Mistério
no Porto de Santos
Tragédia em dois atos
Por
José Amaral Argolo*
Meu
amigo Giorgio Celli, que é escritor e professor
de entomologia, uma vez escreveu um conto sobre o crime
perfeito. Ele e eu éramos personagens dessa história.
Celli (a personagem de ficção) injetou num
tubo de pasta de dente uma substância que atrai
vespas sexualmente.
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Reprodução

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Eco (a personagem de ficção) escovou os dentes
com essa pasta antes de ir dormir e um pouco do dentifrício
ficou em seus lábios. Isso
atraiu para seu rosto enxames de vespas sexualmente excitadas,
cujos ferrões foram fatais para o pobre Eco. Protocolos
Ficcionais, in: ECO, Umberto. Seis
passeios pelos bosques da ficção, p. 126.
(Para
Percival de Souza)
Aconteceu em 1928, ano em que Mário de Andrade publicou
Macunaíma, marco da literatura brasileira no qual
apresentou aos leitores um personagem central diferente de todos:
paulistano autofágico e sem caráter, assim definido
por conta da sua intensa pluralidade. Macunaíma,
o primeiro (e quem sabe único?) anti-herói brasileiro.
No
dia sete de outubro, enquanto muitos cidadãos comuns:
trabalhadores (as) nas pequenas indústrias e/ou escritórios
da Capital, tomavam café da manhã nos bares da
periferia ou do Centro antes de mais uma jornada de labuta,
a Polícia Marítima era acionada para atender uma
ocorrência no pátio do armazém número
13 do Porto de Santos.
Estivadores
que trabalhavam no içamento das bagagens e outras mercadorias
destinadas principalmente a Bordeaux (França), que seriam
arrumadas nos porões do vapor Massília, pertencente
à Companhia Chargeurs Reunis, notaram que do interior
de uma grande mala de couro pingava um líquido fétido
e de coloração escura.
Informado
sobre este fato e agindo imediatamente (faltavam poucos minutos
para aquele navio levantar âncoras), o comandante da embarcação
alertou o delegado regional de Santos, que, apoiado por uma
equipe do Gabinete de Investigações com sede na
Capital, começou a apurar o caso.
No
interior da mala endereçada aos cuidados de um suposto
Sr. Francesco Ferrero, residente em Bordeaux, estava
o corpo retalhado, em decomposição, de uma mulher
jovem de cabelos castanho claros cortados curtos, medindo 1,66
m. Tanto os peritos que examinaram o corpo ainda no local, como
o legista que assinou o Auto de Exame Cadavérico (Dr.
Rebello Netto), informaram que a vítima abortara (post
mortem) o feto de uma menina de seis meses.
Maria
Féa Mercedes, 21 anos, fora estrangulada e em seguida
mutilada com o auxílio de uma navalha (arma esta posteriormente
recuperada pela Polícia). O criminoso seccionara as pernas
da mulher na altura dos joelhos, para que o corpo coubesse na
mala. A violência no ato de retalhamento foi tamanha que
um pedaço da lâmina da navalha quebrou, deixando
um rombo em forma de meia-lua.
O
assassinato daquela jovem chocou a sociedade paulista e comoveu
a Opinião Pública de todo o País. Num primeiro
instante, tanto os jornalistas como os policiais encarregados
das investigações chegaram a supor que o crime
tivesse sido praticado pelo imigrante sírio Miguel Trad.
Este se notabilizara dois anos antes, por matar e esquartejar
uma mulher utilizando o mesmo artifício para se livrar
do corpo (foi, a bem da verdade, o primeiro Crime da Mala
registrado pela polícia paulista).
As
investigações somente não se prolongaram
por muito tempo devido às trapalhadas em série
e ao pânico do criminoso: Giuseppe Pistone, 31 anos, marido
da vítima. Ele foi localizado e preso sem esboçar
resistência no interior da Pensão Grasso,
localizada na antiga Rua Ypiranga (hoje Avenida Ipiranga), Centro
da Capital paulista.
Paixão, dinheiro e morte
A imprensa paulista acompanhou de perto as investigações
e, por seu próprio empenho, antecipou alguns resultados
aos leitores.
Giuseppe e Maria Féa Mercedes eram casados há
pouco tempo.
A
cerimônia acontecera na pequena cidade italiana chamada
Sandria.
Segundo o relato do criminoso, no dia 4 de outubro ao voltar
- no rápido intervalo do trabalho - para o pequeno cômodo
onde morava (uma saleta à Rua da Conceição,
34, apartamento 5), com o objetivo de, como fazia costumeiramente,
levar a mulher para almoçar num restaurante próximo,
encontrou-a na cama na companhia de outro homem.
Este,
ao perceber a embrulhada em que se envolvera e após breve
discussão, deixou o local apressadamente. Maria Féa
tentou justificar-se alegando que não sabia quem era
aquele indivíduo. Foi então agarrada pelo pescoço
e estrangulada.
Giuseppe
alegou depois, aos policiais responsáveis por sua captura,
que, arrependido e traumatizado pelo que fizera, havia passado
aquela noite chorando muito e amparando a cabeça da mulher
assassinada. As investigações, porém, chegaram
a outras conclusões bem mais plausíveis.
Aquele
assassinato fora motivado por dinheiro. O criminoso trouxera
da Argentina (onde morou algum tempo com a jovem esposa antes
de fixar residência no Brasil), 15 mil liras, das quais
3 mil foram gastas por Maria Féa - sem o conhecimento
do marido - para custear as despesas com o matrimônio
na Itália.
A
mala, nova em folha, fora adquirida por Giuseppe em uma loja
da Avenida São João (este, registre-se, o primeiro
resultado prático das investigações policiais).
Depois
de retalhar a vítima ele conseguiu ajeitar o corpo na
mala, acrescentando alguns objetos pertencentes a Maria Féa,
assim relacionados pela Imprensa de Santos: uma caixinha de
pó-de-arroz da marca Coty, um vidro contendo pastilhas
para garganta, seringa hipodérmica, vidro de extrato,
cobertor de lã, lençol de linha, travesseiro sem
fronha, uma almofada verde, retalhos de tecidos e peças
de roupa.
O
fato é que Giuseppe Pistone não conseguiu ficar
calado após o crime e contou a barbaridade que praticara
a um colega de trabalho (o qual, por sua vez, nada revelou à
Polícia para não se comprometer); em seguida,
fretou uma caminhonete para transportar a mala com o cadáver
até a Estação da Luz, de onde prosseguiu
rumo a Santos a bordo de um trem.
Novo
traslado desta vez (num caminhão Fiat modelo 818) até
o Porto, onde pagou em dinheiro as taxas alfandegárias
para que a bagagem fosse embarcada no Massília.
Giuseppe
retornou de táxi à Capital. E, quando pediu ao
motorista que desse uma breve parada para tomar um lanche no
Recreio e Café Expresso São
Bernardo, foi surpreendido com a notícia segundo
a qual a Polícia já tinha elucidado o crime. Lívido,
pagou rapidamente a despesa (17 mil réis) e não
tocou no assunto com o motorista. Pouco depois de chegar ao
Centro de São Paulo, foi localizado e preso sem reagir.
O
assassino de Maria Féa Mercedes - que pretendia, segundo
ele próprio, se suicidar atirando-se às águas
do Rio Tietê - ficou recolhido na Penitenciária
Tiradentes, de onde foi libertado no dia 10 de junho de 1938.
Ele morreu em 1969, na cidade paulista de Taubaté (terra
natal de Monteiro Lobato, um dos nossos maiores escritores e
jornalistas). Seu corpo está sepultado no cemitério
da Cadeia Pública.
A
ossada de Maria Féa Mercedes, após algum tempo
sepultada no antigo cemitério do Saboó (em Santos),
foi transladada para a Argentina, Estado Nacional onde viviam
parentes.
A
narrativa jornalística sobre o Crime da Mala pode
ser interpretada, hoje, como tendo sido elaborada em estilo
folhetinesco, digamos assim, mas não colorida e sangrenta
a ponto de provocar engulhos na conservadora sociedade paulistana,
o que somente veio a acontecer vinte, trinta anos depois, nas
décadas de cinqüenta-sessenta, como estratégia
de vendas dos diários populares.
'Il
Cesare, il Nerone di San Paolo'
Un
pericoloso pregiudicato condannato numerose volte per reati
alla proprietá e per oltraggio e violenza agli agenti
della forza publica. Dossiê
da Polícia italiana (fragmento)
O delinqüente supramencionado no dossiê chamava-se
Gino Amleto Meneghetti, nascido em Pisa, na Itália em
1878. Com dezesseis anos ele foi preso pela primeira vez. Em
seguida fugiu para a França e abrigou-se no submundo
de Marselha, onde viveu aproximadamente vinte anos até
ser capturado pela gendarmeria e, em seguida, deportado
para o Brasil.
Viajou
a bordo do navio de bandeira italiana Tommaso di Savoia
e desembarcou no Porto de Santos no dia 25 de junho de 1913.
Durante
mais de cinqüenta anos Gino Meneghetti, o Gato dos Telhados
(muitas vezes renomeado: Mario Mazzi, Antonio Garcia, Ângelo
Bianchi, Amleto Gino, Amleto detto Gino), foi uma espécie
de ladrão símbolo para a crônica especializada.
Viveu como um aventureiro ao mesmo tempo selvagem e romântico.
Chegou,
inclusive, a ser comparado ao pintor futurista Marinetti. Como
assinalou Walfrido Prado Guimarães na edição
de 5 de junho de 1926 na Folha da Manhã, sob o
título A arte e o crime: Marinetti e Meneghetti (mantida,
aqui, a grafia original):
Marinetti,
o representante mascarado de uma facção política,
vem á scena empunhando o facho de luz da arte moderna,
surgida por entre as arcadas ancestraes do velho Colyseu,
pregando a transformação do sentimento político,
transcripto em longos e encantadores versos, pelo estourar
das bombas, repicar dos sinos, silvar das locomotivas. (...)
Mas, falávamos de Marinetti e Meneghetti, este, ladrão
astucioso, audaz, perigoso, assassino frio, calmo, sereno,
vem da Itália, para revolucionar o meio policial e
atemorizar o meio social da nossa paulicéia. O
tiroteio da manhã de hontem nada mais é do que
a prova latente do atrevimento de um criminoso nato, no dizer
de (Cesare) Lombroso; criminoso , na época atual, futurista,
pois, nos crimes que praticou nesta capital, demonstrou que
estava decidido a revolucionar a arte profissional que exercia.
Referia-se o articulista ao tiroteio da véspera, 4 de
junho, na Rua dos Gusmões, 61, residência de d.
Victoria Justi (tia de Concetta Tovani), do genro desta, Rodolpho
Galvani e da filha do casal, Rosina. Ali também estavam
abrigados há até poucas horas antes os dois filhos
de Gino Amleto Meneghetti.
No
conflito que se seguiu após o anuncio do cerco, Meneghetti
feriu a tiros gravemente o comissário de Polícia
Waldemar Doria e resistiu, correndo sobre os telhados das casas
vizinhas e sustentando fogo até esgotar a munição
do seu revólver calibre 32.
Uma vez cercado e sob a ameaça das armas, rendeu-se.
A sentença judicial foi severa: 43 anos dois meses e
dez dias de condenação, posteriormente reduzida.
Ganhou a liberdade no dia 17 de janeiro de 1945 e, transcorridos
apenas dois meses, foi novamente preso, desta vez por tentativa
de homicídio.
Sua
última ação, igualmente mal sucedida, aconteceu
no dia 13 de junho de 1970. Tinha exatos 92 anos de idade e
tentou forçar o portão de uma casa na Rua Fradique
Coutinho, em Pinheiros, bairro da classe média paulista.
Foi reconhecido e preso por um policial que o observava à
distância. Cinco anos depois, com a saúde debilitada,
Gino Meneghetti morria de insuficiência cardíaca
no Hospital Samaritano.
As
aventuras rocambolescas de Gino Amleto Meneghetti alimentaram
durante muitos anos o noticiário da maior metrópole
do País, ao mesmo tempo em que lhe asseguraram renome
internacional.
O
mais curioso em toda a sua história é que as autoridades
brasileiras tinham sido informadas a seu respeito pela Polícia
italiana bem antes do desembarque no Porto de Santos; mesmo
assim decidiram acolhê-lo. O amplo dossiê pormenorizava
os crimes praticados pelo delinqüente em solo europeu.
Auto-identificado
como ateu e anarquista (somente aceitou o batismo aos 68 anos,
e ainda assim por gratidão às freiras que cuidaram
dos seus ferimentos), Gino Meneghetti protagonizou alguns episódios
notáveis e até hoje (penso) imbatíveis
da crônica policial. Sem nunca ter freqüentado os
bancos escolares, leu a obra completa de Sir Bertrand
Russell (filósofo e matemático) e de José
Ingenieros (psiquiatra e escritor argentino bastante respeitado
nos meios acadêmicos).
Um
desses episódios famosos aconteceu quando (e aqui ofereço
uma visão reversa sobre o tempo), fugiu nu e com o corpo
todo esfolado da solitária que ele próprio, trabalhando
voluntariamente como servente de pedreiro, ajudou a construir
(deixando as grades do topo suficientemente frouxas para que
pudesse arrebentar com um primeiro tranco).
Meneghetti
saiu às ruas da Cidade do jeito que estava e caminhou
até a casa de uma tia onde conseguiu roupas, desaparecendo
em seguida.
Foi,
aliás, junto à pacata e trabalhadora comunidade
italiana moradora na paulicéia que ele conheceu a jovem
Concetta Tovani, que lhe deu cinco filhos (três dos quais
mortos na infância e os dois restantes, Spartace e Lenine,
ainda vivos. Os nomes das crianças, explicou aos policiais,
decorreram da sua "vocação revolucionária").
Os meninos raramente viam o pai, mas dele com freqüência
ouviam falar.
Se
fosse hoje, Gino Meneghetti não sobreviveria por muito
tempo em qualquer metrópole do País. No Rio de
Janeiro ou mesmo São Paulo nem se fala. A Polícia
jamais deixaria passar em branco o seqüestro do seu próprio
chefe (na época o dr. Roberto Moreira) em plena Capital,
mesmo que o devolvesse horas depois, intacto e desmoralizado
na redação de um jornal diário (vai aqui
um comentário adicional: muito daquilo que se escreve
a respeito de Gino Meneghetti deve antes passar pelo filtro
das possibilidades).
"Terremoto
Jornalístico"
Durante os anos noventa a reportagem policial sofreu um duríssimo
revés na maior metrópole do País. Valmir
Salaro, experiente repórter da Rede Globo de Televisão
em São Paulo, foi o primeiro a difundir notícia
sobre a Escola Base, um abalo jornalístico que
a Imprensa Paulista até hoje não conseguiu expurgar
dos pesadelos. Atualmente, sob certos aspectos, este assunto
perdeu impacto por força dos acontecimentos que se seguiram,
igualmente relativos à violência urbana.
A
difusão daquela notícia não decorreu de
uma suposta falta de zelo daquele jornalista, mas da confiança
que depositava nas fontes policiais, consultadas habitualmente.
Aliás, o próprio Valmir Salaro, em declarações
prestadas à equipe do Instituto
Gutemberg, fez uma autocrítica sincera do que aconteceu:
Hoje
eu sinto muita, muita dificuldade para fazer reportagem policial.
Sinto-me
usado, me sinto como um carrasco, quando o papel do repórter
teria de ser outro; ele teria que fiscalizar a Polícia
e ajudar a sociedade.
Hoje
você acaba sendo uma espécie de ponta de lança
da Polícia. Se a Polícia apresenta uma pessoa
como sendo um grande bandido, você acaba embarcando
e divulgando essa versão e, muitas vezes, prejudica
a vida desse suposto bandido que, na verdade, não passa
de um coitado.
A verdade, porém, é mais complexa. Repórter
somente erra quando trabalha e confia. Foi este o equívoco
mais do que compreensível sob o prisma da percepção
de Valmir Salaro. Ele trabalhou e confiou. E aprendeu com o
erro.
"A
Escola Base vive permanentemente na minha cabeça.
É um ponto de referência. Fiz uma matéria
na semana retrasada num asilo e pedi ao cinegrafista: não
quero imagens de rostos, nem das velhinhas nem das crianças.
É uma segunda violência!" - disse.
Os
fatos que consubstanciaram esse que foi considerado um dos maiores
equívocos da crônica especializada no País
aconteceram no dia 28 de março de 1994.
Os
proprietários da Escola Base: Maria Aparecida
Shimada e seu marido Icushiro Shimada, bem como o colaborador
Maurício de Alvarenga e o casal Saulo e Mara Nunes, foram
injustamente acusados pela Polícia paulista (fundamentada,
esta, nas denúncias formuladas pelas mães de duas
crianças: Lucia Eiko Tanoi e Cléa Parente), de
promoverem orgias com menores no interior da Escola infantil
que mantinham no bairro da Aclimação.
Elas formalizaram queixa na Delegacia de Cambuci e, em seguida,
a Folha da Tarde estampou na primeira página que
uma Perua escolar carregava crianças para orgias. A
Revista Veja, uma das mais conceituadas publicações
do País, também não ficou atrás
e denunciou a existência de uma "Escola de Horrores".
O fato é que a Polícia deu crédito integral
às autoras das denúncias e, por sua vez, a Imprensa
paulista assumiu a notícia criminis como fato consumado.
Registra
o noticiário do Instituto Gutemberg: "Os
acusados foram inocentados depois ao término de um inquérito
encerrado às pressas para que todos esquecessem o pesadelo".
Mas, acrescenta, "o pior disso tudo é que, embora
nenhum dos policiais diretamente envolvidos no caso tenha sido
punidos administrativamente, alguns dos acusados foram duramente
interrogados na delegacia".
Fundamentadas
nessas denúncias, as crianças de quatro e cinco
anos (filhos das duas senhoras que formalizaram a queixa na
delegacia) teriam sido molestadas sexualmente na Escola e provavelmente
levadas numa Kombi para um hotel nas proximidades onde também
teriam sido fotografadas e filmadas.
O
delegado que respondia à época pelas investigações,
Edélcio Lemos, assegurou a culpa dos acusados respaldado
em uma única pseudo prova, além dos depoimentos
das crianças (tomados, é claro, sob clima de forte
pressão), qual seja: "um telex transmitido pelo
Instituto Médico Legal sugerindo violação
sexual de um menino. Mas esse laudo foi, segundo os peritos,
incapaz de se contrapor à evidência médica
de que o garoto sofria de assaduras crônicas".
À
luz das reflexões efetuadas pelos analistas do Instituto
Gutemberg "a impunidade dos jornalistas perpassa como
um estigma para as famílias das crianças"
(vítimas inocentes da sofreguidão dos repórteres
em publicizar informações não confirmadas).
Como
contrapartida a todos esses erros, o advogado Kalil Abdalla,
representando os interesses do casal Icushiro e Maria Aparecida
Shimada, bem como do colaborador Maurício de Alvarenga,
impetrou ação na Justiça de São
Paulo e conseguiu que o Governo do Estado, por intermédio
do juiz Paulo Alienda Ribeiro, da 5a Vara da Fazenda Pública,
determinasse o pagamento de uma indenização estipulada
em 100 salários-mínimos para cada um (reparação
esta que cobre tão-somente os danos morais).
Mas
a advogada Maria Eliza Munhol, que rezpresenta os interesses
jurídicos do casal Saulo e Mara Nunes (denunciados no
episódio como co-partícipes) processou as TVs
Globo, SBT e os jornais Folha de S. Paulo,
Folha da Tarde e Notícias Populares. Na
petição inicial ela pede que os órgãos
de difusão citados paguem R$ 3,2 milhões para
cada um dos seus clientes.
Morbidez
Televisiva
Registram os arquivos do Instituto Gutemberg (aos leitores
interessados recomendo que acessem muito especialmente o site:
"A cobertura escrachada não preservou ninguém,
nem mesmo as crianças, reconhecíveis pela identificação
dos pais e atazanadas em noticiários da tv. Em pleno
jornal do meio-dia, os repórteres das emissoras pediam
a um menino de quatro anos que contasse detalhes escabrosos
do suposto molestamento sexual.
"A
tia passou a mão em você?", sugeria a repórter
da TV Globo à criança inocente que brincava com
o microfone.
No
livro Caso Escola Base - Os abusos da Imprensa, o jornalista
Alex Ribeiro reproduz um dos diálogos do repórter
com o menino:
-
Esta mulher, ela deitava em cima de você?
-
Deitava.
-
O que ela fazia, o que ela queria?
Diante
da relutância do garoto, o jornalista sugeria a resposta:
-
Te beijar na boca?
O
garoto respondia com um aceno na cabeça.
Destacaram
os analistas do Instituto Gutemberg:
"A
principal causa da tragédia foi o barbarismo policial
e a conivência da mídia com esse barbarismo.
Uma é o espelho canibal da outra. A Polícia
não investiga, condena e divulga. A imprensa divulga,
condena e não investiga. Ao final, as vítimas
se amontoam no próprio infortúnio, a Polícia
nunca é responsabilizada e a Imprensa se defende com
a alegação invariável que apenas publicou
o que lhe disseram".
(...)
Abro
aqui um parágrafo para destacar o imenso quantitativo
de processos instaurados contra os órgãos de difusão
nos últimos anos em todo o País por conta do denuncismo
irresponsável e não comprovado.
Entre
os advogados especializados em matéria cível e
criminal no Rio de Janeiro circula a hipótese segundo
a qual se fossem apreciadas no intervalo de um mês todas
as ações impetradas neste sentido, as corporações
jornalísticas terão que disponibilizar ou leiloar
todos os seus ativos e/ou simplesmente fechar as portas.
Até
onde vai o meu modesto conhecimento já foram ajuizados
mais de quatro mil feitos.
(...)
Retomando:
Ainda
segundo o Instituto Gutemberg: "A autocrítica
foi tão inócua que, no miolo do próprio
Caso Escola Base, a Imprensa se esqueceu do erro e forjou outro
- sendo que desta vez dispensou a ajuda da Polícia e
mentiu sozinha. O delegado Lemos já estava afastado do
caso e, para ocupar o seu lugar, fora designado o delegado Jorge
Carrasco. Em abril (1994) foi preso o cidadão norte-americano
Jorge Pedicini, suspeito de ceder o casarão onde residia,
no Bairro da Aclimação, para as orgias com as
crianças.
Embora
nada fosse reconhecido, mesmo assim - abastecidos com as informações
transmitidas em off pelo advogado das autoras das denúncias,
Dr. Artur Proppnair - alguns diários revelaram o contrário;
isto é: que as crianças tinham reconhecido a casa
do norte-americano. A Folha de S. Paulo, por exemplo,
publicou a seguinte chamada na primeira página: "Criança
liga americano a abuso na Escola".
Aulas de jornalismo
Durante palestra organizada pelo Knight Center for Journalism
in the Américas (órgão integrante da
University of Texas at Austin), Percival de Souza, 63 anos completados
este ano (2006), paulista de Braúna, no interior do Estado,
e um dos mais completos repórteres especializados na
área policial, apresentou uma série de comentários
a respeito das práticas mais comuns do Jornalismo Investigativo
no Brasil. Dentre os exemplos citados, recordou um episódio
dramático que por pouco não resultou na morte
de Domingos Meirelles um dos melhores repórteres do País
(grifo nosso, (e muito provavelmente de toda a equipe que o
acompanhava).
Destacou Percival de Souza ao abordar os riscos da profissão:
É
possível, para que vocês tenham uma idéia,
acontecer o que aconteceu com o colega Domingos Meirelles,
da TV Globo, que quase foi fuzilado dentro de um restaurante
em Pedro Juan Caballero, na fronteira com Ponta-Porã,
pelo simples fato de ele ter uma aparência física
muito semelhante a de um delegado da Polícia Federal
na área de entorpecentes. O (Domingos) Meirelles estava
fazendo a sua refeição com os companheiros de
equipe e lá é comum ter homens tocando guarânias.
Meirelles achou estranho aqueles homens tocando guarânias
e, de repente, começaram a caminhar para trás
na direção do banheiro. Até entrarem
no banheiro. Tem alguma coisa esquisita. Pensou. Chegou alguém,
e ainda bem que chegou alguém e indagou à queima-roupa:
Usted es Belinho, delegado de Polícia Federal?
-
No, no soy Belinho, soy Meirelles de la Globo
- responden o veterano repórter.
Foram essas palavras que o salvaram.
Por
coincidência o autor destas linhas também conversou
longamente a respeito com Domingos Meirelles. Ele explicou que
o tal Belinho na verdade chamava-se Bellini, delegado
preso recentemente durante uma das megaoperações
saneadoras que vêm sendo empreendidas pela Polícia
Federal. E acrescentou que o homem que o abordou intempestivamente
no interior do restaurante era piloto de aeronave de uma das
mais poderosas quadrilhas de narcotraficantes.
E
mais: para "desarmar os espíritos" e desconversar,
acrescentou que tanto ele como a sua equipe ali estavam para
elaborar ampla reportagem sobre um pretenso acordo de extradição
entre os governos do Brasil e do Paraguai, fato este que, felizmente,
convenceu os bandidos. Quanto ao grupo era integrado por Eram
doze homens, alguns deles armados com submetralhadoras e fuzis.
(...)
Percival
de Souza, penso, é o jornalista brasileiro que, presentemente,
mais avançou na prospecção sobre a violência
e a atuação das personagens nela engajadas. Exemplo
notável, porquanto pedagógico, foi a sua histórica
e exclusiva entrevista com José Anselmo dos Santos, o
Cabo Anselmo (posteriormente transformada no livro Eu,
Cabo Anselmo, São Paulo, Globo, p. 14)
Destaco um fragmento:
As
conversas para valer começaram em Aracaju, antes do Carnaval
de 1999. Descontração na Praia da Atalaia. Disciplina
de narrativa em ambiente fechado, gravador ligado, seguindo
a sua trajetória de vida desde o começo, como
se estivesse fazendo uma reconstituição de seus
cinqüenta e sete anos. Simultaneamente, eu fazia anotações
num caderno, assinalando pontos relevantes e momentos de maior
emoção ao descrever fatos. Também memorizei
ao máximo, adepto que sou do estilo de Truman Capote
no livro A sangue-frio.
Por
suas fontes sempre cuidadosamente resguardadas além de
bem posicionadas, narrativa densa e envolvente, Percival de
Souza é um repórter que difere da maioria dos
colegas especializados na área policial.
Sua
carreira jornalística teve início aos dezessete
anos, no semanário Ringue, cuja temática
era o Boxe. Em 1965 foi para o Jornal da Tarde.
Independentemente
das atividades jornalísticas é um estudioso aplicado
da Criminologia, ferramenta complementar aos estudos de Direito
Penal e indispensável àqueles que, efetivamente,
acompanham as investigações sobre os episódios
de violência com zelosa cautela, antes de formular qualquer
opinião a respeito.
A
sua longa e minuciosa entrevista com o cabo José Anselmo
dos Santos, ex-presidente da Associação de Marinheiros
durante o governo do Sr. João Goulart e, posteriormente
(por livre e espontânea vontade), transformado num dos
principais colaboradores do delegado Sergio Paranhos Fleury
(Deic-SP) e do aparato repressivo do Estado Brasileiro mobilizado
contra as frações da Esquerda Armada, constitui
uma das mais completas e impressionantes aulas de jornalismo
investigativo.
Fosse
tão-somente esta a lição transformada em
livro, sua contribuição à História
Épica do Jornalismo Brasileiro poderia ser considerada
como referência definitiva. Sem qualquer desdouro para
os demais colegas de profissão, Percival de Souza fez
muito mais do que a média. Elaborou e publicou mais de
uma dezena de volumes sobre assuntos que mexeram com o imaginário
da Opinião Pública... não somente a paulistana.
Cito
alguns desses trabalhos indispensáveis àqueles
que pretendem conhecer um pouco mais sobre a violência
urbana, suas personagens e implicações no cotidiano
das pessoas:
Isto
o jornal não conta (contos elaborados por jornalistas).
São Paulo, Vertente Editora, 1970;
Mil
mortes. São Paulo, Jornalivro, 1973;
A
prisão. São Paulo, Alfa Omega, 1977;
Violência
e Repressão. São Paulo, Símbolo, 1978;
A
Revolução dos Loucos. São Paulo, Global,
1980;
A
Maior Violência do Mundo. São Paulo, Traço
Editora, 1980;
Society
- Cocaína. São Paulo, Traço Editora,
1981;
O
Crime da Rua Cuba. São Paulo, Atual Editora, 1989;
O
Prisioneiro da Grade de Ferro. São Paulo, Traço
Editora;
Autópsia
do Medo - Biografia do delegado Sergio Paranhos Fleury.
São Paulo, Globo, 2000;
Narcoditadura:
O Caso Tim Lopes, Crime
Organizado e Jornalismo Investigativo no Brasil. São
Paulo, Labortexto Editorial, 2002.
E
esta é uma relação incompleta do seu intenso
trabalho como jornalista.
Posso
assinalar, como acréscimos à extensa produção
supra-assinalada, Cocaína boliviana domina o tráfico,
reportagem especial elaborada para o Jornal da Tarde
e publicada na edição de 24 de novembro de 1997;
Visita aos Bastidores do STF (para a Tribuna do Direito)
etc.
Percival
de Souza, com sua narrativa sóbria e envolvente, consegue
simplificar o que se apresenta aos olhos do público como
algo bastante complexo e aparentemente indecifrável.
Por exemplo, esta última reportagem mencionada deslinda
uma espécie de novelo jurídico, qual seja:
a permissão ou não autorização para
que o Ministério Público Federal conduza investigações
criminais, prerrogativa esta atribuída à Polícia.
Em
outro texto: Reflexões sobre o crime organizado,
Percival de Souza nos remete ao dramaturgo alemão Bertolt
Brecht, para quem somente pela realidade é possível
mudar a realidade. Quanto ressalta que o Crime Organizado
nasceu no miolo de uma sociedade em decomposição,
o jornalista reconhece que esse problema, embora grave, não
é insolúvel.
Todavia,
exige uma postura organizada e eficaz por parte dessa mesma
sociedade.
Ele
tem razão. Somente por intermédio de ações
imediatas, muito bem articuladas e conduzidas (principalmente
no âmbito dos Poderes Legislativo e Judiciário),
poderão os brasileiros recuperar a paz social e as corporações
policiais - bem remuneradas, reestruturadas e seguindo modelos
avançados de gerenciamento administrativo e tático
- terão condições de reduzir os índices
da criminalidade a patamares suportáveis.
Essas
novas estratégias não somente desmobilizarão
as facções criminosas instaladas nas duas maiores
metrópoles do País como impedirão que os
dados estatísticos se aproximem das cifras negra, vermelha
e dourada, estigmas para todo e qualquer Estado Nacional.
O
que se nota no conjunto do trabalho jornalístico de Percival
de Souza é que ele não se fundamenta em meras
cogitações, mas nos relatos testemunhais e pareceres
consolidados. Talvez seja esse o motivo pelo qual seus livros
não sofram da doença contestatória que
incomoda a maioria dos profissionais engajados na crônica
especializada.
Tomo
aqui mais dois exemplos: O Crime da Rua Cuba e Autópsia
do Medo - Biografia do Delegado Sérgio Paranhos Fleury.
O primeiro caso versa sobre o assassinato em circunstâncias
misteriosas do advogado Jorge Toufic Bouchabki e de sua mulher,
a professora Maria Cecília Delmanto Bouchabki, em sua
própria casa, um sobrado localizado à Rua Cuba
109, bairro Jardim Paulista, um dos endereços mais elegantes
da Capital.
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Jurídico:
Mais
do que mobilizar a Polícia, a Imprensa e o Público,
acabou por se transformar em uma verdadeira novela policial,
com todos os ingredientes que o gênero exige. Afinal,
decorrido quase um ano, o caso parece ainda longe de ser elucidado
completamente, permanecendo como um mistério encoberto
por sombras intrincadas e confusas. E o fato de a arma que
provocou a morte do casal não ter sido encontrada até
hoje é apenas mais um dos detalhes enigmáticos
do crime. Assim, era de se esperar que alguém se propusesse
a contar essa história em livro. E é isso que
faz o jornalista e escritor Percival de Souza.
O
fato é que o (então) estudante Jorge Delmanto
Bouchabki, filho do casal, foi apontado pela Polícia
como suspeito pela morte dos pais. Ele chegou a ser acusado
duas vezes pelo Ministério Público, mas a Justiça
Paulista decidiu-se pelo arquivamento do processo por falta
de provas contra ele. A última delas, conforme cita o
diário O Estado de S. Paulo, edição
de 19 de maio de 1999, no Caderno Cidades, sob o título:
Filho será denunciado pelo Crime da Rua Cuba. Será
a segunda denúncia contra Jorge Delmanto Bouchabki pela
morte dos pais em 1988.
Registrou o jornal e aqui reproduzo parte do texto por seu interesse
jornalístico.
"...a
promotora Eliane Passarelli, do Tribunal do Júri de
Pinheiros, deve denunciar amanhã o advogado Jorge Delmanto
Bouchabki, de 28 anos, o Jorginho, como principal suspeito
pelas mortes dos pais, o advogado Jorge Toufic Bouchabki e
a professora Maria Cecília Delmanto Bouchabki, em 1988.
Será a segunda denúncia contra Jorginho. Na
primeira, apresentada em 1989 pelo atual Procurador-Geral
de Justiça, Luiz Antonio Guimarães Marrey, o
juiz Linneu Rodrigues de Carvalho Sobrinho, da Vara do Júri
de Pinheiros, não concordou em mandar Jorginho a julgamento
por entender que não havia provas no processo, apenas
indícios. A decisão da promotora em reabrir
o caso e preparar a denúncia tem como base novas provas
que estão em 210 páginas anexadas ao processo
e, principalmente, o depoimento da ex-empregada doméstica
do casal Olinda Oliveira da Silva ao Departamento de Homicídios
e Proteção à Pessoa (DHPP) prestado no
fim de abril. Ela teria presenciado uma discussão entre
Jorginho e a mãe, que era contrária ao namoro
do rapaz com Flávia Cardoso Soares. Olinda teria visto
o rapaz, na sala da casa, enfrentar Maria Cecília e
ser em seguida agredido por ela com um taco de bilhar nas
costas. Segundo a ex-funcionária, Jorginho gritou que
não deixaria a namorada em hipótese nenhuma
e a mãe iria arrepender-se por aquele gesto.
Omissão - Interrogada pelo delegado Luiz Carlos Ferreira
Sato, Olinda deu detalhes que omitira nos depoimentos prestados
à Polícia e à Justiça quando do
assassinato e um ano depois, na fase do processo no Tribunal
do Júri de Pinheiros. Segundo Olinda, na noite que
antecedeu o crime, Maria Cecília e Jorginho, o filho
mais velho, discutiram. A mãe reclamava que o rapaz
não havia montado a bicicleta da irmã, que seria
o presente de Natal. Mas o motivo maior foi o namoro de Jorginho.
A mãe teria determinado o rompimento definitivo com
Flávia. A discussão teria ocorrido na sala,
na presença de Olinda. A ex-empregada afirmou que Maria
Cecília deu prazo até o dia de Natal para o
término do namoro. Olinda disse ao delegado Sato e
à promotora Eliana ter visto a professora aplicar um
golpe tão forte que o taco de bilhar se quebrou nas
costas de Jorginho. Ainda segundo a empregada, em seu novo
depoimento, o rapaz respondeu que ficaria com a namorada "de
qualquer maneira". Em seguida ameaçou a mãe.
O delegado perguntou porque Olinda omitiu estes detalhes quando
ouvida pelo delegado José Augusto Veloso Sampaio e
pelo promotor Luiz Antonio Guimarães Marrey, responsáveis
pela investigação. Ela informou que "a
família pediu para não dizer nada".
Percival de Souza não deixou passar em branco tais indicativos
e, no seu livro, à página 63, assinalou:
"...Houve
quem quisesse explicar tudo com a tese de que o rapaz teria
surpreendido o pai, que havia acabado de atirar na mãe...
Mas não foram essas únicas hipóteses
que circularam sobre o caso., pois centenas de pessoas empenhadas
em decifrar o enigma, buscavam sua explicação
pessoal para o Crime da Rua Cuba. De todo modo, as especulações
nasciam e se multiplicavam exatamente porque ninguém
consegue entender o que realmente aconteceu no quarto dos
Bouchabki. A mudança dos corpos na cama...a alteração
do local do crime...a ausência de qualquer vestígio
de violência nas fechaduras, portas e janelas..."
E, na página 65, mergulhou ainda mais fundo na sua análise:
"...Jorginho,
além dos banhos de sol logo após o crime, e
da frieza aparente na concorrida missa de Sétimo Dia
da morte dos pais (todos abalados, inclusive Roberto Delmanto,
que dava a impressão de ser um homem destroçado),
também aproveitou e pulou novamente o Carnaval. Estranho
ou não...".
A Justiça paulista assim interpretou tais fatos, corroborando
em essência aquilo que o jornalista publicou no livro:
"como se vê, a exposição de idéias,
raciocínios, conclusões relativas ao Crime da
Rua Cuba não constitui novidade. Os conflitos familiares
entre Jorge Delmanto Bouchabki, seus pais, sua reprovação
no vestibular, seus problemas particulares, o fato de ter dançado
no Carnaval, entre outros, foram levantados e questionados desde
1988".
Sérgio Fleury: enigma e tradução
A biografia do policial mais temido no País durante os
Anos de Chumbo, foi uma das mais completas prospecções
jornalísticas materializadas nos últimos vinte
anos. Inicialmente pela ambiência nos bastidores do aparato
repressivo instalado no Departamento Estadual de Investigações
Criminais (Deic), onde o delegado Sérgio Paranhos Fleury,
apoiado por uma sólida equipe e amparado, ele próprio,
por uma conjugação de forças que se estendiam
do Legislativo (daí a criação da chamada
Lei Fleury) ao miolo secreto das Corporações
Armadas, reinou acima dos limites do bem e do mal.
E,
em seguida, pela narrativa envolvente, dramática e esclarecedora
mostrando uma outra face da personagem principal: isto é,
um homem apaixonado por Leonora Rodrigues (esta, irmã
de dois militantes da esquerda, um deles vivendo em Moscou)
e capaz de aglutinar ao mesmo tempo as antipatias e simpatias
mais complexas.
A
morte em circunstâncias estranhas, ao cair no mar quando
passava de um barco para o outro, ambos atracados no píer
do Iacht Club de Ilhabela. O funeral em
grande estilo, com milhares de pessoas assistindo nas ruas como
se fora a passagem do cortejo de um ministro de Estado.
Percival
de Souza reduziu o mito Sérgio Paranhos Fleury à
sua dimensão humana, sem olvidar a violência que
norteou a trajetória daquele policial. Mas foi exatamente
no epílogo do livro que ele resolveu talvez a mais complexa
equação da sua vida como repórter. Reproduzo:
"Fleury
era um tema a ser enfrentado. Eu sabia que seria difícil
encarar a missão de esculpir sua biografia e inseri-la
num contexto que significa não só o tempo mas
o momento político brasileiro."
Mas conseguiu. É o que basta!
*José
Amaral Argolo é advogado, jornalista e Professor Adjunto
Nível IV do Quadro Permanente da Escola de Comunicação
da UFRJ. É pós-graduado em Jornalismo e em Ciência
Política, Mestre em Filosofia, Doutor em Comunicação
e Cultura e, como bolsista do CNPq, concluiu pesquisa de pós-doutorado
em Jornalismo no âmbito do Departamento de Jornalismo
e Editoração da Escola de Comunicação
e Artes da Universidade de São Paulo.
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