A
imagem do Brasil no discurso
do The New York Times: aspectos políticos
Por
Maria Inez Mateus Dota*
Resumo:
Considerando-se que todas as representações envolvem
determinados pontos de vista, valores e objetivos e entendendo-se
que o trabalho ideológico da linguagem da mídia
inclui formas específicas de representar o mundo, este
trabalho mostra qual é a imagem do Brasil propagada pelo
jornal The New York Times na sociedade digital, no que diz respeito
a aspectos políticos.
O
corpus da pesquisa foi delimitado em torno da linguagem verbal
de artigos que enfocam o Brasil, na edição on
line do referido jornal, e cobre um período de dois meses.
Fundamenta-se na Análise Crítica do Discurso,
principalmente nos trabalhos de Fowler (1991), Bell e Garrett
(1998) e Fairclough (1995 e 2001) e se propõe a verificar
que estratégias discursivas são utilizadas pelo
jornal para representar o Brasil, examinando-se opiniões
positivas e negativas e as possíveis implicações
com interesses de grupos de poder.
Palavras-chave:
discurso;
ideologia; jornal on line.
1.
Introdução
Este
trabalho se alicerça na hipótese de que os textos
da mídia não espelham simplesmente a realidade,
mas constituem versões da realidade que dependem de posições
sociais, interesses e objetivos daqueles que as produzem. Isso
se concretiza por meio de escolhas que são feitas nos
vários níveis no processo de produção
dos textos, desde as escolhas lexicais até os vários
tipos de discurso que se inter-relacionam na construção
do sentido.
Dessa
forma, a representação, na imprensa e em todos
os outros tipos de mídia e discurso, é uma prática
construtiva. Os acontecimentos e as idéias não
são comunicados de maneira neutra, em sua estrutura natural;
nem poderiam ser, uma vez que são transmitidos por um
meio com suas próprias características e essas
características são impregnadas de valores sociais
que dão uma perspectiva potencial para os acontecimentos.
O
meio é utilizado por pessoas que trabalham em instituições
sob (2) certas convenções de produção
e o uso habitual nessas circunstâncias origina significações
convencionais (Fowler, 1991, p. 25). Na linha de Foucault, esse
autor afirma que as instituições e os grupos sociais
têm significados específicos e valores que são
articulados na linguagem de maneiras sistemáticas. Define
discursos como conjuntos de afirmações sistematicamente
organizadas que dão expressão aos significados
e valores de uma instituição.
Na
mesma direção, Bell (1998, p. 64) afirma que "os
meios de comunicação são importantes instituições
sociais. Eles são cruciais apresentadores da cultura,
política e vida social, moldando-as, bem como refletindo
como estas são formadas e expressas". Nesse sentido,
a linguagem, condição essencial para a construção
do discurso nesses meios, é uma forma altamente efetiva
para expressar representações de experiências
e valores.
As
notícias adotam um estilo apropriado a determinado jornal,
refletindo os processos sociais e econômicos em que o
jornal está inserido. Esse estilo veicula uma ideologia
que está incorporada na linguagem, aí implantada
pelas práticas sociais e discursivas existentes. "Assim
os valores que já existem - idéias sobre sexo,
patriotismo, sobre classe, hierarquia, dinheiro, lazer, vida
familiar, etc - são reproduzidas nessa interação
discursiva entre o texto do jornal e o leitor" (Fowler,
op cit, p. 46-47).
O
objetivo da análise que aqui se apresenta é mostrar
como a estrutura da linguagem verbal dá forma às
idéias apresentadas, moldando-as em direção
a crenças e valores estabelecidos. Verifica-se que estratégias
discursivas são utilizadas pelo jornal The New York Times
(versão on line) para representar o Brasil no que diz
respeito a aspectos políticos, examinando-se opiniões
positivas e negativas e as possíveis implicações
com interesses de grupos de poder.
2.
Descrição da investigação e metodologia
Esta
investigação se fundamenta nos princípios
da Análise Crítica do Discurso, principalmente
nos estudos de Fowler (1991), Bell e Garrett (1998) e Fairclough
(1995 e 2001). Iniciou-se com uma reflexão sobre obras
desses autores, enfocando o discurso da mídia, em geral,
em que se considera que as representações envolvem
determinados pontos de vista, valores e objetivos e em que se
concebe o trabalho ideológico da (3) linguagem da mídia
incluindo formas específicas de representar o mundo.
Essas obras também apresentam vários exemplos
de análises sobre o discurso do jornal, do rádio
e da televisão, que abriram o caminho para a análise
aqui empreendida.
Com
relação ao corpus utilizado, foi extraído
do jornal The New York Times, em sua versão on line,
disponibilizado gratuitamente na internet no site www.nytimes.com.
Essa opção se deu em função da importância
e alcance dessa versão do jornal no contexto midiático
e da facilidade na coleta dos textos. Para separar os textos
que atenderam à finalidade da análise, foi utilizado
o sistema de busca do jornal com base na palavra Brazil, durante
os meses de novembro e dezembro de 2003.
Após
a extração dos textos, decidiu-se por analisar
aqueles artigos cujo foco era o Brasil propriamente, em seus
aspectos políticos, sabendo, naturalmente, que a área
da política tangencia muitas outras, como a econômica
e a social. Aqueles artigos que apenas citavam o Brasil foram
desconsiderados. Dessa forma, obtiveram-se vinte e dois artigos,
cobrindo os seguintes temas: a ALCA, o presidente Lula, a reforma
agrária, a relação com o FMI e as ações
do Partido dos Trabalhadores. Por questão de espaço,
abordaremos, neste trabalho, apenas os dois primeiros temas.
Uma
vez delimitado o corpus, efetivou-se a análise de discurso
dos artigos coletados, levando-se em consideração
as escolhas lexicais, o implícito, o pressuposto, a minimização
ou saliência de determinados aspectos do tema abordado,
a metáfora, a ironia, a intertextualidade - "como
um texto incorpora partes de outros textos" - e a interdiscursividade
- "como o discurso da mídia de jornais é
constituído por meio da articulação particular
de tipos de discurso e processos particulares de tradução
entre eles" (Fairclough, 2001, p. 147).
3.
Análise textual
3.1.
A ALCA
Esse
tema foi abordado pelo jornal em onze artigos, o que demonstra
bastante importância manifestada pelo periódico,
se se comparar com os outros temas enfocados - de um a seis
artigos para os demais. Foi selecionado para análise
porque há uma grande ênfase na participação
do Brasil nas discussões sobre esse possível acordo
comercial - a Área de Livre Comércio das Américas.
O foco do The New York Times (4) são as dificuldades
para que o projeto original do acordo seja discutido e colocado
em prática, ou seja, a redução das barreiras
comerciais "em todas as nações do hemisfério
ocidental, exceto Cuba". Os obstáculos para o acordo
se mostram nas escolhas lexicais grifadas abaixo, em trechos
dos artigos analisados:
(1)
The prospect of a global agreement of even a hemispheric pact
like Washington's pet project - the Free Trade Area of the Americas
- seems to be receding, replaced by a fragmented panorama in
which resentment and bitterness set the tone. (A perspectiva
de um acordo global ou mesmo de um pacto do hemisfério
como o projeto favorito de Washington - a Área de Livre
Comércio das Américas - parece estar retrocedendo,
substituída por um panorama fragmentado no qual o ressentimento
e a amargura dão o tom. - Trecho extraído do artigo
New Global Trade Lineup: Haves, Have-Nots, Have- Somes, 2/11/2003).
(2)
Negotiations to turn the Americas into the world's largest free
trade zone hit a roadblock Monday on the second day of talks.
(As negociações para transformar as Américas
na maior zona de comércio livre do mundo atingiram uma
barricada na segunda-feira, no segundo dia de conversas. - Ministers
Begin Talks on Free Trade Pact, 17/11/2003.)
(3)
The impasse over efforts by negotiators from the United States
and Brazil to pare back a proposed hemispheric trade agreement
showed few signs of being resolved. (O impasse sobre os
esforços dos negociadores dos Estados Unidos e Brasil
para reduzir um proposto acordo comercial do hemisfério
mostrou poucos sinais de ser resolvido. - Hemisphere Trade Talks
Moving Slowly, 18/11/2003.)
(4)
United States officials, frustrated with the prospect of
a watered -down hemispheric trade agreement, said Tuesday they
would focus on bilateral agreement with several compliant nations
in the Andes, Central America and the Caribbean as a way to
get past differences with South America's largest economy, Brazil.
(Funcionários americanos, frustrados com a perspectiva
de um enfraquecido acordo comercial do hemisfério, disseram,
na terça-feira, que eles se concentrariam em acordos
bilaterais com diversas nações concordantes dos
Andes, América Central e Caribe, como uma forma de superar
as diferenças com a maior economia da América
do Sul, o Brasil. - Frustrated, U.S. Will Seek Bilateral Trade
Pacts, 19/11/2003.)
Em
(1), com as palavras resentment (ressentimento) e bitterness
(amargura), evocasse o discurso das relações pessoais,
mostrando, com esses termos, um clima pouco (5) propício
para que as negociações avancem entre os envolvidos.
O discurso militar, em (2), é trazido para o texto com
a palavra roadblock (barricada), metáfora utilizada para
significar a enorme dificuldade que se delineia no âmbito
das negociações. Em (3), impasse (impasse) e a
construção showed few signs of being resolved
(mostrou poucos sinais de ser resolvida) indicam que o acordo
tem poucas chances de ser efetivado e a polarização
está entre o Brasil e os Estados Unidos. O trecho (4)
traz as escolhas lexicais frustrated (frustrados) e a watered
-down hemispheric trade agreement (um enfraquecido acordo comercial
do hemisfério), objetivando justificar a união
dos Estados Unidos com países das regiões citadas
como a única saída para superar as dificuldades
com o Brasil.
Reitera-se
que a participação do Brasil nas discussões
é destacada, creditando-se a este país e aos Estados
Unidos a chance de continuidade nas negociações
da ALCA: (5)Amorim said the United States and Brazil both agreed
on the urgency of relaunching WTO talks since many difficult
issues could only be resolved in that forum. (Amorim disse que
tanto os Estados Unidos como o Brasil concordaram com a urgência
de relançar as conversações da Organização
Mundial do Comércio, uma vez que muitos assuntos difíceis
poderiam ser resolvidos apenas naquele fórum. - US, Brazil
Set Joint Ideas for Trade Pact, 8/11/2003.)
(6)
A shared assessment of the parameters of the F.T.A.A. between
the United States and Brazil, South America's largest economy,
is expected to avert a collapse of the talks this week
(Uma avaliação compartilhada dos parâmetros
da ALCA entre os Estados Unidos e o Brasil, a maior economia
da América do Sul, é esperada para impedir um
colapso das conversações nesta semana...- Hemisphere
Trade Talks in Miami are Reported to Hit a Bump , 17/11/2003.)
(7)
Negotiators gained little ground in surmounting differences
over a measure intended to scale back a trade agreement for
34 countries in the Americas on Monday, but they were able to
agree on selecting a headquarters city for the trade pact by
next summer. (Os negociadores ganharam pouco terreno em
superar as diferenças sobre uma medida destinada a retomar
um acordo para 34 países das Américas, na segunda-feira,
mas eles foram capazes de concordar com a seleção
da cidade sede para o pacto comercial no próximo verão.
- Hemisphere Trade Talks Moving Slowly, 18/11/2003.)
Dando
saliência à atuação do Brasil, o
Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim,
é mostrado, em (5), como um negociador diplomático
que colabora na (6) transferência dos assuntos mais polêmicos
para a Organização Mundial do Comércio.
Também,
segundo o jornal, não fosse a atuação do
Brasil e dos Estados Unidos, as negociações entrariam
"em colapso", conforme (6), termo que recupera o discurso
das tragédias, utilizado no texto para traduzir a clima
caótico das negociações. Em (7), de acordo
com os grifos acima, o jornalista lança mão da
ironia, mostrando que as diferenças são tantas
na concretização do acordo, que os participantes
conseguiram apenas definir a cidade que será a sede do
próximo encontro.
Essa
proeminência atribuída ao Brasil pelo The New York
Times aponta, de um lado, o poder de negociação
dessa grande economia da América do Sul, conforme (8)
e (9) abaixo:
(8)
Without cooperation from Brazil, South America's largest
economy, it is doubtful that the Bush administration could achieve
its goal of extending the North American Free Trade Agreement
to the entire hemisphere, especially with the growing protests
against the agreement in the United States. (Sem a cooperação
do Brasil, a maior economia da América do Sul, duvida-se
que a administração de Bush pudesse alcançar
seu objetivo de estender o Acordo de Livre Comércio da
América do Norte para todo o hemisfério, especialmente
com os protestos crescentes contra o acordo nos Estados Unidos.
- U.S. and Brazil Meet in Effort to Ease Coming Trade Talks,
10/11/2003.)
(9)
Calling itself the Group of 20-plus, the bloc was conceived
by Brazil and Índia as a way to bring together large,
resource-rich and economically dynamic nations from the South
These countries have the clout to demand greater access to the
markets of industrialized nations because together they account
for more than half the world's population - and they also have
substantial manufacturing centers of their own. (Intitulando-se
o Grupo dos 20 mais, o bloco foi concebido pelo Brasil e pela
Índia como uma forma de agrupar nações
do sul ricas em recursos e economicamente dinâmicas...
Esses países têm o poder de exigir acesso maior
aos mercados das nações industrializadas porque
juntos eles respondem por mais da metade da população
do mundo - e eles têm, também, centros próprios
de industrialização substanciais. - New Global
Trade Lineup: Haves, Have-nots, Have-Somes, 2/11/2003.)
Por
outro lado, embora em situação de destaque, o
jornal não confere ao Brasil (e aos Estados Unidos também
não) a estatura de politicamente correto, de acordo com
(10) e (11) abaixo:
(10)
Brazil and the United States forced upon the other nations
a framework that calls for talks in nine areas - like intellectual
property rights and agriculture - while giving countries the
right not to take on all the obligations in any one of them.
Call it free trade, à la carte. (O Brasil e os Estados
Unidos forçaram para as outras nações um
modelo que exige conversações em nove áreas
- como os direitos de propriedade intelectual e agricultura
- enquanto dá aos países o direito de não
assumir todas as obrigações em qualquer uma delas.
Chame isso de livre comércio, à la carte. - Free
Trade, à la Carte, 22/12/2003.)
(11)
Brazil, by far Latin America's largest economy, has never
been eager to create a meaningful free trade area for the entire
hemisphere. It would like to protect its industry from outside
competition, and it has no desire to agree to the types of rules
governing intellectual property, investment and government procurement
that should be part of a muscular trade deal. (O Brasil,
sem dúvida a maior economia da América Latina,
nunca esteve propenso a criar uma área de livre comércio
significativa para todo o hemisfério. Gostaria
de proteger sua indústria contra a competição
externa e não tem nenhum desejo de concordar com os tipos
de normas que regem a propriedade intelectual, o investimento
e a intercessão governamental que poderiam ser parte
de um vigoroso acordo comercial. - Ibid, 22/12/2003.)
Contrariamente
à posição de desinteresse pelo acordo,
atribuída ao Brasil, entre um enunciado e outro, o jornal
deixa transparecer sua ênfase no projeto original, em
sua forma ampla, sem barreiras tarifárias em toda a América,
conforme concebido em 1994, no governo do presidente Clinton.
Atente-se para os grifos em (12), (13) e (14):
(12)
But many see this week's congratulatory mood as unwarranted,
arguing that the framework that the ministers approved Thursday
was a major setback to the original goal set here nine years
ago of tearing down all trade barriers from Alaska to Argentina.
(Mas muitos vêem o clima congratulatório desta
semana como sem motivo, argumentando que o modelo que os ministros
aprovaram na quinta-feira foi um enorme retrocesso em relação
ao propósito original colocado aqui, nove anos atrás,
de eliminar todas as barreiras comerciais do Alasca à
Argentina. - Free - Trade Bloc Deal Varies From Original, 21/11/2003).
(13)
The danger now, especially for the weakest nations, is that
talks will be transformed into what the economist Jagdish Bhagwati
calls a "spaghetti bowl" of bilateral and regional
agreements. (O perigo agora, especialmente para as nações
mais (8) fracas, é que as conversas serão transformadas
naquilo que o economista Jagdish Bhagwati chama de "tigela
de espaguete" de acordos bilaterais e regionais. - New
Global Trade Lineup: Haves, Have-Nots, Have-Somes, 2/11/2003.)
(14)
The senior U.S. official, who spoke to reporters before Amorim
did, said the United States was still "pushing to get as
comprehensive an agreement as possible." (Um funcionário
americano graduado, que falou com os repórteres antes
de Amorim, disse que os Estados Unidos ainda estavam pressionando
para obter um acordo tão completo quanto possível.
- US, Brazil Set Joint Ideas for Trade Pact, 8/11/2003.)
O
trecho (12) atribui a um significativo grupo anônimo -
"muitos vêem" - a opinião de que as negociações
em curso constituem um retrocesso em relação ao
projeto original, pressupondo, portanto, a legitimidade deste.
No dizer de Fairclough (1995, p. 5), expressões como
essa têm um valor modal "para mitigar e eximir responsabilidade
por um julgamento inadequado, atribuindo-o a outros, sem especificação."
Neste caso da ALCA, pergunta-se: a quem interessa o projeto
original que o Brasil não quer aprovar? Uma discussão
aprofundada dos prós e contras do projeto idealizado,
para os diferentes países da América, não
é apresentada pelo The New York Times no período
analisado, no sentido de que se possa realmente avaliar os rumos
das discussões.
Em
(13), o andamento das negociações é apontado
como um "perigo para as nações mais fracas"
e o interdiscurso com o discurso da cozinha - "tigela de
espaguete" - banaliza o acordo realizado até então.
Por outro lado, seria a total eliminação das barreiras
comerciais benéficas para todos os países envolvidos
ou favoreceria apenas uma elite econômica? Questões
como essas não são enfatizadas nos textos analisados.
O
recurso à intertextualidade, na voz de uma autoridade
graduada, é introduzido em (14) para ressaltar o interesse
dos Estados Unidos por um acordo amplo, que, segundo o jornal,
não prosperou em função da "ambivalência"
do Brasil apontada em (11); a essa ambivalência a administração
de Bush teve de se dobrar, uma vez que não pretende eliminar
os subsídios agrícolas (conforme (15) abaixo),
assim como o Brasil quer se proteger da competição
externa com relação às suas indústrias:
(15)
The Bush administration succumbed to Brazil's ambivalence because
of its unwillingness to end America's trade-distorting farm
subsidies. At the W.T.O.'s gathering in Cancún, the United
States sided with the European Union on this point and against
Brazil. Agriculture is of immense importance to Latin America
because its farmers can compete against American agribusiness
in some markets if given a level (9) playing field. (A administração
de Bush sucumbiu à ambivalência do Brasil por causa
de sua pouca vontade em eliminar os subsídios agrícolas
que distorcem o comércio. No encontro da O.M.C. em Cancun,
os Estados Unidos ficaram do lado da União Européia
neste ponto e contra o Brasil. A agricultura é de imensa
importância para a América Latina, porque seus
fazendeiros podem competir contra os agronegócios americanos
em alguns mercados se houver um campo de atuação
equilibrado. - Free Trade, à la Carte, 22/11/2003).
3.2.
O presidente
Nesta
seção analisaremos a atuação do
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na visão
do The New York Times, durante os dois meses pesquisados. O
jornal apresenta seis artigos abordando sua popularidade, reforma
ministerial, medidas sociais e econômicas e composição
da máquina administrativa. Com referência à
sua popularidade, o jornal capta o momento da publicação
de umapesquisa do Instituto Datafolha, em que as taxas de aprovação
ao presidente Lula estão levemente caindo:
(16)
Ten months into office and Brazil's President Luiz Inacio
Lula da Silva has seen his high approval rating dip slightly
with growing concerns about his ability to tackle near-20-month
high unemployment. (Dez meses no cargo e o presidente do
Brasil Luiz Inácio Lula da Silva viu sua alta taxa de
aprovação diminuir levemente, com as preocupações
crescentes sobre sua habilidade em lidar com o alto desemprego
existente há cerca de 20 meses. - Support for Brazil's
Lula Dips, Jobless Fear Grows, 2/11/2003).
Embora
o The New York Times aponte sua grande popularidade (conforme
(19, abaixo)), os números do abalizado instituto de pesquisa
são intertextualmente trazidos ao artigo para apoiar
a tese já colocada no título - "Apoio para
Lula do Brasil Diminui, o Medo do Desemprego Cresce", como
se confirma nos grifos em (17) e (18) abaixo:
(17)
Some 54 percent of Brazilian now think Lula's government is
bad or terrible at fighting unemployment, according to the poll,
compared with 50 percent in August and 43 percent in March.
(Cerca de 54 por cento dos brasileiros agora acham que o governo
Lula é ruim ou péssimo na luta contra o desemprego,
de acordo com a pesquisa, comparado com os 50 por cento em agosto
e 43 por cento em março. - Ibid ). (10)
(18)
The number of Brazilians who believe Lula's government is
doing an "average" job rose to 44 percent from 42
percent in August. Only 11 percent felt he was doing a poor
job, up from 10 percent. (O número de brasileiros
que acreditam que o governo de Lula está realizando um
trabalho "médio" subiu para 44 por cento de
42 por cento em agosto. Apenas 11 por cento disseram que ele
estava realizando um trabalho insatisfatório, contra
os 10 por cento anteriores. - Ibid).
(19)
Brazil's first working-class president remains one of the
country's most popular leaders in recent history. (O primeiro
presidente da classe trabalhadora do Brasil permanece um dos
mais populares líderes do país na história
recente. - Ibid).
Nesse
mesmo artigo, são apontados aspectos negativos do governo
Lula corroborando sua queda de popularidade, como a alta taxa
de desemprego em (20) ou o programa "Fome Zero de difícil
controle" em (21):
(20)
Unemployment rose to 13 percent in June and has hardly budged
since. (O desemprego subiu para 13 por cento em junho e
não se moveu quase nada desde então. - Ibid ).
(21)
On the social front, Lula recently streamlined his unwieldy
"Zero Hunger" antipoverty program, merging four welfare
programs into one. (Na frente social, Lula recentemente
planejou seu programa antipobreza "Fome Zero", de
difícil controle, agrupando quatro programas de bem-estar
social em um. - Ibid ).
Ao
abordar a reforma ministerial, vários problemas do governo
Lula são trazidos à baila, como o emperramento
das reformas econômicas em (22), a má coordenação
em algumas áreas em (23) e a troca de cargos pelo apoio
do PMDB em (24), imprimindo um tom negativo para a atuação
do governo Lula:
(22)
Brazilian President Luiz Inacio Lula da Silva is contemplating
his first cabinet reshuffle in a bid to boost his political
clout as key economic reforms risk getting bogged down in Congress.
(O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva
está estudando sua primeira reforma ministerial, numa
tentativa de impulsionar seu empacamento político, uma
vez que as principais reformas econômicas correm o risco
de serem atravancadas no Congresso. - Brazil's Lula Ponders
First Cabinet Reshuffle, 16/11/2003).
(23)
The reshuffle, which has been discussed for months, became
more urgent after a string of public relations blunders showed
up what analysts say is poor coordination in some areas of the
government of Brazil's first working-class president. (A
reforma, que (11) foi discutida há meses, tornou-se mais
urgente depois que uma série de erros de relações
públicas revelou o que os analistas dizem ser má
coordenação em algumas áreas do governo
do primeiro presidente do Brasil da classe trabalhadora. - Ibid).
Uma
vez mais o recurso à intertextualidade, na voz de uma
autoridade anônima - os analistas, acima, - é empregado,
para trazer credibilidade à avaliação apontada
- a questão da "má coordenação".
A alusão à origem do presidente - "o primeiro
da classe trabalhadora" -, parece querer associar o fato
de ele ser oriundo da classe trabalhadora com despreparo e má
administração.
(24)
"The PMDB has been very well behaved, they are patiently
waiting," said political analyst David Fleischer. "The
government is having to pass out some more goodies to get the
reforms through and one of the goodies is cabinet changes."
(O PMDB tem estado muito bem comportado, eles estão esperando
pacientemente," disse o analista político David
Fleischer. "O governo está tendo que distribuir
alguns doces para passar as reformas e um dos doces são
as mudanças ministeriais. - Ibid).
No
trecho acima, a comparação implícita dos
políticos do PMDB a crianças que se deixam conquistar
por guloseimas, ao lado da recuperação do discurso
da infantilidade, objetiva desprestigiar a conduta do governo
Lula, bem como a atuação de legisladores brasileiros.
Avaliações
positivas da atuação de Lula são colocadas
na boca do próprio presidente ou de outras vozes introduzidas
no texto pela intertextualidade, no artigo "O Presidente
do Brasil, Outrora um Azarão, Descreve um Futuro Brilhante",
enquanto as incoerências e os problemas são apontados
pelo jornalista. Assim, confira-se a fala do presidente e, em
seguida, a de um economista:
(25)
"...now, Mr. da Silva said, listing his government's
achievements - falling interest rates, booming exports, a stable
currency - "the time of uncertainty has passed." He
added: "We have won back confidence in our economy and
in the capacity of this country to grow." (
agora,
o Sr. Da Silva disse, listando as realizações
do governo - a queda das taxas de juros, o impulso das importações,
uma moeda estável - "o tempo de incerteza passou."
- Brazil's President, Once a Dark Horse, Describes a Bright
Present, 19/12/2003).
(26)
"They've kept to the fiscal straight and narrow, they've
pushed some key reforms through," said John Welch, chief
Latin American economist at WestLB bank in New York. "I
think it's been a very successful first year, especially compared
to what people (12) were expecting." ("Eles mantiveram
o ajuste fiscal correto e apertado, eles levaram a cabo as principais
reformas," disse John Welch, economista chefe do banco
WestLB em Nova Iorque. "Eu acho que foi um ano de muito
sucesso, especialmente comparado àquilo que as pessoas
estavam esperando." - Ibid ).
No
trecho (27), ressalte-se a estruturação do enunciado
utilizada pelo jornal, colocando em primeiro plano a incoerência
do presidente em defender políticas que criticou no passado
e em (28) a dificuldade para a retomada da atividade econômica:
(27)
President Luiz Inacio Lula da Silva, defending the unpopular
pro-market policies he once demonized but which have marked
his first year in Office, said on Thursday that the sacrifices
Brazilians had made this year would be repaid with sustained
economic growth. (O Presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, defendendo políticas impopulares favoráveis
ao mercado que ele demonizou no passado, mas que marcaram seu
primeiro ano no cargo, disse, na quinta-feira, que os sacrifícios
que os brasileiros têm feito este ano seriam recompensados
com crescimento econômico sustentado. - Ibid ).
(28)
Not even the seven reduction in interest rates since June
have managed to revive activity. The president made the mistake
of predicting a recovery that would bring "spectacular
growth" as early as July. (Nem mesmo as sete reduções
nas taxas de juros conseguiram reavivar a atividade. O presidente
cometeu o erro de prever uma recuperação que traria
"crescimento espetacular" logo em julho. - Ibid).
O
título do artigo "Presidente Brasileiro Faz Transformação"
pode sugerir mudanças encetadas pelo governo Lula, mas,
no início do texto, é dada ênfase para a
transformação ocorrida na postura do presidente
- de "populista de esquerda para pragmático de estilo
próprio" (conforme 29) ou para uma posição
de centro (conforme 30):
(29)
A year in office has transformed President Luiz Inacio Lula
da Silva from left-wing populist to self -styled pragmatist,
at home with working stiffs and Wall Street alike. (Um ano
no cargo transformou o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva de populista de esquerda para pragmático de estilo
próprio, em casa com os rústicos trabalhadores
bem como com os homens de Wall Street. - Brazilian President
Makes Transformation, 21/12/2003).
(30)
The day after his inaugural last New Year's Day, Silva had breakfast
with Chavez and dinner with Cuba's Fidel Castro, but he has
steered a centrist course in dealing( 13) with Brazil's slump.
(Um dia após sua posse no último Ano Novo, Silva
tomou café da manhã com Chavez e jantou com Fidel
Castro, mas adotou um rumo centrista ao lidar com o fracasso
do Brasil. - Ibid).
No
campo social, o jornal aponta a proposição de
uma espécie de "New Deal" para o Brasil (conforme
31), num intertexto com o acordo proposto pelo presidente Franklin
Roosevelt para tirar os Estados Unidos da Grande Depressão,
na década de 30.
Entretanto,
também fazendo uso da intertextualidade, o jornalista
introduz uma autoridade no assunto para dizer que tal plano
não será implementado (conforme 32):
(31)
"That entails mass public spending in areas like housing,
sanitation, big public works, above all construction which uses
lots of cheap labor and distributes money immediately. I would
call it a small New Deal." (Isso envolve massivo gasto
público em áreas como habitação,
saneamento, grandes obras públicas, acima de tudo construção
que usa muita mão-de-obra barata e distribui o dinheiro
imediatamente. Eu chamá-lo-ia de um pequeno Novo Acordo.
- Lula Prepares 'New Deal' to Help the Poor, 21/12/2003).
(32)
Some observers say many such projects may never take place
because of budgetconstraints. "The plan is just a letter
of intentions and will remain so," said political analyst
Carlos Lopes. (Alguns observadores dizem que muitos dos
tais projetos podem nunca se efetivar por causa de restrições
orçamentárias. "O plano é apenas uma
carta de intenções e permanecerá assim,"
disse o analista político Carlos Lopes. - Ibid).
Com
referência à composição dos quadros
do governo, o The New York Times salienta a grande quantidade
de nomeados oriundos do Partido dos Trabalhadores, o partido
do presidente, a falta de experiência dessas pessoas e
a ausência de critérios na nomeação,
como se comprova principalmente nos grifos em (33), (34) e (35),
abaixo:
(33)
The country's leading newsmagazine calls it "the most
radical and voracious partisanization of the state bureaucratic
structure" in Brazilian history. (A principal revista
de notícias do país chamou-a de "a mais radical
e voraz partidarização da estrutura burocrática
estatal" da história brasileira. - Inexperience
Catches up With Brazilian Appointees, 30/11/2003).
(34)
Mr. da Silva's Workers' Party had limited administrative experience,
even at state and municipal levels, when it began to govern
this nation of 175 million people. One result, critics contend,
has been confusion and immobility, as thousands of posts have
been filled with party loyalists. (O Partido dos Trabalhadores
do Sr. da Silva teve (14) limitada experiência administrativa,
mesmo em níveis estaduais e municipais, quando começou
a governar esta nação de 175 milhões de
pessoas. Um resultado, os críticos argumentam, tem sido
confusão e imobilidade, uma vez que milhares de postos
foram preenchidos com os leais ao partido. - Ibid).
(35)
But to fill so many posts, the government has in fact quietly
eased job qualifications. The prerequisite of a college degree
for some senior posts has been dropped. At the National Health
Foundation, a decree that required five years of experience
in health care for regional directors was summarily changed
to a "preference". (Mas para preencher alguns
postos, o governo tem, na verdade, facilitado as qualificações
para o emprego. O pré-requisito de curso superior para
muitos postos graduados foi deixado de lado. Na Fundação
Nacional da Saúde, um decreto que exigia cinco anos de
experiência em vigilância sanitária para
diretores regionais foi sumariamente mudado para "preferencialmente".
- Ibid).
4.
Análise dos resultados/conclusões
Revendo
os textos analisados e os enfoques dados pelo The New York Times
no tocante ao Brasil, verifica-se, na maioria das vezes, uma
imagem negativa do país. Embora seja dada grande saliência
à participação do Brasil nas discussões
sobre a ALCA e à sua resistência com relação
aos subsídios agrícolas americanos, fica, com
o artigo opinativo "Comércio Livre, à la
Carte", publicado após o término da rodada
de negociações, a imagem de um Brasil que evita
um acordo amplo, para proteger seus interesses particulares.
Questiona-se: a quem interessa essa crítica? O Brasil
não deveria estar defendendo seus interesses? Reitera-se
que não se discute as conseqüências da eliminação
das barreiras comerciais para os países envolvidos nas
negociações da ALCA, apontando se essa medida
é realmente justa e viável para os participantes.
Com
relação à atuação do presidente,
a imagem que se projeta é mais negativa que positiva,
pois são ressaltados alguns pontos cruciais: a queda
de popularidade do governante; uma reforma ministerial para
tirar o Brasil do emperramento político e atender pleitos
de partido aliado que apóia as reformas em andamento;
a incoerência do presidente ao adotar políticas
econômicas que criticou no passado; suas transformações
de populista de esquerda para pragmático centrista; o
preenchimento dos cargos (15) públicos com membros inexperientes
do Partido dos Trabalhadores e a apresentação
de um "New Deal" que não sairá do papel.
Com
esse quadro delineado, o cenário apresentado ao leitor
do The New York Times on line é o de uma estrutura política
desorganizada que está ainda buscando os seus rumos.
Bibliografia
BELL,
G.; Garrett, P. Approaches to media discourse. Oxford: Blackwell,
1998.
FAIRCLOUGH,
N. Media discourse. London: Edward Arnold, 1995.
_____. Discurso e mudança social. Tradução
de Izabel Magalhães. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2001.
FOWLER,
R. Language in the news. London: Routledge, 1991.
*Maria
Inez Mateus Dota (UNESP-Bauru) é Doutora em Letras.
E-mail: midota@uol.com.br
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