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Ensaios



Forças e esforços: a criação do
Departamento de jornalismo na ECA-USP

Por Carsten Bruder

"Devemos aperfeiçoar nossos meios de comunicação, dando-lhes dimensões mais belas e universais, formando melhor a mente e a alma dos que um dia terão nas mãos esses meios de integração social que se chamam o jornal, o rádio, o cinema e as artes em geral, entre outros".
Discurso de posse do Prof. Júlio Garcia Morejón na Direção da ECC

A história da Escola de Comunicações e Artes começa no dia 19 de março de 1965 quando o Reitor da Universidade Gama e Silva criou uma Comissão Especial para estudar a criação de uma Escola de Comunicações na USP.

Nesta Comissão Especial participaram as seguintes pessoas: Tarcísio Dany de Souza, Moacyr do Amaral Santos, Eddy Mattos Pimenta da Gama e Silva, Maria Luísa Monteiro da Cunha, Rone Amorim, Guelfo Oscar Campiglia, Alfredo Mesquita, Cícero Cristiano de Souza, Enéas Machado de Assis, Manuel dos Reis Araújo e o futuro primeiro diretor da Escola de Comunicações Culturais (ECC), Júlio Garcia Morejón.

Morejón vinha da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da própria USP. Nasceu em 1929 na cidade de Valencia de don Juan na Espanha. Formou-se Bacharel em Leon. Trabalhou depois como docente e pesquisador na Universidade de Salamanca. Formou-se em Filosofia e Letras, seção Filologia Românica em 1953. Morejón mudou-se em 1954 para São Paulo onde ele inicia o seu trabalho como Professor Catedrático na USP. Ele trabalha três décadas neste cargo. Em 1971 fundou a Universidade Ibero-Americano, instituição em que continua até hoje. Entre 1979 e 1985 participou do Conselho Federal de Educação.

Reformar o curso de jornalismo, encontrar novos caminhos para formar os futuros profissionais era o principal objetivo dessa comissão, que assumiu a sua tarefa no meio de um cenário novo das universidades no mundo inteiro.

A partir da segunda metade dos anos sessenta os movimentos estudantis ganharam força principalmente no Oeste Europeu e nos Estados Unidos. Iniciou-se um debate profundo sobre "valores" e, também, sobre o sistema de educação. Um dos destaques era o ensino superior. Os protestos dos estudantes eram contra a forma do ensino, que foi considerada ultrapassada por eles, e contra o sistema de acesso as principais universidades.

Até o final dos anos sessenta a entrada nas faculdades foi considerada na Alemanha, por exemplo, um privilégio das famílias com um poder financeiro mais elevado. "Faculdade para todos" era o slogan dos protestos naquela época. Alguns anos depois, com a mudança política e com a entrada do governo social-democrata foi implantada uma lei para apoiar a formação profissional e facilitar a entrada nas faculdades, a chamada Berufsausbildungsförderungsgesetz (BAFÖG)".

Essa lei abriu a possibilidade de acesso à uma bolsa de estudos para famílias com renda menor. As mudanças nos currículos das universidades e na sociedade em geral também foram radicais e marcaram uma transformação entre as gerações pós-guerra na Europa.

Na mesma época mudanças importantes aconteceram no Brasil. Mesmo assim, dentro de um cenário diferente. A partir de 1964 o país viveu num regime militar e a partir de 1968 numa censura institucional. As reformas acadêmicas não foram forçadas - como na Europa Ocidental e nos Estados Unidos - pelo próprio movimento estudantil ou qualquer outro movimento democrático. As reformas foram encaminhadas, basicamente, através dos órgãos públicos, e, em primeiro lugar, pelos ministérios em Brasília.

No caso da criação de uma nova Escola de Comunicação na USP não foi diferente. A criação desta entidade concluiu-se através de um Decreto do Governador do Estado, Laudo Natel, em 15 de junho de 1966. O nome inicial foi mudado para Escola de Comunicações e Artes (ECA) em 1970, três anos após a sua fundação.

Na ECC foram apresentados inicialmente sete cursos profissionalizantes: Jornalismo, Rádio e TV, Cinema, Artes Dramáticas, Biblioteconomia, Documentação, Relações Públicas.

Uma das principais preocupações dos criadores era a implantação de veículos próprios para experimentação. A parte prática da formação ganhou, então, uma importância maior. Isso refletia, de uma certa maneira, as exigências do mercado, principalmente em São Paulo.

"Até o presente a maioria das experiências no nosso campo tem sido mais teóricas do que práticas. Talvez a pobreza de recursos tenha nos obrigado a isso. Mas, de agora em diante, à vista do desenvolvimento dos meios de comunicação e, como conseqüência, das responsabilidades que nos cercam, impõe-se, cada vez mais com maior força, um ensino prático da comunicação. Por tal motivo tivemos, ou estamos tendo, o cuidado de dotar a nossa Escola dos veículos próprios para a experimentação", escreveu Júlio Garcia Morejón na primeira edição da Revista da Escola de Comunicações Culturais em 1967.

Um objetivo que foi alcançado com muitas dificuldades em vários casos, cansados pelas barreiras burocráticas de uma entidade pública, como mostraremos mais tarde.

Os laboratórios de trabalho que seriam instalados no departamento de jornalismo já tinham sido implantados nos Estados Unidos nos cursos de jornalismo e serviam como centros de treinamento sob a orientação de professores instrutores de jornalismo ou de jornalistas que ensinavam técnicas aos alunos. A tradição dos laboratórios na área de pesquisa de comunicação de massas "Mass Comunication" tinha o seu primeiro auge nos anos quarenta.

O grupo do pesquisador americano Carl I. Hovland da Universidade de Yale tinha desenvolvido uma linha de pesquisa que tratava de mudanças de atitudes através de comunicação. Os experimentos do Grupo de Yale sobre as mudanças de atitudes foram realizados exclusivamente nas situações dentro de laboratórios. Um fato que mais tarde tornou-se ponto de partida para críticas.

Outro exemplo para a formação dentro de um laboratório encontra-se na área de teatro: "The Actors School" de Nova York forma há muitas décadas atores e atrizes dentro de um programa de treinamento interno. Trata-se de uma Escola de Teatro, mas uma das características é o ambiente laboratório.

Até nos anos sessenta não existia então nenhuma formação prática estruturada dentro das redações no Brasil. Os futuros jornalistas seguiram o caminho de auto-didatas conforme o ditado norte-americano "learning by doing". Com e, muitas vezes, sem a orientação dos jornalistas mais experientes os novatos entraram nas redações sem nenhum cronômetro ou plano de formação. Jornalismo era considerado até então algo intuitivo, sem direção clara e determinada.

E como os cursos de jornalismo no Brasil ofereceram até os anos sessenta praticamente nenhum treinamento prático suficiente, os iniciantes só tinham a opção de autodidata para aprender as habilidades do dia-a-dia no jornalismo. Com o avanço tecnológico e com o crescimento do mercado aumentou a necessidade de ampliação da formação prática nos cursos de jornalismo no Brasil.

Além desse destaque para uma ampliação da parte prática da formação foram definidas outras prioridades curriculares, como:

01) formação histórica clara
02) formação lingüística rigorosa
03) formação estética modelar
04) formação filosófica elementar
05) conhecimentos básicos em torno do desenvolvimento das pesquisas científicas
06) formação histórica nacional
07) conhecimentos políticos, sociológicos, econômicos e psicológicos.

Morejón tinha elaborado o primeiro currículo de jornalismo. Ele orientou-se, inicialmente, nas universidades espanholas e de outros cursos que funcionavam na Europa. O currículo foi, inicialmente, considerado um "Protótipo Europeu".

Nesta época da estruturação da ECC, José Marques de Melo foi chamado pelo Prof. Morejón em 1967 para que assumisse a direção do Departamento de Jornalismo em 1968, após a aprovação pelo Conselho Universitário na USP.

O curso que foi instalado a partir deste momento, tinha como orientação o modelo da Universidade de Brasília, sob orientação de Pompeu Souza. Outras influências vieram do Rio de Janeiro (Danton Jobim) e da própria cidade de São Paulo pela equipe da Fundação Casper Líbero, onde Marques de Melo entrou como professor docente entre 1967 e 1968.

A Escola de Jornalismo Casper Líbero foi a primeira no país, fundada logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. O passo mais importante na reformulação na área de comunicação aconteceu mais de uma década depois no Recife onde Luiz Beltrão criou um curso de jornalismo inédito. Alguns anos depois mudou-se para Brasília para desenvolver um novo curso de comunicação lá.

"Logo que ele (Morejón) me convida para assumir a direção do departamento e implantar o curso de jornalismo ele me deu inteira liberdade de reformular. Tanto que a minha primeira tarefa foi alterar o currículo do curso", lembra Marques de Melo. Ele considera esta primeira fase na direção do departamento de jornalismo como "abrasileiramento" do curso. Melo destaca, além da reformulação do currículo, um intenso diálogo com as empresas jornalísticas e cita O Estado de São Paulo, Jornal do Brasil e a Editora Abril, entre outras.
O resultado deste diálogo refletia diretamente na reformulação do curso de jornalismo.

As empresas de comunicação foram o segundo fator que influenciava a reformulação dos cursos de jornalismo, principalmente em São Paulo. A maioria das grandes empresas de comunicação tinha relacionamentos estreitos com o regime militar. Em São Paulo o Grupo Estado que pertencia á família Mesquita tinha colaborado com o Golpe de 1964. No Rio de Janeiro, a criação da TV Globo foi apoiada pelos responsáveis do governo.

Pela própria situação política era então impossível de administrar um veículo de comunicação de massa sem o aval dos militares. Com a sintonia entre políticos e empresários o novo conteúdo dos cursos de jornalismo foi visado por ambos os lados.

Interessante que neste diálogo nunca foi levada em consideração a criação de uma formação prática dentro dos próprios veículos como existe, por exemplo, o "Volontariat" na Europa Ocidental. Trata-se de um curso interno de dois anos em que o/a "Volontär(in)" passa nos principais departamentos da redação do veículo de comunicação (Política, Economia, Cultura e Cidade). Após a conclusão desta formação o/a "Volontär(in)" recebe o titulo de "Redakteur" (redator).

Até hoje, os veículos de comunicação no Brasil possuem influência no planejamento dos cursos de jornalismo, mas, por outro lado, não oferecem - com exceção de alguns treinamentos de curto prazo - nenhuma formação interna mais ampla como é habito em outros países.

Com isso deixa a responsabilidade neste sentido para as faculdades que - por sua vez - não possuem nos seus laboratórios a mesma situação que existe nas próprias redações, já que trata-se de uma "simulação" em "condições quase reais".

Por outro lado, as faculdades perderam parte da sua autonomia na definição do currículo quando a influência das empresas está muito ampla. Aspectos ou exigências acadêmicas poderiam ficar em segundo plano, exigências do próprio mercado predominando em primeiro. Nos países onde existe o "sistema dual" de formação profissional este conflito é menor porque os dois currículos - acadêmico e profissional - estão separados, no mesmo tempo integrados. Até porque na maioria dos países europeus não existe a obrigação de um curso superior concluído para a formação de jornalistas. Trata-se somente de uma opção. No Brasil, esta exigência entrou em vigor justamente com a reforma dos cursos de jornalismo no final dos anos sessenta.

Até 1965 quando começou a criação de um novo currículo na USP, a legislação federal referente ao ensino de jornalismo situou-se dentro de uma orientação que atribuía predominância do embasamento humanístico-cultural do estudante. Além deste embasamento foram incluídas algumas informações sobre as atividades profissionais. Em 1965 foram adicionadas duas disciplinas fenomenológicas: Teoria da Informação e Jornalismo Comparado. Duas linhas de pesquisa que são predominantes no currículo do próprio José Marques de Melo.

O iniciador desta linha de pesquisa era o francês Jaques Kayser, ex-diretor do Instituto Francês de Imprensa. Com o apoio da UNESCO realizou a pesquisa pioneira "Une Semaine dans lê Monde". Com isso obteve a configuração de um campo específico. Ele introduziu os estudos do Jornalismo Comparado na América Latina onde ele realizou junto com toda a equipe dirigente da CIESPAL o estudo "Dos Semanas em la Prensa de América Latina".

Através desta linha de pesquisa os trabalhos ganharam um novo destaque pelo aspecto empírico e a análise dos dados comparados. Marques de Melo considera esta nova linha de pesquisa como "uma nova etapa de progresso científico do jornalismo na América Latina".
O Centro de Pesquisas de Jornalismo Comparado iniciou as suas atividades na ECC em 1969. O objetivo era testar instrumentos de análise científica nos campos de morfologia e conteúdo de jornais.

Os alunos realizavam a primeira pesquisa sob a orientação do Prof. José Marques de Melo sobre a "Imprensa de Bairros em São Paulo". O projeto foi dividido em quatro fases e queria realizar uma análise completa sobre o processo de comunicação jornalística na imprensa suburbana da capital paulista.

Nas duas primeiras fases foram estudados o comunicador e o canal através de um questionário estruturado aplicado pelas entrevistas pessoais. Na terceira fase do estudo da Mensagem, os dados foram coletados através da mensuração do espaço impresso. A última fase foi o estudo do Público Receptor que tomou como ponto de referência às conclusões dos estudos anteriores.

Uma outra parte importante desta reformulação foi, como já citado, a estruturação do departamento. Uma tarefa complicada, apesar dos recursos financeiros razoáveis que possibilitaram a equipagem dos laboratórios para os cursos profissionalizantes.

José Salvador Faro, hoje Doutor em Ciências de Comunicação, lembra-se desta época, quando era estudante: "A ECC era uma escola em construção, mal saída do papel (...) A futura ECA não dispunha nem mesmo de espaço próprio. (...) A figura de José Marques de Melo sobressaía nas minhas observações de estudante e funcionário pelo menos em duas direções. A primeira, que acabou por ocupar um período bastante amplo de nosso convívio e que foi encurtada por conjunturas diversas, era a do administrador. (...) Enquanto a nova escola se debatia na burocracia da administração pública, o Departamento de Jornalismo avançava: jornal laboratório, publicações, semanas de estudo, ampliação de espaços, montagens de uma gráfica".

As dificuldades enfrentadas nesta primeira fase da ECC foram relatadas no primeiro resumo do Departamento de Jornalismo:

"(...) Do ponto de vista experimental, o Departamento de Jornalismo ainda não funcionou satisfatoriamente em 1969, pela ausência do equipamento infra-estrutural para uso de professores e alunos".

Não obstante a Oficina Gráfica estivesse quase toda equipada (...), a sua instalação não foi possível por falta de espaço físico. Prevê-se o funcionamento total desse complexo industrial, servindo como laboratório e como executor de trabalhos comerciais para a Universidade, ainda no primeiro semestre de 1970.

(...) O Departamento de Jornalismo programou a publicação de cinco edições-piloto de um período quinzenal - JORNAL - tratando de assuntos relacionados com os diversos setores da Comunicação de Massas.

(...) O projeto foi coordenado pedagogicamente pelas disciplinas de "Técnica de Jornal e Periódico", "Artes Gráficas e Diagramação" e "Fotografia e Fotojornalismo". Os alunos se dividiram em equipes, em sistema de rodízio, executando diretamente todas as tarefas jornalísticas, e tendo a assessoria técnica dos professores das referidas disciplinas. A impressão do JORNAL foi feita numa gráfica comercial. (...)"

Após uma ampla discussão, foi aprovada em agosto de 1969 pela Comissão Central de Revisão de Currículos uma nova fórmula para o curso de jornalismo. As principais alterações eram:

01) divisão eqüitativa entre a formação humanístico-fenomenológica (ciclo
básico) e a formação profissional (ciclo diversificado);

02) flexibilidade para a organização curricular do ciclo diversificado;

03) necessidade de implantação dos órgãos-laboratórios (jornal; estúdio para rádio, tv e cinema; atelier de publicidade; escritório de pesquisa) para possibilitar a aplicação dos conhecimentos instrumentais durante o período acadêmico.

Uma outra mudança fundamental referiu-se à existência do curso polivalente. Esse curso acarretava uma dúvida jurídica. "O profissional formado pelo curso polivalente estaria habilitado a exercer a profissão de Jornalismo, de Relações Públicas ou de Publicitário?", foi a dúvida. O decreto-lei no 972 de 12 de outubro de 1969 exige "diploma de Curso Superior de Jornalismo" registrado no Ministério da Educação e Cultura. A mesma exigência vale para as profissões de Relações Públicas e de Publicidade.

As reformas realizadas na ECC serviam também como orientação para as outras faculdades de jornalismo do país. Desta maneira, a ECC e, mais tarde, a ECA tornar-se-ia modelo, principalmente na parte técnica e pedagógica.

Antes desta aprovação da nova legislação Marques de Melo já tinha iniciado junto com o corpo docente as primeiras aulas no novo curso de jornalismo na Escola de Comunicações e Culturas.

"Sou juntamente com o professor Flávio Galvão e José Freitas Nobre um dos primeiros professores da escola", lembra Marques de Melo. O endereço era no 2o andar do Edifício da Reitoria.

O corpo docente da ECC formou-se, além desses três professores, por Hélcio Deslandes, Thomaz Farkaz e Gaudêncio Torquato do Rego.

A preocupação inicial de Marques de Melo foi a valorização da pesquisa "como forma de sistematização teórica dos conhecimentos na área de Comunicação e Atualidades". Uma das primeiras pesquisas foi um levantamento de dados a respeito do profissional do jornalismo.

Junto ao Sindicato dos Jornalistas o Departamento de Jornalismo da ECA-USP realizou um estudo quantitativo-qualitativo sobre "O Jornalista Profissional do Estado de São Paulo". Esta pesquisa foi publicada em 1972 e foi viabilizada também pela ampliação do departamento em 1970 quando passou a se chamar Departamento de Jornalismo e Editoração. A partir deste momento surgiram novo recursos para o Departamento e Marques de Melo destaca, neste conteúdo, o papel do então diretor da ECA, Prof. Dr. Antonio Guimarães Ferri.

Em seus depoimentos Marques de Melo que dedicou cinco anos na estruturação desse Departamento, considerou-se recompensado" por ver o Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA tornar-se o mais ativo e respeitado núcleo de ensino e pesquisa do país, na sua área de atuação".

A nova produtividade, caracterizada pela produção nos laboratórios de jornalismo, tinha sido uma das cobranças ao longo do debate sobre o novo currículo do curso de jornalismo. Um exemplo é o ensaio "A Reforma do Ensino de Jornalismo", publicado pela PUC de Porto Alegre em 1968.

"A formação humanística foi supervalorizada (em termos quantitativos) em detrimento da prática ou da formação técnica, (...) Tal orientação era perfeitamente compreensível no século XIX, quando imperava a idéia de que os jornalistas precisavam ir à Universidade para adquirir cultura geral. (...) Neste período predominava o Jornalismo Informativo e as atividades práticas realmente eram simples nas redações. (...) O jornalismo do século XX é um jornalismo em fase de transição, em busca de novas formas, de novos métodos, a fim de acompanhar, passo a passo, as etapas que a revolução eletrônica vem proporcionando à vida social".

O final dos anos sessenta marcava no Brasil o início de uma nova fase na evolução dos veículos de comunicação. A revista VEJA apareceu como produto chave da Editora Abril em São Paulo, a TV Globo começou a criar um novo "padrão" de televisão, o Jornal da Tarde do Grupo Estado apresentava uma nova proposta gráfica de um jornal diário. Além desses exemplos da "grande imprensa" o final dos anos sessenta era o auge da "imprensa nanica", a imprensa alternativa que cumpriu um papel importante durante uma época que foi caracterizada pela censura e repressão política.

As universidades e as faculdades de comunicação, em particular, como núcleo intelectual da discussão política, não poderiam excluir-se desta realidade. Embora a produção dentro dos laboratórios até o início dos anos setenta fosse considerada boa, principalmente no Departamento de Jornalismo, existia um clima muito tenso nesta instituição pública.

"Esse período é um período muito duro na história do Brasil, porque a Universidade é praticamente sitiada pelo regime militar", lembra Marques de Melo.

"Eu sempre trabalhei na Universidade, mas como intelectual sempre procurei exercer, digamos, a minha atividade pública de acordo com a minha consciência e, portanto, muitas vezes eu não podia concordar com arbitrariedades, como censura, então, por exemplo, isso afetou muito a nossa produção aqui na Universidade".

O Departamento de Jornalismo da ECA sofreu no seu início certas restrições pelo conteúdo censurado. Um exemplo deste clima vivido na ECA-USP encontra-se na Segunda Semana de Estudos de Jornalismo em 1970. O tema desta segunda edição era "Censura e Liberdade de Imprensa". Um assunto que foi escolhido pelo departamento após as experiências vividas na primeira edição deste evento. Naquela ocasião o Departamento de Jornalismo foi aconselhado a não convidar certos pesquisadores o que significava uma forma direta de censura, mesmo passada de forma "sutil, informal, persuasiva".

A segunda edição do evento significava um tipo de teste de resistência por parte do departamento. "ou as iniciativas posteriores respeitariam a temática e os conferencistas escolhidas pelo Departamento ou a Semana de Jornalismo não voltaria a se realizar", lembra-se Marques de Melo.

De certa maneira a realização do evento significava mostrar "academicamente, que o ensino e a pesquisa do jornalismo são incompatíveis com a restrição 'a liberdade de pensamento, informação e opinião". O evento foi realizado e Marques de Melo lembra-se do clima no seu livro "Censura e Liberdade de Imprensa" (1984):

" (...) A presença de agente policiais, gravando os debates, era pouco sutil, o que evidentemente constrangeria os expositores (...). Houve ocasiões em que os protagonistas romperam a auto-censura, humanamente compreensível em situações dessa natureza, e avançaram destemidamente na análise de fatos considerados tabus naquele momento político. (...) O debate foi livre, aberto, emocionante".

(...) A ousadia de colocar em debate um tema maldito para o Regime e faze-lo com a participação de intelectuais considerados oposicionistas ou contestadores, significou concretamente a impossibilidade de dar divulgação ampla aos seus resultados.

O exemplo desses acontecimentos do início dos anos setenta mostra bem o contexto no qual a ECA-USP e principalmente o Departamento de Jornalismo foram criados. A livre expressão do pensamento foi impedida e certas manifestações ou declarações poderiam causar conseqüências fatais para os professores, alunos e os demais profissionais da área de comunicação.

A fundação do curso de jornalismo na ECA-USP tem que ser analisada no conteúdo do seu tempo. De um lado significava uma mudança importante na área do ensino da comunicação, principalmente no jornalismo. De outro lado esse processo entrava em choque com um dos mais escuros capítulos da história recente do Brasil: os anos de chumbo.

Os responsáveis por esta primeira geração da ECA tinham a dura missão de administrar os objetivos da estruturação dos departamentos e cursos junto com as dificuldades criadas pelas circunstâncias da época. O mundo ainda no meio de uma Guerra Fria, e o Brasil no auge de um regime militar.

Vários dos protagonistas foram cassados poucos anos depois pelo próprio
regime militar. Essas cassações chamavam-se "cassações brancas". O
Departamento de Jornalismo foi um dos mais atingidos. Por causa dessas circunstâncias a obra iniciada na ECA não teve seqüência. Somente após a anistia os trabalhos foram retomados. Desta maneira a ECA é como um marco da história que mostra as conseqüências dos danos produzidos por um governo totalitário.

"(...) Minha geração desperdiçou boa parte da sua vida intelectual produtiva, tendo que autodefender-se para não ser vítima de arbi-
trariedades. Mas também foi um período rico em solidaridade humana. Muitas pessoas preservaram a dignidade que as caracterizava,
ajudando perseguidos, amparando condenados ou acolhendo ófãos a viúvas, apesar do terror generalizado. (...)"
José Marques de Melo

A ECA-USP compõe-se hoje de oito departamentos e da Escola de Arte Dramática (EAD), com 37 cursos no total. Ela oferece 22 cursos regulares na área de graduação, 14 deles voltados às Artes e 8 às Comunicações. Na área de pós-graduação sãa 8 cursos de mestrado e 7 de doutorado.

No primeiro semestre de 2002 foram registradas na área de graduação um total de 2021 estudantes, 275 deles no Departamento de Jornalismo e Editoração. Um número que tinha crescido continuadamente. Entre 1997 e 2002, por exemplo, o numero dos estudantes cadastrados de graduação na ECA aumentou de 1506 para 2021.

Os alunos da ECA dividiram-se no segundo semestre de 2002 em 2021 estudantes de graduação, 1173 de pós-graduação e 122 outros. Dentro do curso de pós-graduação a ECA registrou 576 inscrições no curso de Mestrado, 356 no Doutorado e 241 alunos especiais. No Departamento de Jornalismo essa divisão apresentou o seguinte resultado: 109 inscrições mo mestrado, 84 no doutorado e 32 alunos especiais.

A ECA registrou em 2002 um total de 185 cursos outorgados no mestrado e 78 no doutorado. Em toda história da ECA foram 1314 cursos outorgados no mestrado e 600 no doutorado.

No ano 2002 foram registradas 266 produções acadêmicas pela ECA. Isso significa um retrocesso quantitativo em relação a 1998 quando foram realizadas 523 produções acadêmicas.

Neste período trabalharam um total de 422 servidores na ECA - 181 docentes e 241 não-docentes. No Departamento de Jornalismo e Editoração trabalharam 18 docentes no regime de tempo parcial e 08 no regime de tempo completo.

Algumas das instituições que foram instaladas no início da ECA continuam até hoje.

Um exemplo é o JORNAL DO CAMPUS (www.jornaldocampus.cjb.net), que é produzido até hoje no Laboratório de Jornalismo. A primeira edição saiu em 1969 com uma tiragem em torno de 1000 exemplares. O nome inicial deste jornal foi JORNAL que circulava somente na ECA. Os responsáveis optaram para esta forma de divulgação porque temeram uma censura mais forte, se o jornal circularia no campus inteiro. Mais um indício das dificuldades pelas quais alunos e professores passaram na época da ditadura.

A atual tiragem chega a 10 mil exemplares. O professor responsável pelo jornal é Dennis Oliveira. Dentro deste laboratório é produzido também o suplemento Claro!

Além dos laboratórios de produtos impressos existem hoje laboratórios para rádiojornalismo, telejornalismo e jornalismo digital. Os programas são produzidos para a divulgação interna. Outras instituições que foram instaladas no início da ECA, como o Museu da Imprensa, não existem mais há muito tempo.

Trata-se de mais um triste capítulo dos anos de chumbo. O Museu da Imprensa, idealizado pelo Prof. Marques de Melo, foi extinto e destruído em 1974, quando começava uma série de cassações de professores no Departamento de Jornalismo. Os responsáveis por esta execução achavam que o Museu obrigava material subversivo e decidiram exterminar tudo.

O material nunca mais poderia ser recuperado.

Literatura

Boletim do Departamento de Jornalismo, 1968-1969.

Bibliografia dos Docentes da ECA, N. 6 - Jornalismo, 1992.

Marques de Melo, José (Org.): Comunicação Jornalística e Editorial, Série Ensino / 02: Ensino de Comunicação no Brasil: Impasses e Desafios.

Marques de Melo, José / Maria Cristina Gobbi (Org.): Grandes nomes da comunicação - José Marques de Melo , Recife: UNICAP: Centro de Estudos da Imprensa e da Cidadania, 2001.

Marques de Melo, José: Estudos de Jornalismo Comparado. São Paulo: Pioneira, 1972.

Marques de Melo, José: Jornalismo Brasileiro, Porto Alegre: Sulina, 2003.

Marques de Melo, José: Diretrizes para um jornal-laboratório, Revista da Escola de Comunicações Culturais, no 1, São Paulo, 1967, p. 185 - 193.

Marques de Melo, José: O ensino de jornalismo. São Paulo, ECA-USP, 1972, 244 p.

Marques de Melo, José: Laboratórios de jornalismo: conceitos e preconceitos, Cadernos de Jornalismo e Editoração, no 14, São Paulo, ECA-USP, 1984, p. 1 - 18.

Revista da Escola de Comunicações Culturais, 1967 - 1968.

Revista Comunicação e Artes 1970 - 1998.
Gestão da USP, www.sistemas.usp.br

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www.eca.usp.br/prof/josemarques