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Identidade lingüística:
regionalização ou
padronização?

Por Debora Cristina Lopez e Ivo José Dittrich*

Reprodução
Resumo

A produção televisiva trabalha, em seu cotidiano, com características e elementos de identificação regionais. No telejornalismo, entretanto, em muitos momentos nos deparamos com produções padronizadas, que não utilizam, em sua construção argumentativa, elementos lingüísticos que visem à criação de uma identidade junto ao público. Este processo de construção da identidade lingüística se dá através do regionalismo (RAJAGOPALAN, 1998; MEY, 1998). No telejornalismo, as produções das emissoras e retransmissoras locais trabalham fundamentalmente com as características regionais e com a identificação com os interlocutores (PATERNOSTRO, 1998).

A identidade lingüística, com a disseminação de informações principalmente através da mídia eletrônica, fez com que muitos visualizassem, quem sabe pela primeira vez, as distinções encontradas entre a fala de habitantes da mesma nação. Passou a ser possível visualizar grupos lingüísticos distintos e bem definidos em diferentes pontos do país (MEY, 1998). Os sotaques no Brasil são quase dialetos.

Em muitos momentos, impedem ou prejudicam a compreensão da informação repassada. Neste artigo estudamos a identidade lingüística em Cascavel, no oeste do Paraná. O corpus da pesquisa constitui-se do texto dos apresentadores dos telejornais Jornal da Tarobá - 1ª edição e o Jornal da Band, ambos do dia 16 de outubro de 2003. Ambos são transmitidos pelo mesmo canal em Cascavel, a Bandeirantes (sendo no primeiro caso uma produção local da TV Tarobá, afiliada, e no segundo uma produção nacional, da TV Bandeirantes de São Paulo, somente retransmitido no oeste paranaense).

As análises são realizadas na perspectiva da contraposição de posturas, entonações e declarações dos apresentadores e repórteres para, desta maneira, identificar a presença das especificidades lingüísticas ou da homogeneização das produções. Os elementos centrais para análise serão os apresentadores, sendo remetido aos repórteres como avaliação complementar.

Sustentamo-nos teoricamente aqui na perspectiva lingüística de identidade através, essencialmente, de Mey e Rajagopalan para a realização desta análise, que baseia-se na identificação de algumas estratégias discursivas, como o apagamento do sotaque e homogeneização discursiva. Como estratégia de análise serão cruzados os conceitos já apresentados com as discussões sobre memória propostas por Bosi (1994).

Introdução

O perfil da produção jornalística é definido, essencialmente, por sua relação com o público. As especificidades dos meios de comunicação dizem respeito às características do suporte em que a informação é transmitida e do público a que se direciona. Estas distinções definem-se tanto na perspectiva da seleção e organização de informações quanto na da construção e identidade lingüística.

O processo de construção da identidade lingüística se dá, de maneira evidente, através do regionalismo. No telejornalismo, com as produções das emissoras e retransmissoras locais, a princípio, trabalham com as características regionais e com a identificação com os interlocutores. Isso porque os produtores da informação, até integrarem esta categoria, eram parte do público e, por isso, assemelham-se a ele. Assim, o sotaque, as gírias, a construção estrutural textual regional deveriam integrar a fala do jornalista na sua produção regional. Mas não é o que se visualiza nas produções atuais.

O jornalismo local televisivo, buscando o tão propalado padrão de qualidade, acaba homogeneizando a produção e a estrutura da informação, seguindo regras e determinações impostas por manuais de redação, buscando, através de sessões de fonoaudiologia, padronizar escrita e fala e, a partir deste ponto, desvencilhando as produções de sua identidade local/regional.

"A identidade não está na condição de nordestino, de classe ou de mulher, mas sim no modo como estas condições são apreendidas e organizadas simbolicamente. As marcas de identidade não estão inscritas no real, embora os elementos sobre os quais as representações de identidade são construídas sejam dele selecionadas. Estão em pauta, portanto, os processos de apreensão do mundo social: esta apreensão dá-se, sempre, através de atos de pensamento e linguagem, cujas coordenadas são geradas social e culturalmente". (PENNA, 1992:167)

Para discutir esta questão, o presente artigo pretende avaliar, na perspectiva lingüística de identidade através, essencialmente, de Mey e Rajagopalan, a produção jornalística televisiva regional de Cascavel, em contraposição com a produção nacional. O corpus desta pesquisa serão os telejornais Jornal da Tarobá - 1ª edição (TJ-1) e o Jornal da Band (TJ-2), [1] ambos do dia 16 de outubro de 2003. As duas produções são transmitidas pelo mesmo canal em Cascavel, no Paraná, a Bandeirantes (sendo no primeiro caso uma produção local da TV Tarobá, afiliada, e no segundo uma produção da cabeça de rede, TV Bandeirantes de São Paulo).

Nestes produtos jornalísticos serão avaliadas as construções discursivas e as relações que os comunicadores estabelecem com o público. As análises serão realizadas na perspectiva da contraposição de posturas, entonações e declarações dos apresentadores e repórteres para, desta maneira, identificar a presença das especificidades lingüísticas ou da homogeneização das produções. [2] Os elementos centrais para análise serão os apresentadores, sendo remetido aos repórteres como avaliação complementar. O Jornal da Tarobá - 1ª edição tem como apresentadora Eliane Ricardo de Mendonça, graduada em direito e graduanda em jornalismo em Cascavel.

Já o Jornal da Band conta com os jornalistas Marcos Hummel e Letícia Levy como apresentadores, já sedimentados na produção jornalística nacional. Vale lembrar que a apresentadora do jornal local atuou no jornalismo somente em Cascavel e, mais especificamente, no telejornalismo cascavelense, através dos canais Tarobá e 21, o que facilita a avaliação na perspectiva de diferenciar as manifestações e captar os vícios da apresentação do material jornalístico a partir da fala.

Identidade lingüística

O indivíduo é a razão da comunicação, e vice-versa. A comunicação existe para propiciar ao ser humano a socialização e, através dela, o homem foi adquirindo cada vez mais características próprias e intransferíveis, foi definindo a cada dia de maneira mais intensa a sua identidade - lingüística e social. Com a interferência da mídia neste processo de comunicação e aquisição de identidade houve uma intensificação nos fatos, nos motivos da comunicação, nos processos utilizados por e para ela e, principalmente, nas suas conseqüências. Uma das implicações da potencialização do processo comunicacional através da mídia é a ruptura cada vez mais constante e a contraposição a cada dia mais corrente das noções de identidade.

A identidade lingüística, com a disseminação de informações principalmente através da mídia eletrônica, fez com que muitos visualizassem, quem sabe pela primeira vez, as distinções encontradas entre a fala de habitantes da mesma nação. Passou a ser possível visualizar grupos lingüísticos distintos e bem definidos em diferentes pontos do país. Os sotaques no Brasil são quase dialetos. Em muitos momentos, impedem ou prejudicam a compreensão da informação repassada.

Houve, então, na informação transmitida através da mídia eletrônica, uma alteração que levasse em conta a compreensão mais ampla, mas que possui uma grande falha: considera muito pouco - se é que o faz - a evolução e as alterações sofridas pela língua, assim como suas especificidades regionais. Esta falha gera uma quebra na identificação lingüística que deveria existir entre o comunicador, a informação e o interlocutor do discurso apresentado.

"[...] a lingüística, desde a sua estréia como ciência moderna, tomou a questão da identidade como uma questão pacífica, tanto no caso da identidade de uma língua, quanto no caso da identidade do falante de uma língua" (RAJAGOPALAN, 1998:26).

Para o presente estudo, se fazem necessários o estabelecimento, a definição e a discussão de alguns conceitos lingüísticos em correlação com a mídia. Entre eles estão a identidade em sua essência e a sua distinção como um elemento individual e/ou social.

A mídia - e os meios de comunicação de massa mais especificamente - pode ser considerada como um indivíduo nas relações sociais que estabelece. Muitas vezes o discurso telejornalístico tem o comunicador como locutor, mas o meio de comunicação como enunciador do discurso, o que gera um maior compromisso da empresa com a aquisição e admissão da sua função como indivíduo e de uma identidade. Fala-se, aqui, em indivíduo e identidade na perspectiva lingüística, sem, no entanto, descartar a importância do contexto, tanto lingüístico quanto social, no desenvolvimento deste processo, como será discutido adiante.

"Um indivíduo é invariavelmente concebido como um eu individido e indivisível (ele é ou categoricamente não é um falante nativo de uma língua - não havendo provisão para graus de natividade)" (RAJAGOPALAN, 1998:29).

Considera-se, aqui, a relação entre dialetos, regionalismos e a língua formalmente definida como brasileira para traçar a discussão sobre a formação e a valorização da identidade lingüística na produção jornalística televisiva. Assim, faz-se possível a distinção entre a produção realizada pelas duas emissoras apresentadas.

A identidade, seja a lingüística ou a social, forma-se a partir do contexto em que se inserem o discurso e os interlocutores. Como explica Rajagopalan (1998), o falante só se apresenta como real a partir do momento em que constitui-se como ser social.

"Para Bakhtin, o estruturalismo não tem por objeto a língua real, porque a língua real é aquilo que falam os homens e as mulheres reais. E os homens e as mulheres reais são, como diz Mey, indivíduos socializados" (RAJAGOPALAN, 1998:33).

Esta socialização apresentada pelo autor tem estreita relação com os media, na perspectiva de que estes também se constituem como indivíduos e como elementos do processo social em que se inserem.

O contexto em que estão inseridos os interlocutores pode ser trabalhado também sob a ótica de Elias, quando trata da categorização, da subdivisão de uma dada sociedade em grupos e a inclusão/exclusão dos indivíduos nas relações sociais a partir das suas características individuais e das características do grupo em que se enquadram.

Os estabelecidos e os outsiders têm sua identidade como um elemento determinante para a sua constituição e manutenção (ELIAS, 2000). Esta relação, em muitos momentos, é mediada pelos meios de comunicação e pelos elementos contextuais estabelecidos nas relações.

As discussões sobre a validação ou não do contexto na construção da identidade lingüística devem ser realizadas com muita atenção. Isso porque a noção de contexto tende a ampliar-se a cada momento mais, mesmo que seja utilizada essencialmente para fixar a identidade do usuário da língua. A identidade depende do contexto do interlocutor, do enunciador e do auditório do discurso.

Assim, a mensagem terá seu significado determinado e sedimentado, refletindo a identidade do indivíduo.

"A esperança ilusória de que o contexto possa ser saturado, na verdade contido, domesticado e tornado tratável para análise segundo métodos convencionais é provavelmente responsável pela pletora de novas teorias na área, proclamando o funcionalismo como a única via para a salvação". (RAJAGOPALAN, 1998:35)

A constituição do contexto lingüístico e social de um discurso e/ou de um interlocutor se dá através do conhecimento de mundo que interlocutores e enunciadores do discurso apresentam. Assim, recorremos a Bosi quando cita os conceitos de memória coletiva e individual de Hallbwacs (apud BOSI, 1994).

O indivíduo, assim como é determinado pela socialização, é também determinado pelas memórias que agrega e altera no decorrer de seu convívio social. Suas experiências pessoais, assim como a realidade do grupo social em que se enquadra alteram as múltiplas leituras que pode fazer dos fatos e do cotidiano.

O homem é um ser social. E como ser social depende, em suas realizações e decisões, das alterações pelas quais a sociedade em que se insere passa. As memórias individual e coletiva caminham lado a lado, interagindo constantemente. A memória coletiva altera a compreensão do indivíduo sobre a sociedade e sobre suas relações e, conseqüentemente, age sobre a sua memória individual, modificando crenças e valores, fazendo com que o indivíduo torne-se sempre um agente social, e não somente um observador.

"A identidade individual como algo total e estável já não tem nenhuma utilidade prática num mundo marcado pela crescente migração de massas e pela entremesclagem cultural, religiosa e étnica, numa escala sem precedentes" (RAJAGOPALAN, 1998:40).

Jacob Mey (1998:76-77) apresenta uma discussão interessante sobre o tema:

"A língua se relaciona com a sociedade porque é a expressão das necessidades humanas de se congregar socialmente, de construir e desenvolver o mundo. A língua não é somente a expressão da 'alma' ou do 'íntimo', ou do que quer que seja, do indivíduo; é, acima de tudo, a maneira pela qual a sociedade se expressa como se seus membros fossem a sua boca".

Da mesma forma como sobrevive e evolui a identidade, o faz a linguagem e, como conseqüência disso, a identidade lingüística dos indivíduos.

Lingüisticamente o homem também passa por períodos de variação, adaptação e interação. A língua não está estagnada, em estado de não-desenvolvimento. Pelo contrário, a língua, assim como a sociedade e os indivíduos, altera-se constantemente.

A comunicação, de uma maneira geral, influencia o processo de criação de uma identidade lingüística para os indivíduos. No que concerne ao telejornalismo, a influência mais intensa se dá pela desvinculação do regionalismo, uma tentativa de descaracterizar a realidade regional, homogeneizando-a com produções e sotaques nacionais.

Identidade e jornalismo televisivo

É determinante, neste estudo, lembrar as distinções entre o discurso conversacional e o discurso formal. Ao abordar questões lingüísticas concomitantemente às produções jornalísticas, deve-se ter em mente as especificidades do meio de comunicação em que se insere o objeto de análise. A produção telejornalística, ao contrário da realizada para a mídia impressa ou para a internet, não permite que o receptor retome o texto transmitido.

Desta maneira, como afirma Yorke (1998), o texto para telejornalismo deve ser sempre reelaborado, mesmo que tente transparecer ao receptor a informalidade da conversa, buscando a coloquialidade como elemento aproximador entre os interlocutores. Esta aproximação, na maioria das vezes, se dá através da simulação de uma conversa no discurso jornalístico. O jornalista, em televisão, costuma conversar com um interlocutor ausente, aproximando-o de sua realidade e intensificando a credibilidade de seu discurso.

Entretanto, o discurso jornalístico não pode ser considerado conversacional. Isso porque faltam-lhe as marcas do discurso conversacional. Características como a correção, por exemplo, são corrente na conversação e na coloquialidade e, embora o telejornalismo busque mostrar-se coloquial, não apresenta esta marca. O discurso, em sua maioria, é constante e bem elaborado, não exigindo correções ou retomadas de turno.

A pré-elaboração permite que o jornalista pareça coloquial sem necessariamente lidar com os entreveros do discurso conversacional. Um exemplo da relação dos jornalistas na apresentação dos telejornais com a conversacionalidade pode ser observado nas entrevistas realizadas ao vivo. Normalmente, o jornalista tem em mãos um esboço do que tratará com o entrevistado e informações sobre o assunto. Mas, por não saber exatamente como transcorrerá a entrevista, não tem como pré-elaborar o texto completo, e, muitas vezes, utiliza-se do improviso.

Nestes momentos a conversa se estabelece, mesmo que influenciada por uma pré-estruturação de pauta e conteúdo, e jornalista e entrevistado apresentam correções, trocas e retomadas de turno em seu discurso.

Esta ausência de coloquialidade efetiva e de estrutura conversacional no discurso telejornalístico busca absorver as características do discurso utilizado pelas cabeças de rede das principais emissoras brasileiras. [3] O argumento utilizado pelas empresas é de que esta estrutura segue o considerado português correto, ou ao menos o que tem menor interferência dos regionalismos e, portanto, pode ser compreendido com maior facilidade em todo o país.

Nessa perspectiva, o questionamento direciona-se às produções regionais, por colocarem de lado a sua identidade em prol de uma homogeneização do conteúdo jornalístico e da abordagem dos fatos.

"Embora seja a sociedade que forje a conexão entre as pessoas e a sua língua, criando assim a 'identidade' dos indivíduos, tendemos a idealizar a nossa identidade pessoal, a nossa 'individualidade' e a sua marca de autenticidade, a nossa fala 'pessoal', como tendo qualidades independentes, o que lembra a 'personalidade', aquele outro conceito igualmente mal definido". (MEY, 1998:77)

O indivíduo, interlocutor do discurso comunicacional, lida, a partir do momento em que apresenta as informações para um público regional, com as marcas discursivas de regionalização, sejam elas representadas no discurso escrito ou oral.

Com isso, mesmo que não intencionalmente, o comunicador obriga-se a relacionar-se (mesmo que na tentativa de isolá-la) com a identidade lingüística regional e com a personalidade discursiva que o grupo social desenvolve. Discute-se, então, a identidade e a personalidade individuais no processo de formação do discurso jornalístico na televisão.

Mas como pensar em uma identidade e uma linguagem individuais quando uma língua, para que seja eficaz, necessita ser compreendida por mais de um indivíduo, ou não alcançará seu objetivo: comunicar. Há, sim a necessidade do contexto para que se possa construir, compreender e sedimentar a língua. Para isso, vislumbra-se (também na mídia) a individualidade como grupo, como regionalização lingüística.

"[...] embora o usuário individual da língua a perceba como a expressão de uma personalidade singular, que não pode ser duplicada ou substituída por coisa alguma - em suma, uma 'propriedade' pessoal - essa língua é, também, propriedade da comunidade" (MEY, 1998:77).

Inicialmente, a produção jornalística veiculada em mídia eletrônica era distinta, e em muitos casos impedia a compreensão correta e/ou esperada da informação.

Com o passar do tempo, passou a seguir um padrão textual que permitisse a compreensão da mensagem em todos os grupos sociais do país - ou ao menos na maioria deles. Isso levou a uma produção mais textualmente homogênea das informações. Muitas vezes, a busca pela eliminação das características regionais na produção telejornalística não é integral, já que o contexto do interlocutor é mantido regionalizado.

Mesmo que haja uma alteração do contexto lingüístico do discurso, visando a interferir - intencionalmente ou não - na compreensão do receptor, há um choque de valores e características no que diz respeito à construção da informação e sua conseqüente compreensão.

Jornal da Tarobá versus Jornal da Band

O telejornal nacional, Jornal da Band (TJ-2), é direcionado ao público nacional, e possui perfil generalista e amplo. Conseqüentemente, suas reportagens versam sobre variados conteúdos e transitam por inúmeras editorias - excetuando-se o esporte já que, na seqüência a este programa é apresentado o Esporte Total Segunda Edição, de Jorge Kajuru.

O telejornal é produzido em São Paulo e, por ser de responsabilidade da cabeça de rede da Bandeirantes, define e difunde padrões de produção para programas locais e/ou regionais. Funciona, nesta perspectiva, como um referencial à representação discursiva apresentada pelas produções jornalísticas das emissoras locais e/ou regionais.

O Jornal da Tarobá - 1ª Edição (TJ-1), elaborado pela afiliada à Band em Cascavel, segue parte destas normatizações. A organização textual das frases, compreendendo textos curtos, ordem direta, pontuação bem marcada, etc., segue a determinação de manuais de redação em telejornalismo (PATERNOSTRO, 1998 e YORKE, 1998).

Estes manuais, elaborados para serem utilizados em grandes redes ou em emissoras de médio a grande porte, propõem assumidamente a estrutura de padronização das informações e do discurso. O texto, em sua "montagem" segue um modelo, assim como segue critérios no processo de seleção e hierarquização dos fatos que serão, posteriormente, convertidos em notícia.

A obediência a manuais amplamente padronizados e que não consideram as especificidades dos contextos lingüístico e social, levam ao já referenciado processo de homogeneização da informação radiofônica.

Assim, o discurso representa uma realidade aparentemente imutável e não específica, generalizada, em um território, como é o caso do brasileiro, que se destaca por sua multiplicidade e variedade cultural. O indivíduo, assim como a sua linguagem e, de maneira geral, o processo de comunicação, evoluem gradualmente conforme são apresentados - ou representados. O discurso, desta maneira, não pode ser considerado independente, alheio à contextualização e às interferências externas aos interlocutores imediatamente identificados na comunicação.

Para manter a individualidade do sujeito e a eficácia de sua interação com o campo social em que se insere, é preciso que se considere a estrutura discursiva, o tratamento dado ao conteúdo do discurso e a adequação deste discurso ao contexto em que se insere.

Em TJ-2, na edição de 16 de outubro de 2003, encontram-se os exemplos:

a) "Tumulto e violência no Azerbaijão. Uma ex-república soviética. Milhares de pessoas se revoltaram depois dos resultados das eleições no país. O partido vencedor é acusado de fraude".

b) "Desabamento de favela no Rio. Na favela do Cruzeiro, no Rio, cinco crianças morrem soterradas e quatro casas desabaram enquanto todos dormiam. A dona de casa Alessandra dos Santos perdeu três filhos na tragédia. A filha menor foi salva porque dormia com a mãe".

Como explicitado nos exemplos acima, as características propostas pelos manuais são seguidas à risca: frases curtas, ordem direta, informações didaticamente apresentadas e a ausência de termos que referenciem e/ou sejam compreendidos especificamente por uma ou outra região do país. Seja notícia internacional, como é o caso de (a), ou informação local - como o demonstrado em (b) -, os termos regionalizados não são inseridos no discurso.

O mesmo se dá em TJ-1, também na edição de 16 de outubro de 2003, como verifica-se a partir de:

a) "Acampamentos do MST vão ser assistidos por programa do governo do Estado. Em todo o Paraná cerca de cinqüenta mil assentados serão beneficiados". (TJ-1)

b) "Quem tem nome registrado no SCPC está tendo dificuldades para comprar a prazo. O comércio fechou o cerco aos inadimplentes". (TJ-1)

É interessante observar também que, embora os manuais digam que o texto em TV é escrito para ser falado e que, portanto, deveria seguir as características de informalidade e estrutura conversacional. [4] No entanto, observa-se uma formalidade na construção discursiva, claramente estruturada para a realidade textual escrita, e não para a textual oral.

A organização da fala, a entonação demasiado elaborada, a ausência de erros corriqueiros e aceitáveis na conversação, assim como a falta de correções e hesitações, denotam a formalidade da construção discursiva, afastando cada vez mais o interlocutor do discurso intencionalmente e/ou previamente elaborado para sua compreensão. A sensação da conversa, da intimidade e da informalidade reduz-se a partir do momento em que as marcas desta característica discursiva são apagadas da manifestação informacional, como acontece nas apresentações de telejornais.

Tanto TJ-1 quanto TJ-2 tentam, em distintos momentos do discurso, retomar esta coloquialidade e esta intimidade com o interlocutor através de uma interação imposta. Trata-se das chamadas de break. É possível visualizar esta situação em (c) e (d):

c) "Católicos em festa. É o jubileu de prata do Papa.
E na reportagem especial: como João Paulo II conduziu a Igreja no último um quarto de século. Em instantes." (TJ-2)

d) "O novo técnico muda tudo no Corinthians. Quem dá os detalhes agora é Jorge Kajuru no Esporte Total - 2ª Edição.
Boa noite. Boa noite e até amanhã." (TJ-2)

e) "A matéria completa você confere daqui a pouco no Jornal da Tarobá. Eu espero por você. Até mais". [5] (TJ-1)

f) "Você confere depois do intervalo: Vários setores da economia já começam a se preocupar com a greve dos bancários". (TJ-1)

g) "O Jornal da Tarobá termina aqui. Fique agora com o programa Tempo Quente, com Oziel Luiz. Boa Tarde". (TJ-1)

Nos trechos (d), (f) e (g) [6] percebe-se também a intencionalidade de aproximar-se do receptor através de conselhos, recomendações, elementos que, normalmente, integram a estrutura conversacional. O apresentador "dá uma dica" ao interlocutor de onde e como ele pode buscar informações de seu interesse a partir do momento em que se encerra o programa que apresenta.

Assim, "costura" sua produção à que se segue na programação da emissora e mantém a atenção do receptor, que conquistou no decorrer da transmissão jornalística.

Para que isso se dê, o locutor utiliza a estrutura frasal direta, referindo-se ao interlocutor, como em uma efetiva conversa. Agora já não se trata somente de informação e aparência de confiabilidade, mas sim de um diálogo. O locutor chama diretamente o interlocutor a interagir no processo comunicativo, optando por continuar acompanhando a programação ou, até mesmo, por responder às sugestões, propostas e/ou apelos do discurso do locutor.

Considerações Finais

Muitas vezes, nas produções jornalísticas, principalmente nas referentes à mídia eletrônica, o que se vislumbra é uma homogeneização das estratégias de produção, construção e apresentação discursiva. TJ-1, produção regional e que, portanto, deveria apresentar-se com características de Cascavel, na escrita e na fala, traz, na realidade, uma tentativa de aproximação e identificação com as estratégias adotadas pela cabeça de rede, sem tratamento específico à fala ou à escrita.

Além da tentativa de ocultamento do sotaque do interior do Paraná, [7] visualiza-se uma busca pelos ganchos e jargões utilizados nacionalmente na própria Bandeirantes e em outras emissoras consideradas como referenciais de qualidade na produção jornalística. É o caso da frase que conclui a chamada que a apresentadora faz 30 minutos antes do início do noticioso, apresentada em (e).

Esta estrutura é muito adotada pelos apresentadores da Rede Globo, tanto na cabeça de rede quanto nas afiliadas, como estratégia de aproximação com o telespectador, e foi absorvida pela emissora cascavelense sem, no entanto, apresentar adaptações regionalizadas.

Esta coloquialidade apresentada pelas produções telejornalísticas objetivam, na maior parte das vezes, uma aproximação da informação com o leitor, visando a dar maior visibilidade e credibilidade ao meio de comunicação. Como explica Paternostro, o texto jornalístico em televisão deve ser escrito para ser falado, levando em conta as especificidades da comunicação interpessoal, entre elas as características para-lingüísticas do discurso, mas sem ter preocupações com especificações regionais e/ou locais, levando em conta um público mais homogêneo em relação à identidade discursiva, mesmo que as decisões que concernem às produções e ao conteúdo editorial tenham desdobramento e avaliação regionais.

Através desta linguagem coloquial ocorre uma simulação da estrutura conversacional do discurso. Entretanto, não há, no telejornal analisado, a utilização do discurso propriamente informal e/ou das características regionais de fala conversacional, restringindo-se, o texto jornalístico em questão, a uma apresentação superficial do conteúdo, com objetivo de, através de estratégias discursivas e simulações conversacionais, influenciar e, muitas vezes, manipular o interlocutor.

Percebe-se, através dos trechos selecionados para análise em TJ-1 e TJ-2, que a programação local segue a estrutura de programação e a estrutura de construção do discurso propostas pela cabeça de rede da rede Bandeirantes. Além disso, leva em conta, em seu processo produtivo, as características já estabelecidas de produção textual para telejornalismo, em sua maioria homogeneizadoras, já que não consideram as especificidades regionais e a identidade - lingüística e social - dos interlocutores caracterizados no público receptor da informação.

Bibliografia

BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 14-57.

ELIAS, Norbert. Os estabelecidos e os outsiders. São Paulo: Jorge Zahar, 2000. p. 32-107

HUDEC, Vladimir. O que é o jornalismo? Lisboa: Editorial Caminho, 1980. p. 67-78.

MEY, Jacob L. Etnia, identidade e língua. In: SIGNORINI, Inês (org.). Lingua(gem) e Identidade: elementos para uma discussão no campo aplicado. Campinas, SP: Mercado de Letras; São Paulo: Fapesp, 1998. p. 69-88.

PATERNOSTRO, Vera Íris. O texto na TV: manual de telejornalismo. São Paulo: Campus, 1998.

PENNA, Maura. O que faz ser nordestino: identidades sociais, interesses e o "escândalo" Erundina. São Paulo: Cortez, 1992.

_____. Relatos de migrantes: questionando as noções de perda de identidade e desenraizamento. In: SIGNORINI, Inês (org.). Lingua(gem) e Identidade: elementos para uma discussão no campo aplicado. Campinas, SP: Mercado de Letras; São Paulo: Fapesp, 1998. p. 89-112.

YORKE, Ivor. Jornalismo diante das câmeras: guia para repórteres e apresentadores de telejornais. São Paulo: Summus, 1998.

RAJAGOPALAN, Kanavillil. O conceito de identidade em lingüística: é chegada a hora de uma reconsideração radical? In: SIGNORINI, Inês (org.). Lingua(gem) e Identidade: elementos para uma discussão no campo aplicado. Campinas, SP: Mercado de Letras; São Paulo: Fapesp, 1998. p. 21-46.

Notas

[1] Não serão analisadas as reportagens produzidas, somente o que, em comunicação, caracteriza-se como talking heads, isto é, a apresentação dos telejornais em questão.

[2] Esta homogeinização lingüística da produção pode trazer inúmeras conseqüências para o processo de produção da informação jornalística, entre elas a falta de identificação com o leitor. Entretanto, pode também ser construída objetivando manipular o receptor através do excesso de informações formatadas, levando, gradativamente, à não-criticidade em relação aos fatos, à absorção e aceitação pura e simples das informações, sem considerar contextos textuais e/ou sociais dos interlocutores ou do discurso apresentado.

[3] Vale lembrar que o principal referencial de produção telejornalística no Brasil hoje é a Rede Globo de Televisão, que trabalha com o cancelamento de sotaques dos repórteres e apresentadores.

[4] É importante lembrar, novamente, que a estrutura conversacional prevê a presença de marcas da conversação, como a correção e a hesitação, ausentes na maioria do material telejornalístico, e que isso, portanto, colabora para a compreensão de uma ausência de coloquialidade efetiva e de informalidade no discurso em questão.

[5] Chamada feita cerca de 30 minutos antes do jornal ir ao ar. Visa a atrair o receptor para assistir o programa jornalístico.

[6] Mesmo sendo notas distintas, onde o discurso chama para o próximo bloco ou para o programa seguinte, o objetivo é manter o receptor atento à programação, e, nestes casos, trabalha-se com a intervenção direta, referindo-se especificamente ao interlocutor e, desta maneira, inferindo maior intimismo ao discurso para alcançar o que se pretende.

[7] Os moradores do interior do Paraná têm alguns acentos tonais muito marcados, como é o caso do "r" e do "rr" em algumas palavras e da sonoridade das frases, muitas vezes ocultada e/ou falseada na produção jornalística televisiva.


*Debora Cristina Lopez é mestre em Letras pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), graduada em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e professora do curso de Comunicação Social - Jornalismo do Centro Universitário FIB. Ivo José Dittrich é doutor em Lingüística pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), mestre em Filologia e Lingüística da Língua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), graduado em Letras pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Cascavel (FECIVEL) e coordenador do curso de Letras da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE).

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