Forças
e esforços: a criação do
Departamento de jornalismo na ECA-USP
Por
Carsten
Bruder
"Devemos
aperfeiçoar nossos meios de comunicação,
dando-lhes dimensões mais belas e universais, formando
melhor a mente e a alma dos que um dia terão nas mãos
esses meios de integração social que se chamam
o jornal, o rádio, o cinema e as artes em geral, entre
outros".
Discurso
de posse do Prof. Júlio Garcia Morejón na Direção
da ECC
A
história da Escola de Comunicações e Artes
começa no dia 19 de março de 1965 quando o Reitor
da Universidade Gama e Silva criou uma Comissão Especial
para estudar a criação de uma Escola de Comunicações
na USP.
Nesta
Comissão Especial participaram as seguintes pessoas:
Tarcísio Dany de Souza, Moacyr do Amaral Santos, Eddy
Mattos Pimenta da Gama e Silva, Maria Luísa Monteiro
da Cunha, Rone Amorim, Guelfo Oscar Campiglia, Alfredo Mesquita,
Cícero Cristiano de Souza, Enéas Machado de Assis,
Manuel dos Reis Araújo e o futuro primeiro diretor da
Escola de Comunicações Culturais (ECC), Júlio
Garcia Morejón.
Morejón
vinha da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da
própria USP. Nasceu
em 1929 na cidade de Valencia de don Juan na Espanha. Formou-se
Bacharel em Leon. Trabalhou depois como docente e pesquisador
na Universidade de Salamanca. Formou-se em Filosofia e Letras,
seção Filologia Românica em 1953. Morejón
mudou-se em 1954 para São Paulo onde ele inicia o seu
trabalho como Professor Catedrático na USP. Ele trabalha
três décadas neste cargo. Em 1971 fundou a Universidade
Ibero-Americano, instituição em que continua até
hoje. Entre 1979 e 1985 participou do Conselho Federal de Educação.
Reformar
o curso de jornalismo, encontrar novos caminhos para formar
os futuros profissionais era o principal objetivo dessa comissão,
que assumiu a sua tarefa no meio de um cenário novo das
universidades no mundo inteiro.
A
partir da segunda metade dos anos sessenta os movimentos estudantis
ganharam força principalmente no Oeste Europeu e nos
Estados Unidos. Iniciou-se um debate profundo sobre "valores"
e, também, sobre o sistema de educação.
Um dos destaques era o ensino superior. Os protestos dos estudantes
eram contra a forma do ensino, que foi considerada ultrapassada
por eles, e contra o sistema de acesso as principais universidades.
Até
o final dos anos sessenta a entrada nas faculdades foi considerada
na Alemanha, por exemplo, um privilégio das famílias
com um poder financeiro mais elevado. "Faculdade para todos"
era o slogan dos protestos naquela época. Alguns anos
depois, com a mudança política e com a entrada
do governo social-democrata foi implantada uma lei para apoiar
a formação profissional e facilitar a entrada
nas faculdades, a chamada Berufsausbildungsförderungsgesetz
(BAFÖG)".
Essa
lei abriu a possibilidade de acesso à uma bolsa de estudos
para famílias com renda menor. As mudanças nos
currículos das universidades e na sociedade em geral
também foram radicais e marcaram uma transformação
entre as gerações pós-guerra na Europa.
Na
mesma época mudanças importantes aconteceram no
Brasil. Mesmo assim, dentro de um cenário diferente.
A partir de 1964 o país viveu num regime militar e a
partir de 1968 numa censura institucional. As reformas acadêmicas
não foram forçadas - como na Europa Ocidental
e nos Estados Unidos - pelo próprio movimento estudantil
ou qualquer outro movimento democrático. As reformas
foram encaminhadas, basicamente, através dos órgãos
públicos, e, em primeiro lugar, pelos ministérios
em Brasília.
No
caso da criação de uma nova Escola de Comunicação
na USP não foi diferente. A criação desta
entidade concluiu-se através de um Decreto do Governador
do Estado, Laudo Natel, em 15 de junho de 1966. O nome inicial
foi mudado para Escola de Comunicações e Artes
(ECA) em 1970, três anos após a sua fundação.
Na
ECC foram apresentados inicialmente sete cursos profissionalizantes:
Jornalismo, Rádio e TV, Cinema, Artes Dramáticas,
Biblioteconomia, Documentação, Relações
Públicas.
Uma
das principais preocupações dos criadores era
a implantação de veículos próprios
para experimentação. A parte prática da
formação ganhou, então, uma importância
maior. Isso refletia, de uma certa maneira, as exigências
do mercado, principalmente em São Paulo.
"Até
o presente a maioria das experiências no nosso campo tem
sido mais teóricas do que práticas. Talvez a pobreza
de recursos tenha nos obrigado a isso. Mas, de agora em diante,
à vista do desenvolvimento dos meios de comunicação
e, como conseqüência, das responsabilidades que nos
cercam, impõe-se, cada vez mais com maior força,
um ensino prático da comunicação. Por tal
motivo tivemos, ou estamos tendo, o cuidado de dotar a nossa
Escola dos veículos próprios para a experimentação",
escreveu Júlio Garcia Morejón na primeira edição
da Revista da Escola de Comunicações Culturais
em 1967.
Um
objetivo que foi alcançado com muitas dificuldades em
vários casos, cansados pelas barreiras burocráticas
de uma entidade pública, como mostraremos mais tarde.
Os
laboratórios de trabalho que seriam instalados no departamento
de jornalismo já tinham sido implantados nos Estados
Unidos nos cursos de jornalismo e serviam como centros de treinamento
sob a orientação de professores instrutores de
jornalismo ou de jornalistas que ensinavam técnicas aos
alunos. A tradição dos laboratórios na
área de pesquisa de comunicação de massas
"Mass Comunication" tinha o seu primeiro auge nos
anos quarenta.
O
grupo do pesquisador americano Carl I. Hovland da Universidade
de Yale tinha desenvolvido uma linha de pesquisa que tratava
de mudanças de atitudes através de comunicação.
Os experimentos do Grupo de Yale sobre as mudanças de
atitudes foram realizados exclusivamente nas situações
dentro de laboratórios. Um fato que mais tarde tornou-se
ponto de partida para críticas.
Outro
exemplo para a formação dentro de um laboratório
encontra-se na área de teatro: "The Actors School"
de Nova York forma há muitas décadas atores e
atrizes dentro de um programa de treinamento interno. Trata-se
de uma Escola de Teatro, mas uma das características
é o ambiente laboratório.
Até
nos anos sessenta não existia então nenhuma formação
prática estruturada dentro das redações
no Brasil. Os futuros jornalistas seguiram o caminho de auto-didatas
conforme o ditado norte-americano "learning by doing".
Com e, muitas vezes, sem a orientação dos jornalistas
mais experientes os novatos entraram nas redações
sem nenhum cronômetro ou plano de formação.
Jornalismo era considerado até então algo intuitivo,
sem direção clara e determinada.
E
como os cursos de jornalismo no Brasil ofereceram até
os anos sessenta praticamente nenhum treinamento prático
suficiente, os iniciantes só tinham a opção
de autodidata para aprender as habilidades do dia-a-dia no jornalismo.
Com o avanço tecnológico e com o crescimento do
mercado aumentou a necessidade de ampliação da
formação prática nos cursos de jornalismo
no Brasil.
Além
desse destaque para uma ampliação da parte prática
da formação foram definidas outras prioridades
curriculares, como:
01)
formação histórica clara
02) formação lingüística rigorosa
03) formação estética modelar
04) formação filosófica elementar
05) conhecimentos básicos em torno do desenvolvimento
das pesquisas científicas
06) formação histórica nacional
07) conhecimentos políticos, sociológicos, econômicos
e psicológicos.
Morejón
tinha elaborado o primeiro currículo de jornalismo. Ele
orientou-se, inicialmente, nas universidades espanholas e de
outros cursos que funcionavam na Europa. O currículo
foi, inicialmente, considerado um "Protótipo Europeu".
Nesta
época da estruturação da ECC, José
Marques de Melo foi chamado pelo Prof. Morejón em 1967
para que assumisse a direção do Departamento de
Jornalismo em 1968, após a aprovação pelo
Conselho Universitário na USP.
O
curso que foi instalado a partir deste momento, tinha como orientação
o modelo da Universidade de Brasília, sob orientação
de Pompeu Souza. Outras influências vieram do Rio de Janeiro
(Danton Jobim) e da própria cidade de São Paulo
pela equipe da Fundação Casper Líbero,
onde Marques de Melo entrou como professor docente entre 1967
e 1968.
A
Escola de Jornalismo Casper Líbero foi a primeira no
país, fundada logo após o fim da Segunda Guerra
Mundial. O passo mais importante na reformulação
na área de comunicação aconteceu mais de
uma década depois no Recife onde Luiz Beltrão
criou um curso de jornalismo inédito. Alguns anos depois
mudou-se para Brasília para desenvolver um novo curso
de comunicação lá.
"Logo
que ele (Morejón) me convida para assumir a direção
do departamento e implantar o curso de jornalismo ele me deu
inteira liberdade de reformular. Tanto que a minha primeira
tarefa foi alterar o currículo do curso", lembra
Marques de Melo. Ele considera esta primeira fase na direção
do departamento de jornalismo como "abrasileiramento"
do curso. Melo destaca, além da reformulação
do currículo, um intenso diálogo com as empresas
jornalísticas e cita O Estado de São Paulo, Jornal
do Brasil e a Editora Abril, entre outras.
O resultado deste diálogo refletia diretamente na reformulação
do curso de jornalismo.
As
empresas de comunicação foram o segundo fator
que influenciava a reformulação dos cursos de
jornalismo, principalmente em São Paulo. A maioria das
grandes empresas de comunicação tinha relacionamentos
estreitos com o regime militar. Em São Paulo o Grupo
Estado que pertencia á família Mesquita tinha
colaborado com o Golpe de 1964. No Rio de Janeiro, a criação
da TV Globo foi apoiada pelos responsáveis do governo.
Pela
própria situação política era então
impossível de administrar um veículo de comunicação
de massa sem o aval dos militares. Com a sintonia entre políticos
e empresários o novo conteúdo dos cursos de jornalismo
foi visado por ambos os lados.
Interessante
que neste diálogo nunca foi levada em consideração
a criação de uma formação prática
dentro dos próprios veículos como existe, por
exemplo, o "Volontariat" na Europa Ocidental. Trata-se
de um curso interno de dois anos em que o/a "Volontär(in)"
passa nos principais departamentos da redação
do veículo de comunicação (Política,
Economia, Cultura e Cidade). Após a conclusão
desta formação o/a "Volontär(in)"
recebe o titulo de "Redakteur" (redator).
Até
hoje, os veículos de comunicação no Brasil
possuem influência no planejamento dos cursos de jornalismo,
mas, por outro lado, não oferecem - com exceção
de alguns treinamentos de curto prazo - nenhuma formação
interna mais ampla como é habito em outros países.
Com
isso deixa a responsabilidade neste sentido para as faculdades
que - por sua vez - não possuem nos seus laboratórios
a mesma situação que existe nas próprias
redações, já que trata-se de uma "simulação"
em "condições quase reais".
Por
outro lado, as faculdades perderam parte da sua autonomia na
definição do currículo quando a influência
das empresas está muito ampla. Aspectos ou exigências
acadêmicas poderiam ficar em segundo plano, exigências
do próprio mercado predominando em primeiro. Nos países
onde existe o "sistema dual" de formação
profissional este conflito é menor porque os dois currículos
- acadêmico e profissional - estão separados, no
mesmo tempo integrados. Até porque na maioria dos países
europeus não existe a obrigação de um curso
superior concluído para a formação de jornalistas.
Trata-se somente de uma opção. No Brasil, esta
exigência entrou em vigor justamente com a reforma dos
cursos de jornalismo no final dos anos sessenta.
Até
1965 quando começou a criação de um novo
currículo na USP, a legislação federal
referente ao ensino de jornalismo situou-se dentro de uma orientação
que atribuía predominância do embasamento humanístico-cultural
do estudante. Além deste embasamento foram incluídas
algumas informações sobre as atividades profissionais.
Em 1965 foram adicionadas duas disciplinas fenomenológicas:
Teoria da Informação e Jornalismo Comparado. Duas
linhas de pesquisa que são predominantes no currículo
do próprio José Marques de Melo.
O
iniciador desta linha de pesquisa era o francês Jaques
Kayser, ex-diretor do Instituto Francês de Imprensa. Com
o apoio da UNESCO realizou a pesquisa pioneira "Une Semaine
dans lê Monde". Com isso obteve a configuração
de um campo específico. Ele introduziu os estudos do
Jornalismo Comparado na América Latina onde ele realizou
junto com toda a equipe dirigente da CIESPAL o estudo "Dos
Semanas em la Prensa de América Latina".
Através
desta linha de pesquisa os trabalhos ganharam um novo destaque
pelo aspecto empírico e a análise dos dados comparados.
Marques de Melo considera esta nova linha de pesquisa como "uma
nova etapa de progresso científico do jornalismo na América
Latina".
O Centro de Pesquisas de Jornalismo Comparado iniciou as suas
atividades na ECC em 1969. O objetivo era testar instrumentos
de análise científica nos campos de morfologia
e conteúdo de jornais.
Os
alunos realizavam a primeira pesquisa sob a orientação
do Prof. José Marques de Melo sobre a "Imprensa
de Bairros em São Paulo". O projeto foi dividido
em quatro fases e queria realizar uma análise completa
sobre o processo de comunicação jornalística
na imprensa suburbana da capital paulista.
Nas
duas primeiras fases foram estudados o comunicador e o canal
através de um questionário estruturado aplicado
pelas entrevistas pessoais. Na terceira fase do estudo da Mensagem,
os dados foram coletados através da mensuração
do espaço impresso. A última fase foi o estudo
do Público Receptor que tomou como ponto de referência
às conclusões dos estudos anteriores.
Uma
outra parte importante desta reformulação foi,
como já citado, a estruturação do departamento.
Uma tarefa complicada, apesar dos recursos financeiros razoáveis
que possibilitaram a equipagem dos laboratórios para
os cursos profissionalizantes.
José
Salvador Faro, hoje Doutor em Ciências de Comunicação,
lembra-se desta época, quando era estudante: "A
ECC era uma escola em construção, mal saída
do papel (...) A futura ECA não dispunha nem mesmo de
espaço próprio. (...) A figura de José
Marques de Melo sobressaía nas minhas observações
de estudante e funcionário pelo menos em duas direções.
A primeira, que acabou por ocupar um período bastante
amplo de nosso convívio e que foi encurtada por conjunturas
diversas, era a do administrador. (...) Enquanto a nova escola
se debatia na burocracia da administração pública,
o Departamento de Jornalismo avançava: jornal laboratório,
publicações, semanas de estudo, ampliação
de espaços, montagens de uma gráfica".
As
dificuldades enfrentadas nesta primeira fase da ECC foram relatadas
no primeiro resumo do Departamento de Jornalismo:
"(...)
Do ponto de vista experimental, o Departamento de Jornalismo
ainda não funcionou satisfatoriamente em 1969, pela ausência
do equipamento infra-estrutural para uso de professores e alunos".
Não
obstante a Oficina Gráfica estivesse quase toda equipada
(...), a sua instalação não foi possível
por falta de espaço físico. Prevê-se o funcionamento
total desse complexo industrial, servindo como laboratório
e como executor de trabalhos comerciais para a Universidade,
ainda no primeiro semestre de 1970.
(...)
O Departamento de Jornalismo programou a publicação
de cinco edições-piloto de um período quinzenal
- JORNAL - tratando de assuntos relacionados com os diversos
setores da Comunicação de Massas.
(...)
O projeto foi coordenado pedagogicamente pelas disciplinas de
"Técnica de Jornal e Periódico", "Artes
Gráficas e Diagramação" e "Fotografia
e Fotojornalismo". Os alunos se dividiram em equipes, em
sistema de rodízio, executando diretamente todas as tarefas
jornalísticas, e tendo a assessoria técnica dos
professores das referidas disciplinas. A impressão do
JORNAL foi feita numa gráfica comercial. (...)"
Após
uma ampla discussão, foi aprovada em agosto de 1969 pela
Comissão Central de Revisão de Currículos
uma nova fórmula para o curso de jornalismo. As principais
alterações eram:
01)
divisão eqüitativa entre a formação
humanístico-fenomenológica (ciclo
básico) e a formação profissional (ciclo
diversificado);
02)
flexibilidade para a organização curricular do
ciclo diversificado;
03)
necessidade de implantação dos órgãos-laboratórios
(jornal; estúdio para rádio, tv e cinema; atelier
de publicidade; escritório de pesquisa) para possibilitar
a aplicação dos conhecimentos instrumentais durante
o período acadêmico.
Uma
outra mudança fundamental referiu-se à existência
do curso polivalente. Esse curso acarretava uma dúvida
jurídica. "O profissional formado pelo curso polivalente
estaria habilitado a exercer a profissão de Jornalismo,
de Relações Públicas ou de Publicitário?",
foi a dúvida. O decreto-lei no 972 de 12 de outubro de
1969 exige "diploma de Curso Superior de Jornalismo"
registrado no Ministério da Educação e
Cultura. A mesma exigência vale para as profissões
de Relações Públicas e de Publicidade.
As
reformas realizadas na ECC serviam também como orientação
para as outras faculdades de jornalismo do país. Desta
maneira, a ECC e, mais tarde, a ECA tornar-se-ia modelo, principalmente
na parte técnica e pedagógica.
Antes
desta aprovação da nova legislação
Marques de Melo já tinha iniciado junto com o corpo docente
as primeiras aulas no novo curso de jornalismo na Escola de
Comunicações e Culturas.
"Sou
juntamente com o professor Flávio Galvão e José
Freitas Nobre um dos primeiros professores da escola",
lembra Marques de Melo. O endereço era no 2o andar do
Edifício da Reitoria.
O
corpo docente da ECC formou-se, além desses três
professores, por Hélcio Deslandes, Thomaz Farkaz e Gaudêncio
Torquato do Rego.
A
preocupação inicial de Marques de Melo foi a valorização
da pesquisa "como forma de sistematização
teórica dos conhecimentos na área de Comunicação
e Atualidades". Uma das primeiras pesquisas foi um levantamento
de dados a respeito do profissional do jornalismo.
Junto
ao Sindicato dos Jornalistas o Departamento de Jornalismo da
ECA-USP realizou um estudo quantitativo-qualitativo sobre "O
Jornalista Profissional do Estado de São Paulo".
Esta pesquisa foi publicada em 1972 e foi viabilizada também
pela ampliação do departamento em 1970 quando
passou a se chamar Departamento de Jornalismo e Editoração.
A partir deste momento surgiram novo recursos para o Departamento
e Marques de Melo destaca, neste conteúdo, o papel do
então diretor da ECA, Prof. Dr. Antonio Guimarães
Ferri.
Em
seus depoimentos Marques de Melo que dedicou cinco anos na estruturação
desse Departamento, considerou-se recompensado" por ver
o Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA
tornar-se o mais ativo e respeitado núcleo de ensino
e pesquisa do país, na sua área de atuação".
A
nova produtividade, caracterizada pela produção
nos laboratórios de jornalismo, tinha sido uma das cobranças
ao longo do debate sobre o novo currículo do curso de
jornalismo. Um exemplo é o ensaio "A Reforma do
Ensino de Jornalismo", publicado pela PUC de Porto Alegre
em 1968.
"A
formação humanística foi supervalorizada
(em termos quantitativos) em detrimento da prática ou
da formação técnica, (...) Tal orientação
era perfeitamente compreensível no século XIX,
quando imperava a idéia de que os jornalistas precisavam
ir à Universidade para adquirir cultura geral. (...)
Neste período predominava o Jornalismo Informativo e
as atividades práticas realmente eram simples nas redações.
(...) O jornalismo do século XX é um jornalismo
em fase de transição, em busca de novas formas,
de novos métodos, a fim de acompanhar, passo a passo,
as etapas que a revolução eletrônica vem
proporcionando à vida social".
O
final dos anos sessenta marcava no Brasil o início de
uma nova fase na evolução dos veículos
de comunicação. A revista VEJA apareceu como produto
chave da Editora Abril em São Paulo, a TV Globo começou
a criar um novo "padrão" de televisão,
o Jornal da Tarde do Grupo Estado apresentava uma nova proposta
gráfica de um jornal diário. Além desses
exemplos da "grande imprensa" o final dos anos sessenta
era o auge da "imprensa nanica", a imprensa alternativa
que cumpriu um papel importante durante uma época que
foi caracterizada pela censura e repressão política.
As
universidades e as faculdades de comunicação,
em particular, como núcleo intelectual da discussão
política, não poderiam excluir-se desta realidade.
Embora a produção dentro dos laboratórios
até o início dos anos setenta fosse considerada
boa, principalmente no Departamento de Jornalismo, existia um
clima muito tenso nesta instituição pública.
"Esse
período é um período muito duro na história
do Brasil, porque a Universidade é praticamente sitiada
pelo regime militar", lembra Marques de Melo.
"Eu
sempre trabalhei na Universidade, mas como intelectual sempre
procurei exercer, digamos, a minha atividade pública
de acordo com a minha consciência e, portanto, muitas
vezes eu não podia concordar com arbitrariedades, como
censura, então, por exemplo, isso afetou muito a nossa
produção aqui na Universidade".
O
Departamento de Jornalismo da ECA sofreu no seu início
certas restrições pelo conteúdo censurado.
Um exemplo deste clima vivido na ECA-USP encontra-se na Segunda
Semana de Estudos de Jornalismo em 1970. O tema desta segunda
edição era "Censura e Liberdade de Imprensa".
Um assunto que foi escolhido pelo departamento após as
experiências vividas na primeira edição
deste evento. Naquela ocasião o Departamento de Jornalismo
foi aconselhado a não convidar certos pesquisadores o
que significava uma forma direta de censura, mesmo passada de
forma "sutil, informal, persuasiva".
A
segunda edição do evento significava um tipo de
teste de resistência por parte do departamento. "ou
as iniciativas posteriores respeitariam a temática e
os conferencistas escolhidas pelo Departamento ou a Semana de
Jornalismo não voltaria a se realizar", lembra-se
Marques de Melo.
De
certa maneira a realização do evento significava
mostrar "academicamente, que o ensino e a pesquisa do jornalismo
são incompatíveis com a restrição
'a liberdade de pensamento, informação e opinião".
O evento foi realizado e Marques de Melo lembra-se do clima
no seu livro "Censura e Liberdade de Imprensa" (1984):
"
(...) A presença de agente policiais, gravando os debates,
era pouco sutil, o que evidentemente constrangeria os expositores
(...). Houve ocasiões em que os protagonistas romperam
a auto-censura, humanamente compreensível em situações
dessa natureza, e avançaram destemidamente na análise
de fatos considerados tabus naquele momento político.
(...) O debate foi livre, aberto, emocionante".
(...)
A ousadia de colocar em debate um tema maldito para o Regime
e faze-lo com a participação de intelectuais considerados
oposicionistas ou contestadores, significou concretamente a
impossibilidade de dar divulgação ampla aos seus
resultados.
O
exemplo desses acontecimentos do início dos anos setenta
mostra bem o contexto no qual a ECA-USP e principalmente o Departamento
de Jornalismo foram criados. A livre expressão do pensamento
foi impedida e certas manifestações ou declarações
poderiam causar conseqüências fatais para os professores,
alunos e os demais profissionais da área de comunicação.
A
fundação do curso de jornalismo na ECA-USP tem
que ser analisada no conteúdo do seu tempo. De um lado
significava uma mudança importante na área do
ensino da comunicação, principalmente no jornalismo.
De outro lado esse processo entrava em choque com um dos mais
escuros capítulos da história recente do Brasil:
os anos de chumbo.
Os
responsáveis por esta primeira geração
da ECA tinham a dura missão de administrar os objetivos
da estruturação dos departamentos e cursos junto
com as dificuldades criadas pelas circunstâncias da época.
O mundo ainda no meio de uma Guerra Fria, e o Brasil no auge
de um regime militar.
Vários dos protagonistas foram cassados poucos anos depois
pelo próprio
regime militar. Essas cassações chamavam-se "cassações
brancas". O
Departamento de Jornalismo foi um dos mais atingidos. Por causa
dessas circunstâncias a obra iniciada na ECA não
teve seqüência. Somente após a anistia os
trabalhos foram retomados. Desta maneira a ECA é como
um marco da história que mostra as conseqüências
dos danos produzidos por um governo totalitário.
"(...)
Minha geração desperdiçou boa parte da
sua vida intelectual produtiva, tendo que autodefender-se para
não ser vítima de arbi-
trariedades. Mas também foi um período rico em
solidaridade humana. Muitas pessoas preservaram a dignidade
que as caracterizava,
ajudando perseguidos, amparando condenados ou acolhendo ófãos
a viúvas, apesar do terror generalizado. (...)"
José
Marques de Melo
A
ECA-USP compõe-se hoje de oito departamentos e da Escola
de Arte Dramática (EAD), com 37 cursos no total. Ela
oferece 22 cursos regulares na área de graduação,
14 deles voltados às Artes e 8 às Comunicações.
Na área de pós-graduação sãa
8 cursos de mestrado e 7 de doutorado.
No
primeiro semestre de 2002 foram registradas na área de
graduação um total de 2021 estudantes, 275 deles
no Departamento de Jornalismo e Editoração. Um
número que tinha crescido continuadamente. Entre 1997
e 2002, por exemplo, o numero dos estudantes cadastrados de
graduação na ECA aumentou de 1506 para 2021.
Os
alunos da ECA dividiram-se no segundo semestre de 2002 em 2021
estudantes de graduação, 1173 de pós-graduação
e 122 outros. Dentro do curso de pós-graduação
a ECA registrou 576 inscrições no curso de Mestrado,
356 no Doutorado e 241 alunos especiais. No Departamento de
Jornalismo essa divisão apresentou o seguinte resultado:
109 inscrições mo mestrado, 84 no doutorado e
32 alunos especiais.
A
ECA registrou em 2002 um total de 185 cursos outorgados no mestrado
e 78 no doutorado. Em toda história da ECA foram 1314
cursos outorgados no mestrado e 600 no doutorado.
No
ano 2002 foram registradas 266 produções acadêmicas
pela ECA. Isso significa um retrocesso quantitativo em relação
a 1998 quando foram realizadas 523 produções acadêmicas.
Neste
período trabalharam um total de 422 servidores na ECA
- 181 docentes e 241 não-docentes. No Departamento de
Jornalismo e Editoração trabalharam 18 docentes
no regime de tempo parcial e 08 no regime de tempo completo.
Algumas
das instituições que foram instaladas no início
da ECA continuam até hoje.
Um
exemplo é o JORNAL DO CAMPUS (www.jornaldocampus.cjb.net),
que é produzido até hoje no Laboratório
de Jornalismo. A primeira edição saiu em 1969
com uma tiragem em torno de 1000 exemplares. O nome inicial
deste jornal foi JORNAL que circulava somente na ECA. Os responsáveis
optaram para esta forma de divulgação porque temeram
uma censura mais forte, se o jornal circularia no campus inteiro.
Mais um indício das dificuldades pelas quais alunos e
professores passaram na época da ditadura.
A
atual tiragem chega a 10 mil exemplares. O professor responsável
pelo jornal é Dennis Oliveira. Dentro deste laboratório
é produzido também o suplemento Claro!
Além
dos laboratórios de produtos impressos existem hoje laboratórios
para rádiojornalismo, telejornalismo e jornalismo digital.
Os programas são produzidos para a divulgação
interna. Outras instituições que foram instaladas
no início da ECA, como o Museu da Imprensa, não
existem mais há muito tempo.
Trata-se
de mais um triste capítulo dos anos de chumbo. O Museu
da Imprensa, idealizado pelo Prof. Marques de Melo, foi extinto
e destruído em 1974, quando começava uma série
de cassações de professores no Departamento de
Jornalismo. Os responsáveis por esta execução
achavam que o Museu obrigava material subversivo e decidiram
exterminar tudo.
O
material nunca mais poderia ser recuperado.
Literatura
Boletim
do Departamento de Jornalismo, 1968-1969.
Bibliografia
dos Docentes da ECA, N. 6 - Jornalismo, 1992.
Marques
de Melo, José (Org.): Comunicação Jornalística
e Editorial, Série Ensino / 02: Ensino de Comunicação
no Brasil: Impasses e Desafios.
Marques
de Melo, José / Maria Cristina Gobbi (Org.): Grandes
nomes da comunicação - José Marques de
Melo , Recife: UNICAP: Centro de Estudos da Imprensa e da Cidadania,
2001.
Marques
de Melo, José: Estudos de Jornalismo Comparado. São
Paulo: Pioneira, 1972.
Marques
de Melo, José: Jornalismo Brasileiro, Porto Alegre: Sulina,
2003.
Marques
de Melo, José: Diretrizes para um jornal-laboratório,
Revista da Escola de Comunicações Culturais, no
1, São Paulo, 1967, p. 185 - 193.
Marques
de Melo, José: O ensino de jornalismo. São Paulo,
ECA-USP, 1972, 244 p.
Marques
de Melo, José: Laboratórios de jornalismo: conceitos
e preconceitos, Cadernos de Jornalismo e Editoração,
no 14, São Paulo, ECA-USP, 1984, p. 1 - 18.
Revista
da Escola de Comunicações Culturais, 1967 - 1968.
Revista
Comunicação e Artes 1970 - 1998.
Gestão da USP, www.sistemas.usp.br
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