Dossiê |
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Há
30 anos era defendida a primeira
tese de doutorado em Jornalismo da ECA
Por
Richard Romancini
O
Prof. José Marques de Melo obteve o título de
doutor em Comunicação com a tese "Fatores
sócio-culturais que retardaram a implantação
da imprensa no Brasil", defendida, em 26 de fevereiro
de 1973, na Escola de Comunicações e Artes da
USP. O trabalho, que teve a orientação do Prof.
Dr. Rolando Morel Pinto, foi a primeira tese defendida na
Pós-Graduação da ECA que aborda o Jornalismo
e a Imprensa.
Neste
momento, as teses eram defendidas em regime de doutorado direto,
dentro do modelo europeu que prevalecia nas universidades
brasileiras. Os pesquisadores que defenderam suas teses nesse
modelo seriam os primeiros orientadores do Programa de Pós-Graduação
em Comunicação da ECA nessa área - nos
parâmetros prevalecentes até hoje. (Nesse sentido,
vale notar que o primeiro doutor da ECA com tese em Jornalismo,
no atual modelo, seria um orientando do Prof. Marques de Melo,
o também professor da ECA Carlos Eduardo Lins da Silva,
que defendeu sua tese "Muito além do Jardim Botânico"
em 1984.)
A
tese "Fatores sócio-culturais que retardaram a
implantação da imprensa no Brasil" foi
editada em livro, pela editora Vozes, no mesmo ano da defesa,
com o nome de Sociologia da imprensa brasileira. Não
foi, todavia, o primeiro livro do autor, que antes dele já
publicara outros quatro trabalhos dedicados ao universo da
Comunicação, entre eles, Comunicação
social: teoria e pesquisa (Vozes, 1970) e Estudos de jornalismo
comparado (Pioneira, 1972).
Ao
referir à sua trajetória de pesquisa, o Prof.
Marques de Melo, porém, destaca de modo especial sua
tese, ao referir-se a ela como a "primeira evidência
que demonstrei academicamente", ao propor que "o
Brasil ingressou de modo tardio na civilização
jornalística (três séculos depois da Europa)
não por maldade dos nossos colonizadores, como defende
a história oficial, mas em decorrência da nossa
formação sócio-cultural, que reprimiu
as demandas nacionais pela informação impressa,
retardando desta maneira a produção de jornais
e revistas", resumiu o professor numa entrevista (1).
A
pesquisa é amparada, como destaca o prefácio
do livro de Luiz Beltrão, por "uma construção
metódica e consciente, em que não se aceitam
os dogmas ou proposições que, submetidas, não
possam resistir aos assaltos e impactos da dúvida.
Dúvida que a observação e a experimentação,
o raciocínio e as hipóteses, os dados, os fatos
e os princípios, suscitam, a fim de possibilitar o
surgimento da verdade e do rigor científico".
Dessa
forma, ao inscrever seu trabalho em marcos científicos,
a análise sociológica do desenvolvimento da
imprensa no Brasil proposta pelo Prof. Marques de Melo efetua
uma rigorosa revisão crítica das teorias que
analisaram o objeto-problema em foco, para depois propor sua
própria interpretação. Parte, ao mesmo
tempo, de uma perspectiva teórica, o método
funcionalista proposto por Durkheim, que busca "a determinação
da correspondência existente entre um fato considerado
e as necessidades gerais do organismo social em que está
inserido" (Marques de Melo, 1973, 22).
Antes
de abordar diretamente o tema e as interpretações
anteriores, porém, nos dois primeiros capítulos
do trabalho, o autor contextualiza o processo de difusão
da comunicação impressa - em suas origens européias
e na introdução do processo nos territórios
coloniais -, de modo a oferecer ao leitor um referencial a
partir do qual a experiência brasileira possa ser compreendida
com mais acuidade.
A
partir do terceiro capítulo, Marques de Melo discute
as explicações anteriormente propostas para
o atraso da implantação da imprensa em nosso
país. Ele distingue - notando, contudo, o modo parcial
com que o problema fora até então analisado
- duas correntes de interpretação: uma que enfatizava
os aspectos políticos (representada, entre outros autores,
por Alfredo de Carvalho, Moreira de Azevedo e Juarez Bahia)
e outra, representada por Nelson Werneck Sodré, que
destacava os aspectos econômicos.
No
primeiro caso, em resumo: "A imprensa demora a ser instalada
no Brasil por razões essencialmente políticas,
Portugal, resguardando os seus interesses de metrópole
colonizadora, utiliza todos os recursos disponíveis
para impedir o funcionamento de qualquer tipografia na colônia
americana" (Marques de Melo, 1973, 95).
Como
o autor discute, esta hipótese, embora não deva
ser rejeitada totalmente, apresenta falhas, principalmente
por ignorar o fato de nunca houve uma legislação
restritiva à instalação de tipografias
no Brasil.
De
outro lado, a hipótese de Werneck Sodré "defende
a idéia de que a imprensa constitui, nos seus primórdios,
uma decorrência da estruturação do capitalismo,
convertendo-se pouco a pouco em instrumento da sociedade por
ele gerado. Logo, a atividade capitalista representa condição
indispensável para a existência e o desenvolvimento
da imprensa" (Marques de Melo, 1973, 101). Nesse caso,
conforme discute o autor, há uma excessiva simplificação
na correlação estabelecida entre capitalismo
e imprensa. Em conseqüência, nos próprios
termos em que Werneck Sodré conceitua o capitalismo
- decorrência do desenvolvimento mercantil, sem, contudo,
confundir-se com ele - se exclui a experiência histórica
do desenvolvimento da imprensa em Portugal e outros países
europeus.
Ao
mesmo tempo, a tese pode ser também questionada quanto
ao próprio caso brasileiro, pelo fato de que a colônia
deste cedo integra, ainda que em posição marginal,
o sistema capitalista. A "colonização portuguesa
afigura-se como um empreendimento capitalista, no sentido
mercantil", nota Marques de Melo (1973, 106). Outras
limitações da explicação proposta
por Werneck Sodré situam-se na análise da história
de outros territórios coloniais, que a despeito de
terem condição econômica similar à
brasileira e também manterem o trabalho escravo, possuíram
a imprensa bem antes de nós.
Feita
esta discussão, Marques de Melo nota que aqueles que
enfatizam os aspectos políticos acabam explicando o
atraso da imprensa no Brasil por seus presumíveis efeitos.
"Ao dizer que a imprensa deixa de funcionar na colônia
porque poderia provocar a rutura do sistema de dependência
a Portugal, ensejando a sua emancipação política,
evidentemente aqueles escritores fazem um julgamento que acentua
as conseqüências possíveis, deixando de
correlacioná-las com as reais causas (e não
as aparentes: 'a legislação restritiva') que
produziram o retardamento" (Marques de Melo, 1973, 109).
Já a explicação econômica de Werneck
Sodré focaliza as causas no caso brasileiro (ausência
de burguesia e capitalismo, escravismo dominante), mas volta-se
para os efeitos ao abordar a América Espanhola (esmagamento
da cultura nativa, imposição da cultura da metrópole).
É
em vista dessas limitações - mas que são,
de outro lado, um ponto de partida - que o autor utilizará
o marco teórico para perceber o papel das funções
sociais do processo de comunicação coletiva
(engendrado pela imprensa) na sociedade. Isso permitiria definir
a correspondência entre causas e efeitos quanto ao fato
considerado (o atraso da imprensa) e o organismo social ao
qual se vincula (a sociedade colonial brasileira).
Observa-se,
pois, nessa configuração metodológica,
o caráter interdisciplinar deste cedo assumido pela
investigação em Comunicação e
Jornalismo: mobiliza a História, a Sociologia, a Antropologia,
a Política... Com efeito, esta perspectiva é
mesmo postulada, pelo autor (vide p. 17), e coerentemente
perseguida.
De
outro lado, merece destaque a importância, que dá
significação científica à investigação,
do uso conseqüente do esquema teórico. É
esta a força da interpretação, que, num
percurso argumentativo claro e exposto com segurança,
propõe um conjunto de fatores sócio-culturais
como causas eficientes que geraram o atraso no uso da imprensa
no Brasil. Tais causas, por sua vez, são articuladas
a funções que a imprensa deixou de desempenhar.
Mais
do que descrever cada um dos pontos apreciados pelo autor
em sua interpretação do problema (entre outros,
a "natureza feitorial da colonização",
a "predominância do analfabetismo" na colônia,
a "precariedade da burocracia estatal" portuguesa
e a "incipiência das atividades comerciais e industriais"),
vale perceber, por tudo que foi dito, o rigor desta investigação.
O
Prof. Marques de Melo propôs uma interpretação
nova e talvez definitiva, que influencia inclusive estudiosos
de outras áreas, como a dos estudos históricos
da leitura e das práticas do impresso.
Essa
seriedade de um pioneiro trabalho em Comunicação
é um motivo de orgulho e inspiração para
todo o pesquisador da área.
Bibliografia
MARQUES
DE MELO, José. Sociologia da imprensa brasileira, Petrópolis,
Vozes, 1973.
Nota
1. 40 ANOS DE JORNALISMO - Entrevista de José Marques
de Melo a Boanerges Lopes e Luciana Gomes. Revista científica
digital PCLA - Volume 1 - número 3: abril / maio /
junho 2000. Disponível em:
<http://www.metodista.br/unesco/PCLA/revista3/entrevista3-2.htm>
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