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Ensaios



Contribuições de Gileno Marcelino
para a comunicação governamental

Por Maria do Socorro F. Veloso

Introdução

Este ensaio tem por objetivo destacar as contribuições do pensador uspiano Gileno Fernandes Marcelino aos estudos contemporâneos de comunicação pública, no Brasil. O professor doutor Gileno Marcelino nasceu em Mossoró (RN), em 15 de novembro de 1938. Graduado em Direito no início da década de 60, cultivou, a partir daí, uma longa carreira acadêmica e profissional voltada principalmente para a administração pública.

Gileno Marcelino desenvolveu boa parte de suas atividades em ensino e pesquisa na Universidade de São Paulo, onde esteve entre os anos de 1970 e 1985 como professor adjunto da Escola de Comunicações e Artes (ECA) e Faculdade de Economia e Administração (FEA). Nesse período também exerceu funções administrativas. Antes de sua passagem pela USP foi funcionário do governo do Rio Grande do Norte, professor da Universidade Federal de Pernambuco e vice-diretor da Editora Abril, em São Paulo, entre outras atividades.

Na Universidade de São Paulo, Gileno Marcelino concluiu mestrado e doutorado na década de 70, com pesquisas voltadas para a modernização administrativa da educação e para os sistemas estaduais de ciência e tecnologia, respectivamente. Ambas foram apresentadas à FEA.

No campo da comunicação, a mais importante contribuição do professor Gileno Marcelino é resultado da tese de livre docência apresentada em 1988 à Escola de Comunicações e Artes. Intitulada "A reforma administrativa e sua comunicação: A prática do governo e a versão da imprensa", a tese parte do Programa de Reforma Administrativa do Governo Federal e sua comunicação em seis jornais, para desenvolver uma aprofundada análise que vai da evolução do Estado brasileiro até a recomendação de uma nova proposta de reforma, com diretrizes estratégicas que permitissem sua implementação.

Essas diretrizes foram estabelecidas a partir da análise da comunicação governamental naquele período histórico, cujas falhas e defeitos - muitas delas de natureza organizacional -, impediram a formação de uma boa imagem do governo diante da sociedade.

Os resultados da tese apresentada pelo professor Gileno Marcelino à ECA serão objeto da presente análise.

1. Reforma administrativa e imagem do governo na sociedade

A precariedade das estratégias de comunicação é uma característica da administração pública no Brasil, desde o período colonial. Como lembra TORQUATO (2002: 111), a comunicação é um sistema-meio, que necessita ajustar-se aos parâmetros do sistema-fim: "Portanto, quando se coloca o planejamento da comunicação para o sistema público, deve-se considerar a grave realidade de um Estado que deixou de ser capaz de planejar (...) e executar consistentemente qualquer política".

Em um sistema identificado como parasitário, freqüentemente corrupto e incompetente, e cuja governabilidade está sempre a depender do bom relacionamento entre os poderes, a comunicação pública é diretamente afetada pela instabilidade dessa estrutura.

Foi com o desafio de apresentar alternativas concretas a este cenário que o professor Gileno Marcelino produziu sua tese de livre docência sobre os aspectos comunicacionais da reforma administrativa no governo, no período de 1985 a 1987, quando o país era presidido por José Sarney. (1)

Considerada um conceito típico dos países em desenvolvimento, onde costuma ocorrer uma profunda defasagem entre os objetivos do governo e o instrumental necessário à sua execução, a reforma/modernização administrativa teve início, no Brasil, na década de 30. Este ciclo prosseguiu nas décadas de40, 50, 60 e 80, sempre com o objetivo de adaptar e atualizar as organizações governamentais do ponto de vista comportamental, estrutural e institucional. (MARCELINO, 1988: 14-16)

Para examinar o Programa de Reforma Administrativa Federal vigente nos anos 80, durante o governo Sarney, Marcelino sistematizou sua pesquisa em torno de cinco eixos principais (1988: III):

Uma análise histórica da evolução do Estado brasileiro que influenciou diretamente o processo de reforma no Brasil;

Uma análise da comunicação governamental, com falhas e defeitos até mesmo de natureza organizacional, e que segundo Marcelino impediram a formação de uma boa imagem do governo perante a população;

Uma avaliação do processo de reforma realizada em três momentos decisivos, na qual foram utilizados seis veículos de imprensa previamente selecionados;

A recomendação de uma nova proposta de reforma do Estado a partir dos resultados e conclusões da pesquisa;

Apresentação de diretrizes estratégicas para implementação e viabilização de nova proposta de reforma do Estado, ampliando o conceito de reforma administrativa até então aplicado.

O projeto de pesquisa de Gileno Marcelino buscou, inicialmente, identificar e avaliar os principais aspectos que poderiam facilitar ou dificultar a concretização da Reforma Administrativa Federal. Para isso, tomou por base sua projeção e divulgação na imprensa, a partir de veículos formadores de opinião pública e situados no centro de decisão (Brasília) e nos dois maiores centros de repercussão nacional (São Paulo e Rio de Janeiro). O pesquisador trabalhou com o Correio Braziliense, Jornal de Brasília, Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil e O Globo, acompanhando a divulgação da reforma nesses jornais em dois períodos: setembro a novembro de 1986 e outubro de 1987. Utilizou-se, nessa tarefa, de métodos quantitativos e qualitativos.

O resultado da análise, presente no capítulo IV da tese de livre docência de Marcelino, bem como o amplo debate que o pesquisador propõe no capítulo III, sobre a imagem do governo na sociedade, são os temas que mais interessam a este ensaio.

Como processo e técnica, observa Marcelino, a comunicação permite ao Estado cumprir suas finalidades com mais eficiência: "Tal função se consolida pela aproximação entre governantes e governados, num processo de mutualidade. Em um sistema democrático, a comunicação abrange todas as possibilidades de intercâmbio entre Governo e a sociedade, num fluxo livre, aberto e constante de idéias". (1988: 94)

Por comunicação governamental entende-se as formas de comunicação social sistematizadas no jornalismo, publicidade e propaganda, relações públicas, editoração, cinema, rádio, televisão, "cada uma com linguagem própria e produtos diferenciados, mas todas objetivando informar à sociedade sobre as ações e comportamento do Governo e recolher do meio social os anseios, necessidades, críticas e satisfações". (MARCELINO, 1988: 94)

Para o autor, um plano de comunicação governamental deve ter por objetivo inicial a tarefa de atribuir identidade ao Governo, conferindo-lhe uma marca capaz de exprimir contornos das ações públicas.

Para entender a divulgação na imprensa da reforma administrativa feita pelo governo Sarney, Marcelino analisou, inicialmente, os acontecimentos anteriores e posteriores ao Plano Cruzado, lançado em fevereiro de 1986 e considerado marco decisivo no processo de comunicação governamental. Um aspecto a destacar é que o professor Gileno vivenciou de perto aquele período histórico na condição de integrante do governo federal. Entre 1985 e 1989 ele foi secretário geral do DASP - Departamento Administrativo do Serviço Público, que depois foi substituído pelo Ministério da Administração.

O período que antecedeu o Plano Cruzado foi marcado por desajustes ocorridos em função de contingências históricas na passagem entre dois pólos de poder, agravadas pelas circunstâncias trágicas da morte de Tancredo Neves. Não havia espaço para um planejamento integrado da ação governamental. O momento atravessado pela Nação aconselhava a procura de um equilíbrio entre três fluxos de comunicação, aponta Marcelino:

Fluxo descendente: Do Governo para a sociedade, com o estabelecimento de tipos de mensagens, tipos de canais para veiculação de mensagens, formas de apresentação, momentos de exposição, formas de expressão, escolha dos públicos e segmentos;
Fluxo ascendente: Da Sociedade para o Governo, com a criação de canais e formas de acesso de segmentos sociais, que reivindicavam se fazer ouvir pelos governantes;

Fluxo horizontal: Entre os membros do Governo, entre Ministros, assessores, porta-vozes.Tratava-se de ajustar as linguagens no seio do próprio Governo, antes de passá-las para o meio social .O fluxo horizontal é um fluxo de coordenação e, de seu ajuste, dependeria a harmonia do discurso governamental. (1988: 96-97)

Atendendo a solicitação da Secretaria de Imprensa e Divulgação da Presidência da República, Gileno Marcelino coordenou em setembro de 1985 um seminário de planejamento e integração para toda a área de comunicação social do governo.

O seminário reuniu coordenadores de área dos ministérios e seus assessores, que discutiram os problemas e a gestão do processo de comunicação governamental. O debate resultou na definição de objetivos e estratégias para um plano de comunicação do governo a partir de documento elaborado pelo professor Gaudêncio Torquato, então secretário executivo da Comissão de Comunicação Social criada para assessorar o governo nesta área.

O Plano de Comunicação Governamental reuniu um conjunto de objetivos a curto, médio e longo prazo, entre eles: dar ao governo uma identidade que personificasse, perante a sociedade, seu estilo e comportamento; assegurar ao governo as condições para o bom desempenho de suas atividades, por meio de instrumentos capazes de estabelecer um bom fluxo de relações entre governantes e governados; projetar o conceito do País no cenário internacional, estabelecendo um sólido suporte para o êxito na área das negociações econômicas, em condições que satisfizessem plenamente o governo e a sociedade; auscultar, de maneira sistemática, os anseios sociais, procurando transferir os resultados de tais sondagens aos setores e programas que se identificassem com os interesses do bem estar geral.

A implementação deste plano pressupunha a adoção de um conjunto de medidas estratégicas e táticas, envolvendo ações de quatro tipos: na comunicação social - com o uso das mídias; na preparação e aperfeiçoamento do discurso; no ajuste da equipe governamental; nas ações de natureza administrativa para a comunicação.

A combinação de tais ações resultava no seguinte roteiro de estratégias para a comunicação do governo:

Usar de maneira eficiente e adequada a mídia eletrônica - -As redes de TV e rádio, privada e estatal, constituíam o principal eixo da cadeia de comunicação nacional. Usar adequadamente a rede privada, nos espaços gratuitos, sem a marca da propaganda tonitruante, mas pela informação substantiva, clara, necessária para esclarecimento da população. (...)

Enfatizar a comunicação participativa - A conjuntura favorecia a participação popular na obra governamental. Interessava ao Governo obter amplo apoio da sociedade. (...)

Escolher a classe média como centro de irradiação de opinião - A classe média representa a vanguarda social já que dela saem os principais bolsões e segmentos que empurram a sociedade para diante. Tê-la como alvo principal da comunicação era uma estratégia oportuna, na medida em que ela irradiaria, concentricamente, sua opinião. O discurso governamental, por outro lado, encontra grandes barreiras em estratos mais baixos, por dificuldade de acesso à mídia e questões de compreensão. (...)

Ampliar, consideravelmente o circuito das relações institucionais, inclusive o Congresso - As atividades de comunicação envolveriam as relações com o universo institucional. A conjuntura legitimava e fortalecia o espectro de instituições que procuravam representar os interesses dos grupos. Ações conjuntas de comunicação social, de relações públicas e relações institucionais seriam promovidas no sentido de atrair os segmentos representados. (...)

Planejar, de maneira mais organizada, o lançamento dos programas governamentais - (...) Preparar um lançamento eficiente, reunindo as forças e agentes envolvidos no processo era um novo desafio para a Subchefia para Assuntos de Comunicação. (...)

Verticalizar a comunicação - Com o objetivo de evitar que uma ação, um programa, um projeto não morresse antes de seu tempo de maturidade e vida útil, seria necessário arregimentar um instrumento para verticalizar sua comunicação. Isso significava previsão para informações de impacto, continuidade dos projetos, articulação com meios informais de comunicação - debates, reuniões, seminários. (...)

Preparar um programa-símbolo de identidade visual - O Governo do Presidente Jose Sarney precisaria ter uma "cara", uma fisionomia própria. Esse desenho, com uma sintaxe visual que reuniria elementos definidos da marca do Governo - cores, traços particulares, variantes de uso de cores, caracteres tipográficos, enfim uma padronização da massa impressa, a fim de se evitar fragmentação. (...)

Clarificar o conceito de porta-vozes - Com a finalidade de evitar mal-entendimentos, deveria ficar claro que porta-vozes do Governo eram todas as autoridades que, investidas do poder normativo, falassem dos programas governamentais. Ajustava-se, assim, a linguagem. Porta-voz do Presidente e do Governo, como um todo, era o Secretário de Imprensa e Divulgação que, na qualidade de assessor do Presidente, forneceria à mídia informações e comentários de interesse e orientação presidencial. (...)

Organizar elos entre os subsistemas de comunicação - A eficiência dos subsistemas de comunicação - Coordenadorias de Comunicação dos Ministérios - estaria na dependência da efetiva integração intersetores e entre os setores e a Secretaria de Imprensa e Divulgação. O nível de integração deveria caminhar até as estruturas de comunicação estaduais. (...)

Promover a descentralização da execução - Centralização das estratégias e políticas de descentralização da execução e das ações - eis uma alternativa adequada para os novos tempos. A partir de uma orientação geral, as Coordenadorias de Comunicação deveriam ter liberdade de estabelecer sua programação. A descentralização implicava também no estabelecimento dos núcleos de São Paulo e Rio de Janeiro. (...)

Manter eficiente estrutura de controle da comunicação - Mapear todas as possibilidades da comunicação governamental, em termos de massa, imprensa e mídia eletrônica, fazer acompanhamento da programação e tentar verificar sinergia do processo com a finalidade de ajustar linguagens. (...)

Redefinir políticas para programa de publicidade e propaganda - A redefinição das políticas para os setores de propaganda e publicidade levaria em consideração o novo quadro social. Os valores conquistados pelos cidadãos, a partir do Plano de Estabilização Econômica, aconselhavam que as políticas fossem centradas sobre princípios que [entre outros, evitassem] comunicações persuasivas, ufanistas, autoritárias, características da Velha República; usar linguagem adequada aos novos tempos. (...) (MARCELINO, 1988: 99-106)

Em 28 de fevereiro de 1986 o governo Sarney decretou o Plano de Estabilização Econômica. Reordenada, a classe média experimentava "a satisfação psicológica de recuperação do poder de compra". (MARCELINO, 1988: 110). Depois de um período de ambientação, o então presidente abandonou a postura low profile dos primeiros momentos e adotou uma presença mais efetiva junto à opinião pública:

(...) a segunda fase - de presença mais constante na mídia, de conversa ao pé do ouvido, de uso do rádio e da televisão, de comando efetivo de reuniões, de cobranças sistemáticas a ministros, de fiscalização pessoal sobre a questão do controle de preços, coisas simples, porém de muito impacto - era muito positiva e altamente perceptível, do ponto de vista da opinião pública. A segunda fase iniciava um processo de soerguimento da imagem do Presidente e a programação da comunicação poderia aumentar a confiança social sobre a missão de Sarney. (MARCELINO, 188: 120)

Os ajustes no Plano de Estabilização Econômica (Cruzado II), (2) contudo, diminuíram a confiança da população no governo, gerando desânimo e contrariedade. Os danos sobre a imagem do governo exigiam revisão das relações com a sociedade. "A premissa em que deveria se apoiar a nova comunicação do governo era a gravidade da situação econômica do País que precisava chegar (...) de maneira transparente e honesta (...), de acordo com os parâmetros do marketing institucional". (1988: 122)

O realinhamento da política de comunicação deveria contemplar o plano político, com o fortalecimento de canais que reforçassem a sustentação política do governo; o plano social, com a adoção de estratégias que visassem aproximar o governo da sociedade; e o plano econômico, com a criação de um sistema que permitisse adequar a política econômica à realidade social. (1988: 122-123)
De acordo com Gileno Marcelino, na era pós-Plano Cruzado a comunicação governamental enfrentou uma série de problemas, incluindo o desentrosamento entre os coordenadores da área, falta de padrões, linguagem divergente, desarticulação na organização dos programas e pouca transparência.

Em relação à reforma administrativa, Marcelino analisou sua divulgação nos períodos anterior e posterior ao Plano Cruzado. O programa de comunicação para a Reforma Administrativa foi elaborado pelo professor Gaudêncio Torquato e tinha como estratégias utilizar os meios de massa públicos e privados, bem como o instrumental de comunicação da máquina governamental, para atingir todos os universos de interesse.

Entre as táticas propostas por Torquato estava a adoção da teoria dos círculos concêntricos, pela qual a aceitação e compra da idéia se dá gradativamente, pela conquista de espaços e públicos. Também previa o envolvimento de servidores públicos, a ênfase sobre pontos consensuais e o esforço para despertar o interesse dos veículos de comunicação pelo tema.

Para "criar um clima de reforma" (MARCELINO, 1988: 133), foi adotado um programa integrado de comunicação, com a produção de impressos, utilização de canais institucionais, veiculação de peças publicitárias e realização de seminários. Esse programa foi reordenado após a decretação do Plano Cruzado, com um planejamento de marketing que envolvia algumas idéias chave, entre elas a criação de uma central de dados sobre a reforma; indução de setoristas (a fim de que cobrissem rotineiramente a reforma); envolvimento de entidades ligadas ao assunto; envolvimento da sociedade; integração com ministérios e a "dramatização" dos projetos da reforma, destacando seus aspectos mais contundentes e associando-os a interesses imediatos da opinião pública.

2. A reforma e sua divulgação na imprensa

Para estudar os seis jornais anteriormente citados, Gileno Marcelino utilizou-se de análise morfológica e análise de conteúdo. Para isso desdobrou o material coletado em duas categorias: gêneros informativos (notícias, reportagens, notas, entrevistas, colunas) e gêneros opinativos (editoriais, matérias assinadas e cartas de leitores). (3) . A análise de conteúdo se baseou somente no material considerado opinativo.

Com base no levantamento, Marcelino chegou às seguintes conclusões (1988, 188-192):

Em relação aos objetivos da reforma, a pesquisa demonstrou claramente que eles não foram divulgados e, em conseqüência, não foram entendidos pela imprensa;

O mesmo ocorreu com as diretrizes da reforma;


Boa parte das diretrizes foi integral ou parcialmente cumprida, mas a imprensa as ignorou, concentrando seus comentários na extinção de órgãos e demissão de servidores;

A análise superficial da imprensa demonstra falta de credibilidade no governo. No segundo momento da reforma começa a grande descrença da imprensa, até porque as medidas foram apresentadas como contrapartida às medidas impopulares do Cruzado II;

Essa descrença se torna crítica à medida que, por culpa da comunicação do governo, confunde-se reforma administrativa com reforma ministerial;

Esses comentários levaram o pesquisador uspiano a concluir que foram poucos os pontos fortes da reforma na percepção da imprensa, e de que foram raras as sugestões da imprensa para a consolidação do processo, bem como sua continuidade.

Para Gileno Marcelino, a grande imprensa "entendeu, desde o início, o processo da reforma administrativa como um 'enxugamento' da máquina administrativa. Ou seja, na ótica da imprensa, a Reforma viria para extinguir, fundir, incorporar e especialmente privatizar atividades do governo". (1988: 191)

Diante da constatação de que a opinião da imprensa e da sociedade sobre a reforma administrativa foi parcialmente induzida pelos erros de comunicação do próprio governo e, sem dúvida, pelo desgaste dos sucessivos estudos e processos de reforma já realizados no País, sempre com resultados duvidosos, Marcelino apresentou uma nova proposta de reforma do Estado que se fundamentou em ampla democratização do processo através da participação da imprensa e sociedade, o que levaria, em sua opinião, a resultados mais duradouros e permanentes.

Essa proposta incluiu a necessidade de um discurso governamental fundamentado em valores éticos (verdade, transparência, resposta, firmeza de ações, cordialidade, honestidade, entre outros pontos); o planejamento da informação; o investimento em projetos simples que mexem com o cotidiano; ações conjugadas e paralelas entre diferentes instâncias de poder; fortalecimento da identidade do governo; e sólida articulação política, entre outros aspectos. (1988: 201-214)

3. Considerações finais

Ainda é grande o desconhecimento e até mesmo o preconceito em torno da gestão da comunicação pública no Brasil. As ações destinadas a dar voz às iniciativas governamentais são por vezes associadas a partidarismo, corporativismo, ou até mesmo a tentativas de ludibriar deliberadamente a opinião pública.

Pesquisas desenvolvidas por autores como Gileno Fernandes Marcelino são importantes porque oferecem uma visão alternativa por parte de quem vivenciou o dia a dia da comunicação pública não só como servidor federal, mas também como alguém que se propôs a entender os meandros desse processo dentro da academia.

Apesar de desenvolvidas na década de 80, as pesquisas de Marcelino guardam atualidade. O discurso transparente e sintonizado com o cidadão, no qual insiste o autor, deve pautar qualquer instância de governo (municipal, estadual, federal).

Sabe-se, no entanto, que hoje as ações de marketing político são determinantes na vida pública. Muitas vezes essas ações, em nome de uma suposta transparência, apenas promovem a "maquiagem" de determinadas iniciativas governamentais. Por certo que não vamos oferecer aqui a ingênua proposta de dar costas às postulações do marketing. Contudo, e tomando por base as conclusões de Gileno Marcelino, consideramos que as mais sofisticadas ferramentas comunicacionais de pouco ajudarão se as ações do poder público não se transformarem em benefícios reais para a população.

Na história recente do Brasil temos inúmeros casos que comprovam essa afirmação. O Plano Cruzado e a reforma administrativa são apenas alguns deles.

Notas

(1) MARCELINO, Gileno. "A reforma e administrativa e sua comunicação: A prática do governo e a versão da imprensa". Tese de livre docência. São Paulo: ECA/USP, 1988. 269 p.

(2) O Cruzado foi o primeiro plano de impacto com base na inflação zero. Sua duração foi breve (nove meses). Foi substituído pelo Plano Cruzado II, lançado seis dias depois de o governo ter obtido a maior vitória eleitoral da história da República, no dia 15 de novembro daquele ano: a totalidade dos governadores, e quase dois terços da Câmara, do Senado e das Assembléias Legislativas (a eleição presidencial não estava em jogo).

Com os salários congelados há nove meses, a população foi obrigada a arcar com os seguintes aumentos, num só dia: 60% no preço da gasolina; 120% nos telefones e energia; 100% nas bebidas; 80% nos automóveis; 45% a 100% nos cigarros; 100% nas bebidas.

(3) A divisão usada por Marcelino corresponde a uma adaptação da classificação adotada por José Marques de Melo na obra A opinião no jornalismo brasileiro (Petrópolis: Vozes, 1985, 48-50). Marques adota a seguinte classificação: (a) gêneros informativos: nota, notícia, reportagem, entrevista; (b) gêneros opinativos: editorial, comentários, artigo, resenha, coluna, crônica, caricatura e carta.

Bibliografia

MARCELINO, Gileno F. A reforma administrativa e sua comunicação: a prática do governo e a versão da imprensa. Tese de livre docência. São Paulo: ECA/USP, 1988.

___________________. A reforma administrativa e sua divulgação na imprensa. Comunicação Jornalística e Editorial, série Pesquisa. São Paulo: Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA/USP, 1988.

MATOS, Heloíza. Propaganda governamental e redemocratização no Brasil: 1985-1997. Disponível em http://jorgealm.sites.uol.com.br/heloiza.html. Acesso em 18 set. 2003.

_______________. Comunicação Pública - Democracia e Cidadania: o caso do Legislativo. Trabalho apresentado ao XXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação - Intercom. Rio de Janeiro: 1999.

MELO, José Marques de. Jornalismo opinativo: gêneros opinativos no jornalismo brasileiro. Campos do Jordão, SP: Mantiqueira, 2003.

TORQUATO, Gaudêncio. Tratado de comunicação organizacional e política. São Paulo: Pioneira Thomson, 2002.

*Maria do Socorro Furtado Veloso é Jornalista profissional, Doutoranda em Comunicação pela ECA/USP, Mestre em Multimeios pela Unicamp e Docente de graduação e pós-graduação em Jornalismo.

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