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Entrevistas


Jornalismo e Terrorismo

Entrevista concedida por José Marques de Melo a Marcelo Rech*

MR - Como o senhor analisa a cobertura da imprensa brasileira sobre o terrorismo como fenômeno mundial?

JMM - A cobertura da imprensa brasileira sobre o terrorismo mundial tem sido episódica e localizada. Sua intermitência reflete a ocorrência de ataques terroristas em certas zonas de conflito (Oriente Médio, Espanha, Colômbia etc.).

O fenômeno tem sido tratado de modo fragmentado, sem que o leitor/telespectador possa estabelecer o nexo existente entre eles.

MR - É possível dizer que há terroristas e terroristas, ou seja, que há diferença entre práticas terroristas?

JMM - Não vejo diferença nas práticas terroristas. Elas constituem manifestações de grupos políticos que rejeitam as regras democráticas e pretendem impor pela violência suas plataformas ideológicas ou ate mesmo chegar ao exercício do poder.

MR - O jornalista brasileiro é preparado para cobrir tais eventos? Por quê?

JMM - O jornalista brasileiro e despreparado para cobrir tais eventos porque tem conhecimentos históricos restritos e dedica pouco interesse aos cenários internacionais.

MR - Que erros e/ou acertos, o senhor consegue enxergar na cobertura da imprensa brasileira sobre esse fenômeno?

JMM - O principal erro e o de manter-se a reboque da linha editorial das agencias internacionais, sem buscar uma perspectiva brasileira.

MR - O terrorismo praticado pelo ETA preocupa as redações dos jornais brasileiros. Por quê?

JMM - Pela proximidade geocultural. Pertencemos ao universo da iberofonia e portanto prestamos atenção aos incidentes ocorridos na Espanha e em Portugal. Mas isso não significa que o interesse da nossa imprensa pela Península Ibérica seja permanente. Trata-se de cobertura meramente episódica.

MR - A Espanha já é o segundo maior investidor no Brasil. Até que ponto, fatores econômicos podem significar uma revisão nas pautas e uma atentado do ETA ganhar as páginas dos jornais?

JMM - E possível que essa maior presença dos capitais ibéricos, espanhóis em particular, mude a ótica da nossa imprensa. Por enquanto, ela da maior atenção aos EUA ou aos velhos rincões do imperialismo europeu - França e Inglaterra.

MR - Que jornalistas o senhor destacaria dentro aqueles que sabem o que estão falando e falam ou escrevem com correção e discernimento?

JMM - Dentre os jornalistas propriamente ditos são poucos. Prefiro não citar nomes para evitar mal-entendidos. O que lastimo e o desaparecimento de jornalistas culturalmente embasados, como tivemos, por exemplo, nos anos 50-60, e sua substituição por jovens despreparados intelectualmente. A culpa não é desses jovens, alguns deles talentosos e esforçados.

O problema está na formação superficial que eles tiveram nas universidades, cujos cursos de jornalismo endeusam paradigmas comunicacionais e metodologias semióticas, em detrimento dos conteúdos que dão sentido aos produtos jornalísticos.
Repito o que venho martelando ha muito tempo: e preciso reconstruir o ensino de jornalismo, resgatando as raízes da profissão e percorrendo caminhos sintonizados com as demandas da emergente sociedade do conhecimento.

MR - Comente sobre a cobertura da imprensa brasileira em relação aos eventos recentes ocorridos no EUA, fazendo uma relação com os fatos menores e mais antigos.

JMM - A cobertura atual padece da mesma superficialidade das notadas em episódios anteriores. Reproduz à exaustão textos procedentes das grandes agências, sem contextualizá-los e interpretá-los adequadamente. A única novidade que temos nessa cobertura é a atenção dada aos brasileiros residentes nos EUA, mesmo assim pouco elucidativa.

MR - Que dicas o senhor daria para quem tem o interesse em trabalhar na cobertura internacional, especificamente com temas sensíveis como o terrorismo?

JMM - Estudar a Historia contemporânea para entender a gênese dos episódios terroristas e sua mutação na sociedade do espetáculo, quando os líderes dessas organizações clandestinas lançam ações planejadas com a intenção de suscitar impacto midiático. A literatura internacional sobre a comunicação bélica é farta e bem fundamentada, mas as faculdades de comunicação no Brasil privilegiam estudos dos fragmentos - signos ou mediações - desprezando os processos comunicacionais em sua plenitude midiática.

MR - Fale um pouco da sua experiência profissional e pessoal cobrindo um evento semelhante. Qual a sensação e o que passa pela cabeça de um jornalista estar diante de terroristas ou cobrindo o resultado de um ataque onde há corpos, sangue, destroços?

JMM - Infelizmente nunca tive experiências dessa natureza. Minha trajetória jornalística foi precocemente interrompida pela opção acadêmica. Pratiquei a reportagem na juventude, mas ao privilegiar o ensino e a pesquisa do jornalismo derivei meu trabalho para o segmento do jornalismo opinativo.

MR - Que peculiaridades o jornalista precisa conhecer a respeito de cada um dos gêneros jornalísticos para poder escrever adequadamente sobre o assunto?

JMM - O conhecimento dos gêneros jornalísticos e indispensável ao exercício profissional competente e responsável. Conhecendo os territórios da ação jornalística e seus formatos textuais o futuro profissional pode evitar distorções nos relatos e manipulações no julgamento dos valores inerentes a todos os fatos.

MR - Se o senhor puder escrever um pouquinho sobre sua carreira, cargos, veículos, idade, tempo de profissão e ainda dar algum conselho para quem deseja ser um profissional ético e sério, ficaria extremamente grato.

JMM - Ingressei no jornalismo aos quinze anos de idade como correspondente do interior. Eu atuava como repórter na cidade onde vivia, noticiando seus acontecimentos na imprensa da capital. Depois atuei como repórter, ganhando prêmios pelo trabalho inicial. Mudei de rota quando adveio o golpe militar de 1964, limitando as opções profissionais.

Passei a trabalhar como editor de publicações especializadas, dedicando-me ao jornalismo científico. Foi nessa época que fiz opção pela carreira acadêmica. Fui o primeiro brasileiro a conquistar o título de Doutor em Jornalismo no Brasil. Mas preservei sempre a atuação midiática. Passei a atuar como articulista e colunista, escrevendo para vários jornais diários. Atualmente mantenho colunas especializadas sobre midiologia em revistas especializadas do Brasil e do México.

*Marcelo Rech é graduando do curso de jornalismo do UniCEUB de Brasília/DF.

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