intelectual para se confrontar
com pessoas que dominavam a retórica da burocracia hegemônica.
Revista
ADUSP - O sr. chegou a se pronunciar, denunciar as arbitrariedades
do regime das quais foi vítima quando foi reintegrado
a ECA em 1979? Somente neste ano foi finalmente contratado?
JMM
- Quando fomos reintegrados em 1979, adotamos uma atitude
pró-ativa, sem revanchismo, radicalismo ou rancor personalista.
Tratamos de reconstruir, com a ajuda e o estímulo dos
nossos ex-alunos e colegas que ali haviam resistido, o edifício
em ruínas. Foi um processo doloroso, até mesmo
porque as estruturas autoritárias permaneciam vigentes
na universidade.
Como
representávamos os tempos que alguns rotularam como "heróicos"
nem sempre fomos acolhidos calorosamente por alguns setores.
Para colegas que haviam conquistado posições privilegiadas,
nosso retorno significava uma ameaça para sua nova condição.
Em
alguns casos, foi triste constatar que pessoas medíocres
preferiam que tivéssemos permanecido à margem.
Por isso mesmo, alguns cassados da USP optaram pela aposentadoria
precoce.
Para
elaborar o seu perfil, por favor me esclareça algumas
informações:
Cargos
ocupados atualmente - Na condição de Professor
Emérito da Escola de Comunicações e Artes
coordeno atualmente no Departamento de Jornalismo da ECA o Grupo
de Estudos "Pensamento Jornalístico Brasileiro",
orientando teses de mestrado, doutorado e pós-doutorado.
Além disso, exerço o cargo de Diretor da Cátedra
UNESCO de Comunicação na Universidade Metodista
de São Paulo.
Onde
leciona - Depois que me aposentei na ECA-USP passei a lecionar
no Programa de Pós-Graduação em Comunicação
Social da Universidade Metodista de São Paulo, atuando
também como Professor-Visitante em universidades estrangeiras,
como a Universidade do Texas (EUA), a Universidade Nacional
Autônoma do México e a Universidade Autônoma
de Barcelona (Espanha).
Títulos
- Bacharel em Jornalismo (1964), Bacharel em Ciências
Jurídicas e Sociais (1965), Pós-Graduado em Ciências
da Informação Coletiva (1966), Doutor em Jornalismo
(1973), Livre-Docente em Jornalismo (1983), Professor-Titular
de Jornalismo (1987), Catedrático UNESCO (1992), Thinker
Professor (1996), Professor Emérito (ECA, 2001), Doutor
Honoris Causa (UFAL, 2003).
Trabalhos
recentes - Publiquei no último biênio os seguintes
livros: Jornalismo Brasileiro (Porto Alegre, Sulina, 2003),
História do Pensamento Comunicacional (São Paulo,
Paulus, 2003) e A Esfinge Midiática (São Paulo,
Paulus, 2004), além das seguintes reedições:
História Social da Imprensa (Porto Alegre, Editora da
PUCRS, 2003) e Jornalismo Opinativo (Campos do Jordão,
Mantiqueira, 2003).
JMM - As informações aqui contidas estão
amplamente disponíveis no site: www.marquesdemelo.com.br.
*Entrevista
concedida pelo Professor José Marques de Melo à
jornalista Cecília Figueiredo, que a utilizou com fonte
para a matéria de capa da edição especial
da REVISTA ADUSP sobre o tema "Segredos da Ditadura
Militar" (Revista da Associação dos Docentes
da USP, n. 33, outubro de 2004).
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