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Entrevistas


Jornalismo policial

Entrevista concedida por José Marques de Melo

1- Para o Sr. o que é jornalismo policial?

JMM - Jornalismo policial é aquele segmento jornalístico que focaliza o desempenho das instituições responsáveis pela administração das infrações legais dos cidadãos. Trata-se, em verdade, de uma editoria ou seção de jornais, radiojornais ou telejornais.

2- Historicamente, no Brasil, quando surgiu o jornalismo policial?

JMM - A trajetória histórica do jornalismo policial ainda está para ser feita no Brasil. Desde o século XIX os crimes sempre despertaram o apetite editorial dos jornais diários. Falta, contudo, precisar quando se criam as editorias de polícia com equipes próprias para apurar as ocorrências noticiosas verificadas nas delegais de polícia. Quem está se dedicando a fazer esse inventário é o Prof. Dr. José Amaral Argolo, em projeto de pós-doutorado que realiza atualmente no Departamento de Jornalismo da ECA-USP.

3- Existe diferença entre a prática profissional no jornalismo policial e nas demais editorias?

JMM - A práxis jornalística é uma só, comprometida com a identificação das ocorrências de interesse público, sua apuração criteriosa e o acompanhamento dos fatos noticiados, que inevitavelmente produzem impactos na sociedade. É evidente que as editorias jornalísticas, em qualquer setor da vida cotidiana, acabam por instituir procedimentos operacionais consentâneos com a natureza dos fatos que são peculiares, jargão apropriado e rotinas de trabalho.

4- É possível fazer jornalismo policial sem ser sensacionalista?

JMM - O sensacionalismo é uma distorção jornalística. Como tal, deve ser evitada pelos profissionais da área e pelas empresas jornalísticas. A premissa vale para qualquer editoria, inclusive para o jornalismo policial.

5- Como Sr. avalia os programas de jornalismo policial exibidos atualmente na TV Brasileira?

JMM - Os programas de jornalismo policial exibidos pela nossa televisão não são muito diversos daqueles que cultivamos no passado. O novo ingrediente que eles nutrem é a ultrapassam da linha divisória entre a "cobertura" dos fatos e a "fabricação" de ocorrências.

Na medida em que se robustece uma certa descrença dos cidadãos quanto à eficiência do aparato policial do Estado, muitas pessoas recorrem às instituições jornalísticas para solucionar suas pendências corriqueiras. Em face disso, alguns repórteres ultrapassam a linha divisória entre a investigação dos fatos policiais para fazer verdadeiras investigações policialescas. Deixam de ser narradores das investigações feitas pelos agentes policiais para se colocar no lugar deles. Desta maneira, produzem uma falsa sensação do poder jornalístico, enfraquecendo a legitimidade das instituições estatais.

6- O respeito à ética é mais complicado no jornalismo policial?

JMM - O respeito à ética é um princípio fundamente do jornalismo, não diferindo de uma esfera do cotidiano para a outra. Cobrir fatos econômicos e políticos é tão complexo quando acompanhar o funcionamento dos aparatos policiais, judiciários ou legislativos.

7- O Sr. concorda em dizer que as emissoras hoje buscam a audiência, antes da credibilidade?

JMM - Para conquistar audiência é necessário ter credibilidade. Aquelas emissoras que logram multiplicar sua audiência em conjunturas marcadas por fatores aleatórios somente conseguem preservar o interesse dos telespectadores se fortalecem sua credibilidade. E esta depende fundamentalmente da competência profissional e da sintonia entre os conteúdos disseminados e as aspirações do público potencial.

8- Como ocorre o ensino do jornalismo policial nas Universidades? Não há preconceito em relação a esta área, que acaba prejudicando os estudantes?

JMM - O jornalismo policial constitui um tópico negligenciado pelos cursos de jornalismo. Existe um preconceito da academia em relação às editorias que focalizam os problemas vivenciados pelas classes populares. Estas somente ocupam espaço nas páginas dos jornais ou nas emissões dos telejornais quando protagonizam infrações legais. São raras as instituições universitárias que agendam o jornalismo policial. Ele geralmente constitui objeto de pesquisas ou debates, raramente sendo incluído como parte de um programa regular de ensino.

9- O Sr. acha que a população se beneficia com os programas policiais exibidos atualmente?

JMM - Quem mais se beneficia desses programas são as camadas marginalizadas da nossa sociedade, pois eles funcionam como espelho do seu cotidiano. Infelizmente nem sempre os responsáveis por esses programas se preocupam com o seu papel educativo, resvalando não raro para situações em que exacerbam os ânimos, quer dos agentes policiais, quer das lideranças do crime organizado.

10- Em sua opinião, é o apresentador ou o estilo do programa que faz o sensacionalismo?

JMM - O sensacionalismo decorre do comportamento atípico dos apresentadores que fogem do seu papel de mediadores sociais para atuar como justiceiros coletivos.

11- Qual a sua opinião a respeito do caso Gugu (armação do PCC)?

JMM - Creio que o Gugu cometeu uma infração de natureza profissional, dando aparência jornalística a um episódio fictício. Ele "fabricou" uma "reportagem", que na verdade era apenas uma "encenação" . Felizmente essa operação foi imediatamente desmascarada, podendo servir como alerta para outros produtores televisivos.

12- Na sua opinião, o Sr. acha que a TV brasileira esta deixando de lado de usar a ética, a credibilidade e está fazendo de tudo para alcançar audiência, colocando a vida de seus companheiros em risco ou até "manipulando" seu público para conseguir audiência?

JMM - A televisão brasileira não pode ser julgada no seu conjunto pelas distorções praticadas por emissoras que se digladiam na conquista das preferências dos telespectadores. Temos uma televisão multifacetada, com programas destinados a todas as camadas sociais e a todo os segmentos do mercado consumidor. O conteúdo dos programas reflete o desnivelamento cultural da nossa população. Há programas para todos os gostos.
Eles geralmente são produzidos e agendados de acordo com as demandas sociais, aferidas através de pesquisas quantitativas e qualitativas.

Felizmente o regime de liberdade de difusão garantido constitucionalmente preserva esse direito à diversidade de conteúdos. Felizmente também a nossa sociedade cria novos mecanismos de avaliação dos conteúdos, atuando como instâncias de vigilância crítica, capazes de inibir certas distorções. A melhoria da qualidade dos programas considerados de baixo índice intelectual pressupõe a preliminar elevação do nível cultural da nossa população. E também a melhoria da qualificação dos profissionais que produzem conteúdos televisivos.

Enquanto a nossa população permanecer caracterizada por bolsões de ignorância e enquanto a universidade não formar produtores audiovisuais mais competentes, esse impasse persistirá.

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