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Identidade lingüística:
regionalização ou
padronização?
Por
Debora Cristina Lopez e Ivo José Dittrich*
|
Reprodução

|
Resumo
A
produção televisiva trabalha, em seu cotidiano,
com características e elementos de identificação
regionais. No telejornalismo, entretanto, em muitos momentos
nos deparamos com produções padronizadas, que
não utilizam, em sua construção argumentativa,
elementos lingüísticos que visem à criação
de uma identidade junto ao público. Este processo de
construção da identidade lingüística
se dá através do regionalismo (RAJAGOPALAN, 1998;
MEY, 1998). No telejornalismo, as produções das
emissoras e retransmissoras locais trabalham fundamentalmente
com as características regionais e com a identificação
com os interlocutores (PATERNOSTRO, 1998).
A
identidade lingüística, com a disseminação
de informações principalmente através da
mídia eletrônica, fez com que muitos visualizassem,
quem sabe pela primeira vez, as distinções encontradas
entre a fala de habitantes da mesma nação. Passou
a ser possível visualizar grupos lingüísticos
distintos e bem definidos em diferentes pontos do país
(MEY, 1998). Os sotaques no Brasil são quase dialetos.
Em
muitos momentos, impedem ou prejudicam a compreensão
da informação repassada. Neste artigo estudamos
a identidade lingüística em Cascavel, no oeste do
Paraná. O corpus da pesquisa constitui-se do texto dos
apresentadores dos telejornais Jornal da Tarobá - 1ª
edição e o Jornal da Band, ambos do dia 16 de
outubro de 2003. Ambos são transmitidos pelo mesmo canal
em Cascavel, a Bandeirantes (sendo no primeiro caso uma produção
local da TV Tarobá, afiliada, e no segundo uma produção
nacional, da TV Bandeirantes de São Paulo, somente retransmitido
no oeste paranaense).
As
análises são realizadas na perspectiva da contraposição
de posturas, entonações e declarações
dos apresentadores e repórteres para, desta maneira,
identificar a presença das especificidades lingüísticas
ou da homogeneização das produções.
Os elementos centrais para análise serão os apresentadores,
sendo remetido aos repórteres como avaliação
complementar.
Sustentamo-nos
teoricamente aqui na perspectiva lingüística de
identidade através, essencialmente, de Mey e Rajagopalan
para a realização desta análise, que baseia-se
na identificação de algumas estratégias
discursivas, como o apagamento do sotaque e homogeneização
discursiva. Como estratégia de análise serão
cruzados os conceitos já apresentados com as discussões
sobre memória propostas por Bosi (1994).
Introdução
O
perfil da produção jornalística é
definido, essencialmente, por sua relação com
o público. As especificidades dos meios de comunicação
dizem respeito às características do suporte em
que a informação é transmitida e do público
a que se direciona. Estas distinções definem-se
tanto na perspectiva da seleção e organização
de informações quanto na da construção
e identidade lingüística.
O
processo de construção da identidade lingüística
se dá, de maneira evidente, através do regionalismo.
No telejornalismo, com as produções das emissoras
e retransmissoras locais, a princípio, trabalham com
as características regionais e com a identificação
com os interlocutores. Isso porque os produtores da informação,
até integrarem esta categoria, eram parte do público
e, por isso, assemelham-se a ele. Assim, o sotaque, as gírias,
a construção estrutural textual regional deveriam
integrar a fala do jornalista na sua produção
regional. Mas não é o que se visualiza nas produções
atuais.
O
jornalismo local televisivo, buscando o tão propalado
padrão de qualidade, acaba homogeneizando a produção
e a estrutura da informação, seguindo regras e
determinações impostas por manuais de redação,
buscando, através de sessões de fonoaudiologia,
padronizar escrita e fala e, a partir deste ponto, desvencilhando
as produções de sua identidade local/regional.
"A
identidade não está na condição
de nordestino, de classe ou de mulher, mas sim no modo como
estas condições são apreendidas e organizadas
simbolicamente. As marcas de identidade não estão
inscritas no real, embora os elementos sobre os quais as representações
de identidade são construídas sejam dele selecionadas.
Estão em pauta, portanto, os processos de apreensão
do mundo social: esta apreensão dá-se, sempre,
através de atos de pensamento e linguagem, cujas coordenadas
são geradas social e culturalmente". (PENNA, 1992:167)
Para
discutir esta questão, o presente artigo pretende avaliar,
na perspectiva lingüística de identidade através,
essencialmente, de Mey e Rajagopalan, a produção
jornalística televisiva regional de Cascavel, em contraposição
com a produção nacional. O corpus desta pesquisa
serão os telejornais Jornal da Tarobá - 1ª
edição (TJ-1) e o Jornal da Band (TJ-2), [1]
ambos do dia 16 de outubro de 2003. As duas produções
são transmitidas pelo mesmo canal em Cascavel, no Paraná,
a Bandeirantes (sendo no primeiro caso uma produção
local da TV Tarobá, afiliada, e no segundo uma produção
da cabeça de rede, TV Bandeirantes de São Paulo).
Nestes
produtos jornalísticos serão avaliadas as construções
discursivas e as relações que os comunicadores
estabelecem com o público. As análises serão
realizadas na perspectiva da contraposição de
posturas, entonações e declarações
dos apresentadores e repórteres para, desta maneira,
identificar a presença das especificidades lingüísticas
ou da homogeneização das produções.
[2] Os elementos centrais para análise serão
os apresentadores, sendo remetido aos repórteres como
avaliação complementar. O Jornal da Tarobá
- 1ª edição tem como apresentadora Eliane
Ricardo de Mendonça, graduada em direito e graduanda
em jornalismo em Cascavel.
Já
o Jornal da Band conta com os jornalistas Marcos Hummel e Letícia
Levy como apresentadores, já sedimentados na produção
jornalística nacional. Vale lembrar que a apresentadora
do jornal local atuou no jornalismo somente em Cascavel e, mais
especificamente, no telejornalismo cascavelense, através
dos canais Tarobá e 21, o que facilita a avaliação
na perspectiva de diferenciar as manifestações
e captar os vícios da apresentação do material
jornalístico a partir da fala.
Identidade
lingüística
O
indivíduo é a razão da comunicação,
e vice-versa. A comunicação existe para propiciar
ao ser humano a socialização e, através
dela, o homem foi adquirindo cada vez mais características
próprias e intransferíveis, foi definindo a cada
dia de maneira mais intensa a sua identidade - lingüística
e social. Com a interferência da mídia neste processo
de comunicação e aquisição de identidade
houve uma intensificação nos fatos, nos motivos
da comunicação, nos processos utilizados por e
para ela e, principalmente, nas suas conseqüências.
Uma das implicações da potencialização
do processo comunicacional através da mídia é
a ruptura cada vez mais constante e a contraposição
a cada dia mais corrente das noções de identidade.
A
identidade lingüística, com a disseminação
de informações principalmente através da
mídia eletrônica, fez com que muitos visualizassem,
quem sabe pela primeira vez, as distinções encontradas
entre a fala de habitantes da mesma nação. Passou
a ser possível visualizar grupos lingüísticos
distintos e bem definidos em diferentes pontos do país.
Os sotaques no Brasil são quase dialetos. Em muitos momentos,
impedem ou prejudicam a compreensão da informação
repassada.
Houve,
então, na informação transmitida através
da mídia eletrônica, uma alteração
que levasse em conta a compreensão mais ampla, mas que
possui uma grande falha: considera muito pouco - se é
que o faz - a evolução e as alterações
sofridas pela língua, assim como suas especificidades
regionais. Esta falha gera uma quebra na identificação
lingüística que deveria existir entre o comunicador,
a informação e o interlocutor do discurso apresentado.
"[...]
a lingüística, desde a sua estréia como
ciência moderna, tomou a questão da identidade
como uma questão pacífica, tanto no caso da
identidade de uma língua, quanto no caso da identidade
do falante de uma língua" (RAJAGOPALAN, 1998:26).
Para
o presente estudo, se fazem necessários o estabelecimento,
a definição e a discussão de alguns conceitos
lingüísticos em correlação com a mídia.
Entre eles estão a identidade em sua essência e
a sua distinção como um elemento individual e/ou
social.
A
mídia - e os meios de comunicação de massa
mais especificamente - pode ser considerada como um indivíduo
nas relações sociais que estabelece. Muitas vezes
o discurso telejornalístico tem o comunicador como locutor,
mas o meio de comunicação como enunciador do discurso,
o que gera um maior compromisso da empresa com a aquisição
e admissão da sua função como indivíduo
e de uma identidade. Fala-se, aqui, em indivíduo e identidade
na perspectiva lingüística, sem, no entanto, descartar
a importância do contexto, tanto lingüístico
quanto social, no desenvolvimento deste processo, como será
discutido adiante.
"Um
indivíduo é invariavelmente concebido como um
eu individido e indivisível (ele é ou categoricamente
não é um falante nativo de uma língua
- não havendo provisão para graus de natividade)"
(RAJAGOPALAN, 1998:29).
Considera-se,
aqui, a relação entre dialetos, regionalismos
e a língua formalmente definida como brasileira para
traçar a discussão sobre a formação
e a valorização da identidade lingüística
na produção jornalística televisiva. Assim,
faz-se possível a distinção entre a produção
realizada pelas duas emissoras apresentadas.
A
identidade, seja a lingüística ou a social, forma-se
a partir do contexto em que se inserem o discurso e os interlocutores.
Como explica Rajagopalan (1998), o falante só se apresenta
como real a partir do momento em que constitui-se como ser social.
"Para
Bakhtin, o estruturalismo não tem por objeto a língua
real, porque a língua real é aquilo que falam
os homens e as mulheres reais. E os homens e as mulheres reais
são, como diz Mey, indivíduos socializados"
(RAJAGOPALAN, 1998:33).
Esta
socialização apresentada pelo autor tem estreita
relação com os media, na perspectiva de que estes
também se constituem como indivíduos e como elementos
do processo social em que se inserem.
O
contexto em que estão inseridos os interlocutores pode
ser trabalhado também sob a ótica de Elias, quando
trata da categorização, da subdivisão de
uma dada sociedade em grupos e a inclusão/exclusão
dos indivíduos nas relações sociais a partir
das suas características individuais e das características
do grupo em que se enquadram.
Os
estabelecidos e os outsiders têm sua identidade como um
elemento determinante para a sua constituição
e manutenção (ELIAS, 2000). Esta relação,
em muitos momentos, é mediada pelos meios de comunicação
e pelos elementos contextuais estabelecidos nas relações.
As
discussões sobre a validação ou não
do contexto na construção da identidade lingüística
devem ser realizadas com muita atenção. Isso porque
a noção de contexto tende a ampliar-se a cada
momento mais, mesmo que seja utilizada essencialmente para fixar
a identidade do usuário da língua. A identidade
depende do contexto do interlocutor, do enunciador e do auditório
do discurso.
Assim,
a mensagem terá seu significado determinado e sedimentado,
refletindo a identidade do indivíduo.
"A
esperança ilusória de que o contexto possa ser
saturado, na verdade contido, domesticado e tornado tratável
para análise segundo métodos convencionais é
provavelmente responsável pela pletora de novas teorias
na área, proclamando o funcionalismo como a única
via para a salvação". (RAJAGOPALAN, 1998:35)
A
constituição do contexto lingüístico
e social de um discurso e/ou de um interlocutor se dá
através do conhecimento de mundo que interlocutores e
enunciadores do discurso apresentam. Assim, recorremos a Bosi
quando cita os conceitos de memória coletiva e individual
de Hallbwacs (apud BOSI, 1994).
O
indivíduo, assim como é determinado pela socialização,
é também determinado pelas memórias que
agrega e altera no decorrer de seu convívio social. Suas
experiências pessoais, assim como a realidade do grupo
social em que se enquadra alteram as múltiplas leituras
que pode fazer dos fatos e do cotidiano.
O
homem é um ser social. E como ser social depende, em
suas realizações e decisões, das alterações
pelas quais a sociedade em que se insere passa. As memórias
individual e coletiva caminham lado a lado, interagindo constantemente.
A memória coletiva altera a compreensão do indivíduo
sobre a sociedade e sobre suas relações e, conseqüentemente,
age sobre a sua memória individual, modificando crenças
e valores, fazendo com que o indivíduo torne-se sempre
um agente social, e não somente um observador.
"A
identidade individual como algo total e estável já
não tem nenhuma utilidade prática num mundo
marcado pela crescente migração de massas e
pela entremesclagem cultural, religiosa e étnica, numa
escala sem precedentes" (RAJAGOPALAN, 1998:40).
Jacob
Mey (1998:76-77) apresenta uma discussão interessante
sobre o tema:
"A
língua se relaciona com a sociedade porque é
a expressão das necessidades humanas de se congregar
socialmente, de construir e desenvolver o mundo. A língua
não é somente a expressão da 'alma' ou
do 'íntimo', ou do que quer que seja, do indivíduo;
é, acima de tudo, a maneira pela qual a sociedade se
expressa como se seus membros fossem a sua boca".
Da mesma forma como sobrevive e evolui a identidade, o faz a
linguagem e, como conseqüência disso, a identidade
lingüística dos indivíduos.
Lingüisticamente
o homem também passa por períodos de variação,
adaptação e interação. A língua
não está estagnada, em estado de não-desenvolvimento.
Pelo contrário, a língua, assim como a sociedade
e os indivíduos, altera-se constantemente.
A comunicação, de uma maneira geral, influencia
o processo de criação de uma identidade lingüística
para os indivíduos. No que concerne ao telejornalismo,
a influência mais intensa se dá pela desvinculação
do regionalismo, uma tentativa de descaracterizar a realidade
regional, homogeneizando-a com produções e sotaques
nacionais.
Identidade
e jornalismo televisivo
É
determinante, neste estudo, lembrar as distinções
entre o discurso conversacional e o discurso formal. Ao abordar
questões lingüísticas concomitantemente às
produções jornalísticas, deve-se ter em
mente as especificidades do meio de comunicação
em que se insere o objeto de análise. A produção
telejornalística, ao contrário da realizada para
a mídia impressa ou para a internet, não permite
que o receptor retome o texto transmitido.
Desta
maneira, como afirma Yorke (1998), o texto para telejornalismo
deve ser sempre reelaborado, mesmo que tente transparecer ao
receptor a informalidade da conversa, buscando a coloquialidade
como elemento aproximador entre os interlocutores. Esta aproximação,
na maioria das vezes, se dá através da simulação
de uma conversa no discurso jornalístico. O jornalista,
em televisão, costuma conversar com um interlocutor ausente,
aproximando-o de sua realidade e intensificando a credibilidade
de seu discurso.
Entretanto,
o discurso jornalístico não pode ser considerado
conversacional. Isso porque faltam-lhe as marcas do discurso
conversacional. Características como a correção,
por exemplo, são corrente na conversação
e na coloquialidade e, embora o telejornalismo busque mostrar-se
coloquial, não apresenta esta marca. O discurso, em sua
maioria, é constante e bem elaborado, não exigindo
correções ou retomadas de turno.
A
pré-elaboração permite que o jornalista
pareça coloquial sem necessariamente lidar com os entreveros
do discurso conversacional. Um exemplo da relação
dos jornalistas na apresentação dos telejornais
com a conversacionalidade pode ser observado nas entrevistas
realizadas ao vivo. Normalmente, o jornalista tem em mãos
um esboço do que tratará com o entrevistado e
informações sobre o assunto. Mas, por não
saber exatamente como transcorrerá a entrevista, não
tem como pré-elaborar o texto completo, e, muitas vezes,
utiliza-se do improviso.
Nestes
momentos a conversa se estabelece, mesmo que influenciada por
uma pré-estruturação de pauta e conteúdo,
e jornalista e entrevistado apresentam correções,
trocas e retomadas de turno em seu discurso.
Esta
ausência de coloquialidade efetiva e de estrutura conversacional
no discurso telejornalístico busca absorver as características
do discurso utilizado pelas cabeças de rede das principais
emissoras brasileiras. [3] O argumento utilizado pelas
empresas é de que esta estrutura segue o considerado
português correto, ou ao menos o que tem menor interferência
dos regionalismos e, portanto, pode ser compreendido com maior
facilidade em todo o país.
Nessa
perspectiva, o questionamento direciona-se às produções
regionais, por colocarem de lado a sua identidade em prol de
uma homogeneização do conteúdo jornalístico
e da abordagem dos fatos.
"Embora
seja a sociedade que forje a conexão entre as pessoas
e a sua língua, criando assim a 'identidade' dos indivíduos,
tendemos a idealizar a nossa identidade pessoal, a nossa 'individualidade'
e a sua marca de autenticidade, a nossa fala 'pessoal', como
tendo qualidades independentes, o que lembra a 'personalidade',
aquele outro conceito igualmente mal definido". (MEY,
1998:77)
O
indivíduo, interlocutor do discurso comunicacional, lida,
a partir do momento em que apresenta as informações
para um público regional, com as marcas discursivas de
regionalização, sejam elas representadas no discurso
escrito ou oral.
Com
isso, mesmo que não intencionalmente, o comunicador obriga-se
a relacionar-se (mesmo que na tentativa de isolá-la)
com a identidade lingüística regional e com a personalidade
discursiva que o grupo social desenvolve. Discute-se, então,
a identidade e a personalidade individuais no processo de formação
do discurso jornalístico na televisão.
Mas
como pensar em uma identidade e uma linguagem individuais quando
uma língua, para que seja eficaz, necessita ser compreendida
por mais de um indivíduo, ou não alcançará
seu objetivo: comunicar. Há, sim a necessidade do contexto
para que se possa construir, compreender e sedimentar a língua.
Para isso, vislumbra-se (também na mídia) a individualidade
como grupo, como regionalização lingüística.
"[...]
embora o usuário individual da língua a perceba
como a expressão de uma personalidade singular, que
não pode ser duplicada ou substituída por coisa
alguma - em suma, uma 'propriedade' pessoal - essa língua
é, também, propriedade da comunidade" (MEY,
1998:77).
Inicialmente,
a produção jornalística veiculada em mídia
eletrônica era distinta, e em muitos casos impedia a compreensão
correta e/ou esperada da informação.
Com
o passar do tempo, passou a seguir um padrão textual
que permitisse a compreensão da mensagem em todos os
grupos sociais do país - ou ao menos na maioria deles.
Isso levou a uma produção mais textualmente homogênea
das informações. Muitas vezes, a busca pela eliminação
das características regionais na produção
telejornalística não é integral, já
que o contexto do interlocutor é mantido regionalizado.
Mesmo
que haja uma alteração do contexto lingüístico
do discurso, visando a interferir - intencionalmente ou não
- na compreensão do receptor, há um choque de
valores e características no que diz respeito à
construção da informação e sua conseqüente
compreensão.
Jornal
da Tarobá versus Jornal da Band
O
telejornal nacional, Jornal da Band (TJ-2), é direcionado
ao público nacional, e possui perfil generalista e amplo.
Conseqüentemente, suas reportagens versam sobre variados
conteúdos e transitam por inúmeras editorias -
excetuando-se o esporte já que, na seqüência
a este programa é apresentado o Esporte Total Segunda
Edição, de Jorge Kajuru.
O
telejornal é produzido em São Paulo e, por ser
de responsabilidade da cabeça de rede da Bandeirantes,
define e difunde padrões de produção para
programas locais e/ou regionais. Funciona, nesta perspectiva,
como um referencial à representação discursiva
apresentada pelas produções jornalísticas
das emissoras locais e/ou regionais.
O
Jornal da Tarobá - 1ª Edição (TJ-1),
elaborado pela afiliada à Band em Cascavel, segue parte
destas normatizações. A organização
textual das frases, compreendendo textos curtos, ordem direta,
pontuação bem marcada, etc., segue a determinação
de manuais de redação em telejornalismo (PATERNOSTRO,
1998 e YORKE, 1998).
Estes manuais, elaborados para serem utilizados em grandes redes
ou em emissoras de médio a grande porte, propõem
assumidamente a estrutura de padronização das
informações e do discurso. O texto, em sua "montagem"
segue um modelo, assim como segue critérios no processo
de seleção e hierarquização dos
fatos que serão, posteriormente, convertidos em notícia.
A
obediência a manuais amplamente padronizados e que não
consideram as especificidades dos contextos lingüístico
e social, levam ao já referenciado processo de homogeneização
da informação radiofônica.
Assim,
o discurso representa uma realidade aparentemente imutável
e não específica, generalizada, em um território,
como é o caso do brasileiro, que se destaca por sua multiplicidade
e variedade cultural. O indivíduo, assim como a sua linguagem
e, de maneira geral, o processo de comunicação,
evoluem gradualmente conforme são apresentados - ou representados.
O discurso, desta maneira, não pode ser considerado independente,
alheio à contextualização e às interferências
externas aos interlocutores imediatamente identificados na comunicação.
Para
manter a individualidade do sujeito e a eficácia de sua
interação com o campo social em que se insere,
é preciso que se considere a estrutura discursiva, o
tratamento dado ao conteúdo do discurso e a adequação
deste discurso ao contexto em que se insere.
Em
TJ-2, na edição de 16 de outubro de 2003, encontram-se
os exemplos:
a)
"Tumulto e violência no Azerbaijão. Uma ex-república
soviética. Milhares de pessoas se revoltaram depois dos
resultados das eleições no país. O partido
vencedor é acusado de fraude".
b)
"Desabamento de favela no Rio. Na favela do Cruzeiro, no
Rio, cinco crianças morrem soterradas e quatro casas
desabaram enquanto todos dormiam. A dona de casa Alessandra
dos Santos perdeu três filhos na tragédia. A filha
menor foi salva porque dormia com a mãe".
Como
explicitado nos exemplos acima, as características propostas
pelos manuais são seguidas à risca: frases curtas,
ordem direta, informações didaticamente apresentadas
e a ausência de termos que referenciem e/ou sejam compreendidos
especificamente por uma ou outra região do país.
Seja notícia internacional, como é o caso de (a),
ou informação local - como o demonstrado em (b)
-, os termos regionalizados não são inseridos
no discurso.
O
mesmo se dá em TJ-1, também na edição
de 16 de outubro de 2003, como verifica-se a partir de:
a)
"Acampamentos do MST vão ser assistidos por programa
do governo do Estado. Em todo o Paraná cerca de cinqüenta
mil assentados serão beneficiados". (TJ-1)
b)
"Quem tem nome registrado no SCPC está tendo dificuldades
para comprar a prazo. O comércio fechou o cerco aos inadimplentes".
(TJ-1)
É
interessante observar também que, embora os manuais digam
que o texto em TV é escrito para ser falado e que, portanto,
deveria seguir as características de informalidade e
estrutura conversacional. [4] No entanto, observa-se
uma formalidade na construção discursiva, claramente
estruturada para a realidade textual escrita, e não para
a textual oral.
A
organização da fala, a entonação
demasiado elaborada, a ausência de erros corriqueiros
e aceitáveis na conversação, assim como
a falta de correções e hesitações,
denotam a formalidade da construção discursiva,
afastando cada vez mais o interlocutor do discurso intencionalmente
e/ou previamente elaborado para sua compreensão. A sensação
da conversa, da intimidade e da informalidade reduz-se a partir
do momento em que as marcas desta característica discursiva
são apagadas da manifestação informacional,
como acontece nas apresentações de telejornais.
Tanto
TJ-1 quanto TJ-2 tentam, em distintos momentos do discurso,
retomar esta coloquialidade e esta intimidade com o interlocutor
através de uma interação imposta. Trata-se
das chamadas de break. É possível visualizar esta
situação em (c) e (d):
c)
"Católicos em festa. É o jubileu de prata
do Papa.
E na reportagem especial: como João Paulo II conduziu
a Igreja no último um quarto de século. Em instantes."
(TJ-2)
d)
"O novo técnico muda tudo no Corinthians. Quem dá
os detalhes agora é Jorge Kajuru no Esporte Total - 2ª
Edição.
Boa noite. Boa noite e até amanhã." (TJ-2)
e)
"A matéria completa você confere daqui a pouco
no Jornal da Tarobá. Eu espero por você. Até
mais". [5] (TJ-1)
f)
"Você confere depois do intervalo: Vários
setores da economia já começam a se preocupar
com a greve dos bancários". (TJ-1)
g)
"O Jornal da Tarobá termina aqui. Fique agora com
o programa Tempo Quente, com Oziel Luiz. Boa Tarde". (TJ-1)
Nos
trechos (d), (f) e (g) [6] percebe-se também
a intencionalidade de aproximar-se do receptor através
de conselhos, recomendações, elementos que, normalmente,
integram a estrutura conversacional. O apresentador "dá
uma dica" ao interlocutor de onde e como ele pode buscar
informações de seu interesse a partir do momento
em que se encerra o programa que apresenta.
Assim,
"costura" sua produção à que
se segue na programação da emissora e mantém
a atenção do receptor, que conquistou no decorrer
da transmissão jornalística.
Para
que isso se dê, o locutor utiliza a estrutura frasal direta,
referindo-se ao interlocutor, como em uma efetiva conversa.
Agora já não se trata somente de informação
e aparência de confiabilidade, mas sim de um diálogo.
O locutor chama diretamente o interlocutor a interagir no processo
comunicativo, optando por continuar acompanhando a programação
ou, até mesmo, por responder às sugestões,
propostas e/ou apelos do discurso do locutor.
Considerações
Finais
Muitas
vezes, nas produções jornalísticas, principalmente
nas referentes à mídia eletrônica, o que
se vislumbra é uma homogeneização das estratégias
de produção, construção e apresentação
discursiva. TJ-1, produção regional e que, portanto,
deveria apresentar-se com características de Cascavel,
na escrita e na fala, traz, na realidade, uma tentativa de aproximação
e identificação com as estratégias adotadas
pela cabeça de rede, sem tratamento específico
à fala ou à escrita.
Além
da tentativa de ocultamento do sotaque do interior do Paraná,
[7] visualiza-se uma busca pelos ganchos e jargões
utilizados nacionalmente na própria Bandeirantes e em
outras emissoras consideradas como referenciais de qualidade
na produção jornalística. É o caso
da frase que conclui a chamada que a apresentadora faz 30 minutos
antes do início do noticioso, apresentada em (e).
Esta
estrutura é muito adotada pelos apresentadores da Rede
Globo, tanto na cabeça de rede quanto nas afiliadas,
como estratégia de aproximação com o telespectador,
e foi absorvida pela emissora cascavelense sem, no entanto,
apresentar adaptações regionalizadas.
Esta
coloquialidade apresentada pelas produções telejornalísticas
objetivam, na maior parte das vezes, uma aproximação
da informação com o leitor, visando a dar maior
visibilidade e credibilidade ao meio de comunicação.
Como explica Paternostro, o texto jornalístico em televisão
deve ser escrito para ser falado, levando em conta as especificidades
da comunicação interpessoal, entre elas as características
para-lingüísticas do discurso, mas sem ter preocupações
com especificações regionais e/ou locais, levando
em conta um público mais homogêneo em relação
à identidade discursiva, mesmo que as decisões
que concernem às produções e ao conteúdo
editorial tenham desdobramento e avaliação regionais.
Através
desta linguagem coloquial ocorre uma simulação
da estrutura conversacional do discurso. Entretanto, não
há, no telejornal analisado, a utilização
do discurso propriamente informal e/ou das características
regionais de fala conversacional, restringindo-se, o texto jornalístico
em questão, a uma apresentação superficial
do conteúdo, com objetivo de, através de estratégias
discursivas e simulações conversacionais, influenciar
e, muitas vezes, manipular o interlocutor.
Percebe-se,
através dos trechos selecionados para análise
em TJ-1 e TJ-2, que a programação local segue
a estrutura de programação e a estrutura de construção
do discurso propostas pela cabeça de rede da rede Bandeirantes.
Além disso, leva em conta, em seu processo produtivo,
as características já estabelecidas de produção
textual para telejornalismo, em sua maioria homogeneizadoras,
já que não consideram as especificidades regionais
e a identidade - lingüística e social - dos interlocutores
caracterizados no público receptor da informação.
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Ivor. Jornalismo diante das câmeras: guia para repórteres
e apresentadores de telejornais. São Paulo: Summus, 1998.
RAJAGOPALAN,
Kanavillil. O conceito de identidade em lingüística:
é chegada a hora de uma reconsideração
radical? In: SIGNORINI, Inês (org.). Lingua(gem) e Identidade:
elementos para uma discussão no campo aplicado. Campinas,
SP: Mercado de Letras; São Paulo: Fapesp, 1998. p. 21-46.
Notas
[1]
Não serão analisadas as reportagens produzidas,
somente o que, em comunicação, caracteriza-se
como talking heads, isto é, a apresentação
dos telejornais em questão.
[2]
Esta homogeinização lingüística da
produção pode trazer inúmeras conseqüências
para o processo de produção da informação
jornalística, entre elas a falta de identificação
com o leitor. Entretanto, pode também ser construída
objetivando manipular o receptor através do excesso de
informações formatadas, levando, gradativamente,
à não-criticidade em relação aos
fatos, à absorção e aceitação
pura e simples das informações, sem considerar
contextos textuais e/ou sociais dos interlocutores ou do discurso
apresentado.
[3]
Vale lembrar que o principal referencial de produção
telejornalística no Brasil hoje é a Rede Globo
de Televisão, que trabalha com o cancelamento de sotaques
dos repórteres e apresentadores.
[4]
É importante lembrar, novamente, que a estrutura conversacional
prevê a presença de marcas da conversação,
como a correção e a hesitação, ausentes
na maioria do material telejornalístico, e que isso,
portanto, colabora para a compreensão de uma ausência
de coloquialidade efetiva e de informalidade no discurso em
questão.
[5]
Chamada feita cerca de 30 minutos antes do jornal ir ao ar.
Visa a atrair o receptor para assistir o programa jornalístico.
[6]
Mesmo sendo notas distintas, onde o discurso chama para o próximo
bloco ou para o programa seguinte, o objetivo é manter
o receptor atento à programação, e, nestes
casos, trabalha-se com a intervenção direta, referindo-se
especificamente ao interlocutor e, desta maneira, inferindo
maior intimismo ao discurso para alcançar o que se pretende.
[7]
Os moradores do interior do Paraná têm alguns acentos
tonais muito marcados, como é o caso do "r"
e do "rr" em algumas palavras e da sonoridade das
frases, muitas vezes ocultada e/ou falseada na produção
jornalística televisiva.
*Debora
Cristina Lopez é mestre em Letras pela Universidade Estadual
do Oeste do Paraná (Unioeste), graduada em Comunicação
Social - Jornalismo pela Universidade Estadual de Ponta Grossa
(UEPG) e professora do curso de Comunicação Social
- Jornalismo do Centro Universitário FIB. Ivo José
Dittrich é doutor em Lingüística pela Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC), mestre em Filologia e Lingüística
da Língua Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho (UNESP), graduado em Letras pela
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Cascavel (FECIVEL)
e coordenador do curso de Letras da Universidade Estadual do
Oeste do Paraná (UNIOESTE).
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