Nº 12 - Nov. 2009
Publicação Acadêmica de Estudos sobre Jornalismo e Comunicação ANO V I
 

 

Expediente
Ombudsman: opine sobre a revista Ombudsman: opine sobre a revista Ombudsman: opine sobre a revista

Vinculada
à Universidade
de São Paulo

 
 

 

 


 

 

 

 

 

 



IDEIAS
 

"Conversas com
José Marques de Melo"
Por
José Amaral Argolo*

Em conversas pelas ruas do Rio de Janeiro, Marques de Melo fala sobre Cuba, terceira idade, Ásia, mercado editorial e, como não podia deixar de ser, jornalismo brasileiro.

Reprodução

E quando não restar / o mínimo ponto
a ser detectado / a ser invadido / a ser consumido /
e todos os seres / se atomizarem na supermensagem /
do supervácuo / e todas as coisas /
 se apagarem no circuito global
e o Meio deixar de ser Fim e chegar ao fim /
Senhor! Senhor! / quem vos salvará /
de vossa própria / de vossa terríbil /
estremendona / inkomunikhassão?

Carlos Drummond de Andrade, As impurezas do
branco.
In: Poesia e Prosa. Aguilar, 1979. p. 431.

1. Pelas ruas do Rio

A longa e proveitosa conversa — da qual repasso fragmentos — começou no hall do hotel em Icaraí (Niterói) quando o professor José Marques de Melo, primeiro a conquistar o título de Doutor em Jornalismo no País, me convidou, após presidir uma reunião com alguns líderes de grupo da Rede Alfredo de Carvalho (mais uma das suas tantas criações!) a acompanhá-lo até o Aeroporto Internacional Maestro Antonio Carlos Jobim, de onde seguiria em voo doméstico para Congonhas, São Paulo.

Na Capital paulista a esposa, D. Silvia, o aguardava para levá-lo de carro até o prédio de apartamentos onde moram, em Pinheiros.

Marques de Melo estava um pouco cansado. Afinal, entre a terça e a sexta-feira (13-16) desta semana de maio ele participou, com o dinamismo de sempre, dos trabalhos realizados durante o VI Encontro Nacional da História da Mídia, evento realizado nas dependências do Instituto de Arte e Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense.

José Marques de Melo é um mago das palavras. Além disso, a gama de informações de que dispõe é tão ampla e densa que todo e qualquer assunto, por mais intrincado que seja, perpassa durante a conversa como vôo em céu de brigadeiro. Há pelo menos sete anos tenho sido um dos seus mais próximos, embora venha acompanhando a sua produção intelectual há três décadas e indique os seus livros como referências para consultas nas aulas que ministro na graduação e/ou em programas de Pós-Graduação.

Para esse aprendiz de escriba com 56 anos de idade (hoje beirando 57), José Marques de Melo é um ícone. Professor Titular e Emérito da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo; Supervisor Pedagógico da pesquisa de Pós-Doutorado que, como bolsista do CNPq, concluí no âmbito do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA-USP; e, como não bastasse tudo isso, o amigo e conselheiro ao mesmo tempo severo e cativante, o incentivador jovial e entusiasmado dos trabalhos que venho desenvolvendo sob o viés da História do Jornalismo e da Midiologia, e, por dever de justiça, o arquiteto invisível de boa parte das minhas iniciativas acadêmicas (aliás, sempre cumpridas antes do prazo determinado).

Durante o trajeto até o Aeroporto Internacional, entre a descrição de um episódio pitoresco vinculado ao Jornalismo e outras amenidades, falou-me a respeito da triste situação de Cuba, país que visitou em 1989 e também da África do Sul (onde esteve no ano passado [2007]). Causou-lhe pesar a pobreza de grande parte da população de ambos os países.

Lembrou a visita de cortesia que fez a um escritor cubano a quem recebera antes em seu apartamento na Capital Paulista e de como (veio a saber depois por intermédio de uma terceira pessoa) os ingredientes dos pratos servidos à mesa — com exceção do feijão, do arroz e da banana— correspondiam à cota dos produtos que aquela família fazia jus durante um mês.

Chegamos ao Setor de Embarque. Toca a despachar as malas. Marques de Melo se dirigiu ao guichê destinado ao atendimento das pessoas idosas e/ou portadoras de necessidades especiais. Felizmente não havia ninguém na fila e, em poucos minutos, a pesada mala de viagem e mais uma bolsa foram colocadas na esteira rolante.

À meia-distância de onde eu o aguardava, segurando a sua maleta de mão (contendo o laptop e outros objetos menores), voltou-se na minha direção e deu um sorriso. Por mero acaso a jovem funcionária da empresa de aviação também o fez.

Em seguida, quando retomamos a conversa, explicou a razão de todo aquele bom humor:

─ Argolo, agora eu aproveito tudo aquilo a que tenho direito. Após alcançar esse estágio da vida; isto é: a terceira idade eu não entro mais em filas. Usufruo democraticamente das vantagens que o Estado garante aos cidadãos. Por exemplo (referindo-se àquela jovem funcionária da empresa de aviação): ela indagou se eu não gostaria de antecipar o voo.

Consultou o supervisor e foi autorizada sem pestanejar. Com isso poderei estar em casa uma hora mais cedo. Ah! E ela até perguntou se você não pretendia embarcar no mesmo horário. Disse-lhe que não, pois o seu “voo para Recife” estava programado para mais tarde (os meus cabelos ralos, brancos e cortados rente; a barba igualmente curta e grisalha [ainda que entremeada com fios negros] confundiu a jovem). Foi divertido imaginar que, fosse outra a situação, você também teria sido beneficiado.

Em seguida fomos a uma das lanchonetes localizadas no terceiro piso do Terminal Doméstico, onde tomamos suco de frutas e José Marques de Melo comeu um sanduíche (uma baguete recheada com queijo e salame). Conversamos sobre os eventos culturais programados para o segundo semestre, tanto no âmbito da Intercom como no da Rede Alcar.

Professor adiantou-me algumas das viagens pré-agendadas, e o fez com tamanha simplicidade que não tive como conter o riso quando explicou que declinara um convite para proferir conferência em Estocolmo (Suécia) porque, na semana em questão, pretendia estar no Município de Piranhas (alto sertão alagoano) na companhia do seu irmão e, com ele, assistir a alguns eventos alusivos ao septuagésimo aniversario da morte de Virgulino Ferreira (o Lampião), emboscado com sua companheira Maria Gomes de Oliveira, a Maria Bonita e mais dez outros sequazes na Grota de Angicos (Município de Poço Redondo, Sergipe), na madrugada de 28 de julho de 1938. [1]

E acrescentou, com aquele jeito risonho e bonachão, que não cogitava estender a sua participação para além daquela vivenciada pela maioria dos moradores da cidade; isto e: seria tão-somente um observador das manifestações populares (o que não excluirá, penso, a hipótese de, com sua conhecida acuidade intelectual, escrever um ensaio a respeito).

A agenda do Professor já estava comprometida com inúmeras conferências no Brasil e no exterior (se não me falha a memória no México, Chile e Argentina). Dez meses antes desse nosso encontro, entre tantos outros compromissos, passou um mês na Republica Democrática da China, viagem segundo ele riquíssima em termos culturais.

Ficou impressionado com a organização, o gigantismo e a estética das obras relacionadas aos Jogos Olímpicos em Beijing (agosto de 2008), para não citar os pontos turísticos de visitação obrigatórios e reconhecidamente (para nós jornalistas e historiadores) imperdíveis.

Da gama dos assuntos abordados, dissecados nos seus meandros ou simplesmente tangenciados, posso citar a preocupação diante do difícil momento pelo qual passamos todos nós, brasileiros; as fragilidades observadas em relação ao ensino e às praticas do Jornalismo (José Marques de Melo foi recentemente escolhido para presidir uma Comissão de Professores Universitários destinada a examinar e propor alterações nas grades curriculares dos cursos de graduação) e alguns dos princípios pelos quais pautamos nossas vidas.

Assim, os nomes das pessoas eventualmente citadas pertencem à memória de cada um de nós. Nada que interfira nos destinos de ninguém; apenas registros pontuais, lembranças sobre amigos comuns e as decepções: algumas bem antigas, outras... nem tanto assim.

Marques de Melo perguntou-me (uma vez que estou exercendo atividades como Adjunto do Centro de Estudos Estratégicos da Escola Superior de Guerra [fui cedido por quatro anos conforme documento exarado pelo Reitor da UFRJ e publicado em órgão oficial, atendendo a uma solicitação do Comando da ESG]) como os militares brasileiros enxergavam as recentes mudanças políticas e econômicas na Ásia (principalmente China, Rússia e Índia).

A resposta ele próprio já sabia: como um grande e promissor mercado para os produtos brasileiros, trazendo como contrapartida a aquisição de equipamentos sensíveis e tecnologias que ajudarao o País a avançar em alguns setores estratégicos, tais como propelentes e sensores para veículos lançadores de foguetes, estímulo à produção nacional de veículos (caminhões pesados, tratores, transportes de tropas blindados etc.), aeronaves supersônicas de caça e interceptação, e belonaves de todos tipos, principalmente submarinos, com cessão de tecnologias, reaquecendo a outrora poderosa indústria de Defesa (assim considerada até o final da administração do general-presidente Ernesto Geisel) e dotando o Brasil, potência emergente, do indispensável  poder dissuasório.

Poucas horas antes, durante o trajeto do Hotel ao Aeroporto, José Marques de Melo me deixou surpreso quando revelou que havia passado o bastão de comando de duas das suas criações: a Intercom e a Rede Alfredo de Carvalho. Acrescentou que reduzira a sua presença na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, mas continuaria atuando à frente da Cátedra Unesco para a Comunicação e Cidadania da Universidade Metodista em São Bernardo do Campo ─ onde estruturou o que é considerada na comunidade acadêmica uma verdadeira usina de trabalho prospectivo.

2. Mercado editorial

Conversamos um pouco mais à frente sobre o mercado editorial brasileiro. Ele que, em abril ultimo, lançou mais um livro pela Editora Paulus, observou que as empresas do ramo vêm impondo, na quase totalidade, um conjunto de exigências cada vez mais pragmáticas aos autores, tais como co-patrocínio nas edições, parcerias com os órgãos de fomento à pesquisa etc., beneficiando-se as empresas do ramo por intermédio da redução nos custos de produção e distribuição.

Lembrei-me agora, enquanto escrevo essas linhas, de Monteiro Lobato, o genial criador do Sítio do Pica-Pau Amarelo e de todas aquelas personagens fascinantes da nossa Literatura Infantil, que optou por abrir uma editora e, com isso, desbravar, ele próprio, um mercado que se apresentava cada vez mais restrito.

Confirmei as suas ponderações a respeito servindo-me de alguns exemplos recentes. Em fins de agosto início de setembro estarei promovendo o lançamento, no Rio de Janeiro e em outros estados da Federação, às minhas próprias expensas, de um volume (intitulado Luiz Carlos Sarmento: Crônicas de uma Cidade Maravilhosa [Rio de Janeiro: E-Papers, 2008, 292 páginas] co-autoria com o Professor Gabriel Collares Barbosa da ECO-UFR]), sobre o trabalho jornalístico daquele que foi um dos maiores repórteres da sua geração e, também no final do segundo semestre do corrente ano ─ salvo alguma parceria de ultima hora ─, de mais um volume (a previsão foi agendada para o início de novembro). [2]

Trata-se este último do produto final correspondente ao estágio pós-doutoral (entre 2003-2004) realizado junto ao Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA-USP, sob a Supervisão Pedagógica de José Marques de Melo e intitulado As Luminárias do Medo: Vida, Paixão e Morte da Reportagem Policial no Eixo Rio de Janeiro Paulo [Rio de Janeiro: E-Papers, 2008, 166 páginas]. Para 2009 seguir-se-ão dois volumes contendo vinte e oito textos publicados e/ou inéditos intitulados Sparsae e Ineditae.

Aspecto singular em todo esse processo está relacionado à estratégia das editoras mais robustas e/ou ágeis na percepção sobre como auferir maior lucratividade no curto e médio prazos. Elas desdobraram as suas atividades atuando como distribuidoras. Como esse último serviço corresponde, em média, a cinqüenta por cento do preço de capa, somando-se aos vinte por cento dos custos editoriais, dez por cento fixados em contrato para pagamento dos Direitos Autorais e, finalmente, aos vinte por cento cobrados pelas livrarias, é fácil imaginar o somatório das vantagens.

Além do mais, o custo editorial elevado está circunscrito à primeira edição (projeto gráfico, elaboração das provas do miolo, idealização e aprovação da capa [inserção, quando indispensaveis, de almanaques fotográficos], revisão final, provas heliográficas, confecção de mailing list etc.). Em se tratando de reimpressões, os gastos das editoras são menores. Ficam limitados a um ou outro ajuste no miolo e às despesas correspondentes à (eventual) terceirização de serviços, tais como a produção das capas e papel de impressão.

José Marques de Melo também compartilha da opinião segundo a qual são poucas as editoras que dispõem do aparato capaz de prover a produção industrial e a distribuição dos livros satisfatoriamente em todo o território nacional. Vindos de um intelectual cuja obra totaliza aproximadamente 100 livros e incontáveis ensaios e artigos publicados em jornais/revistas, não há o que discutir.

3. Digressão necessária

Antes de encontrar com ele no hall do hotel onde se hospedara na Rua Ary Parreiras (Icaraí), e durante o breve almoço na companhia prazerosa de Rosa Nava e Fátima Feliciano (entre outros participantes do GT-10 [Historia da Midiologia] da Rede Alcar, experientes professoras universitárias, conversávamos sobre histórias e/ou tiradas pitorescas daquele grande mestre de todos nós.

Aliás, duas horas antes, assim que cheguei à sala disponibilizada pela UFF para o GT-10 para apresentar o meu trabalho (Imprensa Informativo: Comentários a um Clássico do Jornalismo Brasileiro) perante os demais companheiros, Rosa Nava me avisou que José Marques de Melo ali estivera por duas vezes indagando por mim.

Uma delas, não a primeira e muito menos a última:

Aconteceu no interior do ônibus que nos transportou de Novo Hamburgo a Taquari, no interior do Rio Grande do Sul — enquanto participávamos de um evento complementar àquele realizado nas dependências da Feevale sob a coordenação da Rede Alcar.

Conversávamos: eu, Rosa Nava e Maria Cristina Gobbi quando, de repente, Marques de Melo levantou-se do banco onde estava sentado mais à frente, caminhou alguns passos pelo corredor apertado e nos transmitiu as coordenadas: “você, Argolo, vai elaborar o prefácio contextualizado do livro A Imprensa Informativa, do professor Luiz Beltrão, Rosa Nava e (Eduardo) Vizeu (Universidade Federal de Pernambuco) fará o mesmo em relação a dois outros volumes que, acredito, serão relançados ainda este ano (infelizmente, devido a problemas industriais e de agendamento, a editora escolhida até o momento não cumpriu a tarefa). Nada mais foi dito e nem precisava.

Tratava-se de um honroso compromisso que deveria ser cumprido com zelo, dedicação e rapidez.

José Marques de Melo costuma agir assim com os seus amigos mais próximos. Delega poderes e responsabilidades, idealiza e sugere tarefas interessantes, cobra desempenhos sempre com bom-humor e elegância. Para ele não existem fracassos. Todos os resultados são examinados sob o prisma do que pode e deve ser bem elaborado.

Chegando a Taquari, a agenda da Rede Alcar previa uma visita à sede do jornal O Taquaryense [3], único no Brasil ainda impresso a quente; isto é: por intermédio de linotipos, tainhas de chumbo e famílias de tipos móveis. Uma antiga e valiosa máquina plana em perfeito estado operacional e o proprietário, um vigoroso e centenário jornalista, ainda ativo nas lides diárias.

Foi uma experiência inesquecível.

Ele próprio, José Marques de Melo, uma das lendas-vivas da Imprensa Brasileira, engajado à semelhança dos veteranos tipógrafos, ajudando a compor uma notícia utilizando aqueles pequenos quadriláteros de chumbo contendo letras maiúsculas e minúsculas (versais, versaletes e/ou comuns), sinais de pontuação e acentuação, escolhendo o titulo mais adequado, ajustando as palavras e frases no sentido inverso de quem lê, arranjando-as cuidadosamente no espaço delimitado e ajustável da rama de alumínio antes de esta última vir a ser coberta por uma espessa camada de tinta.

Uma vez prensado e removido o paquet (prova de página em papelão), o conteúdo foi lido para encantamento de todos, muito especialmente dos jovens estudantes da Feevale.

Dentre todos os visitantes presentes e além dos funcionários da gráfica, apenas dois: José Marques de Melo (e o Autor dessas linhas) tinham algumas experiências com as Linotypes. Em 1972 tive o privilégio de conhecer o maquinário e de aprender (errando aqui e acolá) os rudimentos daquele processo industrial nas oficinas da Gazeta de Noticias (localizada na Rua Frei Leandro, Centro do Rio de Janeiro) onde, com apenas vinte anos de idade, editava um tablóide estudantil chamado Periculum.

Naquele instante, porém, usufruímos todos da oportunidade provavelmente única (após tantos anos de afastamento do exercício diário nas Redações), de vê-lo empenhado naquele ofício criativo e fascinante; de observar as suas mãos rebatizadas na tinta escura e de forte odor, enquanto muito distantes dali, nas principais metrópoles do País, poderosas impressoras despejariam durante a madrugada milhares de exemplares por minuto.

Durante o retorno a Novo Hamburgo fiz uma reflexão que agora compartilho com os leitores: o verdadeiro mestre não é somente o que ensina e filosofa a respeito desse pensar contínuo, mas aquele que pratica, vive, experimenta a artesania do fazer, para reconfirmar perante os próprios olhos a validade do esforço-tentativo no sentido de acompanhar a evolução tecnológica,  superar obstáculos inerentes à utilização dos novos meios, sem desdenhar o esforço dos predecessores nas lides jornalísticas.

De volta ao Aeroporto Internacional Maestro Antônio Carlos Jobim.

No imenso saguão do Terminal Número 1 aproxima-se o momento do até breve. Junto aos portões do Setor de Embarque, de onde não mais poderia acompanhá-lo, perguntei se ele desejava estabelecer algum contato telefônico com d. Silvia em São Paulo. Respondeu com um sorriso dizendo que tudo estava bem. E arrematou:

— Sabe, Argolo, eu adotei um novo jeito de pensar a vida. Cada hora é tão importante quanto a que virá em seguida. E o amanhã será sempre melhor. Quanto a você, não suma. Não fique tanto tempo sem ir a São Paulo. Telefone e vá almoçar conosco lá em casa. Silvia e eu gostamos muito de você.

4. O tempo como referência

Minha afinidade com o professor Jose Marques de Melo data, na verdade, de 1974, quando lançou um livro hoje considerado clássico para todos aqueles que, como eu, desenvolvem atividades na Imprensa, pesquisam e/ou ensinam as técnicas do nobre ofício de manter a Opinião Pública informada sobre os acontecimentos no País e no mundo. Trata-se de Os estudos de Jornalismo Comparado na América Latina - Influência de Jacques Kayser (ex-diretor do Instituto Francês de Imprensa e quem deu início aos estudos de Jornalismo Comparado).

Assinala Marques de Melo (Op. Cit., p. 19):

Partindo do princípio de que os estudos sobre a Imprensa já vinham sendo realizados por psicólogos, sociólogos e educadores, com visíveis contribuições para as ciências sociais, Jacques Kayser preocupou-se com a realização de pesquisa que pudesse servir aos profissionais da própria Imprensa, em sua atividade noticiosa.
Sua preocupação fundamental era a de que a metodologia concebida para a pesquisa de jornais de diferentes países pudesse servir de base a estudos ulteriores que permitam estabelecer comparações não somente no plano internacional, mas também no quadro nacional, colocando em evidência, por exemplo, as características estruturais dos diários de línguas diferentes publicados em um mesmo país.

Ainda estudante de Direito (na antiga Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade da Guanabara, hoje UERJ), mas enveredando cada vez mais pelos meandros do Jornalismo eu tinha esse livro como um marco de onde poderia infletir para outras considerações sobre as técnicas de elaboração das notícias e aquelas outras  relativas à disposição gráfica desses conteúdos nas páginas dos diários e revistas.

José Marques de Melo foi, portanto, o meu preceptor antes mesmo de ter tido o privilégio de conhecê-lo, privar da sua amizade e tê-lo como supervisor pedagógico no Programa de Pós-Doutorado oferecido no âmbito do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

Da obra supra-assinalada disponho ainda hoje de dois exemplares, um deles — cuja capa estava meio gasta — mandei encadernar, gravar o título e o nome do autor com letras douradas e ficou novinho. Quanto ao outro eu tive muita sorte. Comprei praticamente novo e, como o primeiro, está guardado em meu gabinete de trabalho junto com outras obras de referência.

Trata-se de um livro indispensável a todos aqueles que, como eu, associaram o fazer jornalístico ao ensino das Técnicas de Reportagem, Entrevista e Pesquisa e Edição Gráfica (disciplinas que lecionei ininterruptamente durante vinte e quatro anos tanto em instituições privadas de ensino superior como na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde ingressei por intermédio de concurso público de provas e títulos em 1992).

Quando me decidi pelo exercício pleno e único do Jornalismo como atividade laboral (encerrando a minha participação como sócio-cotista de um modesto escritório de advocacia) as obras de José Marques de Melo foram imprescindíveis não somente na sedimentação de todo um conjunto de reflexões teóricas, como ampliaram a minha percepção sobre os produtos noticiosos. Calcados, estes, nos parâmetros da densidade informativa, da lógica editorial (ouso dizer oportunística e nem sempre a melhor) e da força e ímpeto derivados das manchetes.

Faço parte, por conseguinte, de uma geração dos seus milhares de alunos indiretos daqueles primeiros tempos, indubitavelmente influenciados pelas pesquisas que empreendeu, das obras publicadas. Trinta e quatro anos, portanto, de aprendizado contínuo. Sete anos e mais usufruindo de uma conexão permanente e, de fato, enriquecedora.

Sou grato quanto aos ensinamentos que recebi e ao mesmo tempo  generoso na tentativa de retransmitir. Mas sei que para a maioria dos estudantes com os quais tive a oportunidade do convívio, a maior dificuldade gira em torno dos “mistérios” e condicionantes que enfeixam a chamada plataforma da edição, quando ─ muitas vezes ─ os textos elaborados com todo zelo são reescritos, eventualmente fundidos, reangulados, reduzidos e/ou transformados em rolhas, minimizados em importância diante de outros episódios aparentemente mais palatáveis segundo a lógica nem sempre visível dos proprietários das corporações noticiosas ou derivados de interesses comerciais.

Decodificar as técnicas de elaboração do noticiário é mais simples do que admitir e aceitar alterações (mutilações e/ou inserções) radicais naqueles mesmos textos quando encaminhados às mesas da edição. Em geral os trainees e jovens repórteres contratados absorvem todo esse processo sem grandes perturbações. Mas existem aqueles que, motivados pelo idealismo ou politização exacerbada acabam batendo de frente com as respectivas editorias.

Disso geralmente resulta uma frustração ao mesmo tempo contínua e desmotivadora que, em alguns casos, pode levar à desistência da profissão na chamada Grande Imprensa ou (sem que isso constitua demérito) a opção pelo trabalho em jornais engajados (partidários) onde a remuneração costuma ser pífia e os recursos tecnológicos disponibilizados escassos.

Durante evento realizado em 2002 (sob os auspícios da Associação Brasileira de Imprensa) conversei com o Professor José Marques de Melo e, logo em seguida (já como diretor eleito, nomeado e empossado da Escola de Comunicação da UFRJ) fiz um convite para que ele proferisse conferência durante a festividade magna alusiva aos 35 anos da criação daquela unidade de ensino. Convite aceito, todos os esforços foram envidados para recebê-lo com as honras devidas.

A conferência foi um sucesso. O tema escolhido por José Marques de Melo foi Danton Jobim (ex-vice-diretor e um dos fundadores da própria ECO, ex-presidente da Associação Brasileira de Imprensa e Senador da República). O Salão Dourado do Forum de Ciência e Cultura, no Palácio Universitário da Praia Vermelha ficou repleto de estudantes de Jornalismo.

Além do conferencista a mesa foi constituída pela jornalista e professora Ana Arruda Callado, primeira mulher a chefiar uma Redação no País, o signatário dessas linhas e o veterano repórter e colunista Ricardo Noblat.

Apressado devido a uma série de compromissos inadiáveis na Capital Paulista, o Professor nem quis ficar para o almoço. Saiu em seguida (após as perguntas de praxe) diretamente para o Aeroporto Santos Dumont. Carregava, como de hábito, uma pequena mala de viagem.

NOTAS

[1] Durante a emboscada comandada pelo tenente José Bezerra tombaram, além do casal, os cangaceiros Luiz Pedro (compadre de Lampião), Quinta-Feira, Elétrico, Mergulhão, Enedina, Moeda, Alecrim, Colchete e Mocela. O soldado Adrião Pedro de Souza que integrava a volante também morreu. Baleados gravemente durante a ação, dois outros facínoras morreram dois dias depois na fazenda de um dos coiteiros (protetores quase sempre anônimos) do bando.

[2] Os dois livros ficaram prontos nos prazos previstos e os lançamentos realizados em setembro e novembro (o último deles na antevéspera de uma viagem a Chapecó, Santa Catarina onde fui convidado a proferir Aula Magna para os alunos do Curso de Jornalismo da Universidade de Chapecó).

[3] Fundado em 31 de julho de 1887, com sede na Rua Sete de Setembro, em frente à Praça Principal daquele município. O editor, Plínio Saraiva, filho do fundador Albertino Saraiva, quando da visita que fizemos ao jornal, tinha 101 anos. Ele morreu no dia 9 de agosto de 2005.

*José Amaral Argolo é advogado, jornalista, doutor em Comunicação e Cultura, pós-doutor pelo Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e professor da Escola de Comunicação da UFRJ.

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Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro [ISSN 1806-2776]