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Dossiê

QUARUP - parte 05

Depois do emocionante depoimento de Vannuchi, foi a vez de José Udalrico dos Santos, 6l, Major R/R da FAB, cuja homenagem relembrou os tempos de Jair Borin, no Governo de Miguel Arraes, quando era aluno da Escola Oficial de Cadetes da Aeronáutica, em 1963, momento no qual já demonstrava seu grande interesse político e desejo de liberdades democráticas:


Jair Borin: sinto muito a falta
deste grande companheiro

Por José Udalrico dos Santos*

Lamento e sinto muito a falta desse grande companheiro. Tínhamos a mesma idade e éramos como irmãos. Conheci-o em l963 quando ingressamos na Escola de Especialistas de Aeronáutica. Pertencíamos a mesma Cia. de Alunos.

Certa vez contou-me que havia sido aprovado para a AFA (Escola de Cadetes do Ar) mas preferiu a Escola de Especialistas da Aeronáutica. Os oficiais não apreciaram muito sua atitude. Terminamos o curso de formação de sargentos, eu radio operador de vôo e ele mecânico de vôo. Por coincidência fomos, ambos, transferidos para a Base Aérea de Recife.

Aliás, ele chegou seis meses antes de mim e foi classificado no l/6 Gav (Busca e Salvamento) e eu no 2/6 Gav (Aerofotogrametria e Reconhecimento da Costa) Convém lembrar que estávamos em l963 em plena efervescência política. Um dia, pouco antes do surgimento do movimento militar, um oficial superior entrou no alojamento dos sargentos e surpreendeu o Borin lendo alguma coisa no quadro de avisos.

Tratava-se de um panfleto político. Indagado sobre quem o havia colocado ouviu a seguinte resposta: "fui eu". Era honesto não negou a autoria. O comando mandou instalar uma sindicância e o resultado foi sua expulsão da Forca Aérea Brasileira. Entregue à Secretaria de Segurança Publica de Pernambuco foi levado à presença do Secretario que, alegando nada ter contra ele o liberou prontamente. Era governo o Dr. Miguel Arraes de Alencar.

Borin foi trabalhar na aviação civil e, se não me falha a memória, continuou a estudar. Fazia Sociologia e Política.Com a eclosão do movimento militar e a respectiva tomada do poder começou o desmantelamento das mais diversas facções políticas. Preso, torturado, respondeu IPM sem prejudicar seus companheiros. Libertado por habeas-corpus mudou-se para São Paulo. O processo político continuou tramitando normalmente.

Foi condenado a oito anos de reclusão à revelia. Perdemos o contato quando viajou para São Paulo. Eu, condenado à quatro anos de reclusão, não pude mais falar-lhe, estava encarcerado na Casa de Detenção de Recife. Só em l973 ou 74 e que voltei a vê-lo. Encontrei-me com ele na sede da Folha de S.Paulo. Recordamos o que se havia passado dez anos antes; sua expulsão, a comoção causada na Base, por causa da sua influencia e sua liderança principalmente na ala jovem. Agora, a tarefa mais importante era a luta pela anistia. Que paradoxo! Sempre insisti com ele para que requeresse a anistia. Uma vez respondeu-me que não era justo cobrar do povo pelo qual lutou voluntariamente qualquer tipo de reparação financeira.

Tal era seu nível de honestidade política. Tinha um grande coração Disso posso dar testemunho: uma vez perguntou-me como ia na faculdade. Respondi-lhe que estava trancando a matrícula. Então financiou-me um semestre inteiro da Faculdade de Engenharia Industrial da Universidade Braz Cubas. Em l985 foi para Brasília a convite do Dr. Jose Gomes da Silva, na condição de Chefe de Gabinete, para trabalhar no Plano Nacional de Reforma Agrária do governo Sarney.

Alguns meses depois levou-me para trabalhar na Assistência de Comunicação Social do INCRA. Trabalhamos juntos durante nove meses. Retornei a São Paulo e ele permaneceu em Brasília, defensor fervoroso que era da reforma agrária no Brasil, ate a saída do Ministro Nelson Ribeiro.

Quero salientar que depois que o vi em São Paulo convidou-me para um almoço num restaurante que ficava instalado na garagem do Olido na avenida São João. Desses encontros meramente fraternais surgiu ACIMAR - Associação dos civis e militares aposentados e da reserva. Pioneira na luta pela anistia.

Infelizmente, o destino nos tirou não só um grande jornalista e professor, mas, um grande baluarte das lutas políticas e sociais e defensor incansável das reivindicações populares.

*José Udalrico dos Santos é Major R/R da FAB.

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