A
trajetória de Francisco Gaudêncio Torquato do Rêgo
Por
Maria
Teresa de Souza
Desde
a criação da Escola de Comunicações
e Artes da Universidade de São Paulo, em meados da década
de 60 e num período em que o Brasil vivia sob uma ditadura
militar, a produção jornalística passou
por várias reviravoltas e, no âmbito da comunicação,
o segmento organizacional deu um grande salto. Foi o setor que
mais cresceu e hoje emprega a maior parte dos alunos formados
em jornalismo em São Paulo.
A
trajetória profissional e acadêmica do professor
titular da USP, livre-docente e doutor em Comunicação
Francisco Gaudêncio Torquato do Rêgo espelha bem
a relevância adquirida pela comunicação
empresarial - que, depois, ele passaria a chamar de comunicação
organizacional, termo que abarca vários outros segmentos
da sociedade civil, como sindicatos, ONG's, clubes, escolas
etc.
O
despontar da área de comunicação empresarial
chamou minha atenção ao ler as atas dos primeiros
anos de atividades da ECA-USP (então chamada Escola de
Comunicações Culturais - ECC), de 1968 a 1972,
para este texto sobre a obra do professor Torquato, parte de
um trabalho para a disciplina Jornalismo Brasileiro, da pós-graduação
da USP.
A
primeira menção ao nome de Torquato se dá
no registro de uma atividade de intercâmbio cultural com
a Faculdade de Jornalismo Cásper Líbero, em São
Paulo, em 1968. Já no ano seguinte, Torquato passa a
professor instrutor do professor José Marques de Melo,
então diretor do Departamento de Jornalismo da ECC, e
ministra a disciplina Técnica de Jornal e Periódico
I, subdividida em Teoria e Metodologia do Jornalismo e Jornalismo
Informativo e Interpretativo. O curso era voltado para a elaboração
pelos alunos de um jornal piloto quinzenal.
Ainda
em 1969, Torquato publica os textos Jornais Precisam Ter mais
Notícias em Profundidade, pelos Cadernos de Jornalismo
e Comunicação, da Editora Guanabara, e Imprensa
Brasileira Contemporânea - Estudo Analítico, pela
Editora Correio do Livro. Entra para o corpo docente da ECC.
Em 1970, ano em que a ECC passa a ser denominada Escola de Comunicações
e Artes-ECA, Torquato assume cursos regulares do Departamento
de Jornalismo: as disciplinas Jornalismo Informativo e Interpretativo
e Introdução ao Jornalismo. É também
orientador da Agência Universitária de Notícias
(a AU).
Torquato
defende sua tese de doutorado em 1972 e seu tema é o
Jornalismo Interpretativo, tendo como orientador o professor
Rolando Morel Pinto, livre-docente da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da USP. Nesse período,
o Ministério da Educação pressiona as universidades
a formarem mestres e doutores.
É
interessante observar que, por ser o curso da ECA um recém-nascido
na USP, sem ter ainda graduado sua primeira turma de alunos,
a maioria dos seus primeiros doutorandos tiveram como orientadores
livre-docentes de outras unidades.
O
professor Flavio Galvão, por exemplo, foi orientando
da professora Ester de Figueiredo Ferraz, da Faculdade de Direito,
o professor José Marques de Mello também esteve
sob orientação de Morel Pinto. Outros tiveram
orientadores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU).
Portanto,
embora o curso de Jornalismo da ECA tenha nascido já
sob o guarda-chuva dos cursos de Comunicação,
com um currículo básico relacionado a outras áreas
de comunicação, a maioria dos primeiros doutores
foram orientados por acadêmicos de outras áreas
de humanas. Essa aproximação com as outras especializações
de humanas parece resultar, na época, de uma carência
da ECA, mas hoje é proposta por muitos profissionais
e acadêmicos que pleiteiam a autonomia para os cursos
de Jornalismo.
Em
1971, pouco antes do doutoramento de Torquato, aparece nas atas
a primeira atividade dele, na ECA, que aponta o caminho no qual
viria depois a concentrar-se: a comunicação organizacional.
Ele ministra a disciplina Jornalismo Especializado, dá
um curso de extensão de um mês intitulado Jornalismo
na Empresa Privada e no Serviço Público e faz
uma conferência em Jundiaí sobre O Papel do Jornalismo
na Política de Comunicação das Empresas,
realizado em convênio com o Sindicato dos Jornalistas
Profissionais do Estado de São Paulo.
Torquato
participa também de congressos da Associação
Brasileira de Editores de Revistas e Jornais de Empresa (Aberje)
e dá cursos de pós-graduação sobre
jornalismo empresarial.
Na
mesma época, ele ministra cursos sobre Informação
Rural e Jornalismo Católico, outras vertentes que estudou.
Mas já está consolidada sua preocupação
com a comunicação organizacional e o marketing,
que o levaria a tornar-se um dos pioneiros do marketing político
e eleitoral no Brasil, a desempenhar a atividade de consultor
de empresas privadas e da administração pública,
e a desenvolver campanhas para políticos em diversos
Estados, sem abandonar a atividade acadêmica. Atualmente,
ele também escreve artigos para 60 jornais de todo o
País, enfocando principalmente a mídia e o marketing
eleitoral e político.
Ciente
de que enveredava por uma área que engatinhava no Brasil,
Torquato aproveitou sua experiência como professor para
imprimir um viés didático em suas obras, nas quais
se evidencia a meta de orientar os profissionais da comunicação
e marketing. Um de seus primeiros livros, Marketing Político
e Governamental - um roteiro para campanhas políticas
e estratégias de comunicação (São
Paulo, Summus, 1985), é dividido em três partes:
O ABC do Marketing Político, Marketing para o Interior
do País e Marketing Governamental.
O
Brasil vivia ainda sob o comando dos quartéis. Apenas
um ano antes explodira o Movimento das Diretas-Já e era
fundado no Paraná o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem-Terra (MST). Em 1985, a chapa Aliança Democrática,
de Tancredo Neves, é a vencedora no Colégio Eleitoral,
momento que marca o fim do regime militar. Já havia eleições
diretas para prefeitos e governadores, mas para presidente,
só em 1989.
Por
isso, o livro se propõe a ser um ABC para um país
desacostumado à cena política. Nas duas primeiras
partes, Torquato relaciona orientações para os
profissionais do marketing, tais como escolha de uma estratégia
adequada, análise dos concorrentes ou elaboração
do perfil dos eleitores. Na última, estuda os sistemas
de comunicação do governo e sugere modelos de
atuação. A obra traz ainda um glossário
dos termos usuais na comunicação organizacional
e no marketing.
Nesse
percurso, seguiriam-se outros livros: Comunicação
Empresarial/Comunicação Institucional, Editora
Summus, 1986; Jornalismo Empresarial - Teoria e Prática,
São Paulo, Summus, 1987; Periodismo Empresarial, Editorial
Mendes, Peru; Poder - Comunicação e Imagem: fundamentos
da nova empresa. São Paulo. Pioneira, 1991; Cultura,
Poder, Comunicação e Imagem - Fundamentos da Nova
Empresa, Summus, 1992; O Político e a Sociedade Brasileira,
Ciclo de Palestras: O Senado e a Opinião Pública,
Vol II, Brasília, Senado Federal, Comunicação
de Educação e Secretaria de Comunicação
Social, 1995; Tratado de Comunicação e Organização
Política, Thomson, 2002.
Neste
último livro, 'O Tratado de Comunicação'
- sua obra mais abrangente -, Torquato analisa o desenvolvimento
da comunicação empresarial brasileira e traça
um quadro explicativo das ferramentas da comunicação
na administração pública federal e estadual,
associativa e de organizações privadas e políticas.
Aborda o trabalho das assessorias e consultorias de imprensa
e também o marketing político e pessoal.
Retomando
os primórdios da comunicação empresarial
nos anos 60 e 70, Torquato recorda quanto essa atividade era
discriminada num meio acadêmico caracterizado por um forte
esquerdismo e preconceito em relação à
empresa capitalista. Eram os anos 60 e 70, numa nação
sob regime militar. Ao mesmo tempo, a industrialização
do Sudeste fez despontar novas necessidades de comunicação
para as empresas, diz ele, enquanto o mercado de trabalho do
jornalismo começava a dar sinais de saturação.
"O
grosso dos profissionais da imprensa ainda vivia em clima de
'jornalismo revolucionário', que atraía jovens
interessados em abrir frentes de batalha contra os 'imperialistas',
o poder econômico e as grandes estruturas", afirma
Torquato.
Em
outro trecho, diz: "Os meios jornalísticos eram
os mais recheados de preconceitos. Por isso mesmo, quem trabalhava
na área de comunicação empresarial era
jogado na vala da indecência, da subordinação
ao capitalismo internacional. Ser assessor de imprensa, na época,
era algo como ter estampado na testa o selo 'vendido ao capitalismo
internacional'".
Mas,
embora se recorde do cenário da época como avesso
aos estudiosos da comunicação empresarial, Torquato
frisa em seu último livro que foi exatamente na ECA que
ele deu início aos trabalhos acadêmicos de doutorado
e de docência, "orientados inicialmente para a sistematização
do jornalismo da comunicação empresarial e, posteriormente,
para a construção de modelos integrados de comunicação
e seus efeitos na definição de parâmetros
de eficiência e eficácia organizacionais".
Havia
ainda uma forte disputa de mercado entre profissionais de Relações
Públicas e Jornalistas, observa Torquato, atenuada à
medida que o setor de comunicação empresarial
se fortalecia nas grandes corporações e um grande
número de assessorias de imprensa e comunicação
despontava no mercado.
Em
um ensaio publicado nos Estudos Aberje I, intitulado A Evolução
de uma Ferramenta Estratégica, Torquato avalia que a
tendência nos próximos anos é a de a comunicação
empresarial se profissionalizar ainda mais e a de melhorar o
nível de seus profissionais, adensando e fortalecendo
as áreas das assessorias e de aconselhamento. Conclui
ainda que há uma vasta malha de comunicação
que precisa ser mapeada e dimensionada, como as universidades,
associações e sindicatos.
Observando-se
a trajetória profissional de Torquato e a expansão
da comunicação empresarial/organizacional nas
últimas décadas, chama a atenção
o fato de essa área, atualmente um forte celeiro de empregos,
ser pouco explorada na ECA.
Nos
contatos com colegas da pós-graduação,
poucos têm como meta uma tese de mestrado ou doutorado
sobre esse segmento. Embora o mercado de trabalho no setor editorial,
na TV e rádio esteja mais competitivo, ele ainda é
a grande meta dos estudantes e dos estudos no meio acadêmico.
Bibliografia
Atas
das Atividades do Departamento de Jornalismo da Escola de Comunicação
e Artes - 1968-1972.
A
Evolução de uma Ferramenta Estratégica,
Estudos Aberje I.
O
Estado de S.Paulo - artigos publicados por Gaudêncio Torquato.
Marketing
Político e Governamental - um roteiro para campanhas
políticas e estratégias de comunicação
(São Paulo, Summus, 1985).
O
Marketing do Vitupério, artigo na página da Internet
do Observatório de Imprensa, 20/09/2000.
Tratado
de Comunicação e Organização Política,
Thomson, 2002.
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