Dossiê |
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QUARUP
- parte 12
Também os alunos de pós graduação
e ex-orientandos de Jair Borin fizeram suas homenagens.
Adiràn Padilla fala do companheiro e amigo e reafirma
que ainda continua crendo na poesia, nestes sentimentos
de partilha e amizade. Sentimentos que marcaram sua convivência
com o mestre que nunca fez distinção de
culturas, credos e cor:
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Nosso
querido companheiro Jair Borin
Por
Adriàn Padilla*
Hoje,
para pensar e falar de nosso querido Mestre, Companheiro e Amigo:
Jair Borin, podemos nos aproveitar de nossa condição
de mestiços, da hibridação cultural da
que falam alguns autores, para procurar em nossas raízes,
nas visões dos primeiros dos primeiros, os mais velhos
que habitaram nestas terras que fazem parte da Nossa América,
a América Morena - nas palavras do poeta cubano José
Martí -, pistas que nos permitam lidar com a ruptura
e todas suas conseqüências.
Desde
essa perspectiva temos que nos referir a ele não como
o ser querido que partiu, mas que se mudou para uma outra dimensão.
Aquela reservada para nossos valores mais preciosos. Aquela
onde os homens e mulheres que optaram pela vida continuam a
viver o dia-a-dia, fazendo parte de nosso imaginário
e de nossas utopias provisórias.
Há
sete anos quando chegamos ao Brasil tínhamos algumas
referências gerais do que era este enorme país.
Além do futebol e o carnaval, tão veiculados pela
mídia internacional, tínhamos uma idéia
de país que construímos durante anos com a música
de Chico Buarque, Milton e outros artistas da MPB, com as leituras
de Darcy Ribeiro, Jorge Amado e, sobretudo, de um Paulo Freire
que, desde os anos 70, nos acompanhou nas práticas educativas
que desenvolvíamos em algumas favelas da Caracas de nossa
adolescência.
Na
dinâmica da vida uspiana, mais específicamente
ecana, aos poucos, fomos conhecendo pessoas e construindo amizades
que foram fundamentais para consolidar o projeto de vida acadêmica
que tínhamos escolhido. Entre essas pessoas maravilhosas
destaca-se, sem dúvida, o Professor Jair Borin, meu orientador,
companheiro e amigo.
Nosso
primeiro contato não foi na sala de aula, mas em concentrações
políticas e atos de protestos, que se realizaram como
resposta ao massacre de Eldorado de Carajás, o qual aconteceu
aos poucos dias da nossa chegada ao Brasil.
Através
do Jair fomos conhecendo a história não oficial
deste país, a história das lutas dos movimentos
sociais e políticos, a resistência à ditadura
da qual ele próprio fez parte. Acompanhando-o nas aulas
de jornalismo brasileiro completamos o quebra-cabeça
da visão sobre a nossa profissão neste continente.
Foram-se
passando os anos e nossa relação foi-se construindo
sobre bases sólidas ligadas ao acadêmico, ao político
e, fundamentalmente, ao humano. O sentido da solidariedade e
sua sensibilidade aproximaram a nossa relação
ao âmbito familiar e da amizade.
Em
julho de 1999, o Jair nos convidou para uma viagem à
Venezuela pela via amazônica o que era, como ele sabia,
um projeto pessoal que estávamos trabalhando havia tempo.
Infelizmente, os compromissos de nosso primeiro semestre do
doutorado e a espera do Marcos Alekos, nosso filho caçula,
que chegou em outubro desse ano, não permitiram compartilhar
essa experiência que nos levaria à construção
de pontes, ou estradas, vivenciais entre os nossos países.
Porém, tivemos a felicidade de apoiá-lo nesse
percurso colocando à sua disposição a força
de familiares, amigos e companheiros que os acolheram (a ele
e a seu filho Ivan) e compartilharam com eles esses dias venezuelanos.
Palestras foram organizadas em Caracas, na Universidad Central
de Venezuela, onde fizemos nossa graduação, e
no Programa Venezuelano de Educação em Direitos
Humanos, nas quais o Jair dissertou sobre a Educação
Pública de Qualidade e sobre as lutas pela Reforma Agrária,
respectivamente.
No
Centro-Oeste da Venezuela, no estado Lara, tiveram o apóio
de nosso irmão Orlando na visita à região
de Sanare, zona rural onde se desenvolve o projeto hidráulico
Yacambú-Quíbor, que visa o aproveitamento de recursos
hídricos para consumo urbano e agrícola, no qual
trabalhamos na área de comunicação os últimos
dois anos antes do capítulo brasileiro de nossas vidas.
A
possibilidade de compartilhar esses espaços e esses afetos
que são referências diretas, vitais, de nossa experiência
profissional, política, de vida, aproximou mais ainda
nossa relação com o Jair.
Em
julho de 2001, um dia antes de entrar à Selva Lacandona,
no estado mexicano de Chiapas, onde faríamos pesquisa
de campo, estávamos um pouco, aliás bastante,
ansiosos e preocupados por se tratar de uma zona de conflito.
Então resolvemos enviar um e-mail ao meu orientador falando
de como estava indo a pesquisa e que na madrugada estaríamos
na trilha dos homens e mulheres morcegos, os indígenas
maias, que lutam nesses empobrecidos territórios, considerados
como buracos negros por alguns autores da pós-modernidade.
Graças
ao uso das novas ferramentas tecnológicas recebemos uma
resposta do Jair, ainda no mesmo dia, onde nos dava a maior
força para continuar a nossa empreitada. Entre outras
coisas nos disse que de alguma forma, através de nós,
ele estaria presente conosco nas zonas do Votán-Zapata,
o Velho Antônio e os demais zapatistas.
É
assim, com essa força, com essa disposição,
com essa sensibilidade, com essa atitude de lutador que vemos
o Jair como um semeador de utopias, corresponde a nós
colher os frutos de sua vida dando-lhe continuidade aos projetos
pelos quais lutou.
Lembramos
nesta hora de um querido poeta venezuelano, que hoje também
habita em nosso imaginário, o velho Aquiles Nazoa quando
dizia:
"Creo
en la poesía...
creo en los poderes creadores del pueblo...
creo en la amistad... como el invento más bello del hombre...
e creo en mi mismo... puesto que sé que hay alguien...
que me ama."
Aquele
abraço Jair.
*Adriàn
Padilla
é ex-orientando de Jair Borin.
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