Documentos
História
do Jornalismo
Acervos
Públicos: a conservação
da memória da Imprensa Paulista
Por
Valéria Guimarães*
Os
documentos abaixo são parte das fontes usadas em
uma pesquisa de doutorado sobre o fait divers
no Brasil. [1] São reproduções
fotográficas[2] de páginas de alguns
dos mais antigos jornais paulistas, restaurados e disponibilizados
para consulta pública no Arquivo do Estado de
São Paulo e na seção de periódicos
da Biblioteca Pública Mário de Andrade.
Composta
por verdadeiras raridades, tal documentação
nos remete às origens da atividade tipográfica
e jornalística entre os nossos.
Proibida
durante a Colônia, foi apenas em 1808, com a chegada
da Corte e a transformação do Brasil em
centro político do Império português,
que a produção impressa se oficializou.
Pode-se dizer até que ela passou a existir a partir
de então, visto que as tentativas anteriores ao
século XIX eram esparsas e fracassavam frente à
repressão oficial.
Como
se sabe, os primeiros jornais a circularem no Brasil foram
o "Correio Braziliense" e a "Gazeta
do Rio de Janeiro" (ambos
de 1808). O "Correio Braziliense"
era impresso em Londres, editado pelo brasileiro José
Hipólito da Costa, estudante em Coimbra, e tinha
explícita vocação liberal.
Aliás,
a tendência que prevaleceu na Imprensa do século
XIX foi o cunho militante das folhas, também conhecidas
como Pasquins, jornal de poucas páginas,
cujo discurso era mais persuasivo que informativo.
A
"Gazeta do Rio de Janeiro", editada pelo
frei Tibúrcio José da Rocha, foi o primeiro
jornal impresso em solo brasileiro e pertencia à
Imprensa Régia, uma espécie de Diário
Oficial, sujeito a rígida censura.
O
número de jornais se multiplicava na Corte mas
à pequena vila de São Paulo a Imprensa só
chegou 15 anos depois. Foi apenas em 1823 que houve uma
tentativa oficial de fazer circular um jornal, "O
Paulista", bissemanário e manuscrito a
bico de pena; mas a tentativa malogrou em poucos meses.
Nesta
nossa pesquisa aos arquivos paulistas não achamos
a edição de 1823, mas sim uma edição
de 1832, [Imagem 1]
o que faz crer que ele tenha sido reeditado um decênio
depois.
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Reprodução
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Imagem 1. "O Paulista", 10.07.1832
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Na
seqüência, temos o surgimento de "O Farol
Paulistano", em 1827, em cuja tipografia foi impresso
"O Paulista", de 1832. Abaixo, temos uma edição
de 1829: [Imagem 2]
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Imagem 2. "O Farol Paulistano", 27.09.1828
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Entre
os mais antigos jornais paulistas está também
"O Observador Constitucional", de 1829, editado
por Líbero Badaró. Temos abaixo a página
de um exemplar de 1830. [Imagem
3]
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Imagem 3. "O Observador Constitucional", 05.02.1930
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Todos
estes jornais têm em comum o fato de serem porta-vozes
de campanhas políticas de determinados grupos sociais.
Não havia espaço para o mundanismo ou mesmo publicidade,
pois era uma fase em que a Imprensa ainda não conhecia
as técnicas de mercado.
Tal
"modernização" ocorreu apenas em fins
do século XIX, quando as conseqüências da
revolução científico-tecnológica
transformaram o vilarejo de taipa no maior centro burocrático-econômico
do Império.
Entre
os pioneiros em adotar um estilo popular, valorizando a diversidade
de informação e o alcance de um público
amplo e variado, está o "Correio Paulistano".
Fundado primeiramente em 1831, é fechado um ano depois,
ressurgindo apenas em 1854, mas sempre mantendo um caráter
conservador, servindo de espaço aberto para as idéias
do governo.
Mesmo
oscilando entre diversas posturas ao longo de sua existência,
tendo mesmo se auto-intitulado "abolicionista", nunca
deixou de ser conservador. [Imagem
4]
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Imagem 4. "Correio Paulistano", 02.11.1832
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Segundo
a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, em seu livro "Retrato
em Branco e Negro" [SP: Companhia das Letras, 1987],
referência obrigatória sobre o assunto, temas como
"mulher" ou "racismo" sempre receberam tratamento
reacionário por seus jornalistas e não havia intenção
do periódico como um todo de se mostrar apegado às
novas idéias, como aparentemente ocorreu com "A
Província de São Paulo".
[Imagem 5]
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Imagem 5. A edição número 1 de "A
Província de São Paulo", 04.01.1875.
Com a Proclamação da República, passa
a se chamar "O Estado de S.Paulo".
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Representante
do ascendente grupo dos republicanos, "A Província
de São Paulo" declarava-se imparcial, adepta
da "ciência moderna" e inaugurou a venda de
jornais por meio de ambulantes, o que lhe imprimiu ar inovador.
As
teorias racistas encontravam espaço aberto em suas seções
e editoriais, sendo o discurso do progresso e da evolução
uma constante.
Em
meio a uma crise financeira, legado da oposição
ao conservadorismo monárquico, em 1885 Júlio de
Mesquita assume a direção do jornal. Em 1886,
se torna o maior jornal paulista, com a tiragem de 3 mil exemplares
publicados.
Com
a Proclamação da República o jornal muda
o nome para "O Estado de S.Paulo" e daí
em diante as páginas reservadas à publicidade
aumentam cada vez mais.
Uma
segunda fase da modernização da Imprensa paulista
pode ser notada com maior destaque justamente no "O
Estado de S.Paulo". Com maior número de anunciantes,
torna-se a publicação de maior circulação
e, na virada do dezenovevinte, multiplica as tiragens graças
à adoção das novíssimas tecnologias
de impressão, como a aquisição da rotativa
Mariconi.
A
diagramação confusa, sem ordem prévia,
sem seções definidas, quase um acúmulo
de notícias sem critério, dá lugar a seções
específicas, títulos nítidos e fixos -
facilitando a localização do leitor - e a um diagrama
pré-estabelecido dos assuntos que normalmente obedecia
a seguinte ordem: telegramas (notícias internacionais
e locais recebidas pelo telégrafo) nas primeiras páginas,
artigos políticos e literários a seguir, esportes,
palcos e circos, notícias diversas (com anúncios,
variedade e cotidiano em geral), folhetim e anúncios,
muitos anúncios.
Desse
modo, em 1920 já temos um jornal de feições
modernas, de grande circulação para os padrões
da época e servindo de principal plataforma de discussão
das questões sociais vigentes. [Imagem
6]
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Imagem 6. "O Estado de S.Paulo", 04.12.1920
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Já
não mais de cunho persuasivo, apesar de continuar sendo
canal de expressão dos interesses dos grupos políticos
dominantes, o jornal se remodelava para satisfazer à
nova sensibilidade que surgia com as novas formas de sociabilização
impostas pelo crescimento repentino da cidade e pelos novos
ritmos da modernização.
Não
é à toa que espaço reservado ao mundanismo
e às novas maneiras de entretenimento da incipiente sociedade
de massas cresceu também nas páginas dos jornais.
Cresceu
o espaço reservado a anúncios de filmes, circos,
teatro, parques, literatura popular, com adaptações
dos tradicionais folhetins e com histórias cujos temas
de amor, morte, riso e sentimentos fortes canalizavam esta demanda
reprimida pela transcendência em uma sociedade racionalizada
pela urbanização e pela máquina. [Imagens
7 a 9]
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Imagem 7. "O Estado de S.Paulo", 03.10.1919
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Imagem 8. "O Estado de S.Paulo", 23.05.1919
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Imagem 9. "O Estado de S.Paulo", 23.05.1919
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Temos
nestes acervos públicos, portanto, riquíssimo
material que nos conta como se deu o desenvolvimento da Imprensa
no Brasil, acervos a serem louvados pelo esforço de restauro
e conservação de tão preciosos testemunhos.
Notas:
[1]
GUIMARÃES, Valéria. "Notícias Diversas:
suicídios por amor, 'leituras contagiosas' e cultura
popular em São Paulo nos anos 10". Tese de doutorado,
Depto. de História - FFLCH - USP, 2004.
Edição:
Marcelo Januário - Todas as imagens são reproduções
fotográficas dos originais, digitalizadas e restauradas
eletronicamente.
*Valéria
Guimarães é doutora em História Social da
Cultura pela FFLCH/USP.
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