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Dossiê

QUARUP - parte 04

Um pronunciamento após o outro iam delineando as múltiplas facetas de Jair Borin, professor, jornalista, preso político, tempos de Aeronáutica, em Pernambuco, nos distantes tempos de Arraes e das Ligas Camponesas, amante da liberdade que nas palavras de Paulo Vannuchi dão a verdadeira dimensão de tempo e espaço: "um caleidoscópio chamado Jair":


Instituto da Cidadania

Por Paulo Vannuchi

Convidado pela querida Sílvia Borin para falar neste ato tão bonito, que está mantendo um astral muito alto, um ato que tem o próprio rosto do nosso Jair, tive uma preocupação: nossas falas não podem lembrar apenas as virtudes óbvias do nosso companheiro.

Todos aqui já lembraram a sua integridade pessoal, seu espírito militante, sua consciência revolucionária, seu compromisso profundo com a luta pelo socialismo. Tudo isso já foi bem fixado, fazendo justiça àquela que é, talvez, a dimensão humana mais determinante desse lutador.

Mas é preciso acrescentar mais coisas bonitas dessa extraordinária figura. Assim, convidado para falar em nome daquela comunidade de presos políticos que conviveu com Jair Borin durante o ano de 1975 no presídio do Barro Branco (Presídio Político de São Paulo), quero destacar outras facetas desse caleidoscópio chamado Jair.

Quero lembrar o companheiro que deu pequenos cursos de jornalismo para os demais presos políticos, ensinando a técnica do lead, o famoso esquema do "que, quem, quando, como, onde, porque", para muita gente que terminaria cursando jornalismo, como eu e Celso Horta, tantos outros, inspirados na figura do Jair.

Quero lembrar suas longas digressões sobre cinema, discorrendo sobre os "cahiers du cinema", sobre filmes de Alain Renais, a "nouvelle vague", ou precisamente sobre o marco contido na realização de "Quais de Brumas".

Quero lembrar suas enciclopédicas aulas sobre o café, o significado da variedade "robusta", a beleza da espécie "mundo novo".

Quero contar que Jair ensinou muitos de nós a montar aeromodelos, que eram vendidos sob a forma de kit na região do Arouche e encomendávamos a nossos familiares. Horas e horas mergulhados na colagem com goma arábica, o fino papel de seda, no trabalho paciente de lixar as delicadas longarinas. E pronto: tínhamos um belo presente para o filho ou para algum sobrinho que fazia aniversário.

E não era só de aeromodelos que ele nos falava. Lembrava seus tempos de Aeronáutica, em Pernambuco, nos distantes tempos de Arraes e das Ligas Camponesas. E de repente víamos Jair fazendo os gestos de quem está puxando o manche na decolagem, ensinando o que era uma manobra de arremetida, ou um looping, ou o que significava estolar.

Preso gosta de voar.

Não posso me alongar muito. Mas enfatizo duas características muito marcantes do Jair: essa impressionante erudição, que se espalhava por campos absolutamente surpreendentes do conhecimento humano. E a emocionante generosidade pessoal.

Não foram poucos os companheiros de prisão ou de militância do Jair que o viram enfiar a mão no bolso para alguma contribuição financeira, alguma solidariedade pessoal continuada, alguma ajuda para familiares dos presos de estados distantes. Vindo de uma pessoa que não possuía nenhuma fortuna em dinheiro, que tinha um padrão de vida apenas típico de um profissional talentoso, esse desprendimento, essa gratuidade, essa generosidade chegavam a ser impressionantes.

Por último, não seria justo que este ato se encerrasse, depois de lembrados aqui episódios recentes de politicagem mesquinha contra ele dirigida - quando foi o mais votado, mas não o escolhido para a direção da ECA - não seria justo deixar de denunciar que, durante nosso tempo de prisão, Jair nunca teve dúvidas em apontar como causa de sua prisão uma deduragem efetuada por um desses expoentes da Universidade que mantinham laços de colaboração com a ditadura militar e os utilizavam para combater colegas de quem discordavam nos embates acadêmicos.

Jair sempre apontou como responsável pela sua prisão o diretor da ECA naqueles tempos idos, um notório fascista que teve contra sua gestão uma das mais corajosas e prolongadas greves estudantis já realizadas em nossa USP.

Sentimos muita falta e muita saudade do Jair. Continuaremos sentindo. Mas a coisa mais importante deste ato é que estamos reunidos em torno de um Jair muito vivo. Que continua a nos estimular, a nos convidar, a nos convocar para a ação.

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