...................................................................... pjbr@eca.usp.br













...
...

Ensaios



Um mergulho na história recente
do jornalismo político brasileiro

Por Lourdes Maria Alvarez Rivera

Introdução

Ler os artigos de Flavio Galvão publicados pelo Estadão é mergulhar na história recente do Brasil. É também mergulhar na história do jornalismo porque sua forma de dar redação ao texto, sua linguagem, os termos que utiliza, seu jeito, enfim, de escrever denotam uma linhagem de jornalistas que já não mais existem.

Ele é claro, transparente; temos certeza quando está ou não de bom-humor ou indignado; suas idéias não deixam dúvida em relação às suas convicções políticas. Não fica em cima do muro; não é dúbio. Deixa claro de que lado está. O leitor pode até não estar do mesmo lado. Mas não pode acusá-lo de dizer meias verdades, de tentar manipular ou enganar, de deixar subentendidos. Assume seu posicionamento, diz a que veio e assina em baixo.

Estamos nos referindo a Flávio Galvão, cujo presente ensaio pretende refletir sobre a contribuição deste jornalista, enquanto professor-colaborador da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, no início de sua criação, no período compreendido entre os anos de 1968 a 1972.

O jornalista Flávio Galvão, quando convidado para ministrar aulas no departamento de Jornalismo da ECA, já atuava no jornal O Estado de S.Paulo há mais de 20 anos, sendo, portanto, notoriamente, um profissional experiente.

A pesquisa teve por fontes relatórios de atividades do Departamento de Jornalismo até o ano de 1970; algumas edições da Revista da Escola de Comunicações e Artes; uma apostila de autoria do professor Flávio Galvão; textos de sua autoria publicados pelo jornal O Estado de S.Paulo durante o ano de 1968; textos do Estadão sobre o jornalista após sua morte; entrevistas com o professor-doutor José Marques de Mello, que foi seu contemporâneo na ECA e do jornalista Eduardo Martins, do Estadão, que também trabalhou ao lado de Flávio Galvão, durante o período pesquisado.

Entendemos que Flávio Galvão é apenas uma peça do mosaico que compõe a primeira geração do pensamento uspiano que se pretende montar. Este trabalho não está, pois, completo. Várias lacunas podem e devem ser preenchidas. É uma pesquisa que valerá a pena ser retomada, dar continuidade, como entendemos que deva ser toda pesquisa: dinâmica e atualizada. Ou então, vira letra morta e empoeirada nas prateleiras das bibliotecas.

1. Quem foi Flávio Galvão?

Flávio de Almeida Prado Galvão, nascido na capital paulista em 16 de janeiro de 1926, não era jornalista formado por nenhuma academia. Era formado em jornalismo pela prática, pela experiência. Quando foi convidado a dar aulas na Escola de Comunicações e Artes em 1968 era jornalista há mais de 20 anos do jornal O Estado de S.Paulo. Sua formação acadêmica era a de advogado formado em 1948 pela Faculdade de Direito da USP. Ele foi advogado do jornal O Estado de S.Paulo e da Rádio Eldorado durante a maior parte de sua vida profissional. No Estadão foi repórter, redator auxiliar, chefe do noticiário local, subsecretário, secretário interino (substituiu Cláudio Abramo em várias ocasiões) e, em 1970 era redator político. Ocupou essa posição no jornal até os anos 80 aproximadamente. Assinava uma coluna política no jornal.

Flávio Galvão nasceu dia 16 de janeiro de 1926. Era paulistano de família tradicional. Filho do sr. Geraldo Galvão e da sra. Albertina de Almeida Prado Galvão. Foi casado com a sra. Maria Aparecida Campos de Almeida Prado Galvão. Não teve filhos.

Exerceu múltiplas atividades além das de advogado e jornalista e depois, professor de jornalismo. Se observarmos sua biografia publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo veremos que sempre foi muito dinâmica sua atuação por onde passou.

Quando aluno de Direito, por exemplo, no período do Estado Novo, foi processado, com outros estudantes, pelo Tribunal de Segurança Nacional e depois, em 1945, beneficiado com a anistia. Nesse mesmo ano integrou a diretoria do Centro Acadêmico XI de Agosto, como membro da Comissão de Sindicância e, em 1949, foi delegado do centro estudantil do congresso em que se fundou a União Estadual dos Estudantes - UEE.

Era membro titular, por exemplo, do Instituto Histórico e Geográfico de S.Paulo. Preservação das culturas locais era uma das suas preocupações. Encabeçou campanha pró-criação do Museu Histórico do Embu utilizando sua coluna no Estadão.

Fora dos muros da academia, Galvão teve uma atuação política que, na época, suscitava algum desconforto entre seus colegas de redação. Provavelmente por sua origem familiar e, depois, por sua atuação enquanto pessoa de confiança da direção do jornal O Estado, visto que exercia a função de advogado da empresa, Flávio Galvão possuía trânsito livre nas esferas político-militares. Era amigo íntimo de várias personalidades que fizeram a história política de São Paulo e, mesmo do Brasil e, mais adiante, teceremos comentários a respeito. Por ora, vale registrar alguns fatos que constam da sua biografia oficial. Exemplo: em 1965 "recebeu prêmio, na casa do ex-governador Roberto da Costa de Abreu Sodré, da União Democrática Nacional paulista, pela cobertura jornalística da convenção do partido que lançou a candidatura do ex-governador Carlos Lacerda à Presidência da República". (1)

Aliás, Galvão deixa clara sua admiração pelo jornalista Carlos Lacerda, não apenas em seus artigos publicados pelo Estadão, como também em sua apostila "Captação da Notícia e Acesso às Fontes de Informação", onde, na página 9 ao referir- se à missão da imprensa, cita que "a este respeito, merecem menção palavras de outro grande jornalista brasileiro - quiçá o maior de nossos dias - Carlos Lacerda." (2)

Galvão sempre foi transparente quanto às suas convicções e idéias políticas. É também num dos textos publicados pelo jornal O Estado de S.Paulo sobre seu falecimento que vamos encontrar a seguinte referência:

Democrata convicto, levando às vezes suas convicções ao extremo, nunca deixou de denunciar as manobras do nacionalismo e do Partido Comunista, especialmente de 1955 a 1964. Suas convicções o levaram a participar ativamente da conspiração contra o governo Goulart, tendo se integrado ao grupo civil-militar que se constituiu em São Paulo. (3)

Essa estreita relação com as forças político-militares lhe renderam dezenas de condecorações: o Exército o condecorou com a Medalha do Pacificador, a aeronáutica com a Ordem do Mérito Aeronáutico, no grau de cavaleiro; a Polícia Militar paulista também ofereceu a Medalha do Sesquicentenário daquela instituição.

No entanto, esse lado biográfico do jornalista Flávio Galvão, aparentemente, em nada influenciou sua atuação enquanto professor da ECA.

2. O professor

Flávio Galvão integrou a primeira equipe de professores da então chamada Escola de Comunicações Culturais, denominação original da Escola de Comunicações e Artes atualmente. Segundo relato do professor Marques de Melo colhido por meio de entrevista via e-mail a seleção dessa primeira equipe de professores foi feita "mediante concurso público de títulos, realizado em 1966. A seleção preliminar dos currículos foi feita pelo primeiro Diretor da escola, prof. Dr. Júlio Garcia Morejón, e a decisão final foi tomada pelo CTA - Conselho Técnico Administrativo - então integrado por Catedráticos da USP, dentre eles Alfredo Buzaid, Moacir do Amaral Santos, Eurípedes Simões de Paula, além do próprio Moréjon", (4) conta o professor.

Segundo ele, apenas dois candidatos foram selecionados: ele e o jornalista Flávio Galvão. Ele possuía formação acadêmica em Jornalismo, era pós-graduado em Ciências da Informação Coletiva pelo CIESPAL. Flávio Galvão, tudo indica, fora aceito pela extensa experiência prática já que até aquela data exercera praticamente todas as funções dentro de uma redação.

Nos Relatórios de Atividades do Departamento de Jornalismo da ECA, nos Boletins do mesmo Departamento e nas Revistas da Escola de Comunicações e Artes daquele período vamos encontrar alguns registros da passagem de Flávio Galvão pelo curso de Jornalismo.

2.1 - 1968 -Integrou o corpo docente como professor colaborador (por não ser formado em Jornalismo) ao lado de Freitas Nobre, Alfredo Weisflog, Hélcio Deslandes e Francisco Morel.

Foi professor de Técnica e Prática de Jornal e Periódico juntamente com o professor Marques de Melo.

Mais tarde, contribui com a disciplina Jornalismo Informativo, também ao lado de Marques de Melo.

Da mesma forma, "atendendo a decisão da Comissão de Ensino, e no sentido de estabelecer coordenação com os outros órgãos desta Escola, o Depto. ministrou cursos monográficos aos alunos de outros departamentos" (5) e coube a Flávio Galvão o curso "Jornalismo e Técnica de Redação" para o Depto. De Relações Públicas, e "Jornalismo no Período Entre Guerras" para o Depto. de Estudos Históricos e Filosóficos em conjunto com o professor Freitas Nobre.

Nesse mesmo ano o Depto publicou o seu Boletim, em março, trazendo em junho, no número 2, um texto de autoria do professor Flávio Galvão intitulado "Captação da Notícia e acesso às fontes de Informação"- que se transformaria em apostila, editada pelo Departamento de Apostilas, (6) única referência escrita avulsa de produção de texto do jornalista, disponível na Biblioteca da ECA/USP.

Em seu número 3, do mês de setembro, o Boletim do Depto de Jornalismo informa a publicação do texto "Como as notícias chegam aos jornais", também de autoria do professor Galvão.

2.2 - 1969 - Nesse ano, sob sua orientação foi realizada a pesquisa de campo denominada "Funções de Direção e Secretaria na Grande Imprensa Paulistana", pelos alunos do terceiro ano e, "Opinião do Jornalismo Brasileiro - análise de conteúdo", enfocando preferencialmente o Jornalismo Opinativo; outro estudo realizado nos jornais diários das principais capitais brasileiras, também, pelos alunos do terceiro ano, também sob orientação de Galvão.

A produção de artigos e trabalhos de cunho científico por parte dos professores que integravam o Depto. Também está relatada nos Relatórios. Sobre Flávio Galvão vamos encontrar menção aos artigos publicados no jornal O Estado de S.Paulo e dois deles publicados na Revista Comunicações e Problemas n º 11 e Revista da Escola de Comunicações Culturais n.º 2, as quais, infelizmente, não tivemos acesso.

São eles: "O Jornalismo antes da tipografia" - Suplemento Literário de O Estado de S.Paulo de 1º de fevereiro de 1969; "Fandango tem diversos nomes"- O Estado de S.Paulo - 2 de fevereiro de 1969; "A imprensa informativa"- Suplemento Literário de O Estado de S.Paulo de 22 de março de 1969; "Da contingência do Jornalismo" - Suplemento Literário de O Estado de S.Paulo, de 10 de maio de 1969; "Abram alas para os guardas da rainha"- Suplemento de O Estado de S.Paulo de 27 de junho de 1969; "Justiça comum para processo de jornalista"- O Estado de S.Paulo, de 16 de novembro de 1969; "Idéias de um paladino da imprensa nacional" (sobre Júlio de Mesquita Filho) - Revista Comunicações e Problemas n.º 11; "Segredo Profissional de Jornalista"- Revista da escola de Comunicações Culturais - n.º 2.

2.3 - 1970 - Nesse ano Flávio Galvão participou como debatedor do painel "O Jornalismo Sensacionalista e a incidência na criminalidade", durante o Seminário "O Jornalismo Sensacionalista" promovido pelo Depto de Jornalismo do a coordenação do professor José Marques de Melo.
No segundo semestre de 1970 o Depto promoveu o Curso de Jornalismo Especializado, destinado a profissionais liberais (médicos, engenheiros, advogados, agrônomos, economistas etc) patrocinado pela Divisão de Difusão Cultural da Reitoria da USP. Flávio Galvão falou sobre Técnica da Opinião no Jornalismo e Técnica de Copy-Desk.

Integrou a Comissão encarregada de elaborar o currículo do Curso de Editoração da ECC juntamente com os professores José Marques de Melo e Hélcio Deslandes. Deu aulas nas disciplinas Jornalismo Opinativo e Funções de Direção e Secretaria.

No que diz respeito à produção de artigos coube a Flávio Galvão a inserção dos artigos "Segredo Jornalístico" e "Da contingência no Jornalismo", na publicação "Quando a Imprensa é Notícia", da Editora Temário, do Rio de Janeiro, além de vários artigos assinados e publicados pelo jornal O Estado de S.Paulo.

Ainda em 1970 Flávio Galvão passa a compor a Comissão de Redação da Revista da Escola de Comunicações e Artes, assumindo o cargo de editor da revista.

3. Editor de revista acadêmica

Flávio Galvão foi o primeiro editor da Revista da Escola de Comunicações Artes da USP, que, em seu primeiro número, relata o por quê da nova publicação. Justifica a alteração do nome da Revista em função da mudança do próprio nome da Escola, elogia a direção e deixa entrever que 1970 fora um ano de muitas novidades para a ECA que, por exemplo, ganhara sede própria (ele publica uma foto do novo prédio). Escreve assim:

(...) 1970 foi ano de profundas transformações na ECA que, entre coisas, ganhou sede própria na Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, o que a colocou entre as melhores instaladas de todo o País, se é que não a melhor. Além disso, sob dinâmica, eficiente e enérgica direção, consolidou-se a mais nova escola da Universidade de São Paulo, em especial do ponto-de-vista material, com a aquisição do equipamento básico indispensável para todos os seus cursos. (7)

O texto revela ainda que a publicação ganhara novo formato e que a partir daquela data passava a ter periodicidade quadrimestral, ao invés de anual como sua antecessora. Além disso, passava a ser impressa mediante convênio, pela Editora Revista dos Tribunais que se encarregaria igualmente da distribuição e circulação por todo o território nacional. Porém, em nenhum local encontramos referências à tiragem da Revista.

Entre os colaboradores desta histórica edição que escreveram artigos, registramos a presença dos seguintes professores contratados pela ECA: José de Jesus Seixas Patriani, Nelly de Camargo, Cândido Teobaldo de Souza Andrade, José Marques de Melo, Francesca Cavalli, além do próprio Galvão que assina duas resenhas ao final da edição. Outros colaboradores externos: Manuel Calvo Bernardo, professor da Universidade de Madrid e subdiretor do jornal espanhol "YA" e Roberto Emerson Câmara Benjamin, professor da Universidade Católica de Pernambuco.

O número 2 da RECA apresenta um artigo de Flávio Galvão: "O segredo profissional do Jornalista", e a edição número 3, "Assalto à Imprensa no Estado Novo (2)".

A edição de número 5 da "Comunicações e Artes" traz um artigo de Flávio Galvão intitulado "Sesquicentenário da liberdade de imprensa", na verdade um estudo anteriormente publicado em 29 de agosto de 1971 pelo jornal O Estado de S.Paulo e lido em 31 do mesmo mês em sessão do Senado Federal pelo senador Nélson Carneiro, líder do PMDB. O artigo mereceu comentários do poeta Carlos Drumond de Andrade, em crônica publicada pelo Jornal do Brasil do dia 2 de setembro do mesmo ano, posteriormente transcrita pelo jornal O Pasquim nº 115 de 14 a 20 de setembro, sob o título "Palmas, que ele merece". Igualmente faremos comentários no capítulo pertinente.

A edição de número 6 da RECA traz na seção Documentação um estudo de Flávio Galvão intitulado "Conceito de Pornografia e Obscenidade" em que ele comenta a censura sofrida pela Revista "Realidade", edição nº 10 que trouxera uma ampla reportagem sobre a sexualidade da mulher brasileira e fora considerada pornográfica por esse motivo. Galvão apresenta as íntegras dos recursos impetrados pela Editora Abril ao Supremo Tribunal Federal e toda a documentação jurídica pertinente ao assunto. Na seqüência, Galvão publica outro documento importantíssimo acerca da questão da censura na imprensa.

Desta vez, trata-se do estudo "Censura prévia: Decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos". Vale a pena a leitura porque o texto, embora longo, traz uma decisão da justiça do país mais democrático do mundo a favor da liberdade de imprensa, um verdadeiro paradoxo se imaginarmos como seria possível, num país que defende a liberdade de expressão a qualquer preço, ter havido uma demanda jurídica contra os maiores jornais americanos, o New York Times e Washington Post por terem publicado documentos relativos à guerra do Vietnã, considerados pelo Governo, secretos. Adiante, teceremos os comentários também acerca deste estudo de Flávio Galvão.

Infelizmente termina aí, na edição de número 6 da Revista Comunicações e Artes, o material encontrado de autoria do professor Galvão. Vamos encontrar mais alguma referência sobre a atuação de Galvão como professor da ECA, no Boletim nº 2 do Departamento de Jornalismo da então, Escola de Comunicações Culturais que, em 1968 informa que ele havia acumulado o cargo de professor das disciplinas de Jornalismo Informativo e Fotojornalismo.

É neste mesmo número que o professor Galvão publica uma resenha sobre o livro "Fotografia Y Periodismo", de autoria de Roberto D. De Piante, chefe de informação gráfica do jornal The Miami Herald. Ao que tudo indica, Galvão, substituíra o professor contratado para ministrar tal disciplina, Alfredo Weisflog - que não assumiu suas funções por motivos particulares -, embora no relatório de Atividades do Depto, não conste essa informação. Porém, como no Boletim, ela aparece, deduzimos (embora um pesquisador não deva apenas supor) que foi o que aconteceu.

4. Normas acadêmicas

4.1 - 1971 - Nesse ano Flávio Galvão lecionou "Ética e Legislação da Imprensa" dentro do Ciclo Diversificado de Jornalismo.

Como extensão Cultural o DJE promoveu uma série de cursos entre eles Jornalismo e Comunicação, destinado a jornalistas profissionais e estudantes de jornalismo, em convênio como Sindicato dos Jornalistas Profissionais d'O Estado de S.Paulo, em agosto. Flavio Galvão, ao lado do professor Antonio F. Costela, ministrou o curso Direito, Comunicação e Jornalismo dentro da programação.

Em junho de 1971 Flávio Galvão participou da Semana de Estudos "Imprensa e Desenvolvimento" (III Semana de Estudo de Jornalismo), da qual participaram 200 pessoas, coordenada e presidida pelo professor Marques de melo. Galvão foi debatedor no painel "Função do Estado no Desenvolvimento da Imprensa", ao lado de Edson Franco e Antonio F. Costella, tendo como expositor Freitas Nobre, já deputado federal por São Paulo, na ocasião.

4.2 - 1972 - Os registros que conseguimos sobre o ano de 1972, apontam como sendo o último em que Flávio Galvão teria atuado como professor da ECA. É mencionado no Relatório de atividades que ele lecionara duas disciplinas: "Funções de Direção e Secretaria no Jornalismo" e "Legislação do Jornalismo II".

Não ficou claro, por falta de dados que não foram ainda por nós pesquisados, confirmar os motivos que levaram o jornalista a sair da ECA. Tudo indica, porém, e o depoimento do professor Marques de Melo de certa forma confirma, que após a Reforma de 1969 os docentes sem formação acadêmica em Jornalismo foram convidados a elaborar a defesa de suas dissertações para obtenção de titulação de mestres ou doutores, exigência sem a qual não poderiam continuar a exercer a profissão como jornalistas.

Consta do relatório do depto que o jornalista Flávio Galvão estaria desenvolvendo um trabalho sobre Legislação de Imprensa, tendo como professora-orientadora a professora Ester de Figueiredo Ferraz, livre docente da faculdade de Direito da USP a partir de 1969 e essa informação vai aparecer ainda uma vez no relatório de 1971. Porém, segundo o professor José Marques de Melo, em se depoimento por e-mail, da equipe inicial,

...alguns decidiram ingressar na carreira acadêmica, defendendo teses de doutorado (como foram os casos de Freitas Nobre, Gaudêncio Torquato, Thomas Farkas e o meu). Mas Galvão preferiu não submeter-se a esse ritual, da mesma forma que o fizeram Alfredo Mesquita, Rudá de Andrade, Maria Luiza Monteiro da Cunha, Helcio deslandes. Ao término de seu contrato como professor-colaborador ele preferiu encerrar sua atuação na Escola, (8)

relata o professor-doutor.

5. Flávio Galvão, o articulador

Ser professor da ECA foi apenas uma das atividades profissionais do jornalista Flávio Galvão. Interessante notar que nas notícias sobre o seu falecimento publicadas pelo jornal O Estado de S.Paulo, nunca foi citado que ele dera aula de jornalismo na ECA. Mais estranho ainda porque, segundo o professor Marques de Melo, em sua entrevista por e-mail, Galvão, antigo jornalista do Estadão, advogado da empresa e homem de confiança da direção do jornal, teria sido convidado pela direção da ECA para neutralizar a postura negativa que o Estadão teria tomado diante da criação da ECA, criticando a decisão da Reitoria da USP. Ë uma informação que precisaria ser checada, com certeza.

Como não entrevistamos ex-alunos de Flávio Galvão, nossa maior fonte de informações sobre como era sua performance em sala de aula ou como colega de profissão, vem ainda do professor Marques de Melo que conviveu com ele durante todo o período em que esteve na ECA.
Segundo o primeiro Diretor do Depto. De Jornalismo da ECA, Galvão "tinha uma personalidade singular". Fisicamente era "alto, gordo, falante, tinha uma identidade profissional situada na fronteira entre a advocacia e o jornalismo", conta Melo.

Seus temas preferidos eram os processos que respaldava como advogado do Estadão e as reportagens e entrevistas que publicava nas páginas daquele matutino."Segundo Marques de melo "ele gostava de contar aos colegas e aos alunos seus contatos com essas figuras da cena política da época. Como docente, sua característica principal era a leitura dos textos que escrevia previamente. Isso não impedia, contudo, que fizesse paradas na leitura, revelando aos alunos detalhes off the record... (9) - relata.

Em 1968 o panorama político era um pouco diferente do de 1964. Será que Galvão revelaria aos seus alunos da USP que participara ativamente do golpe militar ao qual chamava de Revolução e cujos princípios defendia com convicção?

Quem conta essa parte da história de Galvão, a do Galvão jornalista, dentro da redação do Estadão e a do Galvão homem de confiança da diretoria do Estadão é o jornalista Eduardo Martins, hoje responsável pelo Arquivo daquele jornal, autor do Manual de Estilo e Redação do mesmo.

Martins não soube precisar como ou quando teve início o relacionamento de Galvão com os militares. Mas relata que não era segredo para ninguém que o Estadão apoiara o golpe de 1964, que conspirara junto com os militares e que Flávio Galvão teria sido uma espécie de intermediário entre a direção do jornal e a chamada jovem oficialidade que existia em São Paulo liderada pelo então Coronel Rubens Restel.

Apesar dessa declarada posição em defesa da chamada "democracia" e contra o comunismo, de Flávio Galvão, Eduardo Martins conta que na redação ele nunca atuou como delator: "apesar do clima de confronto entre as pessoas que se diziam de direita, entre ela o Galvão, e as que se declaravam de esquerda", garante.

Marques de Melo reforça essa imagem quando afirma em sua entrevista que o traço mais marcante da personalidade de Galvão teria sido a da fidelidade aos amigos:

Não hesitava em defendê-los publicamente (...) e apesar de politicamente identificado com a ideologia da segurança nacional, mostrou-se solidário com os colegas e alunos perseguidos pelo governo militar. (10)

6. Flávio, o jornalista

6.1 - Captação da notícia

Uma das características que compõem o perfil do professor Flavio Galvão é a de Ter sido um defensor do jornalismo interpretativo. Em sua apostila "Captação da Notícia e acesso às fontes de informação" Galvão expõe que o jornal diário deveria tomar para si essa função para poder sair-se bem na disputa pelos mercados com o rádio e com a TV. Assim ele se expressa:

Se o jornal diário se limitar à notícia, pura e seca, não poderá concorrer com o rádio, muito menos com a televisão. Daí a necessidade do aprofundamento da notícia, da sua interpretação, o que nem o rádio, nem a televisão fazem, nem poderiam fazer me face das limitações de tempo.

Assim, na sua luta competitiva com outros meios de comunicação coletiva, os periódicos não mais ficam no campo exclusivo do jornalismo informativo e entram cada vez mais no do jornalismo interpretativo. (11)

É no texto desta apostila que vamos encontrar um professor, que é um jornalista experiente, defendendo a necessidade da formação acadêmica não apenas para o repórter de texto, mas principalmente para o repórter fotográfico. Galvão observa que no Brasil apesar de haver boas revistas ilustradas, carecíamos de bons repórteres fotográficos. Discorre sobre a sensibilidade que deve ter o verdadeiro repórter-fotográfico. Reclama do baixo nível cultural dos que atuavam como fotógrafos de jornal ou revistas - que sequer bons fotógrafos profissionais seriam - "via de regra, o mesmo fotógrafo de jornal ou revista é homem de instrução elementar, que não foi além do curso primário", afirma, e aponta outra série de deficiências que a seu ver poderiam ser minimizadas, senão resolvidas, com a formação profissional em nível superior desse cidadão.

O repórter-fotográfico é o jornalista que trabalha com a câmara, que colhe a notícia pela imagem, que é devidamente preparado e treinado em escolas de formação profissional, de nível superior. Entre nós é a exceção. Mas isso não ocorre nos países onde o jornalismo se encontra em estágio muito mais desenvolvido e adiantado. (12)

...somente poderemos esperar repórteres-fotográficos, isto é, jornalistas que trabalham com a câmara fotográfica em vez da máquina de escrever, das escolas de jornalismo que hoje começam, por todo o País, a preparar pessoal, técnica, profissional e culturalmente, para a imprensa. (13)

Como se vê, parece que Flavio Galvão foi um defensor das escolas de jornalismo, embora não tivesse, ele mesmo, formação acadêmica nessa área e fosse funcionário de confiança de uma empresa jornalística que, segundo nossas fintes, teria tomado posição contrária à criação da ECA dentro da USP.

Ainda nessa mesma Apostila Galvão aborda a questão da notícia falsa, aquele tipo de notícia que, apesar de todo o cuidado e precaução com a sua captação, são inexatas e acabam sendo publicadas.

Ele opina: "Se a principal razão da existência do jornal é a divulgação de notícias, isto deve ser entendido como divulgação de notícias verdadeiras". (14)

E apresenta os recursos para se livrar de notícias falsas: "Chamar a fonte imediata delas para perguntar onde as obtiveram, de quem e como. Depois, proceder a sondagens junto a outros jornais, para saber se também a eles chegaram tais informações. Quase sempre - registre-se - a sondagem é positiva", afirma.

Galvão deixa clara a responsabilidade do jornalista, e que ele será sempre o que sofrerá as conseqüências pela publicação de uma notícia falsa e o que deve fazer para se prevenir.

O repórter encarregado da captação da notícia deve outrossim ter sempre em vista o ditado popular que diz que a corda arrebenta sempre do lado mais fraco, é ele quem responderá, de diversas formas, pelo que resultar da publicação de uma notícia falsa, de um boato. Há pois ele de tomar todo o cuidado, agir com toda a cautela, na captação noticiosa, identificando, avaliando, selecionando as notícias com critério, de acordo com a melhor técnica jornalística, dentro dos preceitos éticos. (15)

6.2 - Direito ao silêncio

Em "O segredo profissional do jornalista", publicado pela Revista Comunicações Culturais, nº 2, o jornalista Flávio Galvão faz um ensaio sobre a Lei de Imprensa - ou Lei da Informação - promulgada pelo governo Castelo Branco (Lei 5.250 de 9/02/1967) que sofrera severas críticas e ataques, mas mereceu, por parte dele, ampla defesa, notadamente no que se refere ao art. 71, como podemos observar lendo o artigo em questão. Galvão chama a atenção para o fato de a nova lei não ser perfeita e já ter merecido suas críticas pessoais em artigos publicados pelo próprio Estadão. Pondera, entretanto, a necessidade de haver, sim, legislação que regule a conduta da imprensa sem que isso necessariamente signifique um cerceamento da liberdade.

O professor e jornalista defende a indissolubilidade da liberdade e da responsabilidade e entende que os ataques à legislação do governo ditatorial, nada mais representa do que preconceito de ordem política contra qualquer tipo de lei de imprensa, notadamente, dos setores que representavam a oposição ao governo instalado.

Na verdade, a indignação de Galvão é até justificada porque, afinal, a tal da oposição liberal pedia a revogação da lei 5250, sob a alegação de ter sido promulgada por um governo de ditadura, para que a anterior - lei 2.083 - voltasse a vigorar, sem levar em conta o que trazia de positivo para o exercício da profissão. Ora, a lei. 2083, defendida pela ala esquerda, havia sido promulgada pelo governo Getúlio Vargas, em seu período de ditadura. Getúlio Vargas foi um presidente de "regime ditatorial e fascista (...) eufemísticamente denominado 'Estado Novo' e no qual se suprimiu a liberdade de imprensa e se estabeleceu a mais férrea das censuras", (16) relata Flávio Galvão.

Para reforçar sua tese de a lei de Imprensa do presidente militar Castelo Branco ser melhor do que a de Vargas, Galvão se vale dos comentários e críticas à lei 2083 feitos por conceituados tributaristas e estudiosos como Nelson Hungria, Darcy Arruda Miranda, Afonso Arinos de Melo Franco e outros "luminares da cultura jurídica nacional".

Na verdade, o assunto principal de que trata o artigo de Flavio Galvão refere-se à questão do segredo jornalístico, ou seja, à obrigatoriedade ou não de o jornalista, no exercício de sua profissão, revelar suas fontes e o direito de se negar a depor em juízo, e o que a nova legislação definia sobre isso. O diz-que-diz das alas políticas oposicionistas funcionou apenas como pano de fundo.

Flavio Galvão não foi direto ao assunto e, de certa forma, usou o artigo para expressar sua opinião acerca dos ataques que a legislação sofria, mostrando seu posicionamento e buscando apoio na própria oposição para neutralizar os ataques.

Ao que tudo indica, Flavio Galvão via com bons olhos o que a nova legislação dispunha sobre a questão do segredo jornalístico. E não era sem razão pois o artigo 71 da referida lei dizia que nenhum jornalista poderia ser obrigado a dar o nome de suas fontes, não podendo o seu silêncio sofrer qualquer tipo de penalidade.

Galvão comemora: "Aí está, plena e legalmente, consagrado e assegurado o direito de o jornalista proteger as suas fontes, isto é, o seu segredo profissional'. E mais: "...queremos salientar que o art. 71 da lei da Informação é dispositivo que merece os maiores aplausos e que representa notável avanço técnico em relação às leis anteriores, assegurando a proteção das fontes pelo direito ao segredo profissional, a Lei nº 5.250 consolidou a liberdade de imprensa, entre nós, em um de seus aspectos básicos".

Interessante observar que Flavio Galvão reclama o fato de a maioria dos jornalistas desconhecer a importância desse dispositivo legal e mais interessante ainda é que ele imputa a ignorância "à falta de formação universitária, cultural e profissional, deficiência que se procura sanar com os cursos e escolas de jornalismo em nível superior". Por mais de uma vez vemos o experiente jornalista profissional sair em defesa da formação acadêmica do jornalista.

Lembra episódios em que jornalistas foram, em 1968, "convidados' e mesmo conduzidos forçosamente a ir em quartéis generais das forças armadas ou mesmo repartições policiais para 'prestarem esclarecimentos" sobre suas fontes de informações, sem o devido respaldo legal, mostrando-se totalmente contrário a essa arbitrariedade uma vez que se coloca claramente um defensor da lei e do seu cumprimento, principalmente, de uma lei que garante o pleno exercício de sua profissão.

6.3 - Da "caixinha" ao Manual

O texto "O Manual d'O Estado de S.Paulo" traz a transcrição, como o título sugere, do manual de normas de redação do jornal que Flavio Galvão trabalhava, adotado, segundo suas informações, em julho de 1971.

Nele, Galvão comenta sobre a necessidade de os jornais adotarem regras internas de conduta e estilo e apresenta conceitos e casos de jornais do exterior e também algumas tentativas brasileiras, como é o caso do Diário Carioca, em 1928, citado como "jornal que se caracterizou pela coragem e pela independência, enquanto circulou". (17)

Vamos aqui reproduzir o trecho em que Flávio Galvão relata o breve histórico das tentativas de padronização de redação do Estadão, por entendermos ser bem interessante, pois o jornalista trata o tema de forma bem clara e didática, aliás, uma das características marcantes do seu texto.

Até a adoção de seu novo manual de redação, o Estado vinha seguindo determinadas regras, transmitidas pela tradição oral. Tais regras, até cerca de 20 anos atrás, constavam de um fichário e tinham sido fixadas, ao que se diz, com a aprovação de Julio de Mesquita Filho, pelo escritor e jornalista Leo Vaz, que foi redator-chefe do jornal e ainda hoje integra sua diretoria. Nas mesas de todos os secretários e subsecretários de redação do estado havia uma pequena caixa de madeira em que se colecionavam tais fichas, devendo aqueles velar estritamente pela observância das regras. Daí que o manual de redação do Estado era praticamente, a "caixinha", como nós a chamávamos; qualquer dúvida que surgisse entre repórteres, noticiaristas, redatores, a primeira consulta, deveria ser feita à famosa "caixinha".

"Todavia, a 'caixinha' acabou sendo recolhida, para revisão e expurgo das fichas e elaboração de novas, mais de acordo com o progresso e as transformações da técnica e da linguagem jornalísticas. Não se elaboraram, porém, as novas regras e as antigas continuaram sendo parcialmente observadas, até a adoção do novo manual, em uso e vigor." (18)

O manual apresentado por Flávio Galvão na revista Comunicações e Artes nem de longe se assemelha ao atual Manual de Redação e Estilo, adotado pelo jornal Estadão, organizado e editado pelo jornalista Eduardo Martins - profundo conhecedor do nosso idioma e do próprio jornal já que lá está há quase 50 anos - publicado pela primeira vez em 1990, mas resultado de estudos e pesquisas que se iniciaram em 1987. Anualmente é revisado e uma nova edição publicada.

6.4 - Primeiro a Lei

Reforçando sua imagem de paladino da liberdade de imprensa, Flávio Galvão publica o artigo intitulado "Sesquicentenário da liberdade de imprensa" em que relata sobre a instituição da mesma pelo então regente imperador do Brasil, D. Pedro, que, por decreto, proibia a revisão prévia de provas impressas, herança legal deixada por seu pai, D. João VI, antes de deixar o Brasil e voltar para Portugal. Com isso, D. Pedro "liberou totalmente a imprensa", (19) afirma Flavio Galvão.

"Conceito de pornografia e obscenidade" é o título do artigo que Flávio Galvão escreveu e encontramos publicado na edição número 6 da Revista Comunicações e Artes, da ECA, de 1971. Trata-se de um ensaio sobre o caso da edição nº 10 da revista Realidade que teve seus quase 475 mil exemplares apreendidos em São Paulo e, depois, no Rio de Janeiro, por ordem de juizes de menores que a consideraram "obscena" e "ofensiva à dignidade da mulher".

A revista trazia como tema principal "A mulher Brasileira" e continha belíssimas e bem cuidadas reportagens sobre a fisiologia do corpo feminino, a maternidade e diversas outras histórias e perfis femininos com mulheres de diferentes idades, profissões, condições sociais e localidades do Brasil.

Flavio Galvão transcreve o que o diretor da Realidade, Roberto Civita, escreveu apresentando a edição e o que Civita escrevera, posteriormente, na edição de nº 11, ao relatar aos seus leitores o episódio da apreensão.

Em seguida, Flavio Galvão conta que a Editora Abril recorreu à justiça contra a decisão dos juízes e transcreve (e descreve), a partir de uma seleção de ementas de acórdãos e transcrição literal de votos dos ministros do Supremo, que, sinceramente, tornam a leitura um tanto quanto maçante por ser excessivamente técnica do ponto de vista jurídico. Muito interessante por seu valor histórico, sem dúvida, muito interessante para outros advogados que militam na área da imprensa, mas não tenho muita certeza se aos alunos de jornalismo, na época, tanta informação de ordem jurídica despertavam o prazer e a curiosidade da leitura e do estudo.

É nesta mesma edição da revista Comunicações e Artes e, pertinente ao assunto, que Galvão publica outra extensa documentação de ordem jurídica, só que, curiosamente, desta vez, ele inicia a explicação com um entusiasmado texto. O caso havia ocorrido nos Estados Unidos e era, de fato de suma importância.

Sob o título "Censura prévia; decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos" Galvão relata - e neste caso faz uma interessante preleção antecedendo os documentos que instiga e incentiva o leitor a percorrer os olhos pelos próximos textos, apesar de técnicos - que o ano de 1971 ficaria na história do jornalismo em razão de uma decisão da Suprema Corte dos estados Unidos, no caso da publicação, pelos jornais "The New York Times" e "Washington Post", de documentos secretos do Pentágono sobre o envolvimento daquele país no Vietnã.

Percebe-se um entusiasmado Flavio Galvão com a vitória da "liberdade da imprensa" no país descrito por ele como uma efetiva democracia "em que se respeitam as liberdades fundamentais". (20)

6.5 - O ovo da serpente?

Lendo alguns textos do professor Flavio Galvão publicados pelo Estadão, tem-se a impressão de estarmos acompanhando uma novela ou filme, cujo desfecho já nos é conhecido. Por isso, no subtítulo me reportei ao grandioso filme do diretor sueco Ingmar Bergman, produzido em 1979, "O ovo da serpente", em que ele relata experiências "científicas" realizadas pelos oficiais alemães utilizando cobaias humanas em pequenos vilarejos na década de 20, antecipando os horrores que os judeus viveram anos mais tarde.

Lendo os textos de Galvão do ano de 1968 tem-se igualmente essa sensação: de que o terreno estava sendo preparado para um endurecimento muito maior. De que o pior estava ainda por vir. O general Costa e Silva deixara bem claro em seus discursos e o Estadão publicou, na íntegra, que coisa pior estava por vir. Se Costa e Silva era, na ocasião, considerado linha dura, nada se comparou a seu sucessor, o general gaúcho Garrastazu Médici. Mas isso é matéria para outras linhas de pesquisa.

O que gostaríamos de passar é que é possível antever, com a ajuda dos textos de Galvão, o que ainda estava por acontecer.... Ele parecia seguro e alinhado com o posicionamento oficial do jornal que era o mesmo do governo federal.

Um bom exemplo de como as ligações entre ele e o poder instalado eram estreitas e íntimas é o que foi publicado no jornal O Estado de S.Paulo na página 4 da edição de 3 de outubro de 1968, portanto há apenas dois meses da instalação do estado de exceção.

Galvão assina matéria intitulada "Discurso de hoje vai ser mais duro" em que antecipa a fala do então presidente Costa e Silva durante jantar em São Paulo, oferecido por políticos da ARENA (Aliança Renovadora Nacional), partido que apoiava a situação. Ele também antecipa o discurso do governador do Estado, Abreu Sodré, proferido durante o mesmo evento. Quando vamos verificar o texto do dia seguinte, 4 de outubro, temos a nítida impressão de que Flavio Galvão tivera acesso a ambos os discursos no dia anterior, pois as informações antecipadas batiam com as publicadas posteriormente.

Um fato curioso é a maneira, como Galvão dá forma ao seu texto. Ele se coloca no papel de observador, mas do lado de dentro, e relata os fatos sob o ponto de vista de quem está como que avisando, alertando. Em certas ocasiões, tem-se a impressão inclusive de que ele está mandando recados a pessoas específicas.

Essa impressão fica forte, por exemplo, num texto publicado no dia 27 de janeiro de 1968, sob o título "Situação no Sul é de perfeita calma". Galvão fora enviado como correspondente especial a Porto Alegre, para checar possível estado de alerta em que se encontraria o III Exército do Estado gaúcho, por conta de uma possível revolta daqueles militares contra o governo revolucionário instalado.
O texto, longo, de quase meia página, trazia vários intertítulos e o último deles era "Lacerda". Dizia o parágrafo:

Registre-se, finalmente, neste apanhado geral, que, se no quadro político nacional o sr. Carlos Lacerda está pretendendo irritar os militares e perder os amigos que ainda por ventura tenha nessa área, está conseguindo plenamente o seu intento, em lograr estabelecer qualquer fissura nas Forças armadas. (21)

Seria do mesmo Carlos Lacerda a que Flavio Galvão se referiu em sua apostila "Captação...." escrita no mesmo ano, como sendo o "maior jornalista de nossos dias"?

6.6 - Em defesa da FAB

Na edição do dia 5 de outubro de 1968 Flavio Galvão assina coluna escrevendo como enviado especial, desta vez a Brasília, "Cassados tentam criar uma crise". Vai direto ao assunto e já no primeiro parágrafo desmente qualquer crise que pudesse estar havendo dentro da Força Aérea Brasileira.

Não há crise na Força Aérea Brasileira, ao contrário do que foi divulgado e, sim, uma manobra manipulada e orientada de fora, por elementos cassados pela Revolução, e que vira, imediatamente, a criação de um caso que provoque o afastamento do brigadeiro João Paulo Burnier, do posto vital que ora ocupa, e a queda, num segundo estágio, do próprio ministro Márcio de Souza e Melo, chefe da corrente revolucionária da Aeronáutica e homem entrosado no esquema do presidente da República. (22)

O texto explica na verdade em detalhes, todo o famoso caso PARASAR - unidade da FAB criada para ações humanitárias, de salvamento e que teria sido usada como tropa de choque em missão militar contra o movimento estudantil no Rio de janeiro, contrariando, dessa forma, seus princípios humanísticos originais, o que teria sido denunciado pela oposição - . Galvão relata como teria se iniciado a tal campanha de difamação do brigadeiro, os desdobramentos etc., mas no último parágrafo, novamente o recado foi dado:

Os militares identificados com o 31 de março fazem questão de proclamar que não se deixam dividir pelos inimigos da revolução e que se mantém alertas contra a ação destes. E ao mesmo tempo recordam as incisivas advertências que o chefe da nação fez, nesta Capital, quarta e quinta feira últimas, a respeito de corruptos e subversivos. (23)

6.7 - Toque de recolher

Na edição do dia 27 de outubro de 1968 encontramos o seguinte artigo: "Estado de Sítio". Nele, de certa forma, Galvão antecipa rumores de desejos do Governo Federal em lançar mão do expediente que dá nome à sua matéria, com o objetivo de conter a situação de desordem social em que se encontrava o país. Por desordem social entendia-se desde as manifestações estudantis contra o governo estabelecido à força e de forma pouco democrática - embora autoproclamado a favor da democracia - até assaltos a bancos e atos de vandalismo atribuídos a "terroristas" integrantes de grupos extremistas de esquerda.

Galvão dava praticamente como certo, que alguma medida restritiva o governo tomaria mais cedo ou mais tarde, porém, explica didaticamente, que se trata de um recurso legal para manter a ordem, previsto na Constituição desde que observadas as "prescrições legais" relativas a ele e que isso não ocorrendo, o cidadão que houver sofrido algum tipo de prejuízo em função disso poderia recorrer à justiça para ver ressarcidos seus direitos.

Flávio Galvão acreditava sinceramente no Direito e na Justiça.

6.8 - Desfecho anunciado

"Não mereceram fé os avisos de Marighella" é outro interessante e extenso artigo que ocupou meia página da edição de Domingo, dia 24 de novembro de 1968, assinado por Flávio Galvão, sempre à página 4.
Desta vez ele mostra-se especialmente indignado com a atuação dita subversiva de Carlos Marighella, ex-deputado federal baiano pelo PCB (Partido Comunista Brasileiro) e dirigente do partido, na época clandestino, que estaria à frente de um grupo terrorista que assaltava bancos e matava com o objetivo de recolher fundos para a instalação do comunismo no poder.

Galvão é implacável com o Marighella: compara-o a Hitler que também proclamou aos quatro ventos todos os seus planos de domínio e extermínio, sem que ninguém o levasse a sério e acabou dando no que deu.

Escreve Galvão:

...há mais de ano que as autoridades tinham elementos para prever o que faria Marighella, já que este anunciou, pratica e publicamente, o que tencionava fazer. Mas ninguém acreditou nele. Ninguém cuidou de vigiá-lo, de segui-lo, de descobrir suas ligações. Ninguém levou em conta as suas atividades passadas, que indicavam que se trata de elemento perigoso e experimentado na subversão. (24)

Em seguida se dedica a apresentar toda a trajetória política de Marighella - um rico material - e sua história até aquela data, em detalhes.
Depois, clama, indignado, que as autoridades tomem alguma providência. Questiona, irado, o motivo de nata ter sido feito até aquela data. Vale a pena conferir o trecho em questão:

...há mais de ano, vem Carlos Marighella anunciando publicamente que os comunistas se preparam para derrocar pela violência o regime democrático, que se estão armando para desencadear as guerrilhas, que tencionam liquidar as Forças Armadas Brasileiras.

"No entanto, nada lhe acontece. Sai e entra ele do País com a maior facilidade. Vai a Cuba, volta de Cuba, retorna a Cuba, regressa ao Brasil. Nada lhe acontece, ninguém o fiscaliza, ninguém o detém (...) ninguém parece acreditar - ou não quer acreditar, por motivos diversos, inclusive os inconfessáveis - que os comunistas preparam a subversão no País, pela violência, pelo terror. E quem tem a coragem de dizer isso é logo acoimado de 'fascista' pela tremenda máquina de propaganda de que dispõe a esquerda totalitária. (25)

Estaria ele "passando um pito" nas autoridades? Mandando um recado a Marighella? Esclarecendo a opinião pública? A indignação era sua, pessoal, ou a indignação era da diretoria do jornal que representava e de tudo o que o jornal representava em termos de oligarquia? Ou tudo, ao mesmo tempo? Ou Galvão era apenas um ótimo profissional que cumpria ordens e ponto final?

6.9 - A lei? Ora, a lei

Finalmente, encerrando a coletânea de textos que conseguimos pesquisar nesse estágio, verificamos que no dia 3 de dezembro de 1968, portanto a 10 dias da decretação do histórico AI-5, o jornal O Estado de S.Paulo publica o artigo "Segredo jornalístico" que já tivemos oportunidade de comentar, publicado na Revista Comunicações Culturais (nº 2), da ECA sob o título "O segredo profissional do jornalista".

Na Revista, tratava-de se artigo acadêmico. No diário paulistano Galvão deu forma jornalística àquele conteúdo e acrescentou um final em que passa a impressão de estar seriamente preocupado com alguns abusos que estariam sendo cometidos, por parte das autoridades policiais e militares, que não estariam respeitando os ditames da lei de Imprensa - ou Lei da Informação - objeto do artigo:

No entanto, em que pese a clareza do art. 71 da Lei de Imprensa, que não admite sofismas, nem interpretações, há autoridades no Brasil que ostensivamente ignoram o dispositivo legal. E, assim, vivem a coagir jornalistas profissionais, procurando intimidá-los para que revelem como, onde e de quem obtêm as informações que divulgam. (...) Este ano, verificaram-se, repetidamente, casos em que autoridades militares e policiais tentara, entimidar (sic) jornalistas, para descobrir suas fontes de informação, o que, repetimos - além de constituir violação de lei e de configurar crime - acarreta desmoralização para o governo de que tais autoridades fazem parte ou representam.

Flavio Galvão demonstra, com esse texto, mais uma vez, uma crença quase cega nos recursos legais disponíveis. Acredita piamente que basta que a lei seja cumprida para eu toda a sociedade viva em paz e que, em ela não sendo cumprida, basta que a sociedade utilize os recursos judiciais à sua disposição para que a ordem se restabeleça.

Tão simples assim? Flavio Galvão parece pensar que sim já que recomenda, no último parágrafo do texto, que o Governo obrigue seus representantes policiais e militares a se inteirarem do conteúdo do artigo 71 da lei de Imprensa e passem, assim, a respeitá-lo e recomenda aos sindicatos de jornalistas que não hesitem em tomar as medidas judiciais cabíveis nos casos em que o citado dispositivo legal for violado.

7. Considerações finais

O legado de Flávio Galvão é extenso e rico. Muitas lacunas ainda podem ser preenchidas com entrevistas de ex-alunos, colegas de profissão contemporâneos que conviveram com ele e que ainda se encontram na ativa, tanto no jornalismo quanto na academia, mesmo em outras faculdades, como a Mackenzie que se tem notícia de que ele ministrou aulas naquela instituição. Talvez encontremos material de pesquisa interessante que nos revele mais alguns dados sobre o perfil do jornalista enquanto professor, porque de Flávio Galvão enquanto jornalista me parece razoavelmente delineado.

Está clara a contribuição do jornalista para a ECA. Lamentável, porém, que a própria academia o tenha afastado ao fazer exigências burocráticas as quais ele, ao que tudo indica, preferiu não ceder.

8. Notas

(1) Texto sem assinatura - O Estado de S.Paulo - 20 de fevereiro de 1994 - Pasta 7161 - Arquivo - Agência Estado.

(2)Flávio GALVÃO - Captação da notícia e acesso às fontes de informação - p. 9.

(3) Texto sem assinatura - O Estado de S. Paulo - "Jornal perde Galvão, colaborador por 40 anos"- Memória - 20 de fevereiro de 1994, Pasta 7161 - Arquivo - Agência Estado.

(4) José Marques de MELO - e-mail enviado dia 15/11/2003.

(5) Ibid.

(6) Flávio GALVÃO - Captação...Op. Cit.

(7) Flávio GALVÃO - Explicação. Revista da Escola de Comunicações e Artes. São Paulo, 1 (1): 11

(8) Mensagem original do Prof. Marques de Melo.

(9) Mensagem original do Prof. Marques de Melo.

(10) Mensagem original do Prof. Marques de Melo.

(11) Flávio GALVÃO - Captação da Notícia e acesso às fontes de informação - p.4.

(12) Ibid., p.5.

(13) Ibid. p.6.

(14) Ibid. p.11.

(15) Ibid. p.14.

(16) Ibid.

(17) Flávio GALVÃO - O Manual d'O Estado de S.Paulo - Revista Comunicações e artes - 4/71 - p. 147.

(18) Ibid. p. 150.

(19) Flávio GALVÃO - Sesquicentenário da liberdade de imprensa - Revista Comunicações e Artes - 5/71 - p. 13.

(20) Flávio GALVÃO - Censura prévia: decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos - Revista Comunicações e Artes - nº 6, p. 175.

(21) Flávio GALVÃO - Situação no Sul é de perfeita calma - O Estado de S. Paulo - 27/01/68 - p.4.

(22) Flávio GALVÃO - Cassados tentam criar uma crise - O Estado de S.Paulo - 5/10/69 - p. 4.

(23) Ibid.

(24) Flávio GALVÃO - Não mereceram fé os avisos de Marighella - O Estado de S. Paulo - 24/11/68 - p. 4

(25) Ibid.

(26) Flávio GALVÃO - Segredo Jornalístico - O Estado de S.Paulo - 3/12/68 - p. 4.

9. Referências Bibliográficas

1 - Relatório de Atividades do Departamento de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes/USP - 1968 a 1972.

2 - Boletim do Departamento de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes - 1968.

3 - GALVÃO, Flávio. Captação da Notícia e acesso às fontes de informação. São Paulo, 1968.

4 - GALVÃO, Flávio. O Segredo profissional do jornalista. Revista da Escola de Comunicações Culturais, São Paulo, s/d, s/p.

5 - GALVÃO, Flávio. Explicação. Comunicações e Artes. São Paulo, nº 1, 1970, s/p.

6 - GALVÃO, Flávio. Assalto à Imprensa no Estado Novo (2). Comunicações e Artes, São Paulo, nº 3, s/d, p.83.

7 - GALVÃO, Flávio. O Manual d'O Estado de S.Paulo. Comunicações e Artes, São Paulo, nº 4, 1971, p.147.

8 - GALVÃO, Flávio. Sesquicentenário da liberdade de imprensa. Comunicações e Artes, São Paulo, nº 5, s/d, p.13.

9 - GALVÃO, Flavio. Conceito de pornografia e obscenidade. Comunicações e Artes, São Paulo, nº 6, 1971, p. 153.

10 - GALVÃO, Flavio. Censura prévia: decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos. Comunicações e Artes, São Paulo, nº 6, 1971, p.175.

11 - GALVÃO, Flávio. Situação no Sul é de perfeita calma. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 27/01/1968, p.4

12 - GALVÃO, Flávio. A Comunicação no Brasil. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 1º/06/1968, Suplemento Literário.

13 - GALVÃO, Flávio. A fotografia como informação. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 28/09/1968, Suplemento Literário.

14 - GALVÃO, Flávio. Discurso de hoje vai ser mais duro. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 3/10/1968, p. 4.

15 - GALVÃO, Flávio. No fim de tudo, nada de positivo. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 4/10/1968, p. 4.

16 - GALVÃO, Flávio. Cassados tentam criar uma crise. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 5/10/1968, p.4.

17 - GALVÃO, Flávio. Estado de Sítio. O Estado de S.Paulo, 27/10/1968, p.4.

18 - GALVÃO, Flávio. Não mereceram fé os avisos de Marighella. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 24/11/1968, p.4.

19 - GALVÃO, Flávio. Segredo jornalístico. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 3/12/1968, p.4.

20 - GALVÃO, Flávio. General e paulista. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 8/12/1968, p.4.

21 - Dr. Flavio de Almeida Prado. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 20/02/1994, Pasta 7161. Arquivo. Agência Estado.

22 - Jornalista vai receber OMA. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 15/10/1968, pasta 7161.Arquivo. Agência Estado.

23 - Jornal perde Galvão, colaborador por 40 anos. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 20/02/1994, Pasta 7161, Arquivo. Agência Estado.

24 - Criação do Museu Histórico do Embu. Folha de Embu, Embu, 20/03/1965. Pasta 7161. Arquivo. Agência Estado.

25 - Flavio Galvão, o lutador da liberdade. Jornal da Tarde, São Paulo, 22/02/1994, Pasta 7161. Arquivo. Agência Estado.

Voltar

 

 

www.eca.usp.br/prof/josemarques