...................................................................... pjbr@eca.usp.br













...
...
Dossiê

QUARUP - parte 13

As homenagens a Jair Borin continuaram sendo prestadas por seus alunos, professores e funcionários:


Jair Borin

Por Ralph Machado

Refletindo um pouco, creio que o relacionamento da minha turma de jornalismo com Jair Borin foi marcado por reencontros vários e apenas um desencontro, em 1988, num fechamento do Jornal do Campus, que ele havia assumido como editor responsável ao voltar para USP após sua passagem pelo governo federal. Naquele dia, Jair se recusou a publicar como manchete a repressão a uma manifestação de funcionários.

Nós insistíamos, ele resistia. Ao final, disse que a responsabilidade seria nossa - acho até que foi embora mais cedo, bravo, num gesto raríssimo. Publicamos o material, com apoio do também saudoso Carlos Manente. Na semana seguinte, surpreendentemente, Jair Borin pediu desculpas e afirmou que havia errado.

A humildade era uma de suas qualidades, sem dúvida.Aquele desencontro, porém, serviu para selar um tipo de pacto, de respeito mútuo e de cumplicidade - Jair confiava em nós. Quem não se lembra da Brasília azul que ele arrumou na Reitoria para as nossas reportagens? A cumplicidade valia para as brincadeiras, como aquela corrida de bicicleta pelos corredores do CJE, numa madrugada qualquer Creio, enfim, que Jair nos adotou.

Éramos a primeira turma que assumiu quando resolveu seguir a carreira de professor em tempo integral; a nossa formatura, no final de 1989, foi celebrada com um churrasco no seu sítio perto de Sorocaba; em 1993 voltamos a nos reunir, na casa dele no Jaguaré, para um macarrão com sardinha que havia prometido. O meu último reencontro com Jair Borin foi especial.

Eu trabalhava na Folha de S.Paulo, que certo dia se recusou a publicar uma reportagem minha, por relações de afinidade pessoal do dono com o político envolvido no caso. A solução foi pedir demissão, uma decisão que, se tomamos, ou parecemos ingênuos e imaturos ou então pretensos moralistas donos de toda ética.

Era janeiro, fevereiro de 2002, uns dois meses após a morte do meu pai. Eu mesmo não sabia no que me tornara até receber um e-mail. "É isso aí, garoto", disse Jair paternalmente. "Muita coragem e coerência com o que a vida nos ensina e nos demanda como jornalistas cidadãos", continuou, resumindo, a meu ver, o que é ter caráter.

Se eu tomei aquela decisão foi porque também convivi com Jair. No campo pessoal, não há quem não procure, consciente ou inconscientemente, referências de conduta, de posturas diante da vida - seja da vida íntima, seja da vida social.

Como lembraram os meus colegas de turma, Jair sabia da responsabilidade de ter, como alunos, uns quase adolescentes à procura de modelos - e ele estava lá. Era uma pessoa que se oferecia como exemplo, sempre à nossa disposição. Honrava esse dom, claramente refletido nos seus olhos tão azuis.

No campo profissional e acadêmico, como ressaltou o professor Wilson Bueno, seu colega Jair Borin deixou uma lição fundamental: a objetividade e a isenção são atributos falsos no jornalismo, os filtros existem em todo o processo de produção jornalística. Isso fez com que Jair Borin denunciasse a cumplicidade entre a mídia e o poder - mas, idealista, ao mesmo tempo acreditava na possibilidade de mudar esse estado de coisas.

O que conforta, portanto, é a solidez da vida e do trabalho de Jair Borin. Ele mesmo me confidenciou que se considerava academicamente realizado, que sua obra havia se consolidado nos 41 trabalhos de conclusão de curso, nas 6 dissertações de mestrado e nas 2 teses de doutorado que orientou.

Novamente estava sendo humilde. Além de cimentar o chão do pátio de uma cadeia em Fernando de Noronha nos anos 70, Jair fincou, em cada um das centenas de alunos, os alicerces da sociedade mais justa com que sonhou e pela qual travou uma luta intensa.

Agora está por nossa conta.

28 de abril de 2003

**Este texto recebeu contribuições de Airam Lima Júnior, Paulo de Camargo, Rita Amorim e Sandra Mara Costa.

Voltar

www.eca.usp.br/prof/josemarques