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Jornalismo
e tecnologia:
pioneirismo e contradições
Um breve relato da chegada da
informatização nas redações
catarinenses
Por
Maria José Baldessar*
|
Reprodução

|
Resumo
A
história do Jornalismo está diretamente ligada
ao desenvolvimento de novas tecnologias e do uso delas no cotidiano.
Desde a substituição das linotipos por máquinas
off-set e, depois, das máquinas de escrever por computadores
o cotidiano dos jornalistas tem mudado nas redações,
bem como as características infra-estruturais dos locais
de trabalho. Este artigo apresenta uma breve história
da chegada dos computadores nas redações dos principais
jornais de Santa Catarina e das mudanças ocorridas nas
redações a partir desse evento.
Palavras-chave:
Jornalismo,
tecnologia, Internet, formação profissional.
Os
avanços da ciência e tecnologia vivenciados na
atualidade se refletem em todos os segmentos da sociedade. A
cada dia, a busca de informações, sejam elas noticiosas
ou não, aumenta sobremaneira, pois a posse da informação
caracteriza uma forma de poder.
No
decorrer do século XX, a humanidade presenciou o surgimento
de diversas inovações na área da comunicação.
Entre elas destacam-se o telefone, o rádio, o cinema,
a televisão, o computador e, por fim, a Internet. Cada
uma dessas inovações teve grande impacto em sua
época e todas, sem exceção, continuam a
existir e a exercer forte papel no cotidiano das pessoas. Ao
contrário do que muitos pensavam, nenhuma suplantou totalmente
a outra, e a Internet com certeza não será exceção
à regra e nem será a última invenção
humana nessa área.
No
entanto, se observarmos a linha de tempo de algumas invenções
dos dois últimos séculos, verificaremos que o
tempo de difusão da Internet é incomparavelmente
menor que os demais. A eletricidade, inventada em 1873, atingiu
50 milhões de usuários depois de 46 anos de existência;
o telefone (1876), 35 anos para atingir esta mesma marca; o
automóvel (1886), 55 anos; o rádio (1906), 22
anos; a televisão (1926), 26 anos e o microcomputador
(1975), 16 anos. A Internet, por sua vez, criada na década
de 90, tem hoje 378 milhões de usuários. Estes
números são motivo de reflexão e de impaciência:
qual o próximo invento humano?
Embora
um sem-número de jornalistas continue a afirmar que a
profissão nada tem de tecnológica e que é
movida pela criatividade e expressividade do profissional, a
realidade que se apresenta é bem diversa. Desde sempre
o Jornalismo esteve ligado à tecnologia. Por acaso os
aparelhos de rádio, televisão, fotografia e os
equipamentos para produzir materiais para estes suportes não
estão diretamente ligados a ela? O que seriam o telefone,
o fax, o velho telex e as máquinas de linotipia e clicheria
senão formas de tecnologia?
Talvez
o que se possa discutir é que, muitas vezes, um muro
(literalmente) separou os jornalistas desses inventos maravilhosos.
Carlos Sepetiba, revisor do extinto jornal A Gazeta, de Florianópolis,
conta que na sede da Rua Conselheiro Mafra a redação
ficava na frente e as Mergenthaler [1] atrás
- separadas por meia parede de tijolos. Nessa meia parede havia
uma passagem estreita por onde o aprendiz levava o material
escrito a máquina ou a mão para a composição.
E mais, "era na parte da frente que trabalhava a intelectualidade,
atrás ficavam gráficos que contavam histórias
engraçadas e que, diferentemente dos jornalistas, eram
organizados, ideológicos e tinham os salários
pagos sempre em dia".
As
mudanças nas redações e no cotidiano profissional
Sem dúvida, as grandes mudanças no cotidiano profissional
dos jornalistas começam com a informatização
das redações dos jornais e revistas no Brasil,
iniciada na década de oitenta. Com a introdução
dos computadores, os jornalistas tiveram de se adaptar a uma
realidade profissional que incluía a exigência
de maior qualificação, a especialização
crescente, as modificações nas condições
de trabalho e, sobretudo, a intensificação do
trabalho.
Um
artigo publicado na revista Imprensa sobre a informatização
do jornal O Globo descreve as mudanças no ambiente da
redação, estabelecendo um paralelo entre a redação
do passado e a atual: "uma louca sinfonia de gritos, gargalhadas,
telefones, campainhas reverberavam impunemente (...) as Olivetti
e Remington que não sofriam de arritmia eram disputadas
no tapa (...) e o impiedoso papel carbono tingia mesas, paletós,
mangas de camisa, dedos, mãos e rostos menos atentos
(...) montanhas de laudas se formavam para qualquer lado que
se olhasse (...) hoje as persianas amarrotadas foram substituídas
por um moderno sistema de iluminação que inclui
um requinte inimaginável: calhas especialmente desenhadas,
cujos focos de luz só iluminam as mesas dos terminais,
sem reflexos nos olhos ou nas telas (...) um sistema de ar condicionado
central acabou com o clima tropical que sufocava (...) e a sinfonia
das pretinhas deu lugar a um silêncio cibernético,
propiciado pelos 140 terminais e suas 138 teclas (...) e a limpeza,
nada de montanhas de papel". [2]
As
mudanças são percebidas não só no
ambiente e na estrutura física, mas também numa
nova relação com o texto. O fazer texto através
do computador, com suas possibilidades de processamento e arquivo
de texto, ganha mobilidade e rapidez: "(...) mas é
no terminal que se escondem as mais saborosas novidades para
qualquer jornalista (...) para começar o usuário
fica dispensado da preocupação com o fim de cada
linha, o computador hifeniza (...) a tela pode ser dividida
em duas, de um lado a matéria do repórter e do
outro a do redator (...) o computador também permite
a inserção de qualquer informação,
em qualquer ponto." [3]
No
espaço físico das redações a tecnologia
introduziu limpeza - desapareceram as centenas de laudas amassadas
no chão, sumiram as caixas de papel carbono para as cópias
necessárias para a linha de produção. Até
mesmo o cafezinho e o cigarro se renderam à tecnologia,
uma vez que os terminais ficam prejudicados com farelos e ambientes
poluídos. Mudou também a iluminação
e a temperatura do ar. Se antes do computador era inimaginável
uma redação com ar condicionado e persiana nas
janelas, hoje isso é rotina e já está incorporado
ao dia-a-dia.
Mas,
sem dúvida nenhuma, é na linha de produção
de um jornal ou revista que se percebem as mudanças mais
óbvias: o diagramador, que antes não vivia sem
a régua de paicas, as cartelas de letras set e a caneta
nanquim, aderiu aos softwares de edição de texto
e trabalha com precisão. A mesma sorte não tiveram
os revisores e copy-desks que, simplesmente, um a um, foram
desaparecendo da redação. Avaliar se o jornal
ficou melhor ou pior sem esses dois profissionais, numa linha
de produção ordenada, é tarefa que cabe
a nós jornalistas, como profissionais e categoria laboral,
fazer.
Jornalismo
e a Internet
A
cada década do último século surgiram mídias
e se desenvolveram ferramentas capazes de torná-las massivas
e populares em poucos anos. Com a Internet não foi diferente.
Criada originalmente pelos militares americanos no final dos
anos 60, começou interconectando dez computadores. Hoje,
trinta anos mais tarde, reúne, segundo o Instituto de
Pesquisa NEC, ligado à Universidade de Princeton, aproximadamente
300 milhões de computadores em 150 países do mundo.
Em
2002 a Internet recebeu mais de 130 milhões de novos
usuários e o número global atingiu mais de 620
milhões - 9,9% da população mundial. O
número de usuários nos países em desenvolvimento
aumentou 40%, três vezes mais que nos países desenvolvidos.
Na China, o número aumentou 75% em 2002, no Brasil, 78,5%
e na Índia, 136%. Mesmo no Oriente Médio, uma
das regiões menos conectadas do mundo, o uso da Internet
cresceu 116%, em 2002.
Os
EUA, segundo o American Journalism Review News, [4]
lideram o número de publicações online:
são 4.925 sites de notícias existentes até
setembro de 1998; destes, 3.622 pertencem a empresas de comunicação.
Embora no Brasil não se tenham estatísticas sobre
o número de publicações online, o Ibope
fez um levantamento sobre a audiência desses veículos.
De acordo com a pesquisa realizada em 1999, 50% dos 25 mil internautas
entrevistados afirmaram que navegam na Internet em busca de
informações. [5]
Apesar
destes números, a Internet vive a sua pré-história
como meio de comunicação - ainda sem uma linguagem
definida, apropriando-se da linguagem de outros veículos
para a difusão de textos, sons e imagens.
Não
restam dúvidas, no entanto, que essa linguagem se estabelecerá
a partir da convergência das mídias e da união
dos recursos infinitos de arquivo com a transmissão de
informação em tempo real e com as possibilidades
inéditas de interatividade e customização.
No entanto, para Simone (2001), "(...) só poderemos
desenvolver o verdadeiro jornalismo online quando todos nós
tivermos possibilidade de usar a banda larga e todos os benefícios
que vêm do vídeo, áudio, animação
- e não esboços destas ferramentas".
O
jornalismo na Internet ou jornalismo online vive seus primórdios.
No Brasil, e em boa parte do mundo, ainda está "agarrado"
aos velhos paradigmas do jornal impresso e se aproxima do rádio,
de forma paradoxal, quando se trata de conteúdo e forma
textual. Os portais de ou com conteúdo jornalístico,
mesmo os que dispõem de links para últimas notícias,
continuam com características de jornal e revista impressa.
[6]
A
maioria dos sites de notícia ainda são divididos
em editorias (índice à vista), com capa, manchetes
principais e chamadas para notícias secundárias,
banners comerciais e links para negócios. Assim, não
é sem propósito que todos nós navegamos
ou folheamos os sites jornalísticos com uma certa facilidade.
O mesmo não acontece com o restante do conteúdo
da rede, bastando verificar a dependência que temos dos
instrumentos de busca e, muitas vezes, a incapacidade de chegar
a resultados satisfatórios quando temos que ousar em
hiperlinks múltiplos.
Para
Pavlick (1997) o modelo transpositivo - shovelware, "é
integrante dos três estágios do desenvolvimento
de conteúdos para Web, a saber:
(1)
transpositivo - transposição do conteúdo
analógico para o digital - com pequenas ou nenhuma modificação;
(2)
adaptativo, que tem como característica a integração
das linguagens dos meios tradicionais com as novas possibilidades
da rede e
(3)
onde "um original conteúdo noticioso, desenhado
especificamente para a Web como um novo meio de comunicação",
vai fluir. Esse terceiro estágio seria caracterizado
também pela "aceitação de repensar
a natureza de uma comunidade online, mais, aceitação
de experimentar novas formas de contar uma história".
E
os jornalistas, como ficam?
Muitos
pesquisadores afirmam que a ascensão e consolidação
do jornalismo on-line vai alterar aspectos importantes de produção,
redação, edição e publicação
da notícia, além da circulação,
audiência e relação com os receptores.
A
constatação de que o jornalismo está passando
por transformações profundas e se encontra em
processo de renovação de muitas de suas práticas
pode ser aferida se aceitarmos que o mundo online está
reconfigurando as redações e as práticas
profissionais, alterando as rotinas de coleta, processamento
e difusão da informação. Podemos enumerar
estas mudanças e mesmo as avaliarmos como positivas:
(1)
acesso às fontes;
(2)
aumento na produtividade dos repórteres;
(3)
diminuição do custo de obtenção
de informações em todos os níveis e em
todos os assuntos;
(4)
qualidade na análise das informações;
(5)
menor dependência das fontes para interpretação
daquelas informações;
(6)
aumento do acesso à informação;
(7) incremento da confiança técnica e maior exatidão
das informações;
(8)
melhores formas de arquivo e busca das informações;
(9)
maior agilidade e facilidades de deslocamento.
"É
consensual a idéia de que a Internet evoluirá
de forma a garantir uma mais rápida circulação
da informação na rede, a aumentar a informação
disponível e a sofisticar a metodologia de identificação
e acesso às informações". (Bastos,
2000:83)
Para
estudiosos como Garrison (1993) e Reddick/King (1995), o próprio
conceito de jornalismo poderá modificar-se devido a vários
fatores, entre eles (1) a possibilidade de cada um atuar como
jornalista, disponibilizando conteúdos na Internet, (2)
a usurpação ao jornalista da função
de gatekeeper privilegiado do espaço público informativo,
(3) as características próprias da Internet, que
permitem o aproveitamento do hipermedia (a confluência
de "várias mídias numa só" e
das hiperligações (os links que permitem a navegação
na Internet).
Outros
como Koch (1991), Pavlik (1996) e Dizard (1997) afirmam que,
em função dessas mudanças, o perfil profissional
também mudará. A cronomentalidade dos jornalistas
poderá acentuar-se, uma vez que, devido à possibilidade
de atualização constante do noticiário,
as deadlines tendem a concretizar-se no imediatismo. As normas
que norteiam o jornalismo poderão alterar-se, seja por
força de novas políticas editoriais das organizações
noticiosas, seja por força da própria natureza
da Internet, que possibilita a diluição das responsabilidades
e até o anonimato, se não mesmo a clandestinidade.
Campos (2001) compartilha dessa visão e vai além.
Ele
afirma que a Internet permite uma forma diferente de fazer jornalismo
e aponta as possibilidades do profissional de contextualizar
cotidianos e fatos através dos hiperlinks e de como o
receptor pode interagir como essa nova notícia. "(...)
Na Internet, além das imagens atualizadas e até
do som se for o caso, o receptor conta com várias "camadas"
de texto que formam o hiperlink, possibilitando acesso a todo
tipo de detalhe, a edições anteriores, a bancos
de dados, a pesquisas de todo tipo, inclusive em outras línguas,
de modo a poder confrontar a informação recebida
da mesma maneira que o bom jornalista confronta, isto é,
"checa" a informação recebida de suas
fontes".
Já
em 1996 Lage discutia essas modificações na profissão
e apontava a necessidade permanente de reciclagem para o enfrentamento
do cotidiano profissional. "(...) Uma reciclagem que nos
permita a inclusão entre nossas atividades de boa parte
das tarefas outrora exercidas pelos trabalhadores gráficos.
Nem repórteres, nem repórteres fotográficos,
redatores, editores ou mesmo projetistas gráficos têm
seus empregos ameaçados pela tecnologia, a curto e médio
prazos. Ampliou-se, sem dúvida, o âmbito de suas
atribuições. A reciclagem necessária para
isso é do tipo inclusiva - isto é, nos obriga
a acrescentar às nossas habilidades o manuseio de sistemas
informatizados e o conhecimento de processos de telemática,
afora, é claro, uma percepção mais aguda
do cotidiano."
Um
profissional capaz e com qualificação adequada
pode servir de mediador entre as diversas "tribos"
do mundo globalizado. Assim sendo, outro aspecto que pode ser
considerado é a expansão do mercado de trabalho.
A indústria farmacêutica internacional, por exemplo,
está contratando jornalistas e publicitários para
traduzirem a linguagem médica das bulas de medicamentos,
de modo a torná-las acessíveis ao grande público,
e assim evitar os erros de interpretação e conseqüentemente,
os processos judiciais. O mesmo procedimento está sendo
adotado pela indústria de eletrodomésticos da
Europa e Ásia, que está montando escritórios
de jornalismo e relações públicas para
a produção dos manuais de instrução.
Finalmente, a explosão das chamadas novas mídias
tende a exigir, cada vez mais, um profissional qualificado para
a produção de cd-rom, enciclopédias virtuais
e banco de dados, a exemplo do que já acontece hoje.
Mas
como formar esse profissional? Essa talvez seja a principal
discussão que permeia o cotidiano das escolas de Comunicação
e Jornalismo país afora. Como formar um jornalista que
saiba aliar a capacidade técnica de produção
com um olhar crítico da realidade? Para muitos essa parceria
é inviável. Talvez devamos considerar questões
como:
(1)
as novas tecnologias da informação desencadearam
uma discussão sobre a identidade e a sobrevivência
das profissões que eram responsáveis pela mediação
simbólica. Nesse contexto, o que é ser jornalista
na atualidade?
(2)
sendo as ciências da Comunicação e Jornalismo
- e os estudos teóricos relacionados a ambas, como os
estudos culturais - um dos contextos em que se procede uma reflexão
multifacetada e transdisciplinar sobre o mundo de hoje, como
deveria ser a formação de um profissional que
dê conta dessa realidade, levando em conta questões
éticas, estéticas e de linguagem que as especificidades
do jornalismo exigem?
(3)
considerando o jornalismo online como transposição
de uma certa forma de olhar a realidade (o olhar jornalístico)
para o suporte informático, será possível
afirmar que a especificidade do meio não altera a especificidade
da mensagem?
(4)
até onde a construção desse profissional
deve aprofundar saberes específicos ou mesclá-los
com generalidades e saberes localizados?
As
respostas a estas questões talvez possam ser facilitadas
se tivermos claro que o jornalismo sempre teve seu fazer cotidiano
ligado à tecnologia. A cada novo invento a profissão
modifica suas práticas, desenvolve linguagens, cria novas
formas de mostrar o mundo através da informação.
A assimilação desse fato facilita o vislumbre
do profissional necessário para a atualidade: um profissional
que cumpre as atividades jornalísticas tradicionais,
mas que utiliza a Internet e o mundo em rede como ferramenta
cotidiana.
A
informatização nas redações catarinenses:
pioneirismo e contradições
Em
todo o Brasil a modernização nas empresas de comunicação
começou pelas áreas gráfica e gerencial,
na década de 70. Já nas redações
o processo foi iniciado na década de 80, com a chegada
dos computadores. O jornal Folha de São Paulo foi um
dos pioneiros na adoção e criação
de uma rede informatizada. O processo, no país inteiro,
apesar de lento, sempre foi incentivado pela Associação
Nacional dos Jornais, que via com bons olhos "a modernização
da infra-estrutura física e administrativa das empresas
de comunicação", como forma de racionalizar
custos e de preparar para uma "possibilidade de ampliação
de mercado e de internacionalização da comunicação,
através do advento da Internet. [7]
Em
Santa Catarina, o processo não foi diferente. A reforma
dos parques gráficos começou no jornal O Estado
em 1971, seguido pelo Jornal de Santa Catarina, em 1972, e,
finalmente, por A Notícia, que só em 1980 adotou
a off-set. No interior, a adoção de novas formas
de imprimir deu-se aos poucos, sendo que até 1992 o jornal
O Município, de Brusque, ainda tirava suas edições
em linotipia. Compreensivelmente, o processo de modernização
das redações apresentou surpresas e veio acompanhado
de pioneirismo e contradição.
Pioneirismo
por conta da implantação do Diário Catarinense,
do grupo RBS, o primeiro jornal a "nascer" informatizado
na América Latina. A criação do DC, em
maio de 1986, mostrou aos jornalistas catarinenses uma nova
realidade, que mesclava necessidade de reciclagem profissional
e adaptação a novas ferramentas de trabalho. No
ano de sua implantação, o DC atingia 166 municípios,
com uma circulação média de 26 mil exemplares,
considerando-se assinaturas e venda avulsa. Sua redação
era composta por 126 jornalistas, entre repórteres, redatores,
editores, fotógrafos e diagramadores.
Contradição
gerada por relações de trabalho truculentas, marcadas
pelo desrespeito a jornada profissional de cinco horas, demissões
arbitrárias e até o enquadramento dos profissionais
em outras categorias, como forma de burlar as leis trabalhistas
e do piso salarial vigente. No final da década de 80
e início de 90 uma série de greves, paralisações
e protestos mostraram a organização dos jornalistas
catarinense e o resultado desse processo foi o fortalecimento
do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina e da categoria
profissional.
Mas
onde está a diferença?
A
estrutura da redação do DC era diferente de tudo
o que era conhecido no jornalismo catarinense até então.
Cada editoria ficava em uma sala e em cada uma delas havia diversos
monitores ligados a uma única CPU - eram os chamados
computadores burros, já que serviam exclusivamente para
escrever. Simplesmente substituíam as máquinas
de datilografia.
Cada
profissional dispunha de uma senha para abrir sua "máquina"
e modificar o texto. Na diagramação e fotografia,
as novidades se misturavam com a tradição: embora
os terminais permitissem um pré-cálculo do tamanho
da matéria, os diagramadores continuaram a usar as réguas
de paica e os diagramas. Isso só mudaria anos mais tarde
com o aperfeiçoamento dos processadores de texto. No
fotojornalismo, por sua vez, o processo de digitalização
só começaria no final da década seguinte.
Ainda
dentro da experiência pioneira do DC, outra novidade foram
as estações móveis de trabalho. Eram uma
prerrogativa dos repórteres especiais, que não
precisavam se deslocar até a redação para
terminar a matéria. Para os jornalistas, isso implicava
a possibilidade de cobrir assuntos com mais rapidez e agilidade.
No entanto, a experiência durou menos de dois anos e as
estações móveis foram desativadas por implicarem
"gastos excessivos", que incluíam horas-extras,
hospedagem, alimentação e outros.
Depois
do DC, os demais jornais catarinenses seguiram a tendência
de informatização das redações.
A Notícia iniciou o processo em 1994, num investimento
aproximado de U$$ 500 mil, depois o Jornal de Santa Catarina
e, mais recentemente, o jornal O Estado. No interior, o processo
acompanhou a evolução regional, tendo começado
pelos semanários de Criciúma e Chapecó,
e se espalhado até mesmo aos jornais de pequeno porte.
A
informatização mudou as redações.
A limpeza e o silêncio contrastavam com tudo o que se
conhecia. As normas rígidas de acesso e uso das máquinas
eram complementadas pelos avisos de "proibido fazer lanche",
"proibido fumar" e outros, que não se coadunavam
com o cotidiano profissional até então estabelecido,
já que a produção do texto para muitos
jornalistas começava com o ritual do cigarro e do café.
Nessa
primeira fase, os jornalistas tinham outras preocupações.
Em todos os acordos e dissídios coletivos do Sindicato
dos Jornalistas Profissionais de Santa Catarina, a partir de
1986, aparecem cláusulas de proteção ao
jornalista em virtude da adoção das novas tecnologias,
como, por exemplo, a das horas de sobreaviso. [8] Estas
cláusulas foram muito discutidas, uma vez que todos estavam
a par do que ocorrera na Folha de São Paulo, em 1980,
quando a informatização da redação
deixou pelo menos 200 desempregados.
Além
do desemprego, os jornalistas logo perceberam outras ameaças:
as mudanças na nomenclatura de contratação.
Os diagramadores passaram a ser "paginadores eletrônicos",
tendo como resultado o enquadramento em outra categoria profissional,
em que o salário era menor e a jornada de trabalho maior
que o limite de cinco horas de trabalho estabelecido pela CLT
para os jornalistas. Em conseqüência, mudaram a representação
sindical - de jornalistas passaram a gráficos.
Outro
aspecto relevante foi a juvenização da profissão.
As escolas de comunicação lançam no mercado
cerca de três mil profissionais/ano - em Santa Catarina
esse número chega a quase 300. Esse exército de
reserva numeroso, qualificado e jovem tem permitido ao empresariado
a opção pela contratação de profissionais
recém formados, em detrimento de outros com mais idade
e experiência. Esse procedimento acirra a rotatividade
e reforça a manutenção de salários
baixos.
Some-se
ainda a estes problemas a questão da saúde. Uma
pesquisa da Organização Mundial do Trabalho, feita
em 1984, identificou as doenças cardiovasculares, as
neuroses e as doenças do aparelho digestivo como sendo
as enfermidades mais freqüentes na profissão de
jornalista. Onze anos depois, a OIT refaz a pesquisa e acrescenta
outros problemas causados pelo computador: deficiências
na visão e no sistema reprodutor, lesões permanentes
nos tendões, alergias, epilepsia, estresse, bronquite
crônica devido ao ar refrigerado, além de problemas
de ergonomia.
Além
da deterioração das condições de
saúde, a evidência de precarização
no trabalho é observada nos chamados procedimentos flexibilizados.
Em 1995, o Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina deflagrou
uma campanha contra o exercício irregular da profissão.
Os laudos da Delegacia Regional do Trabalho, responsável
pela fiscalização, não só mostram
o desrespeito à legislação profissional
como evidenciam a precarização do trabalho. Das
trinta empresas fiscalizadas - entre elas os jornais Diário
Catarinense, A Notícia, O Estado e Jornal de Santa Catarina
- em seis é constatada a existência de contratos
temporários de trabalho, em quinze a abolição
do controle de ponto através de livro ou máquina,
em vinte e duas o não depósito de Fundo de Garantia
por Tempo de Serviço, e em catorze o não pagamento
do salário normativo.
Assim,
apesar das mudanças físicas nas redações
e algumas alterações nos procedimentos cotidianos
de coleta da informação, no uso da Internet como
fonte de dados e do computador como banco de informações,
pode-se afirmar que a introdução dos computadores
nas redações catarinenses, assim como em todo
o país, não alterou a condição social
do jornalista.
A
tecnologia não mudou a relação do jornalista
com seu fazer profissional ou com as ferramentas de trabalho
necessárias a ele. Da mesma forma, não mudou a
relação entre o empresariado de comunicação
e os profissionais, essa continua sendo mediada pelo capital
e pela apropriação do trabalho.
Referências
bibliográficas
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Pedro Celso. Novos paradigmas de produção, emissão
e recepção do discurso. Publicado no Website Observatório
da Imprensa. www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.
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Elizabet Saad. Edição em jornalismo eletrônico.
São Paulo: Edicom ECA/USP, 2000.
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Wilson P. A nova mídia: a comunicação de
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Editores, 1998.
FIDLER,
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communications for new century. Califórnia: Pine Forge
Press, 1997.
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Bruce. Computer-assisted reporting. Mahwah, New Jersey: Laurence
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Nilson. Convergência Tecnológica. In: Congresso
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LÉVY,
Pierre. As Tecnologias da Inteligência: o futuro do pensamento
na era da informática. Rio de Janeiro. Nova Fronteira,
1989.
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1995.
PAVLICK,
John. New media technologies and the information highway. New
York: Allyn&Bacon, 1996.
__________________.
The future of Online Journalismo. Journalism: a guide to who's
doing what. Columbia Rewiew, jun/ago, 1997.
Notas
[1]
- Máquina de linotipia inventada pelo alemão Ottmar
Mergenthaler em 1879. O princípio da Linotype consiste
em juntar, com a ajuda de um teclado, não letras mas
matrizes de letras que formam um molde/bloco em linha. Por isso
estas máquinas se chamam "linhas bloco" em
oposição às máquinas que compõem
linhas letra por letra (ex: Monotype). É esta particularidade
de fundir num só bloco de chumbo uma linha de matrizes
(type em inglês), ou seja "line of type" (linha
de matrizes), que está na origem do seu nome.
[2]
Artigo publicado na revista Imprensa em setembro de 1987, assinado
por Astrid Fontenelle e Débora Chaves. Neste artigo são
descritas as condições da redação
do jornal O Globo antes e depois da informatização.
[3]
Idem.
[4]
Disponível em www.ccp.ucla.edu.
Acessado em 24 de junho de 2003.
[5]
Disponível em www.folha.com.br/informacao.
Acessado 18 de junho de 2003.
[6]
As empresas brasileiras de mídia se utilizam, em alguma
medida, do que os americanos conceituam como "shovelware",
ou seja, a transposição do conteúdo analógico
para o digital - com pequenas ou nenhuma modificação.
[7]
Ver, BALDESSAR, Maria José. Estudo sobre a Associação
Nacional dos Jornais. Programa de Pós-Graduação
em Sociologia Política da UFSC. Mimeo, 1997.
[8]
Horas de sobreaviso: "As empresas que exigirem a utilização
de aparelhos eletrônicos de localização,
do tipo bip ou telefone portátil, celular ou qualquer
forma de plantão permanente, pagarão adicional
de 30% sobre o salário mensal". Adoção
de novas tecnologias: "Na hipótese de adoção
de novas tecnologias que possam implicar redução
do quadro funcional, as empresas ficam obrigadas a desenvolver,
junto com o Sindicato, estudos de reaproveitamento em outras
atividades dos jornalistas atingidos. Os não aproveitados
farão jus a um aviso prévio de, no mínimo,
90 dias. Para os que tenham mais de 35 anos de idade, o aviso
será de 180 dias."
*Maria
José Baldessar é professora do curso de Jornalismo
da Universidade Federal de Santa Catarina, doutorando da Escola
de Comunicação e Artes da Universidade de São
Paulo, mestre em Sociologia política pelo programa de
pós-graduação em Sociologia Política
da Universidade Federal de Santa Catarina.
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