F
Francisco
Morel
Francisco
Rocha Morel nasceu em 22 de junho de 1927, na cidade de
Fortaleza, capital do Estado do Ceará. Fez parte do grupo
de intelectuais nordestinos que tiveram papel importante na
formação da Escola de Comunicações
e Artes, a ECA, da Universidade de São Paulo, a USP.
Ao lado de figuras proeminentes como José Marques de
Melo, Gaudêncio Torquato e tantos outros, participou de
momentos importantes para a consolidação dos estudos
no campo da "Comunicação Social" no
Brasil.
Morel
transferiu-se para a cidade de São Paulo ainda jovem,
onde foi exercer as atividades profissionais de advogado e publicitário.
Esta
última experiência lhe seria de muita valia em
sua contribuição para o mundo acadêmico
do futuro. Ao lado de Raul Fonseca, outro nome de importância
na criação e formação de cursos
de "Comunicação Social" e futuro companheiro
de academia, Francisco Morel montou e dirigiu uma agência
de publicidade.
Em
1967, aceitou um convite que o atrelaria definitivamente às
atividades universitárias. O então recém-nomeado
diretor, Júlio Garcia Morejón, se encontrava às
voltas com o grande desafio de implantar uma Escola de Comunicações
dentro da Universidade de São Paulo, enfrentando o ceticismo
dos colegas ligados a outras unidades da Universidade de São
Paulo. Morejón precisava naquele momento de pessoas empreendedoras
e de absoluta confiança. Francisco Morel era uma dessas
pessoas, e foi contratado originalmente como assessor de diretoria.
A
grande experiência profissional de Morel rapidamente o
levou à sala de aula, dentro da estrutura do "Departamento
de Publicidade e Relações Públicas".
Em 1970, começa a colaborar de forma efetiva com o "Departamento
de Editoração e Jornalismo". Inicialmente
participou da comissão que elaboraria as diretrizes do
futuro curso de "Editoração" e posteriormente
assumiu a responsabilidade pela cadeira "Processos de Impressão".
Na
condução desta disciplina, Morel estabeleceu processos
de excelência, dentro dos recursos disponíveis
à época, que tinham por objetivo dar qualidade
estética às publicações produzidas
dentro do departamento. Um momento marcante nesse processo foi
a participação, ao lado do professor José
Marques de Melo, na criação da editora-laboratório
"Com-Arte". Todo esmero e dedicação
aos projetos gráficos das publicações laboratoriais
e acadêmicas em geral lhe renderiam uma homenagem como
patrono da gráfica da ECA - Escola de Comunicações
e Artes.
O
espírito de Francisco Morel, desde sempre, o levava a
buscar a conjugação entre os campos profissional
e acadêmico, e esta será uma característica
de sua brilhante trajetória, verificável em suas
atividades práticas e teóricas. Aqueles que com
ele conviveram são unânimes em atestar sua postura
irônica e quase irreverente diante daqueles que assumiam
ares marcadamente teóricos, ignorando as interações
mais do que necessárias entre teoria e prática.
A prova final da coerência e do acerto desta postura viria
em 1972, quando, sem se desvincular da Universidade de São
Paulo, Morel seria convidado para colaborar na fundação
das Faculdades Integradas Alcântara Machado, mais tarde
denominadas como "Unifiam". Segundo a filosofia anteriormente
implantada na Escola de Comunicações e Artes,
Morel procurou implementar, seguindo suas características,
um curso na área de "Publicidade e Propaganda"
que integrasse as experiências do mercado aos conceitos
metodológicos.
Não
obstante sua significativa participação em momentos
históricos dos cursos de comunicação em
duas importantes instituições de ensino paulistas,
a mais notória e marcante contribuição
de Francisco da Rocha Morel para o campo comunicacional brasileiro
se daria em 12 de dezembro de 1977. Nessa data, Morel assinaria,
ao lado de figuras como os professores José Marques de
Melo e Cremilda Medina, a ata de fundação da INTERCOM
- Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação.
Colocadas
em perspectiva, a fundação da INTERCOM e a participação
de Francisco Morel no processo podem ser consideradas como marcantes,
pela abrangência nacional que a instituição
acabaria por tingir e pela possibilidade que ela enseja ao possibilitar
a reunião e o debate das principais idéias produzidas
sobre comunicação no Brasil.
Mesmo
enfrentando toda a sorte de preconceitos dentro do mundo acadêmico
e dificuldades epistemológicas que a criação
de um novo conjunto de cursos exigia, Francisco Morel e seus
companheiros iniciaram a sistematização e estruturação
do modelo de ensino-aprendizagem que serve como referência
até nossos dias. Existe, porém, um aspecto da
obra de Morel ainda pouco conhecido e explorado: sua dissertação
de mestrado, requisito que lhe seria exigido, ainda no início
dos anos 80, para que pudesse seguir lecionando na Escola de
Comunicações e Artes da USP. Num trabalho nada
prolixo, típico de sua objetividade, Morel procurará
mostrar as relações entre "Jornalismo"
e "Publicidade".
Francisco
da Rocha Morel desapareceu, prematuramente, em 19 de fevereiro
de 1984, vítima de complicações com a saúde,
deixando para trás uma obra sob um ponto de vista fundamental,
mas ainda por se concretizar e enraizar no campo teórico.
A dissertação de Francisco Morel, "O anúncio
da notícia - Contribuição para uma retórica
do discurso jornalístico", orientada por Gaudêncio
Torquato do Rego, foi defendida na ECA/USP, em agosto de 1983.
Este dado é bastante significativo se considerarmos que
no Brasil os estudos sobre comunicação, e particularmente
sobre jornalismo, encontravam-se nesta época em fase
de desenvolvimento (salvo raríssimas exceções).
Especificamente
no que se refere à desmitificação da prática
jornalística, enquanto paradigma e paladina da democracia
burguesa, Cremilda Medina foi uma das pioneiras a associar os
rumos do jornalismo com uma produção industrial
e comercial, já em 1978. Francisco Morel, cinco anos
depois, mostraria como esta produção industrial,
comercial e também ideológica teria pontos de
interface com a publicidade e o discurso publicitário,
ícone maior da sociedade de consumo.
É
importante que se ressalte que o trabalho de Francisco Morel
não é panfletário, é científico,
e como tal estrutura-se para provar a hipótese levantada
sobre esta interface jornalismo/publicidade. Além disso,
o seu domínio sobre a prática publicitária
lhe permitiu vislumbrar esta realidade, estabelecendo uma análise
do discurso jornalístico que transcendeu o, até
então corrente, modelo analítico baseado unicamente
no texto escrito.
Com
o objetivo de sustentar sua argumentação, o autor
estruturará sua dissertação da seguinte
forma:
Unidade
I - Teoria da Comunicação e Sociedade;
Unidade
II - Sociedade Industrial, Comunicação de Massa
e Indústria Cultural;
Unidade
III - Retórica da Mensagem dos Meios de Comunicação
de Massa;
Unidade
IV - A Contaminação Retórica das Mensagens
do Discurso Jornalístico;
Unidade
V - O Anúncio da Notícia.
A
partir das reflexões de Jacques Durand e G. Péninou
sobre o emprego da metalinguagem em "Publicidade"
como forma de elaboração de uma retórica,
Morel buscará comprovar com a análise de cinco
edições do diário "Jornal da Tarde",
do grupo "O Estado de S.Paulo", como os recursos amplamente
empregados pelos publicitários em suas campanhas aparecerão
também na composição do noticiário
apresentado por aquela publicação. O "Jornal
da Tarde", obviamente, se apresenta como um recorte analítico
para um padrão que se repete em toda a imprensa, principalmente
a imprensa escrita, como voltaria a exemplificar posteriormente
com a revista "Veja", Milton José Pinto, em
2002.
Como
exibe Morel, o emprego dos chamados códigos de marca
"modula abundantemente as manifestações da
profissão publicitária". A análise
desses códigos - cromático, tipográfico,
fotográfico e morfológico - nas edições
do "Jornal da Tarde", utilizadas como objeto de pesquisa,
aliada a observação da construção
e ocupação espacial dentro das páginas,
servirá como elemento de comprovação de
o quanto o noticiário jornalístico recebe tratamento
de anúncio.
A
localização espacial dos elementos comerciais
no seio da imagem, e mais amplamente, no seio da página,
não é, portanto, indiferente, visto que se sabe
que os padrões de leitura não conferem o mesmo
valor às diferentes partes da página. Certas configurações
privilegiadas subentendem, conseqüentemente a imagem publicitária.
A leitura de Morel dessas edições procurará
mostrar, portanto, como esses elementos são trabalhados,
associados e dissociados, de acordo com a situação
e ênfase que se procure dar a este ou aquele fato.
Seja
ironizando-o, reforçando estereótipos ou simplesmente
procurando chamar a atenção do leitor, ou do consumidor,
se pensarmos a notícia como produto e o tratamento das
chamadas e manchetes, aliadas às fotos, como o mesmo
que é dispensado aos anúncios. Enfim, uma maneira
de tornar o produto final da prática jornalística
mais atraente e cativante nas prateleiras das sociedade onde
tudo está à venda.
Francisco
Rocha Morel não era muito afeito aos convencionalismos
do mundo acadêmico. Sua natureza o levava a um pragmatismo
realizador. Um dos fundadores da ECA/USP, do "Curso de
Comunicação Social" da Unifiam e da INTERCOM,
Morel foi um realizador. Infelizmente, ao não se permitir
uma produção escrita mais vasta de seus pensamentos,
acabou por nos privar de reflexões pioneiras e pouco
subexploradas.
Francisco
Morel classificava de míope a tradição
dos estudos sobre teoria e técnicas de jornalismo por
esta se encontrar centrada na palavra escrita. Ainda que tenhamos
alguns autores que procurem ir além deste padrão,
a regra continua sendo basicamente a análise do texto
escrito. Portanto, sua crítica, seu pioneirismo e sua
visão privilegiada continuam fazendo muita diferença.
O campo de estudos aberto por Morel é bastante fértil
e aguarda estudos que possam aprofundar as reflexões
sobre o quanto o jornalismo contemporâneo é influenciável,
influenciando e influencia as relações de troca
dentro do sistema produtivo hegemônico no planeta.
Crédito:
Osmar Mendes Júnior
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