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Os
jornais
paulistas
depois
do caso
Jayson
Blair
Por
Lourdes Maria
Alvarez Rivera*
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Demos
início, em 2003, a um extenso estudo que pretende analisar
o uso de fontes não identificadas nos jornais diários
Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo, dimensionando quais
as providências internas de checagem e pós-edição
das notícias como forma de impedir e evitar erros, fraudes,
plágios e manipulações, evitando assim
o fato ocorrido com o jornal New York Times que, em maio de
2003, reconheceu publicamente, uma série de fraudes jornalísticas,
cometidas pelo repórter Jayson Blair, (1) que
não tinha, por exemplo, suas fontes checadas.
O
objetivo da pesquisa em andamento é identificar quais
os mecanismos utilizados pelas redações dos dois
maiores jornais paulistas de circulação nacional,
para evitar o uso indiscriminado e abusivo de fontes não
identificadas ou informações off the record entendendo-se
off the record como informação sem identificação
da fonte, e os mecanismos de checagem e pós-edição
das mesmas com o intuito de se evitar a produção
de erros, fraudes, plágios e manipulações,
já que o mínimo que o leitor espera de seu jornal
é que as informações veiculadas sejam corretas
e verdadeiras.
Para
Chaparro, off the record é "informação
obtida em confiança de não ser publicada"
(2). Porém, John Hohenberg (3) em O
Jornalista Profissional - Guia às Práticas e aos
Princípios dos Meios de Comunicação de
Massa faz uma distinção entre fontes sem identificação
(off the record) e informação background, um meio
caminho entre a declaração oficial e a não-oficial;
um material de consulta do repórter que não seria
publicado. O jornalista sabe quem é a fonte, mas não
a identifica no texto. Já a informação
off the record teria origem em algo semelhante a um boato. A
questão torna-se delicada quando a não identificação
das fontes, pode eventualmente, permitir ao repórter
fraudar informações, plagiar notícias ou
manipular dados, agindo, desta forma, contra a ética
jornalística.
Nossa
pesquisa baseia-se no emblemático caso ocorrido em 2003:
no dia 11 de maio o diário nova-iorquino New York Times
publicou matéria detalhada relatando as fraudes que o
jornalista Jayson Blair - considerado internamente como um dos
melhores e mais eficientes da equipe de repórteres -
cometera durante os quatro anos em que trabalhou no matutino.
Blair, que entrou no diário como estagiário e
seguiu rápida ascensão interna - foi acusado de
inventar histórias, plagiar textos de outros jornais
e falsificar declarações de entrevistados. Blair
foi demitido e execrado publicamente pelo Times e as 600 reportagens
de sua autoria foram analisadas por uma equipe especialmente
formada com essa missão.
Dias
depois de anunciar ter descoberto que Blair era uma farsa atuando
há tanto tempo, provavelmente com a conivência
de alguns dos editores, o jornal divulgou aos funcionários
novos procedimentos e medidas para evitar fraudes. Isso incluía
checar de forma mais eficiente, se os jornalistas de fato saíam
da cidade quando diziam que saíam, pois, pasmem, uma
das fraudes preferidas de Jayson Blair era entrevistar pessoas
de outros Estados, descrevendo locais e paisagens, sem nunca
ter saído da cidade de Nova York, sede do jornal em que
trabalhava.
Na
mesma ocasião, os editores Howel Raines e Arthur Sulzberger
Jr. em reunião com funcionários e pessoal da redação
foram duramente criticados, entre outros motivos, por suas atitudes
arrogantes e pelo distanciamento dos repórteres.
Vale
comentar que Jayson Blair era tido como protegido pelos editores
já citados, mas em particular por Gerald Boyd, negro
como Blair, por sua rápida ascensão de estagiário
a repórter da prestigiada editoria nacional. É
possível, ainda que Blair tenha sido mantido e teve tanto
prestígio, por ser negro, pois, para o NYT seria um bom
marketing social manter em seu quadro um jovem, talentoso e,
pelo menos até então, promissor jornalista negro.
Cogita-se
que a maior falha dos editores-chefes de Blair fora permitir
que ele usasse, indiscriminadamente, fontes não identificadas,
jamais checadas posteriormente, levando a crer que o procedimento,
checar fontes, não integrava medidas preventivas contra
fraudes no NYT.
Vale
observar que no mesmo ano em que ocorreu o caso Jayson Blair,
o New York Times passou, novamente, por problema semelhante:
o jornalista Rick Bragg, ganhador do prêmio Pulitzer -
um dos mais importantes na área literária e jornalística
nos Estados Unidos - teria assinado uma reportagem como sendo
sua, quando na verdade a matéria era de um colaborador
free-lancer. (4)
No
ano seguinte, em abril de 2004, Karen Jurgensen, editora chefe
desde 1999 do jornal americano USA Today, de circulação
nacional, pediu demissão um mês depois de se tornar
público o caso do repórter Jack Kelley, que inventou
algumas de suas histórias. (5)
O
caso mais conhecido até então havia sido o da
jornalista Janet Cooke, repórter do jornal Washington
Post. Ela ganhara o prêmio Pulitzer, em 1981, por uma
reportagem sobre um jovem viciado em heroína. Teve de
devolver o prêmio depois de assumir publicamente que o
personagem era fictício, fora inventado, não existia
de fato. (6)
Na
mesma ocasião do fato envolvendo o New York Times e o
jornalista Jayson Blair, outro jornal, o tablóide New
York Post também reconheceu haver publicado uma reportagem
plagiada. O plagiador, desta vez, fora um jornalista freelancer,
Robin Gregg. (7)
O
caso Jayson Blair mereceu do jornalista norte-americano Gay
Talese, autor de um livro sobre a história do jornal
New York Times, onde trabalhou por dez anos (19055/1965), o
seguinte comentário: os jornalistas deveriam parar de
divulgar informações sem identificar a fonte -
o chamado off the record. (8)
O
jornalista Alexandre Xavier, no site Meta Jornal comenta: "Saem
abalados desses episódios a credibilidade, o 'off' e
a chamada hard news, a notícia rápida e quente.
As duas primeiras indispensáveis. A terceira dispensável.
Quem vence é o jornalismo sensacionalista."
(9)
O
que mais nos chamou a atenção para desejar pesquisar
o tema foi uma declaração da editora-executiva
Eleonora de Lucena do jornal Folha de S. Paulo, publicada na
coluna do ombudsman 20 de julho de 2003 (10) em que
o mesmo reconhece que o jornal paulistano só agora estava
tomando medidas preventivas para evitar que, com ele, acontecesse
o mesmo que acontecera ao seu benchmark norte-americano. Bernardo
Ajzemberg, ombudsman da Folha à época, reproduz
o comunicado interno à redação, emitido
pela editora-executiva Eleonora de Lucena em que ela admite,
logo na primeira linha, estar banalizado no jornal o emprego
de informações off the record. "É
preciso redobrar os cuidados na apuração e os
controles na edição de notícias obtidas
desse modo". (...) "Sempre que solicitados, repórteres
devem comunicar a origem dessas informações aos
seus superiores hierárquicos". (11)
O
ombudsman complementa a informação: "(...)
essas observações implicam maior controle, mais
rigor do jornal para consigo próprio - como organismo,
não como uma reunião de individualidades -, no
sentido de tentar reduzir as chances de vir a publicar informações
falsas ou de ser manipulado, sem saber, por fontes pouco confiáveis",
(12) finaliza.
Partimos,
então, para uma pesquisa na literatura disponível
tanto bibliográfica quanto da produção
acadêmica, e não encontramos nada semelhante.
Apesar
de a imprensa brasileira já ter sido razoavelmente radiografada
por meio de estudos contidos, por exemplo, no livro coordenado
pelo professor doutor José Marques de Melo e Adolpho
Queiroz - Identidade da Imprensa Brasileira no final do século,
São Bernardo do Campo, Editora Umesp, 1998, aspectos
éticos dessa natureza aparentemente não foram
abordados.
Em Jornalismo Brasileiro, (Porto Alegre, Editora Sulina, agosto/2003)
Marques de Melo afirma que o referido estudo procurou identificar
onde os pauteiros conseguem as informações, quais
são as suas fontes explícitas no processo de filtragem
entre os fatos e as respectivas versões (p. 125). A preocupação
é entender como funciona o poder dentro das redações,
espaço disputado por assessores de imprensa de políticos
e de empresas privadas. Porém, o aspecto ético
da checagem das informações não é
o foco principal da pesquisa e sim, descobrir quem influencia
mais na hora de definir a agenda setting.
O
nosso estudo se insere na linha de pesquisa de autores que se
preocuparam em estudar e avaliar a conduta ética do profissional
jornalista diante da nova realidade em que as empresas jornalísticas
se situam atualmente, e como as redações se adaptaram
aos novos condicionamentos impostos por políticas mercantilistas
de resultado.
Marques
de Melo, por exemplo, organizou coletânea de textos de
especialistas que abordam com maestria essa dicotomia entre
eficiência e comportamento ético em Transformações
do Jornalismo Brasileiro: ética e técnica (Intercom),
1994. (13)
Bernardo
Kucinski (14) fala sobre um "vazio ético":
"Nas redações, deu-se uma rendição
generalizada aos ditames mercantilistas ou ideológicos
dos proprietários dos meios de informação".
No texto à disposição no site Observatório
da Imprensa o jornalista e professor da ECA/USP, conta que tinha
como certa uma concepção idealista formada por
um "imperativo categórico, um preceito universal
de conduta aplicável em todas as circunstâncias,
e que não admite adaptação ou compromisso."
Francisco
Karan (15) defende que "a reflexão ética,
não redutível nem à moral vidente nem aos
códigos deontológicos, é essencialmente
um momento em que nos perguntamos, radicalmente, qual o sentido
do que fazemos (...) ou o significado de uma ocupação
ou profissão".
Robert
Schmuhl, pesquisador norte-americano, aborda o assunto em As
responsabilidades do Jornalismo - as questões éticas
no país de maior liberdade de expressão, (16)
reunindo diversos jornalistas da época com depoimentos
contundentes sobre o tema, além de referendar historicamente
a questão da ética dramaticamente resumida em
uma frase do colunista Bill Geyer - colunista do jornal Chicago
Tribune em 1983: Consiga a reportagem! Publique-a!, (17)
deixando claro que não importa de que forma isso ocorra.
Os
igualmente americanos Bill Kovak e Tom Rosenstiel escreveram
em Os Elementos do Jornalismo (18) que "em longas
entrevistas com nossos colegas acadêmicos, velhos e novos
jornalistas foram unânimes em dizer que 'a verdade' é
a missão primordial da nossa profissão".
Di
Franco, (19) jornalista e professor de Ética
Jornalística na Faculdade Cásper Líbero,
aponta uma tendência: "o jornalismo está virando
show business", porém, defende os jornalistas por
entender que estes estão "espartilhados pelo mundo
do espetáculo, (...) empurrados para o incômodo
papel de peça descartável em linha de montagem
da ciranda do entretenimento".
Eugênio
Bucci (20) entende que a responsabilidade ética
deve ser compartilhada pelos editores e proprietários
das empresas de comunicação que
"devem
incluir no seu rol de afazeres a formação ética
permanente dos jornalistas, dando-lhes retorno transparente
sobre cada decisão ética e promovendo debates
periódicos sobre o tema, o que inclui a recomendação
de leituras e o apoio a cursos de aperfeiçoamento aos
que têm interesse em se aprofundar. Se essa atividade
é encarada com seriedade e empenho, a decisão
entre ter ou não ter um código, ou uma carta
de princípios, mais concisa, é apenas uma decorrência.
Acompanhar e monitorar a cultura ética das equipes
é muito mais vital".
Historicamente
vamos encontrar em Ciro Vieira da Cunha (21) o relato
do caso do jornalista Paula Ney, do século XIX que afirmava
inventar notícias quando não as encontrava: "Ele
fazia questão de ser repórter. Nada mais. E repórter
ele o era às direitas. Não deixava o jornal sem
um caso de sensação. Quando este não surgia
nas ruas, ele o fantasiava com arte."
Palavras
de Paula Ney, reproduzidas pelo autor: "Cavo notícias
como os porcos de Pirigord descobrem túbaras: fossando
nos lameiros. Quando não as encontro, invento-as".
Sobre a declaração de Paula Ney, escreveu Flávio
Galvão em Captação da notícia e
o acesso às fontes de informação"
(1967/1968): "Imagine-se hoje em dia (1967) um repórter
a inventar notícias, quando não as encontrasse!
É coisa inadmissível, inaceitável, que
sequer passa pela cabeça de qualquer jornalista que paute
sua atividade pela ética". (22)
Claude-Jean
Bertrand em A Deontologia das Mídias (23) assegura
que as notícias não verificadas não devem
ser publicadas: "É preciso verificar minuciosamente
os dados, pois uma correção nem sempre pode apagar
o dano causado".
Estes
e outros autores que trabalham temas pertinentes ao de nosso
estudo, bem como documentos, manuais de redação,
artigos e obras de outras áreas como a Sociologia, Psicologia
e História, não serão descartados como
referência teórica, ao contrário, deverão
amparar este trabalho.
Estamos
ainda na fase de estudo de campo, portanto, ainda não
concluímos se de fato há um abuso no uso indiscriminado
de fontes não identificados nos dois maiores jornais
diários de São Paulo, Folha de S.Paulo e o Estado
de S.Paulo. Da mesma forma, ainda estamos pesquisando junto
aos responsáveis quais as medidas internas de checagem
e pós-edição dessas fontes, de forma a
evitar erros, fraudes e plágios, a exemplo do ocorrido
com o jornal norte-americano The New York Times. De onde surgem
as fontes não identificadas? Como os repórteres
têm acesso a elas? São elas que procuram os repórteres?
Os editores tomam conhecimento de tais fontes? Os editores checam
as fontes não identificadas de seus repórteres?
O que os faz confiar nelas? Como saber se não estão
sendo usados?
Estamos
aprofundando os aspectos éticos e técnicos do
tema, e discutindo as questões deontológicas que
envolvem a necessidade de checagem das fontes e uma maior acuidade
na apuração, pois como bem afirmou Philip Meyer
em A Ética no Jornalismo (24) "o primeiro
dever de um jornal é ser acurado, e se não puder
ser isso, então não pode ser imparcial, equilibrado,
ou útil à sociedade que serve".
Entendemos
que a práxis jornalística consagrou, por exemplo
a prerrogativa do repórter de omitir a identificação
de suas fontes como medida de segurança pessoal e também
como forma de manutenção da própria fonte.
Sem
isso, o jornalismo investigativo estaria, provavelmente, fadado
ao desaparecimento. A própria Lei de Imprensa prevê
essa situação. Existe ainda casos, bastante comuns,
em que a fonte pede para não ser identificada, o que
pode, em determinadas circunstâncias, comprometer ou não,
todo o trabalho do repórter se assim proceder.
Um
caso que já se tornou antológico, sem dúvida
é o do Watergate, dos jornalistas Bob Woodward e Carl
Bernstein do jornal Washington Post. Sem a fonte anônima
e desconhecida, mantida em sigilo até o dia 1º de
junho de 2005, provavelmente a reportagem não teria se
viabilizado, a corrupção que assolava a Casa Branca
não teria vindo á tona e o presidente Nixon não
teria renunciado.
"Ultimamente,
está na moda condenar o uso de fontes anônimas.
Certamente, nós no jornalismo demos aos críticos
suficiente munição com reportagens mal feitas
ou fraudulentas. Mas acabar com o uso de fontes anônimas,
como propõem mesmo alguns jornalistas, nos deixaria sujeitos
ao Discurso Oficial", afirma Chuck Raasch, colunista político,
de Washington, em artigo publicado no site do jornal US Today.
(25)
O
presente estudo de forma alguma pretende condenar ou deusificar
o uso de fontes não identificadas. Apenas, queremos confirmar
se as preocupações da jornalista Eleonora de Lucena
são legítimas ou não, ou melhor, se estão
fundamentadas em uma quantidade que possa ser caracterizada
de abusiva, de fato, ou não.
É
sabido que há também situações em
que a fonte mente, deliberadamente, para obter algum tipo de
favorecimento por parte da mídia, muito comum em se tratando
de informações governamentais - vide recente caso
da invasão do Iraque pelos Estados Unidos e tantos outros.
Muitas vezes, o repórter está seguindo as regras
básicas da reportagem, mas esbarra em questões
éticas que fogem de seu controle.
Para
Meyer (26), "a verdade dificilmente se encontra
à mão, os fatos verificáveis são
difíceis de descobrir e verificar, e é exatamente
por isso que deveríamos tentar tão diligentemente
e os jornalistas devem resistir à tentação
de abandonar a luta e tentar algum caminho mais fácil."
O
que recomendam os Códigos de Ética Jornalísticos
existentes em nosso país também serão alvo
de nossos estudos, no que diz respeito ao uso de fontes não
identificadas e à checagem das informações.
Algumas
características técnicas do trabalho jornalístico
atual colaboram para erros, fraudes e plágios. Há
muito uso da internet, entrevistas por telefone, por e-mail,
o uso abusivo de relatórios de pesquisas fornecidas por
órgãos governamentais, ONGs; releases, tudo em
função de um tempo cada vez mais exíguo
para o jornalista desempenhar sua tarefa, cumprir suas metas.
Falta ao repórter tempo para uma apuração
mais criteriosa? E os editores, confiam excessivamente em sua
equipe ou são omissos?
No
dia 11 de junho de 2004, por exemplo, o jornal Folha de S.Paulo
trouxe a seguinte manchete na primeira página: "Brasil
tem meio milhão de crianças escravizadas"
A fonte era um relatório da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) divulgado por agências
de notícias internacionais. O texto da matéria
informava que 559 mil crianças e jovens brasileiros entre
dez e 17 anos trabalhavam como escravos domésticos.
Sete
dias depois, no dia 18 de junho, a Folha trazia estampada, igualmente
na primeira página, o erro assumido: "Dado sobre
escravidão de crianças estava errado". A
chamada para matéria mais completa na página A15
trazia o seguinte texto: "A Folha errou ao afirmar na Primeira
Página e na página A11 do dia 11 deste mês
que há no Brasil mais de meio milhão de crianças
que trabalham em casas de terceiros em condição
semelhante à de escravos.
Falhas
de apuração, má interpretação
de uma agência internacional e imprecisões nos
informes da organização Internacional do Trabalho
á imprensa contribuíram para o erro. A OIT diz
que há no país 559 mil crianças em trabalho
doméstico. Sobre trabalho escravo, afirma que é
um fenômeno de difícil aferição."
(27)
A
dedução sobre a escravidão deve ter sido
do próprio jornalista autor da reportagem. O ombudsman
Marcelo Beraba em sua coluna daquela semana não questiona
essa questão, e até alivia um pouco, da mesma
forma que a Folha o fez, reforçando a informação
dada pelo jornal de que, afinal, os dados estavam defasados.
Porém, reconhece a tempo que "dados errados, tiram
a credibilidade de quem os produz e de quem os divulga".
(28)
Ainda
segundo o jornalista o jornal foi ágil no reconhecimento
de seu erro - coisa rara, admitida pelo próprio ombudsman
- e raro, estampado na Primeira Página. "Levantamento
feito pelo Banco de Dados do jornal registra seis outros casos
desde 1992", afirma. (29)
Para
Chaparro a grande mudança ocorrida dentro das redações
em relação às suas fontes, é que
a participação delas, na definição
da pauta dos jornais, "assumiu competência profissional.
As fontes se organizaram, se apropriaram das habilidades discursivas
do jornalismo - e o pautam. Para muitos, esse poder de interferência
das fontes descaracteriza e coloca em perigo o jornalismo. Será
assim?" observa o professor da USP no artigo publicado
pelo site Mega Brasil. (30)
Outro
aspecto abordado por nosso estudo diz respeito às pressões
sofridas pelos repórteres por seus superiores para cumprimentos
de metas editoriais.
O
que nos motivou a pesquisar os jornais Folha e O Estado de S.Paulo
foi a observação empírica feita basicamente
entre os meses de maio, quando o episódio Blair explodiu,
e junho de 2003, quando notamos a ocorrência do maior
número de matérias, reportagens e artigos publicados
em vários jornais, mas principalmente nos dois que são
objeto de nosso estudo.
A
repercussão do caso Jayson Blair, foi impactante na grande
imprensa gerando diversos artigos e análises por parte
de especialistas.
O
jornalista e professor Alberto Dines, teceu considerações
bastante apimentadas sobre o caso, no site Observatório
da Imprensa questionando se os jornais brasileiros tomariam
as mesmas atitudes do New York Times em situação
semelhante. Segundo ele, assim como a chefia do Times, outro
jornal norte-americano, o Los Angeles Times, quando da descoberta
de uma foto adulterada publicada em sua primeira página,
agiu de maneira correta e responsável, punindo os jornalistas
fraudadores, "Entre nós, quando o leitor não
reclama, ninguém reclama", (31) escreve
sugerindo que nossos jornais sequer encontram (ou procuram)
seus erros.
E
mais: "As erratas num veículo jornalístico
não podem ser tratadas como insignificância, cavacos
do ofício. Para o leitor, a informação
impressa é definitiva, o erro não pode ser encoberto
- sob qualquer pretexto". Para ele, "o conceito moderno
de investigação comporta dois investimentos: um
para apurar o que será publicado, outro para apurar o
que foi publicado. Só assim cria-se uma consciência
de um compromisso com a qualidade".
Foi
nesse período que os grandes jornais e sites de notícia
ou jornalismo publicaram a maioria das reportagens e artigos
sobre o assunto Jayson Blair.
A
Folha dedicou páginas e páginas com comentários
do jornalista Gay Talese, por exemplo, condenando o uso abuso
de fontes não identificadas por parte dos atuais repórteres
e os acusando de preguiçosos. Em outra matéria,
mobilizou seu correspondente em Nova York, Roberto Dias, que
até o mês de junho ainda elaborava textos com as
repercussões, nos Estados Unidos, sobre o caso do New
York Times.
O
Estado não ficou atrás, embora tenha sido um pouco
mais comedido. Quase um mês após o ocorrido, um
dos colunistas mais importantes, o professor Carlos Alberto
Di Franco, tece comentários em sua coluna, no dia 23
de junho, sobre as fraudes praticadas por jornalistas norte-americanos.
Da
mesmo forma que a Folha, o Estado destacou um de seus melhores
jornalistas, Daniel Piza, para uma entrevista com Gay Talese
também em junho. Desta vez Talese compara Jayson Blair
a um "terrorista" do jornalismo e chama os editores
do New York Times de incompetentes.
Um
pouco antes, no final do mês de maio, o Estado entrevistara
o editor do caderno Style do jornal Washington Post, Eugene
Robinson que esteve no Brasil, na época para uma série
de palestras. Ao contrário da entrevista com Gay Talese,
que focou os aspectos éticos e técnicos das fraudes
cometidas por Blair, Robinson deteu-se a abordar a questão
racial, afirmando que o jornalista fraudador teria sido mantido
no cargo, apesar de seus erros, por ser negro.
Os
sites especializados em jornalismo Comunique-se e Observatório
da Imprensa dedicaram muitas edições sobre o estrago
que o caso Jayson Blair provocou na credibilidade do jornal
mais tradicional dos EUA. O site da BBC Brasil, do jornal Valor
Econômico e outros sites de notícias como o Último
Segundo, do Portal IG e Blue Bus, cobriram o fato durante quase
dois meses.
Em
agosto de 2003, o assunto voltou à pauta desses mesmos
veículos. Foi nesse mês anunciado pelo New York
Times a criação do cargo do ombudsman como um
dos mecanismos contra plágios, fraudes e o uso indiscriminado
de fontes não identificadas. Na mesma época, Jayson
Blair anuncia que escrevera um livro sobre sua trajetória
antiética dentro do jornal New York Times, e que talvez
a história se transformasse em filme.
Se
o emprego de fontes não identificadas ou de procedimentos
internos das redações de dois grandes jornais
impressos não verificados periodicamente, podem prejudicar
a credibilidade de um jornal, a ponto de abalar estruturas internas
e derrubar uma dupla de editores conceituados como os do New
York Times, envolvidos no escândalo "Jayson Blair";
por que somente após este ocorrido, um jornal como a
Folha de S.Paulo, pioneira na criação do cargo
de ombudsman - notadamente um dos mecanismos de defesa contra
fraudes e atitudes suspeitas internas - se ocupa em criar alguns
novos métodos de defesa anti-fraude, plágio ou
manipulação. E o jornal O Estado de S.Paulo? Como
se comportou?
As
medidas adotadas foram eficientes? Como era feita a checagem
antes e depois do ocorrido? Havia procedimento de checagem?
Como ocorria o processo de pós-edição antes
do fato? E agora, mudou? De fato havia um abuso no uso de fontes
não-identificadas? Existe verdadeiramente um compromisso
com a verdade e, conseqüentemente com o leitor? Estamos
buscando as respostas a todas estas questões acreditando,
assim, contribuir de forma expressiva com o campo da pesquisa,
oferecendo subsídios a alunos e professores da graduação
de Jornalismo, para compreensão do fenômeno jornalismo,
além de acrescentar mais um capítulo ao estudo
do estado de arte do jornalismo brasileiro.
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Notícia: um produto à venda. São Paulo:
Editora Alfa-Omega, 1978.
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Profissão Jornalista: Responsabilidade Social. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1982.
MEYER,
Philip. A ética no jornalismo. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1987.
SODRÉ,
Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de
Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1966.
SCHMUHL,
Robert. "Introdução - O caminho para a responsabilidade",
As responsabilidades do Jornalismo - as questões éticas
no país de maior liberdade de expressão. Rio de
Janeiro: Ed. Nórdica, 1984, 1984, p. 23.
Notas
(1)
"NY Times revela fraudes de jornalista". Folha de
S.Paulo, Mundo, 12 mai. 2003, p. A10.
(2)
CHAPARRO, Manuel. Linguagem dos Conflitos, Minerva, Coimbra,
Portugal, 2001. p. 185-188.
(3)
HOHENBERG, John. O Jornalista Profissional. Guia às Práticas
e aos Princípios dos meios de Comunicação
de Massa, Interamericana.
(4)
DIAS, Roberto. "Repórter que assinou texto apurado
por outro jornalista sai do Times", Mundo, 30/05/2003,
p. A13.
(5)
STTEINBERG, Jacques. O Estado de S. Paulo, 23 abr. 2004.
(6)
BAUTZER, Tatiana. Jornalismo ou Ficção?. Caderno
Fim de Semana. Valor Econômico, 23-25 mai. 2003, p. 14.
(7)
Tablóide de Murdoch também admite fraude. Folha
de S.Paulo, Mundo, 21 mai. 2003, p. A14,
(8)
DIAS, Roberto. Talese liga caso ´NYT´a pobreza jornalística,
Folha de S. Paulo, MUNDO, 08 jun. 2003, p. A23.
(9)
XAVIER, Alexandre. Me engana que eu gosto - Os falsos jornalistas
e o jornalismo falso caminham juntos. Jornalmack.hpg.com.Br
- FCA Jornalismo Mackenzie - 4D, site Meta Jornal, 27 mai. 2003.
(10)
AJZEMBERG, Bernardo. "Domesticar o off", Folha de
S.Paulo, São Paulo. 20 jul. 2003, p. A6
(11)
Idem a 7.
(12)
Idem a 7.
(13)
MARQUES DE MELO, José. Transformações do
Jornalismo Brasileiro: ética e técnica. Intercom,
1994
(14)
KUCINSKI, Bernardo. "Jornalismo em crise - Uma nova ética
para uma nova modernidade", site Observatório da
Imprensa,
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/da010520021.htm.
(15)
KARAN, Francisco. "Contra o Marketing, uma defesa moral
do Jornalismo". Revista Intercom - Revista Brasileira de
Comunicação, Vol XVIII, nº 1, São
Paulo, janeiro/junho, 1995.
(16)
SCHMUHL, Robert. As responsabilidades do Jornalismo - as questões
éticas no país de maior liberdade de expressão,
Nórdica, 1994.
(17)
Idem a 13.
(18)
KOVACK, Bill; ROSENSTIEL, Tom. Os elementos do Jornalismo. São
Paulo: Geração Editorial, 2003.
(19)
DI FRANCO, Carlos Alberto, "Desafios do Jornalismo",
O Estado de S.Paulo, 23 jun. 2003, p. A2.
(20)
BUCCI, Eugênio, Sobre Ética e Imprensa, Companhia
das Letras. São Paulo, 2000, 1ª reimpressão,
p. 207.
(21)
CUNHA, Ciro Vieira da. No tempo de Paula Ney. São Paulo:
Saraiva, 1950.
(22)
GALVÃO, Flávio. Captação da Notícia
e o Acesso às fontes de informação. Departamento
de Apostilas do Diretório Acadêmico da Escola de
Comunicações Culturais da Universidade de São
Paulo, São Paulo, 1967/68.
(23)
BERTRAND, Claude-Jean. A Deontologia das Mídias. São
Paulo: Edusc, 1999.
(24)
MEYER, Philip. A Ética no Jornalismo - Um guia para estudantes,
profissionais e leitores. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1987.
(25)
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/usatoday/2005/06/03/ult582u634.jhtm.
(26)
Idem a 18.
(27)
"Dado sobre escravidão de crianças estava
errado", Folha de S.Paulo, Primeira Página, 18/06/2004.
(28)
BERABA, Marcelo, "Erros e Acertos", Folha de S.Paulo,
Ombudsman, 20 jun. 2005, p. A 6.
(29)
Ibidem.
(30)
CHAPARRO, Manuel Carlos. A influência das fontes no jornalismo
contemporâneo. http://www.megabrasil.com/megaportal/biblioteca_manuel2.htm.
(31)
DINES, Alberto, Investigando a investigação -
Caso Jayson Blair, site Observatório da Imprensa. http://www.observatoriodaimprensa.com.br/circo/cir140520032.htm.
*Lourdes
Maria Alvarez Rivera é jornalista, graduada em Comunicação
Social pela Universidade Metodista do Estado de São Paulo,
especialista em Teoria da Comunicação pela Faculdade
Cásper Líbero e mestranda em Ciências da Comunicação
pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo. E-mail: lmrivera@uol.com.br.
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