Contribuições
de Gileno Marcelino
para a comunicação governamental
Por
Maria
do Socorro F. Veloso
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Introdução
Este
ensaio tem por objetivo destacar as contribuições
do pensador uspiano Gileno Fernandes Marcelino aos estudos contemporâneos
de comunicação pública, no Brasil. O professor
doutor Gileno Marcelino nasceu em Mossoró (RN), em 15
de novembro de 1938. Graduado em Direito no início da
década de 60, cultivou, a partir daí, uma longa
carreira acadêmica e profissional voltada principalmente
para a administração pública.
Gileno
Marcelino desenvolveu boa parte de suas atividades em ensino
e pesquisa na Universidade de São Paulo, onde esteve
entre os anos de 1970 e 1985 como professor adjunto da Escola
de Comunicações e Artes (ECA) e Faculdade de Economia
e Administração (FEA). Nesse período também
exerceu funções administrativas. Antes de sua
passagem pela USP foi funcionário do governo do Rio Grande
do Norte, professor da Universidade Federal de Pernambuco e
vice-diretor da Editora Abril, em São Paulo, entre outras
atividades.
Na
Universidade de São Paulo, Gileno Marcelino concluiu
mestrado e doutorado na década de 70, com pesquisas voltadas
para a modernização administrativa da educação
e para os sistemas estaduais de ciência e tecnologia,
respectivamente. Ambas foram apresentadas à FEA.
No
campo da comunicação, a mais importante contribuição
do professor Gileno Marcelino é resultado da tese de
livre docência apresentada em 1988 à Escola de
Comunicações e Artes. Intitulada "A reforma
administrativa e sua comunicação: A prática
do governo e a versão da imprensa", a tese parte
do Programa de Reforma Administrativa do Governo Federal e sua
comunicação em seis jornais, para desenvolver
uma aprofundada análise que vai da evolução
do Estado brasileiro até a recomendação
de uma nova proposta de reforma, com diretrizes estratégicas
que permitissem sua implementação.
Essas
diretrizes foram estabelecidas a partir da análise da
comunicação governamental naquele período
histórico, cujas falhas e defeitos - muitas delas de
natureza organizacional -, impediram a formação
de uma boa imagem do governo diante da sociedade.
Os
resultados da tese apresentada pelo professor Gileno Marcelino
à ECA serão objeto da presente análise.
1.
Reforma administrativa e imagem do governo na sociedade
A
precariedade das estratégias de comunicação
é uma característica da administração
pública no Brasil, desde o período colonial. Como
lembra TORQUATO (2002: 111), a comunicação é
um sistema-meio, que necessita ajustar-se aos parâmetros
do sistema-fim: "Portanto, quando se coloca o planejamento
da comunicação para o sistema público,
deve-se considerar a grave realidade de um Estado que deixou
de ser capaz de planejar (...) e executar consistentemente qualquer
política".
Em
um sistema identificado como parasitário, freqüentemente
corrupto e incompetente, e cuja governabilidade está
sempre a depender do bom relacionamento entre os poderes, a
comunicação pública é diretamente
afetada pela instabilidade dessa estrutura.
Foi
com o desafio de apresentar alternativas concretas a este cenário
que o professor Gileno Marcelino produziu sua tese de livre
docência sobre os aspectos comunicacionais da reforma
administrativa no governo, no período de 1985 a 1987,
quando o país era presidido por José Sarney. (1)
Considerada
um conceito típico dos países em desenvolvimento,
onde costuma ocorrer uma profunda defasagem entre os objetivos
do governo e o instrumental necessário à sua execução,
a reforma/modernização administrativa teve início,
no Brasil, na década de 30. Este ciclo prosseguiu nas
décadas de40, 50, 60 e 80, sempre com o objetivo de adaptar
e atualizar as organizações governamentais do
ponto de vista comportamental, estrutural e institucional. (MARCELINO,
1988: 14-16)
Para
examinar o Programa de Reforma Administrativa Federal vigente
nos anos 80, durante o governo Sarney, Marcelino sistematizou
sua pesquisa em torno de cinco eixos principais (1988: III):
Uma
análise histórica da evolução do
Estado brasileiro que influenciou diretamente o processo de
reforma no Brasil;
Uma
análise da comunicação governamental, com
falhas e defeitos até mesmo de natureza organizacional,
e que segundo Marcelino impediram a formação de
uma boa imagem do governo perante a população;
Uma
avaliação do processo de reforma realizada em
três momentos decisivos, na qual foram utilizados seis
veículos de imprensa previamente selecionados;
A
recomendação de uma nova proposta de reforma do
Estado a partir dos resultados e conclusões da pesquisa;
Apresentação
de diretrizes estratégicas para implementação
e viabilização de nova proposta de reforma do
Estado, ampliando o conceito de reforma administrativa até
então aplicado.
O
projeto de pesquisa de Gileno Marcelino buscou, inicialmente,
identificar e avaliar os principais aspectos que poderiam facilitar
ou dificultar a concretização da Reforma Administrativa
Federal. Para isso, tomou por base sua projeção
e divulgação na imprensa, a partir de veículos
formadores de opinião pública e situados no centro
de decisão (Brasília) e nos dois maiores centros
de repercussão nacional (São Paulo e Rio de Janeiro).
O pesquisador trabalhou com o Correio Braziliense, Jornal de
Brasília, Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo, Jornal
do Brasil e O Globo, acompanhando a divulgação
da reforma nesses jornais em dois períodos: setembro
a novembro de 1986 e outubro de 1987. Utilizou-se, nessa tarefa,
de métodos quantitativos e qualitativos.
O
resultado da análise, presente no capítulo IV
da tese de livre docência de Marcelino, bem como o amplo
debate que o pesquisador propõe no capítulo III,
sobre a imagem do governo na sociedade, são os temas
que mais interessam a este ensaio.
Como
processo e técnica, observa Marcelino, a comunicação
permite ao Estado cumprir suas finalidades com mais eficiência:
"Tal função se consolida pela aproximação
entre governantes e governados, num processo de mutualidade.
Em um sistema democrático, a comunicação
abrange todas as possibilidades de intercâmbio entre Governo
e a sociedade, num fluxo livre, aberto e constante de idéias".
(1988: 94)
Por
comunicação governamental entende-se as formas
de comunicação social sistematizadas no jornalismo,
publicidade e propaganda, relações públicas,
editoração, cinema, rádio, televisão,
"cada uma com linguagem própria e produtos diferenciados,
mas todas objetivando informar à sociedade sobre as ações
e comportamento do Governo e recolher do meio social os anseios,
necessidades, críticas e satisfações".
(MARCELINO, 1988: 94)
Para
o autor, um plano de comunicação governamental
deve ter por objetivo inicial a tarefa de atribuir identidade
ao Governo, conferindo-lhe uma marca capaz de exprimir contornos
das ações públicas.
Para
entender a divulgação na imprensa da reforma administrativa
feita pelo governo Sarney, Marcelino analisou, inicialmente,
os acontecimentos anteriores e posteriores ao Plano Cruzado,
lançado em fevereiro de 1986 e considerado marco decisivo
no processo de comunicação governamental. Um aspecto
a destacar é que o professor Gileno vivenciou de perto
aquele período histórico na condição
de integrante do governo federal. Entre 1985 e 1989 ele foi
secretário geral do DASP - Departamento Administrativo
do Serviço Público, que depois foi substituído
pelo Ministério da Administração.
O
período que antecedeu o Plano Cruzado foi marcado por
desajustes ocorridos em função de contingências
históricas na passagem entre dois pólos de poder,
agravadas pelas circunstâncias trágicas da morte
de Tancredo Neves. Não havia espaço para um planejamento
integrado da ação governamental. O momento atravessado
pela Nação aconselhava a procura de um equilíbrio
entre três fluxos de comunicação, aponta
Marcelino:
Fluxo
descendente: Do Governo para a sociedade, com o estabelecimento
de tipos de mensagens, tipos de canais para veiculação
de mensagens, formas de apresentação, momentos
de exposição, formas de expressão, escolha
dos públicos e segmentos;
Fluxo ascendente: Da Sociedade para o Governo, com a criação
de canais e formas de acesso de segmentos sociais, que reivindicavam
se fazer ouvir pelos governantes;
Fluxo
horizontal: Entre os membros do Governo, entre Ministros, assessores,
porta-vozes.Tratava-se de ajustar as linguagens no seio do próprio
Governo, antes de passá-las para o meio social .O fluxo
horizontal é um fluxo de coordenação e,
de seu ajuste, dependeria a harmonia do discurso governamental.
(1988: 96-97)
Atendendo
a solicitação da Secretaria de Imprensa e Divulgação
da Presidência da República, Gileno Marcelino coordenou
em setembro de 1985 um seminário de planejamento e integração
para toda a área de comunicação social
do governo.
O
seminário reuniu coordenadores de área dos ministérios
e seus assessores, que discutiram os problemas e a gestão
do processo de comunicação governamental. O debate
resultou na definição de objetivos e estratégias
para um plano de comunicação do governo a partir
de documento elaborado pelo professor Gaudêncio Torquato,
então secretário executivo da Comissão
de Comunicação Social criada para assessorar o
governo nesta área.
O
Plano de Comunicação Governamental reuniu um conjunto
de objetivos a curto, médio e longo prazo, entre eles:
dar ao governo uma identidade que personificasse, perante a
sociedade, seu estilo e comportamento; assegurar ao governo
as condições para o bom desempenho de suas atividades,
por meio de instrumentos capazes de estabelecer um bom fluxo
de relações entre governantes e governados; projetar
o conceito do País no cenário internacional, estabelecendo
um sólido suporte para o êxito na área das
negociações econômicas, em condições
que satisfizessem plenamente o governo e a sociedade; auscultar,
de maneira sistemática, os anseios sociais, procurando
transferir os resultados de tais sondagens aos setores e programas
que se identificassem com os interesses do bem estar geral.
A
implementação deste plano pressupunha a adoção
de um conjunto de medidas estratégicas e táticas,
envolvendo ações de quatro tipos: na comunicação
social - com o uso das mídias; na preparação
e aperfeiçoamento do discurso; no ajuste da equipe governamental;
nas ações de natureza administrativa para a comunicação.
A
combinação de tais ações resultava
no seguinte roteiro de estratégias para a comunicação
do governo:
Usar
de maneira eficiente e adequada a mídia eletrônica
- -As redes de TV e rádio, privada e estatal, constituíam
o principal eixo da cadeia de comunicação nacional.
Usar adequadamente a rede privada, nos espaços gratuitos,
sem a marca da propaganda tonitruante, mas pela informação
substantiva, clara, necessária para esclarecimento da
população. (...)
Enfatizar
a comunicação participativa - A conjuntura favorecia
a participação popular na obra governamental.
Interessava ao Governo obter amplo apoio da sociedade. (...)
Escolher
a classe média como centro de irradiação
de opinião - A classe média representa a vanguarda
social já que dela saem os principais bolsões
e segmentos que empurram a sociedade para diante. Tê-la
como alvo principal da comunicação era uma estratégia
oportuna, na medida em que ela irradiaria, concentricamente,
sua opinião. O discurso governamental, por outro lado,
encontra grandes barreiras em estratos mais baixos, por dificuldade
de acesso à mídia e questões de compreensão.
(...)
Ampliar,
consideravelmente o circuito das relações institucionais,
inclusive o Congresso - As atividades de comunicação
envolveriam as relações com o universo institucional.
A conjuntura legitimava e fortalecia o espectro de instituições
que procuravam representar os interesses dos grupos. Ações
conjuntas de comunicação social, de relações
públicas e relações institucionais seriam
promovidas no sentido de atrair os segmentos representados.
(...)
Planejar,
de maneira mais organizada, o lançamento dos programas
governamentais - (...) Preparar um lançamento eficiente,
reunindo as forças e agentes envolvidos no processo era
um novo desafio para a Subchefia para Assuntos de Comunicação.
(...)
Verticalizar
a comunicação - Com o objetivo de evitar que uma
ação, um programa, um projeto não morresse
antes de seu tempo de maturidade e vida útil, seria necessário
arregimentar um instrumento para verticalizar sua comunicação.
Isso significava previsão para informações
de impacto, continuidade dos projetos, articulação
com meios informais de comunicação - debates,
reuniões, seminários. (...)
Preparar
um programa-símbolo de identidade visual - O Governo
do Presidente Jose Sarney precisaria ter uma "cara",
uma fisionomia própria. Esse desenho, com uma sintaxe
visual que reuniria elementos definidos da marca do Governo
- cores, traços particulares, variantes de uso de cores,
caracteres tipográficos, enfim uma padronização
da massa impressa, a fim de se evitar fragmentação.
(...)
Clarificar
o conceito de porta-vozes - Com a finalidade de evitar mal-entendimentos,
deveria ficar claro que porta-vozes do Governo eram todas as
autoridades que, investidas do poder normativo, falassem dos
programas governamentais. Ajustava-se, assim, a linguagem. Porta-voz
do Presidente e do Governo, como um todo, era o Secretário
de Imprensa e Divulgação que, na qualidade de
assessor do Presidente, forneceria à mídia informações
e comentários de interesse e orientação
presidencial. (...)
Organizar
elos entre os subsistemas de comunicação - A eficiência
dos subsistemas de comunicação - Coordenadorias
de Comunicação dos Ministérios - estaria
na dependência da efetiva integração intersetores
e entre os setores e a Secretaria de Imprensa e Divulgação.
O nível de integração deveria caminhar
até as estruturas de comunicação estaduais.
(...)
Promover
a descentralização da execução -
Centralização das estratégias e políticas
de descentralização da execução
e das ações - eis uma alternativa adequada para
os novos tempos. A partir de uma orientação geral,
as Coordenadorias de Comunicação deveriam ter
liberdade de estabelecer sua programação. A descentralização
implicava também no estabelecimento dos núcleos
de São Paulo e Rio de Janeiro. (...)
Manter
eficiente estrutura de controle da comunicação
- Mapear todas as possibilidades da comunicação
governamental, em termos de massa, imprensa e mídia eletrônica,
fazer acompanhamento da programação e tentar verificar
sinergia do processo com a finalidade de ajustar linguagens.
(...)
Redefinir
políticas para programa de publicidade e propaganda -
A redefinição das políticas para os setores
de propaganda e publicidade levaria em consideração
o novo quadro social. Os valores conquistados pelos cidadãos,
a partir do Plano de Estabilização Econômica,
aconselhavam que as políticas fossem centradas sobre
princípios que [entre outros, evitassem] comunicações
persuasivas, ufanistas, autoritárias, características
da Velha República; usar linguagem adequada aos novos
tempos. (...) (MARCELINO, 1988: 99-106)
Em
28 de fevereiro de 1986 o governo Sarney decretou o Plano de
Estabilização Econômica. Reordenada, a classe
média experimentava "a satisfação
psicológica de recuperação do poder de
compra". (MARCELINO, 1988: 110). Depois de um período
de ambientação, o então presidente abandonou
a postura low profile dos primeiros momentos e adotou uma presença
mais efetiva junto à opinião pública:
(...)
a segunda fase - de presença mais constante na mídia,
de conversa ao pé do ouvido, de uso do rádio e
da televisão, de comando efetivo de reuniões,
de cobranças sistemáticas a ministros, de fiscalização
pessoal sobre a questão do controle de preços,
coisas simples, porém de muito impacto - era muito positiva
e altamente perceptível, do ponto de vista da opinião
pública. A segunda fase iniciava um processo de soerguimento
da imagem do Presidente e a programação da comunicação
poderia aumentar a confiança social sobre a missão
de Sarney. (MARCELINO, 188: 120)
Os
ajustes no Plano de Estabilização Econômica
(Cruzado II), (2) contudo, diminuíram a confiança
da população no governo, gerando desânimo
e contrariedade. Os danos sobre a imagem do governo exigiam
revisão das relações com a sociedade. "A
premissa em que deveria se apoiar a nova comunicação
do governo era a gravidade da situação econômica
do País que precisava chegar (...) de maneira transparente
e honesta (...), de acordo com os parâmetros do marketing
institucional". (1988: 122)
O
realinhamento da política de comunicação
deveria contemplar o plano político, com o fortalecimento
de canais que reforçassem a sustentação
política do governo; o plano social, com a adoção
de estratégias que visassem aproximar o governo da sociedade;
e o plano econômico, com a criação de um
sistema que permitisse adequar a política econômica
à realidade social. (1988: 122-123)
De acordo com Gileno Marcelino, na era pós-Plano Cruzado
a comunicação governamental enfrentou uma série
de problemas, incluindo o desentrosamento entre os coordenadores
da área, falta de padrões, linguagem divergente,
desarticulação na organização dos
programas e pouca transparência.
Em
relação à reforma administrativa, Marcelino
analisou sua divulgação nos períodos anterior
e posterior ao Plano Cruzado. O programa de comunicação
para a Reforma Administrativa foi elaborado pelo professor Gaudêncio
Torquato e tinha como estratégias utilizar os meios de
massa públicos e privados, bem como o instrumental de
comunicação da máquina governamental, para
atingir todos os universos de interesse.
Entre
as táticas propostas por Torquato estava a adoção
da teoria dos círculos concêntricos, pela qual
a aceitação e compra da idéia se dá
gradativamente, pela conquista de espaços e públicos.
Também previa o envolvimento de servidores públicos,
a ênfase sobre pontos consensuais e o esforço para
despertar o interesse dos veículos de comunicação
pelo tema.
Para
"criar um clima de reforma" (MARCELINO, 1988: 133),
foi adotado um programa integrado de comunicação,
com a produção de impressos, utilização
de canais institucionais, veiculação de peças
publicitárias e realização de seminários.
Esse programa foi reordenado após a decretação
do Plano Cruzado, com um planejamento de marketing que envolvia
algumas idéias chave, entre elas a criação
de uma central de dados sobre a reforma; indução
de setoristas (a fim de que cobrissem rotineiramente a reforma);
envolvimento de entidades ligadas ao assunto; envolvimento da
sociedade; integração com ministérios e
a "dramatização" dos projetos da reforma,
destacando seus aspectos mais contundentes e associando-os a
interesses imediatos da opinião pública.
2.
A reforma e sua divulgação na imprensa
Para
estudar os seis jornais anteriormente citados, Gileno Marcelino
utilizou-se de análise morfológica e análise
de conteúdo. Para isso desdobrou o material coletado
em duas categorias: gêneros informativos (notícias,
reportagens, notas, entrevistas, colunas) e gêneros opinativos
(editoriais, matérias assinadas e cartas de leitores).
(3) . A análise de conteúdo se baseou somente
no material considerado opinativo.
Com
base no levantamento, Marcelino chegou às seguintes conclusões
(1988, 188-192):
Em
relação aos objetivos da reforma, a pesquisa demonstrou
claramente que eles não foram divulgados e, em conseqüência,
não foram entendidos pela imprensa;
O
mesmo ocorreu com as diretrizes da reforma;
Boa parte das diretrizes foi integral ou parcialmente cumprida,
mas a imprensa as ignorou, concentrando seus comentários
na extinção de órgãos e demissão
de servidores;
A
análise superficial da imprensa demonstra falta de credibilidade
no governo. No segundo momento da reforma começa a grande
descrença da imprensa, até porque as medidas foram
apresentadas como contrapartida às medidas impopulares
do Cruzado II;
Essa
descrença se torna crítica à medida que,
por culpa da comunicação do governo, confunde-se
reforma administrativa com reforma ministerial;
Esses
comentários levaram o pesquisador uspiano a concluir
que foram poucos os pontos fortes da reforma na percepção
da imprensa, e de que foram raras as sugestões da imprensa
para a consolidação do processo, bem como sua
continuidade.
Para
Gileno Marcelino, a grande imprensa "entendeu, desde o
início, o processo da reforma administrativa como um
'enxugamento' da máquina administrativa. Ou seja, na
ótica da imprensa, a Reforma viria para extinguir, fundir,
incorporar e especialmente privatizar atividades do governo".
(1988: 191)
Diante
da constatação de que a opinião da imprensa
e da sociedade sobre a reforma administrativa foi parcialmente
induzida pelos erros de comunicação do próprio
governo e, sem dúvida, pelo desgaste dos sucessivos estudos
e processos de reforma já realizados no País,
sempre com resultados duvidosos, Marcelino apresentou uma nova
proposta de reforma do Estado que se fundamentou em ampla democratização
do processo através da participação da
imprensa e sociedade, o que levaria, em sua opinião,
a resultados mais duradouros e permanentes.
Essa
proposta incluiu a necessidade de um discurso governamental
fundamentado em valores éticos (verdade, transparência,
resposta, firmeza de ações, cordialidade, honestidade,
entre outros pontos); o planejamento da informação;
o investimento em projetos simples que mexem com o cotidiano;
ações conjugadas e paralelas entre diferentes
instâncias de poder; fortalecimento da identidade do governo;
e sólida articulação política, entre
outros aspectos. (1988: 201-214)
3.
Considerações finais
Ainda
é grande o desconhecimento e até mesmo o preconceito
em torno da gestão da comunicação pública
no Brasil. As ações destinadas a dar voz às
iniciativas governamentais são por vezes associadas a
partidarismo, corporativismo, ou até mesmo a tentativas
de ludibriar deliberadamente a opinião pública.
Pesquisas
desenvolvidas por autores como Gileno Fernandes Marcelino são
importantes porque oferecem uma visão alternativa por
parte de quem vivenciou o dia a dia da comunicação
pública não só como servidor federal, mas
também como alguém que se propôs a entender
os meandros desse processo dentro da academia.
Apesar
de desenvolvidas na década de 80, as pesquisas de Marcelino
guardam atualidade. O discurso transparente e sintonizado com
o cidadão, no qual insiste o autor, deve pautar qualquer
instância de governo (municipal, estadual, federal).
Sabe-se,
no entanto, que hoje as ações de marketing político
são determinantes na vida pública. Muitas vezes
essas ações, em nome de uma suposta transparência,
apenas promovem a "maquiagem" de determinadas iniciativas
governamentais. Por certo que não vamos oferecer aqui
a ingênua proposta de dar costas às postulações
do marketing. Contudo, e tomando por base as conclusões
de Gileno Marcelino, consideramos que as mais sofisticadas ferramentas
comunicacionais de pouco ajudarão se as ações
do poder público não se transformarem em benefícios
reais para a população.
Na
história recente do Brasil temos inúmeros casos
que comprovam essa afirmação. O Plano Cruzado
e a reforma administrativa são apenas alguns deles.
Notas
(1)
MARCELINO, Gileno. "A reforma e administrativa e sua comunicação:
A prática do governo e a versão da imprensa".
Tese de livre docência. São Paulo: ECA/USP, 1988.
269 p.
(2)
O Cruzado foi o primeiro plano de impacto com base na inflação
zero. Sua duração foi breve (nove meses). Foi
substituído pelo Plano Cruzado II, lançado seis
dias depois de o governo ter obtido a maior vitória eleitoral
da história da República, no dia 15 de novembro
daquele ano: a totalidade dos governadores, e quase dois terços
da Câmara, do Senado e das Assembléias Legislativas
(a eleição presidencial não estava em jogo).
Com
os salários congelados há nove meses, a população
foi obrigada a arcar com os seguintes aumentos, num só
dia: 60% no preço da gasolina; 120% nos telefones e energia;
100% nas bebidas; 80% nos automóveis; 45% a 100% nos
cigarros; 100% nas bebidas.
(3)
A divisão usada por Marcelino corresponde a uma adaptação
da classificação adotada por José Marques
de Melo na obra A opinião no jornalismo brasileiro (Petrópolis:
Vozes, 1985, 48-50). Marques adota a seguinte classificação:
(a) gêneros informativos: nota, notícia, reportagem,
entrevista; (b) gêneros opinativos: editorial, comentários,
artigo, resenha, coluna, crônica, caricatura e carta.
Bibliografia
MARCELINO,
Gileno F. A reforma administrativa e sua comunicação:
a prática do governo e a versão da imprensa. Tese
de livre docência. São Paulo: ECA/USP, 1988.
___________________.
A reforma administrativa e sua divulgação na imprensa.
Comunicação Jornalística e Editorial, série
Pesquisa. São Paulo: Departamento de Jornalismo e Editoração
da ECA/USP, 1988.
MATOS,
Heloíza. Propaganda governamental e redemocratização
no Brasil: 1985-1997. Disponível em http://jorgealm.sites.uol.com.br/heloiza.html.
Acesso em 18 set. 2003.
_______________.
Comunicação Pública - Democracia e Cidadania:
o caso do Legislativo. Trabalho apresentado ao XXII Congresso
Brasileiro de Ciências da Comunicação -
Intercom. Rio de Janeiro: 1999.
MELO,
José Marques de. Jornalismo opinativo: gêneros
opinativos no jornalismo brasileiro. Campos do Jordão,
SP: Mantiqueira, 2003.
TORQUATO,
Gaudêncio. Tratado de comunicação organizacional
e política. São Paulo: Pioneira Thomson, 2002.
*Maria
do Socorro Furtado Veloso é Jornalista profissional,
Doutoranda em Comunicação pela ECA/USP, Mestre
em Multimeios pela Unicamp e Docente de graduação
e pós-graduação em Jornalismo.
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