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Ensaios



A imagem do Brasil no discurso
do The New York Times: aspectos políticos

Por Maria Inez Mateus Dota*

Resumo: Considerando-se que todas as representações envolvem determinados pontos de vista, valores e objetivos e entendendo-se que o trabalho ideológico da linguagem da mídia inclui formas específicas de representar o mundo, este trabalho mostra qual é a imagem do Brasil propagada pelo jornal The New York Times na sociedade digital, no que diz respeito a aspectos políticos.

O corpus da pesquisa foi delimitado em torno da linguagem verbal de artigos que enfocam o Brasil, na edição on line do referido jornal, e cobre um período de dois meses. Fundamenta-se na Análise Crítica do Discurso, principalmente nos trabalhos de Fowler (1991), Bell e Garrett (1998) e Fairclough (1995 e 2001) e se propõe a verificar que estratégias discursivas são utilizadas pelo jornal para representar o Brasil, examinando-se opiniões positivas e negativas e as possíveis implicações com interesses de grupos de poder.

Palavras-chave: discurso; ideologia; jornal on line.

1. Introdução

Este trabalho se alicerça na hipótese de que os textos da mídia não espelham simplesmente a realidade, mas constituem versões da realidade que dependem de posições sociais, interesses e objetivos daqueles que as produzem. Isso se concretiza por meio de escolhas que são feitas nos vários níveis no processo de produção dos textos, desde as escolhas lexicais até os vários tipos de discurso que se inter-relacionam na construção do sentido.

Dessa forma, a representação, na imprensa e em todos os outros tipos de mídia e discurso, é uma prática construtiva. Os acontecimentos e as idéias não são comunicados de maneira neutra, em sua estrutura natural; nem poderiam ser, uma vez que são transmitidos por um meio com suas próprias características e essas características são impregnadas de valores sociais que dão uma perspectiva potencial para os acontecimentos.

O meio é utilizado por pessoas que trabalham em instituições sob (2) certas convenções de produção e o uso habitual nessas circunstâncias origina significações convencionais (Fowler, 1991, p. 25). Na linha de Foucault, esse autor afirma que as instituições e os grupos sociais têm significados específicos e valores que são articulados na linguagem de maneiras sistemáticas. Define discursos como conjuntos de afirmações sistematicamente organizadas que dão expressão aos significados e valores de uma instituição.

Na mesma direção, Bell (1998, p. 64) afirma que "os meios de comunicação são importantes instituições sociais. Eles são cruciais apresentadores da cultura, política e vida social, moldando-as, bem como refletindo como estas são formadas e expressas". Nesse sentido, a linguagem, condição essencial para a construção do discurso nesses meios, é uma forma altamente efetiva para expressar representações de experiências e valores.

As notícias adotam um estilo apropriado a determinado jornal, refletindo os processos sociais e econômicos em que o jornal está inserido. Esse estilo veicula uma ideologia que está incorporada na linguagem, aí implantada pelas práticas sociais e discursivas existentes. "Assim os valores que já existem - idéias sobre sexo, patriotismo, sobre classe, hierarquia, dinheiro, lazer, vida familiar, etc - são reproduzidas nessa interação discursiva entre o texto do jornal e o leitor" (Fowler, op cit, p. 46-47).

O objetivo da análise que aqui se apresenta é mostrar como a estrutura da linguagem verbal dá forma às idéias apresentadas, moldando-as em direção a crenças e valores estabelecidos. Verifica-se que estratégias discursivas são utilizadas pelo jornal The New York Times (versão on line) para representar o Brasil no que diz respeito a aspectos políticos, examinando-se opiniões positivas e negativas e as possíveis implicações com interesses de grupos de poder.

2. Descrição da investigação e metodologia

Esta investigação se fundamenta nos princípios da Análise Crítica do Discurso, principalmente nos estudos de Fowler (1991), Bell e Garrett (1998) e Fairclough (1995 e 2001). Iniciou-se com uma reflexão sobre obras desses autores, enfocando o discurso da mídia, em geral, em que se considera que as representações envolvem determinados pontos de vista, valores e objetivos e em que se concebe o trabalho ideológico da (3) linguagem da mídia incluindo formas específicas de representar o mundo. Essas obras também apresentam vários exemplos de análises sobre o discurso do jornal, do rádio e da televisão, que abriram o caminho para a análise aqui empreendida.

Com relação ao corpus utilizado, foi extraído do jornal The New York Times, em sua versão on line, disponibilizado gratuitamente na internet no site www.nytimes.com. Essa opção se deu em função da importância e alcance dessa versão do jornal no contexto midiático e da facilidade na coleta dos textos. Para separar os textos que atenderam à finalidade da análise, foi utilizado o sistema de busca do jornal com base na palavra Brazil, durante os meses de novembro e dezembro de 2003.

Após a extração dos textos, decidiu-se por analisar aqueles artigos cujo foco era o Brasil propriamente, em seus aspectos políticos, sabendo, naturalmente, que a área da política tangencia muitas outras, como a econômica e a social. Aqueles artigos que apenas citavam o Brasil foram desconsiderados. Dessa forma, obtiveram-se vinte e dois artigos, cobrindo os seguintes temas: a ALCA, o presidente Lula, a reforma agrária, a relação com o FMI e as ações do Partido dos Trabalhadores. Por questão de espaço, abordaremos, neste trabalho, apenas os dois primeiros temas.

Uma vez delimitado o corpus, efetivou-se a análise de discurso dos artigos coletados, levando-se em consideração as escolhas lexicais, o implícito, o pressuposto, a minimização ou saliência de determinados aspectos do tema abordado, a metáfora, a ironia, a intertextualidade - "como um texto incorpora partes de outros textos" - e a interdiscursividade - "como o discurso da mídia de jornais é constituído por meio da articulação particular de tipos de discurso e processos particulares de tradução entre eles" (Fairclough, 2001, p. 147).

3. Análise textual

3.1. A ALCA

Esse tema foi abordado pelo jornal em onze artigos, o que demonstra bastante importância manifestada pelo periódico, se se comparar com os outros temas enfocados - de um a seis artigos para os demais. Foi selecionado para análise porque há uma grande ênfase na participação do Brasil nas discussões sobre esse possível acordo comercial - a Área de Livre Comércio das Américas. O foco do The New York Times (4) são as dificuldades para que o projeto original do acordo seja discutido e colocado em prática, ou seja, a redução das barreiras comerciais "em todas as nações do hemisfério ocidental, exceto Cuba". Os obstáculos para o acordo se mostram nas escolhas lexicais grifadas abaixo, em trechos dos artigos analisados:

(1) The prospect of a global agreement of even a hemispheric pact like Washington's pet project - the Free Trade Area of the Americas - seems to be receding, replaced by a fragmented panorama in which resentment and bitterness set the tone. (A perspectiva de um acordo global ou mesmo de um pacto do hemisfério como o projeto favorito de Washington - a Área de Livre Comércio das Américas - parece estar retrocedendo, substituída por um panorama fragmentado no qual o ressentimento e a amargura dão o tom. - Trecho extraído do artigo New Global Trade Lineup: Haves, Have-Nots, Have- Somes, 2/11/2003).

(2) Negotiations to turn the Americas into the world's largest free trade zone hit a roadblock Monday on the second day of talks. (As negociações para transformar as Américas na maior zona de comércio livre do mundo atingiram uma barricada na segunda-feira, no segundo dia de conversas. - Ministers Begin Talks on Free Trade Pact, 17/11/2003.)

(3) The impasse over efforts by negotiators from the United States and Brazil to pare back a proposed hemispheric trade agreement showed few signs of being resolved. (O impasse sobre os esforços dos negociadores dos Estados Unidos e Brasil para reduzir um proposto acordo comercial do hemisfério mostrou poucos sinais de ser resolvido. - Hemisphere Trade Talks Moving Slowly, 18/11/2003.)

(4) United States officials, frustrated with the prospect of a watered -down hemispheric trade agreement, said Tuesday they would focus on bilateral agreement with several compliant nations in the Andes, Central America and the Caribbean as a way to get past differences with South America's largest economy, Brazil. (Funcionários americanos, frustrados com a perspectiva de um enfraquecido acordo comercial do hemisfério, disseram, na terça-feira, que eles se concentrariam em acordos bilaterais com diversas nações concordantes dos Andes, América Central e Caribe, como uma forma de superar as diferenças com a maior economia da América do Sul, o Brasil. - Frustrated, U.S. Will Seek Bilateral Trade Pacts, 19/11/2003.)

Em (1), com as palavras resentment (ressentimento) e bitterness (amargura), evocasse o discurso das relações pessoais, mostrando, com esses termos, um clima pouco (5) propício para que as negociações avancem entre os envolvidos. O discurso militar, em (2), é trazido para o texto com a palavra roadblock (barricada), metáfora utilizada para significar a enorme dificuldade que se delineia no âmbito das negociações. Em (3), impasse (impasse) e a construção showed few signs of being resolved (mostrou poucos sinais de ser resolvida) indicam que o acordo tem poucas chances de ser efetivado e a polarização está entre o Brasil e os Estados Unidos. O trecho (4) traz as escolhas lexicais frustrated (frustrados) e a watered -down hemispheric trade agreement (um enfraquecido acordo comercial do hemisfério), objetivando justificar a união dos Estados Unidos com países das regiões citadas como a única saída para superar as dificuldades com o Brasil.

Reitera-se que a participação do Brasil nas discussões é destacada, creditando-se a este país e aos Estados Unidos a chance de continuidade nas negociações da ALCA: (5)Amorim said the United States and Brazil both agreed on the urgency of relaunching WTO talks since many difficult issues could only be resolved in that forum. (Amorim disse que tanto os Estados Unidos como o Brasil concordaram com a urgência de relançar as conversações da Organização Mundial do Comércio, uma vez que muitos assuntos difíceis poderiam ser resolvidos apenas naquele fórum. - US, Brazil Set Joint Ideas for Trade Pact, 8/11/2003.)

(6) A shared assessment of the parameters of the F.T.A.A. between the United States and Brazil, South America's largest economy, is expected to avert a collapse of the talks this week… (Uma avaliação compartilhada dos parâmetros da ALCA entre os Estados Unidos e o Brasil, a maior economia da América do Sul, é esperada para impedir um colapso das conversações nesta semana...- Hemisphere Trade Talks in Miami are Reported to Hit a Bump , 17/11/2003.)

(7) Negotiators gained little ground in surmounting differences over a measure intended to scale back a trade agreement for 34 countries in the Americas on Monday, but they were able to agree on selecting a headquarters city for the trade pact by next summer. (Os negociadores ganharam pouco terreno em superar as diferenças sobre uma medida destinada a retomar um acordo para 34 países das Américas, na segunda-feira, mas eles foram capazes de concordar com a seleção da cidade sede para o pacto comercial no próximo verão. - Hemisphere Trade Talks Moving Slowly, 18/11/2003.)

Dando saliência à atuação do Brasil, o Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, é mostrado, em (5), como um negociador diplomático que colabora na (6) transferência dos assuntos mais polêmicos para a Organização Mundial do Comércio.

Também, segundo o jornal, não fosse a atuação do Brasil e dos Estados Unidos, as negociações entrariam "em colapso", conforme (6), termo que recupera o discurso das tragédias, utilizado no texto para traduzir a clima caótico das negociações. Em (7), de acordo com os grifos acima, o jornalista lança mão da ironia, mostrando que as diferenças são tantas na concretização do acordo, que os participantes conseguiram apenas definir a cidade que será a sede do próximo encontro.

Essa proeminência atribuída ao Brasil pelo The New York Times aponta, de um lado, o poder de negociação dessa grande economia da América do Sul, conforme (8) e (9) abaixo:

(8) Without cooperation from Brazil, South America's largest economy, it is doubtful that the Bush administration could achieve its goal of extending the North American Free Trade Agreement to the entire hemisphere, especially with the growing protests against the agreement in the United States. (Sem a cooperação do Brasil, a maior economia da América do Sul, duvida-se que a administração de Bush pudesse alcançar seu objetivo de estender o Acordo de Livre Comércio da América do Norte para todo o hemisfério, especialmente com os protestos crescentes contra o acordo nos Estados Unidos. - U.S. and Brazil Meet in Effort to Ease Coming Trade Talks, 10/11/2003.)

(9) Calling itself the Group of 20-plus, the bloc was conceived by Brazil and Índia as a way to bring together large, resource-rich and economically dynamic nations from the South… These countries have the clout to demand greater access to the markets of industrialized nations because together they account for more than half the world's population - and they also have substantial manufacturing centers of their own. (Intitulando-se o Grupo dos 20 mais, o bloco foi concebido pelo Brasil e pela Índia como uma forma de agrupar nações do sul ricas em recursos e economicamente dinâmicas... Esses países têm o poder de exigir acesso maior aos mercados das nações industrializadas porque juntos eles respondem por mais da metade da população do mundo - e eles têm, também, centros próprios de industrialização substanciais. - New Global Trade Lineup: Haves, Have-nots, Have-Somes, 2/11/2003.)

Por outro lado, embora em situação de destaque, o jornal não confere ao Brasil (e aos Estados Unidos também não) a estatura de politicamente correto, de acordo com (10) e (11) abaixo:

(10) Brazil and the United States forced upon the other nations a framework that calls for talks in nine areas - like intellectual property rights and agriculture - while giving countries the right not to take on all the obligations in any one of them. Call it free trade, à la carte. (O Brasil e os Estados Unidos forçaram para as outras nações um modelo que exige conversações em nove áreas - como os direitos de propriedade intelectual e agricultura - enquanto dá aos países o direito de não assumir todas as obrigações em qualquer uma delas. Chame isso de livre comércio, à la carte. - Free Trade, à la Carte, 22/12/2003.)

(11) Brazil, by far Latin America's largest economy, has never been eager to create a meaningful free trade area for the entire hemisphere. It would like to protect its industry from outside competition, and it has no desire to agree to the types of rules governing intellectual property, investment and government procurement that should be part of a muscular trade deal. (O Brasil, sem dúvida a maior economia da América Latina, nunca esteve propenso a criar uma área de livre comércio significativa para todo o hemisfério. Gostaria de proteger sua indústria contra a competição externa e não tem nenhum desejo de concordar com os tipos de normas que regem a propriedade intelectual, o investimento e a intercessão governamental que poderiam ser parte de um vigoroso acordo comercial. - Ibid, 22/12/2003.)

Contrariamente à posição de desinteresse pelo acordo, atribuída ao Brasil, entre um enunciado e outro, o jornal deixa transparecer sua ênfase no projeto original, em sua forma ampla, sem barreiras tarifárias em toda a América, conforme concebido em 1994, no governo do presidente Clinton. Atente-se para os grifos em (12), (13) e (14):

(12) But many see this week's congratulatory mood as unwarranted, arguing that the framework that the ministers approved Thursday was a major setback to the original goal set here nine years ago of tearing down all trade barriers from Alaska to Argentina. (Mas muitos vêem o clima congratulatório desta semana como sem motivo, argumentando que o modelo que os ministros aprovaram na quinta-feira foi um enorme retrocesso em relação ao propósito original colocado aqui, nove anos atrás, de eliminar todas as barreiras comerciais do Alasca à Argentina. - Free - Trade Bloc Deal Varies From Original, 21/11/2003).

(13) The danger now, especially for the weakest nations, is that talks will be transformed into what the economist Jagdish Bhagwati calls a "spaghetti bowl" of bilateral and regional agreements. (O perigo agora, especialmente para as nações mais (8) fracas, é que as conversas serão transformadas naquilo que o economista Jagdish Bhagwati chama de "tigela de espaguete" de acordos bilaterais e regionais. - New Global Trade Lineup: Haves, Have-Nots, Have-Somes, 2/11/2003.)

(14) The senior U.S. official, who spoke to reporters before Amorim did, said the United States was still "pushing to get as comprehensive an agreement as possible." (Um funcionário americano graduado, que falou com os repórteres antes de Amorim, disse que os Estados Unidos ainda estavam pressionando para obter um acordo tão completo quanto possível. - US, Brazil Set Joint Ideas for Trade Pact, 8/11/2003.)

O trecho (12) atribui a um significativo grupo anônimo - "muitos vêem" - a opinião de que as negociações em curso constituem um retrocesso em relação ao projeto original, pressupondo, portanto, a legitimidade deste. No dizer de Fairclough (1995, p. 5), expressões como essa têm um valor modal "para mitigar e eximir responsabilidade por um julgamento inadequado, atribuindo-o a outros, sem especificação." Neste caso da ALCA, pergunta-se: a quem interessa o projeto original que o Brasil não quer aprovar? Uma discussão aprofundada dos prós e contras do projeto idealizado, para os diferentes países da América, não é apresentada pelo The New York Times no período analisado, no sentido de que se possa realmente avaliar os rumos das discussões.

Em (13), o andamento das negociações é apontado como um "perigo para as nações mais fracas" e o interdiscurso com o discurso da cozinha - "tigela de espaguete" - banaliza o acordo realizado até então. Por outro lado, seria a total eliminação das barreiras comerciais benéficas para todos os países envolvidos ou favoreceria apenas uma elite econômica? Questões como essas não são enfatizadas nos textos analisados.

O recurso à intertextualidade, na voz de uma autoridade graduada, é introduzido em (14) para ressaltar o interesse dos Estados Unidos por um acordo amplo, que, segundo o jornal, não prosperou em função da "ambivalência" do Brasil apontada em (11); a essa ambivalência a administração de Bush teve de se dobrar, uma vez que não pretende eliminar os subsídios agrícolas (conforme (15) abaixo), assim como o Brasil quer se proteger da competição externa com relação às suas indústrias:

(15) The Bush administration succumbed to Brazil's ambivalence because of its unwillingness to end America's trade-distorting farm subsidies. At the W.T.O.'s gathering in Cancún, the United States sided with the European Union on this point and against Brazil. Agriculture is of immense importance to Latin America because its farmers can compete against American agribusiness in some markets if given a level (9) playing field. (A administração de Bush sucumbiu à ambivalência do Brasil por causa de sua pouca vontade em eliminar os subsídios agrícolas que distorcem o comércio. No encontro da O.M.C. em Cancun, os Estados Unidos ficaram do lado da União Européia neste ponto e contra o Brasil. A agricultura é de imensa importância para a América Latina, porque seus fazendeiros podem competir contra os agronegócios americanos em alguns mercados se houver um campo de atuação equilibrado. - Free Trade, à la Carte, 22/11/2003).

3.2. O presidente

Nesta seção analisaremos a atuação do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na visão do The New York Times, durante os dois meses pesquisados. O jornal apresenta seis artigos abordando sua popularidade, reforma ministerial, medidas sociais e econômicas e composição da máquina administrativa. Com referência à sua popularidade, o jornal capta o momento da publicação de umapesquisa do Instituto Datafolha, em que as taxas de aprovação ao presidente Lula estão levemente caindo:

(16) Ten months into office and Brazil's President Luiz Inacio Lula da Silva has seen his high approval rating dip slightly with growing concerns about his ability to tackle near-20-month high unemployment. (Dez meses no cargo e o presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva viu sua alta taxa de aprovação diminuir levemente, com as preocupações crescentes sobre sua habilidade em lidar com o alto desemprego existente há cerca de 20 meses. - Support for Brazil's Lula Dips, Jobless Fear Grows, 2/11/2003).

Embora o The New York Times aponte sua grande popularidade (conforme (19, abaixo)), os números do abalizado instituto de pesquisa são intertextualmente trazidos ao artigo para apoiar a tese já colocada no título - "Apoio para Lula do Brasil Diminui, o Medo do Desemprego Cresce", como se confirma nos grifos em (17) e (18) abaixo:

(17) Some 54 percent of Brazilian now think Lula's government is bad or terrible at fighting unemployment, according to the poll, compared with 50 percent in August and 43 percent in March. (Cerca de 54 por cento dos brasileiros agora acham que o governo Lula é ruim ou péssimo na luta contra o desemprego, de acordo com a pesquisa, comparado com os 50 por cento em agosto e 43 por cento em março. - Ibid ). (10)

(18) The number of Brazilians who believe Lula's government is doing an "average" job rose to 44 percent from 42 percent in August. Only 11 percent felt he was doing a poor job, up from 10 percent. (O número de brasileiros que acreditam que o governo de Lula está realizando um trabalho "médio" subiu para 44 por cento de 42 por cento em agosto. Apenas 11 por cento disseram que ele estava realizando um trabalho insatisfatório, contra os 10 por cento anteriores. - Ibid).

(19) Brazil's first working-class president remains one of the country's most popular leaders in recent history. (O primeiro presidente da classe trabalhadora do Brasil permanece um dos mais populares líderes do país na história recente. - Ibid).

Nesse mesmo artigo, são apontados aspectos negativos do governo Lula corroborando sua queda de popularidade, como a alta taxa de desemprego em (20) ou o programa "Fome Zero de difícil controle" em (21):

(20) Unemployment rose to 13 percent in June and has hardly budged since. (O desemprego subiu para 13 por cento em junho e não se moveu quase nada desde então. - Ibid ).

(21) On the social front, Lula recently streamlined his unwieldy "Zero Hunger" antipoverty program, merging four welfare programs into one. (Na frente social, Lula recentemente planejou seu programa antipobreza "Fome Zero", de difícil controle, agrupando quatro programas de bem-estar social em um. - Ibid ).

Ao abordar a reforma ministerial, vários problemas do governo Lula são trazidos à baila, como o emperramento das reformas econômicas em (22), a má coordenação em algumas áreas em (23) e a troca de cargos pelo apoio do PMDB em (24), imprimindo um tom negativo para a atuação do governo Lula:

(22) Brazilian President Luiz Inacio Lula da Silva is contemplating his first cabinet reshuffle in a bid to boost his political clout as key economic reforms risk getting bogged down in Congress. (O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva está estudando sua primeira reforma ministerial, numa tentativa de impulsionar seu empacamento político, uma vez que as principais reformas econômicas correm o risco de serem atravancadas no Congresso. - Brazil's Lula Ponders First Cabinet Reshuffle, 16/11/2003).

(23) The reshuffle, which has been discussed for months, became more urgent after a string of public relations blunders showed up what analysts say is poor coordination in some areas of the government of Brazil's first working-class president. (A reforma, que (11) foi discutida há meses, tornou-se mais urgente depois que uma série de erros de relações públicas revelou o que os analistas dizem ser má coordenação em algumas áreas do governo do primeiro presidente do Brasil da classe trabalhadora. - Ibid).

Uma vez mais o recurso à intertextualidade, na voz de uma autoridade anônima - os analistas, acima, - é empregado, para trazer credibilidade à avaliação apontada - a questão da "má coordenação". A alusão à origem do presidente - "o primeiro da classe trabalhadora" -, parece querer associar o fato de ele ser oriundo da classe trabalhadora com despreparo e má administração.

(24) "The PMDB has been very well behaved, they are patiently waiting," said political analyst David Fleischer. "The government is having to pass out some more goodies to get the reforms through and one of the goodies is cabinet changes." (O PMDB tem estado muito bem comportado, eles estão esperando pacientemente," disse o analista político David Fleischer. "O governo está tendo que distribuir alguns doces para passar as reformas e um dos doces são as mudanças ministeriais. - Ibid).

No trecho acima, a comparação implícita dos políticos do PMDB a crianças que se deixam conquistar por guloseimas, ao lado da recuperação do discurso da infantilidade, objetiva desprestigiar a conduta do governo Lula, bem como a atuação de legisladores brasileiros.

Avaliações positivas da atuação de Lula são colocadas na boca do próprio presidente ou de outras vozes introduzidas no texto pela intertextualidade, no artigo "O Presidente do Brasil, Outrora um Azarão, Descreve um Futuro Brilhante", enquanto as incoerências e os problemas são apontados pelo jornalista. Assim, confira-se a fala do presidente e, em seguida, a de um economista:

(25) "...now, Mr. da Silva said, listing his government's achievements - falling interest rates, booming exports, a stable currency - "the time of uncertainty has passed." He added: "We have won back confidence in our economy and in the capacity of this country to grow." (…agora, o Sr. Da Silva disse, listando as realizações do governo - a queda das taxas de juros, o impulso das importações, uma moeda estável - "o tempo de incerteza passou." - Brazil's President, Once a Dark Horse, Describes a Bright Present, 19/12/2003).

(26) "They've kept to the fiscal straight and narrow, they've pushed some key reforms through," said John Welch, chief Latin American economist at WestLB bank in New York. "I think it's been a very successful first year, especially compared to what people (12) were expecting." ("Eles mantiveram o ajuste fiscal correto e apertado, eles levaram a cabo as principais reformas," disse John Welch, economista chefe do banco WestLB em Nova Iorque. "Eu acho que foi um ano de muito sucesso, especialmente comparado àquilo que as pessoas estavam esperando." - Ibid ).

No trecho (27), ressalte-se a estruturação do enunciado utilizada pelo jornal, colocando em primeiro plano a incoerência do presidente em defender políticas que criticou no passado e em (28) a dificuldade para a retomada da atividade econômica:

(27) President Luiz Inacio Lula da Silva, defending the unpopular pro-market policies he once demonized but which have marked his first year in Office, said on Thursday that the sacrifices Brazilians had made this year would be repaid with sustained economic growth. (O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, defendendo políticas impopulares favoráveis ao mercado que ele demonizou no passado, mas que marcaram seu primeiro ano no cargo, disse, na quinta-feira, que os sacrifícios que os brasileiros têm feito este ano seriam recompensados com crescimento econômico sustentado. - Ibid ).

(28) Not even the seven reduction in interest rates since June have managed to revive activity. The president made the mistake of predicting a recovery that would bring "spectacular growth" as early as July. (Nem mesmo as sete reduções nas taxas de juros conseguiram reavivar a atividade. O presidente cometeu o erro de prever uma recuperação que traria "crescimento espetacular" logo em julho. - Ibid).

O título do artigo "Presidente Brasileiro Faz Transformação" pode sugerir mudanças encetadas pelo governo Lula, mas, no início do texto, é dada ênfase para a transformação ocorrida na postura do presidente - de "populista de esquerda para pragmático de estilo próprio" (conforme 29) ou para uma posição de centro (conforme 30):

(29) A year in office has transformed President Luiz Inacio Lula da Silva from left-wing populist to self -styled pragmatist, at home with working stiffs and Wall Street alike. (Um ano no cargo transformou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de populista de esquerda para pragmático de estilo próprio, em casa com os rústicos trabalhadores bem como com os homens de Wall Street. - Brazilian President Makes Transformation, 21/12/2003).

(30) The day after his inaugural last New Year's Day, Silva had breakfast with Chavez and dinner with Cuba's Fidel Castro, but he has steered a centrist course in dealing( 13) with Brazil's slump. (Um dia após sua posse no último Ano Novo, Silva tomou café da manhã com Chavez e jantou com Fidel Castro, mas adotou um rumo centrista ao lidar com o fracasso do Brasil. - Ibid).

No campo social, o jornal aponta a proposição de uma espécie de "New Deal" para o Brasil (conforme 31), num intertexto com o acordo proposto pelo presidente Franklin Roosevelt para tirar os Estados Unidos da Grande Depressão, na década de 30.

Entretanto, também fazendo uso da intertextualidade, o jornalista introduz uma autoridade no assunto para dizer que tal plano não será implementado (conforme 32):

(31) "That entails mass public spending in areas like housing, sanitation, big public works, above all construction which uses lots of cheap labor and distributes money immediately. I would call it a small New Deal." (Isso envolve massivo gasto público em áreas como habitação, saneamento, grandes obras públicas, acima de tudo construção que usa muita mão-de-obra barata e distribui o dinheiro imediatamente. Eu chamá-lo-ia de um pequeno Novo Acordo. - Lula Prepares 'New Deal' to Help the Poor, 21/12/2003).

(32) Some observers say many such projects may never take place because of budgetconstraints. "The plan is just a letter of intentions and will remain so," said political analyst Carlos Lopes. (Alguns observadores dizem que muitos dos tais projetos podem nunca se efetivar por causa de restrições orçamentárias. "O plano é apenas uma carta de intenções e permanecerá assim," disse o analista político Carlos Lopes. - Ibid).

Com referência à composição dos quadros do governo, o The New York Times salienta a grande quantidade de nomeados oriundos do Partido dos Trabalhadores, o partido do presidente, a falta de experiência dessas pessoas e a ausência de critérios na nomeação, como se comprova principalmente nos grifos em (33), (34) e (35), abaixo:

(33) The country's leading newsmagazine calls it "the most radical and voracious partisanization of the state bureaucratic structure" in Brazilian history. (A principal revista de notícias do país chamou-a de "a mais radical e voraz partidarização da estrutura burocrática estatal" da história brasileira. - Inexperience Catches up With Brazilian Appointees, 30/11/2003).

(34) Mr. da Silva's Workers' Party had limited administrative experience, even at state and municipal levels, when it began to govern this nation of 175 million people. One result, critics contend, has been confusion and immobility, as thousands of posts have been filled with party loyalists. (O Partido dos Trabalhadores do Sr. da Silva teve (14) limitada experiência administrativa, mesmo em níveis estaduais e municipais, quando começou a governar esta nação de 175 milhões de pessoas. Um resultado, os críticos argumentam, tem sido confusão e imobilidade, uma vez que milhares de postos foram preenchidos com os leais ao partido. - Ibid).

(35) But to fill so many posts, the government has in fact quietly eased job qualifications. The prerequisite of a college degree for some senior posts has been dropped. At the National Health Foundation, a decree that required five years of experience in health care for regional directors was summarily changed to a "preference". (Mas para preencher alguns postos, o governo tem, na verdade, facilitado as qualificações para o emprego. O pré-requisito de curso superior para muitos postos graduados foi deixado de lado. Na Fundação Nacional da Saúde, um decreto que exigia cinco anos de experiência em vigilância sanitária para diretores regionais foi sumariamente mudado para "preferencialmente". - Ibid).

4. Análise dos resultados/conclusões

Revendo os textos analisados e os enfoques dados pelo The New York Times no tocante ao Brasil, verifica-se, na maioria das vezes, uma imagem negativa do país. Embora seja dada grande saliência à participação do Brasil nas discussões sobre a ALCA e à sua resistência com relação aos subsídios agrícolas americanos, fica, com o artigo opinativo "Comércio Livre, à la Carte", publicado após o término da rodada de negociações, a imagem de um Brasil que evita um acordo amplo, para proteger seus interesses particulares.

Questiona-se: a quem interessa essa crítica? O Brasil não deveria estar defendendo seus interesses? Reitera-se que não se discute as conseqüências da eliminação das barreiras comerciais para os países envolvidos nas negociações da ALCA, apontando se essa medida é realmente justa e viável para os participantes.

Com relação à atuação do presidente, a imagem que se projeta é mais negativa que positiva, pois são ressaltados alguns pontos cruciais: a queda de popularidade do governante; uma reforma ministerial para tirar o Brasil do emperramento político e atender pleitos de partido aliado que apóia as reformas em andamento; a incoerência do presidente ao adotar políticas econômicas que criticou no passado; suas transformações de populista de esquerda para pragmático centrista; o preenchimento dos cargos (15) públicos com membros inexperientes do Partido dos Trabalhadores e a apresentação de um "New Deal" que não sairá do papel.

Com esse quadro delineado, o cenário apresentado ao leitor do The New York Times on line é o de uma estrutura política desorganizada que está ainda buscando os seus rumos.

Bibliografia

BELL, G.; Garrett, P. Approaches to media discourse. Oxford: Blackwell, 1998.

FAIRCLOUGH, N. Media discourse. London: Edward Arnold, 1995.
_____. Discurso e mudança social. Tradução de Izabel Magalhães. Brasília: Editora
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*Maria Inez Mateus Dota (UNESP-Bauru) é Doutora em Letras.
E-mail: midota@uol.com.br

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