Ensaios
Pensadores
Jornalísticos Uspianos:
Francisco
Rocha Morel
Por
Márcio
Sampaio de Castro
1
- Introdução
Já é senso comum entre nós brasileiros
a idéia de que possuímos memória curta,
ou ainda de que somos um povo desmemoriado. Contrariando esta
premissa e dentro da proposição apresentada pelo
Núcleo de Pesquisa em Jornalismo Comparado do Departamento
de Jornalismo e Editoração da ECA/USP, coordenado
pelo professor José Marques de Melo, apresentaremos neste
ensaio uma leitura sobre os processos produtivos do professor
e pesquisador Francisco Rocha Morel.
Dividido
em duas etapas, o presente estudo apresentará num primeiro
momento um panorama histórico sobre as contribuições
mais marcantes de Morel para o campo da Comunicação
Social no Brasil, indicando sua importante participação
em momentos históricos para as práticas e organização
do mesmo no país.
Em
seguida, faremos uma breve desconstrução do pensamento
paradigmático de Morel para o campo jornalístico,
reperesentado por sua obra O Anúncio da Notícia.
Nossa intenção é demonstrar a atualidade
das ações e pensamentos do autor, mesmo após
vinte anos de seu desaparecimento e após tantas modificações
por todos nós presenciadas ao longo deste período
nas práticas jornalísticas e nos estudos comunicacionais.
2
- Histórico
Como
mencionado anteriormente, este breve ensaio tem por objetivo
trazer à luz a importante contribuição
de Francisco Rocha Morel em dois campos: o das comunicações
(lato sensu) e o do jornalismo.
No campo das comunicações suas contribuições
são amplas porque vão desde sua atuação
no mercado profissional, onde atuou por vários anos como
publicitário, chegando a ter sua própria agência,
até sua importante participação em momentos
fundamentais para a história dos estudos de comunicação
no país.
Exatamente
em função de seus conhecimentos práticos
do mercado publicitário, Morel seria convidado para fazer
parte, em 1967, do grupo de docentes que dariam início
à mais respeitada faculdade de Comunicações
brasileira - a Escola de Comunicações e Artes
da Universidade de São Paulo.
Enfrentando
toda a sorte de preconceitos dentro do próprio mundo
acadêmico e dificuldades epistemológicas que a
criação de um novo conjunto de cursos exigia,
Morel e seus companheiros iniciaram a sistematização
e estruturação do modelo que serve como referência
até nossos dias.
Dentro
da ECA, Morel participaria da consolidação dos
departamentos de publicidade e relações públicas,
além de contribuir com o departamento de jornalismo,
assumindo a responsabilidade pela cadeira "Processos de
Impressão", o que lhe renderia uma homenagem como
patrono da agora extinta gráfica da ECA.
Desde
sempre, o espírito de Morel o levava a buscar a conjugação
entre os campos profissional e acadêmico. Aqueles que
com ele conviveram são unânimes em atestar sua
postura irônica e quase irreverente diante daqueles que
assumiam ares marcadamente teóricos, ignorando as interações
mais do que necessárias entre teoria e prática.
Sem
se desvincular da Universidade de São Paulo, em 1972,
Morel seria convidado para colaborar na fundação
das Faculdades Integradas Alcântara Machado (atualmente
denominadas UniFiam). Seguindo a filosofia anteriormente implantada
na ECA, procurou implementar um curso na área de publicidade
e propaganda que integrasse as experiências do mercado
aos conceitos metodológicos.
Não
obstante sua significativa participação em momentos
históricos dos cursos de comunicação em
duas importantes instituições paulistas, a mais
marcante contribuição de Morel para o campo comunicacional
brasileiro se daria em 12 de dezembro de 1977. Nesta data, ele
assinaria, ao lado de figuras como os professores José
Marques de Melo e Cremilda Medina, a ata de fundação
da INTERCOM - Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares
de Comunicação.
Colocada
em perspectiva, a fundação da INTERCOM e a participação
de Francisco Morel no processo podem ser consideradas como marcantes,
pela abrangência nacional que a instituição
acabaria por atingir e pela possibilidade que ela enseja ao
possibilitar a reunião e o debate das principais idéias
produzidas sobre comunicação no país.
3
- Contribuição Jornalística
Infelizmente
a produção intelectual de Morel não pôde
ser das mais extensas, entre outras razões, pelo seu
desaparecimento precoce no ano de 1984. Mas curiosamente, não
obstante ser um homem da Publicidade, sua contribuição
paradigmática viria para o campo do Jornalismo.
Um ano antes de seu falecimento, ele defenderia, na Escola de
Comunicações e Artes, sua dissertação
de mestrado intitulada, "O Anúncio da Notícia:
Contribuição para uma Retórica do Discurso
Jornalístico". Seguindo a linha de estudos de Jornalismo
Comparado adotada pelo Departamento de Jornalismo da instituição,
Francisco Morel procurou e conseguiu determinar um conceito
teórico significativo para as análises dentro
deste campo.
Combinando
a semiologia de Roland Barthes com os estudos de oratória
de Platão, passando pelas análises do jornalismo,
enquanto negócio intimamente relacionado ao espírito
do capitalismo, ele procurará mostrar em primeiro lugar
a subordinação dos processos comunicacionais ao
ethos que domina e determina o conjunto social.
Assim,
não há mais pessoa que fala: ela foi substituída
- é claro que com exceção feita ao ato
meramente interpessoal, por sua vez hoje escasseado - por um
macro-sistema emissor, dificilmente identificável, que
controla complexos meios tecnológicos por onde transmitem
"assuntos" de codificação e produção
sofisticadas (de que se fala), a uma massa anônima e difusa
de "ouvintes" (a quem se fala), a serviço dos
quais aparenta estar. Comunicação é, portanto,
um processo sistemático que consiste na transmissão
e recuperação de mensagens (informações),
no interior de uma sociedade.
Entretanto,
estes processos de comunicação está sempre
em dependência direta da estrutura social onde opera,
e que lhe serve de suporte. Não há, assim, um
processo de comunicação "in abstratu";
ele será sempre intra-social e concretamente subordinado
às diretrizes político-ideológicas da sociedade,
cujo escalonamento de valores, por sua vez, é projetado
pelo sistema produtivo por ela adotado. (Morel, 1984)
Este
ethos será denominado por Morel de ideologia do sistema,
que por sua vez controlará as relações
comunicacionais, conforme indicado no excerto acima. Este é
o preâmbulo do pensamento do autor, que ao longo de sua
obra procurará mostrar as relações destas
noções em primeiro lugar com a prática
da propaganda publicitáriam, num exercício metalingüístico
que desde há muito tempo incorporaria uma ideologia subjacente.
Pois
bem, após esta construção Francisco Morel
se encaminhará propriamente para o campo jornalístico,
procurando demonstrar a "contaminação"
deste pelos usos e técnicas desenvolvidos no campo publicitário
em favor dessa ideologia social. Sua análise sobre a
produção jornalística repousará
basicamente no formato dos jornais impressos, por considerar
que a mensagem a ser transmitida não repousa somente
no código linqüístico, mas na somatória
deste com as mesmas questões de metalinguagem apontadas
anteriormente no campo da publicidade, ou seja, não somente
o que se diz, mas também a opção pelos
suportes visuais.
A
partir deste ponto de vista, procurará demonstrar o hibridismo
entre discurso jornalístico e discurso publicitário,
o que ele denominará de "notícia-anúncio"
ou "anúncio-notícia".
Ao
longo de seu trabalho, Morel desmontará uma série
de títulos, legendas fotográficas, primeiras páginas
e chamadas para demonstrar como a notícia se transformou
em um produto que precisa ser vendido, a partir de anúncios
adequadamente estruturados de acordo com uma linguagem híbrida
entre jornalismo e publicidade.
4-
Conclusão
Mesmo
passadas duas décadas após o falecimento de Francisco
Morel, sua trajetória e suas contribuições
para os campos comunicacional e jornalístico particularmente,
continuam sendo de extrema valia. Em um mundo de Internet, informações
instatâneas e globalização, o pensar comunicacional
torna-se cada vez mais relevante.
Por
outro lado, mas não necessariamente em oposição
ao anteriormente exposto, o surgimento de novas práticas
jornalísticas e de uma nova maneira de se ler o jornalismo
academicamente e, por que não dizer, socialmente, torna
a reflexão sobre o tema notícia-anúncio
mais do que atual e necessária. O que, devemos admitir,
poucos acadêmicos têm instrumentalizado.
5
- Bibliografia
FILHO,
Ciro Marcondes - A Saga dos Cães Perdidos - São
Paulo, Hacker Editores, 2002.
MEDINA, Cremilda A. - Notícia, Um Produto à Venda:
Jornalismo na Sociedade Urbana Industrial - São Paulo,
Alfa-Ômega, 1978.
MELO, José Marques - Estudos de Jornalismo Comparado
- São Paulo, Pioneira, 1972.
MOREL, Francisco Rocha - O Anúncio da Notícia:
Contribuição para uma Retórica do Discurso
Jornalístico - São Paulo - Dissertação
de Mestrado - ECA/USP, 1983.
______________________ e FONSECA E SILVA, Raul - Formação
do Publicitário, in FADUL, Anamaria, LINS DA SILVA, Carlos
E., MELO, José M. (Orgs) - Ideologia e Poder no Ensino
da Comunicação - São Paulo, Cortez e Moraes/INTERCOM,
1979.
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