Dossiê |
 |
QUARUP
- parte 09
Em seguida fizeram a apresentação audiovisual
das palavras do Prof. Dr. Bernardo Kucinski, que se encontra
em missão governamental executiva em Brasília.
Palavras que deram o real dimensionamento e o descaso
que a mídia no Brasil faz a seus jornalistas combativos,
como era Jair Borin, cujo espaço jornalístico
fora diminuto no noticiário do dia de seu falecimento.
Erro que foi corrigido com o passar dos dias e em sua
missa de sétimo dia:
|
Quando
morre um jornalista
Por
Bernardo Kucinski*
A
morte do jornalista e professor Jair Borin, na última-terça-feira
(22/04), foi praticamente ignorada pela grande imprensa. Alguns
jornais não lhe concederam nem as 20 linhas regimentais
do obituário. Borin foi homenageado na segunda-feira
(28), em ato na Escola de Comunicações e Artes
da USP.
Um
dia, um de meus alunos, o Alcides, propôs uma matéria
sobre o "Pena Branca". O famoso repórter de
polícia Octávio Ribeiro, que havia morrido um
dia antes. Que tipo de matéria, perguntei. Sei lá,
uma notinha de umas vinte linhas, ele propôs, já
que a maioria dos jornais não deu nada.
Ponderei
que um repórter do calibre do Pena Branca merecia mais
do que uma nota de vinte linhas. O Alcides encheu-se de brios
e dias depois veio com a matéria genial "Caiu um
Boeing", em que descrevia a vida do repórter adotando
o estilo peculiar do Octávio Ribeiro.
Na
última semana caiu outro Boeing. Morreu um grande jornalista:
Jair Borin*. Procurando seu obituário nos jornais, lembrei
esse episódio. Globo, Valor e JB não noticiaram
sua morte. Não deram nem as vinte linhas regimentais.
Não se pode alegar que Jair era personalidade estritamente
paulista. Ele foi dirigente da Associação dos
Docentes da USP, participou de duas diretorias do Sindicato
dos Jornalistas do Estado de São Paulo, ministrava cursos
e conferências por todo o país e foi o candidato
mais votado pela comunidade universitária ao cargo de
Reitor da USP, na última eleição. Nem se
pode alegar falta de tempo ou de conhecimento. Jair Borin morreu
de manhã. Ao meio-dia a notícia já era
veiculada pela Agência Estado.
Jair
Borin trabalhou muitos anos na Folha de São Paulo, onde
escreveu algumas de suas matérias mais importantes. Seu
furo de reportagem, sobre o misterioso Projeto Jari, na Amazônia,
foi publicada na Folha. Vários de seus ex-alunos trabalham
na Folha. Mas a Folha se limitou às vinte linhas regimentais,
num pé de página, dentro da seção
obituário. A página é ocupada quase inteirinha
pela morte, no mesmo dia, do dramaturgo Mauro Rasi, que além
da reportagem principal foi homenageado em três outros
textos e notinhas de " repercussão" de sua
morte. A Folha adotou, para a edição das duas
mortes, o critério literário.
Gazeta
Mercantil e Correio Braziliense também se limitaram às
vinte linhas regulamentares de obituário. Só O
Estado de São Paulo, entre os jornais de referência
nacional, noticiou com destaque a morte de Jair Borin. Uma longa
matéria descrevendo sua vida e sua trajetória
jornalística e acadêmica. Como ressalta bem a reportagem,
Jair tinha prazer em lecionar e foi especialmente bem sucedido
como orientador de alunos cursando a pós-graduação,
em suas teses de mestrado e doutorado. Também no Estado
a morte de Mauro Rasi ocupo o topo da página, mas os
espaços estão melhor divididos.
O
Estado não adotou o critério literário.
Adotou o critério da totalidade do ser humano. E por
esse critério, a vida de Jair Borin foi mais dramática
do que qualquer peça de teatro. Jair foi ativista político
nos anos 60. Foi preso e torturado, mais de uma vez. Uma das
torturas foi a de obrigá-lo a cavar a sepultura em que
seria supostamente enterrado.
Jair
participou da imprensa alternativa dos anos 70. Foi um dos criadores,
junto com Plínio de Arruda Sampaio, do Correio da Cidadania,
jornal alternativo dos tempos atuais. Participava do núcleo
agrário do Partido dos Trabalhadores. Tornou-se muito
amigo de um dos fundadores do ideário de Reforma Agrária
no Brasil, José Gomes da Silva, pai do nosso atual Ministro
da Segurança Alimentar ( Fome Zero) José Graziano
da Silva.
Jair
era de família pobre. Mauro Rasi, de família rica,
"uma da mais tradicionais da cidade", diz a reportagem
do Estadão. O prefeito de Bauru decretou luto oficial
de três dias por causa da morte de Rasi.
Claro
que origem social não tem nada com isso. Nem o perfil
engajado de Jair Borin, tão fora de moda em certos meios.
Acontece muito simplesmente que a matéria jornalística
é efêmera. E essa transitoriedade se transfere
para o seu autor - o jornalista. Já o teatro, é
eterno.
O
luto da morte de Jair fica dentro de nós.
*Bernardo
Kucinski é jornalista e professor do Departamento de
Jornalismo e Editoração da USP.
Voltar
|